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O NORDESTE NO MOVIMENTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Lúcia Cristina dos Santos Rosa*
RESUMO
O presente estudo aborda a participação dos estados da Região Nordeste no
processo de reforma psiquiátrica brasileira. Tem por objetivo geral analisar a
participação dos 9 estados da Região Nordeste no processo de reforma
psiquiátrica brasileira. Trata-se de um estudo exploratório, que teve como
principais ferramentas de trabalho a pesquisa documental e bibliográfica. A
analise das informações sugere que a implementação do processo de
reforma psiquiátrica na região Nordeste ocorre de maneira heterogênea entre
os 9 estados. O avanço de tal processo acompanhou o desenvolvimento
econômico, concentrou-se nos estados considerados pólos de
desenvolvimento econômico e industrial da região
Palavras-Chave: Nordeste; Reforma Psiquiátrica; Saúde Mental
ABSTRACT
The present study approaches the participation of the states of the Northeast
Region in the process of brazilian psychiatric reform. It hás for general
objetive to analyze the participation of the 9 states of the Northeast Region in
the process of brazilian psychiatric reform. One is about na introductory study,
that had as main tools of work bibliographical the documentary research and.
The analysis of the information suggests that the implementation of the
processo of psychiatric reform in the Northeast region occurs in
heterogeneous way between the 9 states. The advance of such process
folloied the economic development, concentrated in the considered states
polar regions of economic and industrial development of the region.
Keywords: Northeast; The psychiatric Reformation; Mental healt
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo aborda a participação dos estados da Região Nordeste no
processo de reforma psiquiátrica brasileira. O desenho da pesquisa visou responder,
principalmente, às seguintes indagações: qual a participação dos estados da Região
Nordeste na construção do processo de reforma psiquiátrica desenvolvida no país? Há uma
particularidade que caracteriza a inserção dos estados nordestinos em citado movimento?
Trata-se de um estudo exploratório, que teve como principais ferramentas a
pesquisa bibliográfica, isto, é valeu-se de fontes secundárias, do acervo bibliográfico tornado
público (MARCONI; LAKATOS, 2002) e documental, ou seja, explorou “documentos de
primeira mão” (GIL, 1999), no geral, relatórios, por exemplo, de secretarias de saúde
municipal ou estadual, do Ministério Público, etc.
*
Doutora em Serviço social pela UFRJ
São Luís – MA, 23 a 26 de agosto 2005
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2 O PROCESSO REFORMISTA EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL
O
processo
de
reforma
psiquiátrica
coloca-se
contra
o
modelo
hospiciocêntrico/hospitalocêntrico instituído na sociedade Ocidental moderna, a partir do fim
do século XVIII. Tal modelo se constrói a partir da constituição da cidadania moderna.
Paulatinamente, com toda a violação de direitos que tal espaço produz, contraditoriamente,
vai ser indagado a partir mesmo das discussões da cidadania, sobretudo a partir do
reconhecimento dos direitos das minorias sociais. Neste sentido em 17 de dezembro de
1991 a Organização das Nações Unidas divulga o documento que trata da “proteção de
pessoas com problemas mentais e a melhoria da assistência à saúde mental”, do qual o
Brasil é signatário. Dessa maneira, o que singulariza a reforma psiquiátrica em curso no
mundo Ocidental no pós-guerra e a partir dos anos 70 no Brasil é a construção da cidadania
dos loucos, até então tutelados. Paradoxalmente, o desafio que é colocado é de revisão da
“cidadania interditada” (DELGADO, 1992).
3 A PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS DA REGIÃO NORDESTE NO MOVIMENTO DA
REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Esta seção visa contextualizar o curso da implantação do modelo assistencial
hospitalocêntrico nos 9 estados da Região Nordeste, como forma de mostrar a densidade
dos desafios postos para a perspectiva de reorientação de tal modelo, no plano local. Em
seguida, mostra, de forma panorâmica, o processo de criação dos centros de atenção
psicossocial, considerado o principal dispositivo reformista, nos 9 estados da região. Vale
lembrar, a Região Nordeste abrange uma área geográfica com 1.660.359 quilômetros
quadrados, congregando os seguintes estados: Maranhão; Piauí, Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Ainda inclui o Território Federal de
Fernando de Noronha. Apresenta intensa diversidade ambiental (de vegetação, solo, clima)
e sócio-cultural. Segundo o Censo de 2000 vive na Região um total de 47.693.253 pessoas,
sendo os estados mais populosos: a Bahia, com 13.066.910, Pernambuco com 7.911.937
habitantes, o Ceará com 7.418.476 residentes e o Maranhão com 5.642.960 pessoas. A
distribuição populacional acompanha o desenvolvimento econômico
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3.1 Gênese da assistência psiquiátrica nos estados da Região Nordeste
A rede de serviços de maior procura no país, saúde e educação, no geral,
concentram-se nas capitais de cada Estado, que tornam-se, historicamente, um pólo de
atração para migrantes, por centralizar os bens e serviços e também as melhores
possibilidades de emprego.
Seguindo a tendência geral no território brasileiro, nos Estados do Nordeste, a
assistência psiquiátrica se inicia, como no restante do país, através das ações da Igreja,
institucionalmente nas Santas Casa de Misericórdia. Criam-se, “asilos de alienados” ou
espaços, no geral nos porões das Santas Casas para iniciar a atenção aos alienados.
Inicialmente tais instituições eram geridas administrativa e assistencialmente pelas freiras.
Recife (1864), Salvador (1874), Natal (1882), Fortaleza (1886); Maceió (1891) e Paraíba
(1892) na Região Nordeste são os estados pioneiros neste tipo de assistência (MEDEIROS,
1999).
A Característica básica do modelo manicomial no Brasil e na região Nordeste é a
concentração
da
assistência
psiquiátrica
nas
capitais,
centralizada
no
modelo
hospitalocêntrico, com parca interiorização da assistência. É Incorporado o modelo
assistencial implementado pelo governo federal à assistência psiquiátrica da região
Nordeste. O segmento de baixa renda constitui o principal usuário da assistência prestada
pelas instituições pública.
Duplamente estigmatizados, por serem loucos e pobres, este segmento social
terá sua cidadania invertida, negada e tutelada, pela segregação social.
Muitos esforços foram empreendidos para resgatar a função terapêutica destas
instituições, tais como a sua transformação em colônias agrícolas ou a introdução de
práticas de grupo operativo e melhorias arquitetônicas e assistenciais.
Os esforços em humanizar e melhorar a qualidade assistencial, embora
freqüentes, tem tido baixo impacto e é descontínuo.
A institucionalização do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços
Hospitalares – PNASH – versão hospitais psiquiátricos (Portaria GM/MS 3.408, de 05 de
agosto de 1998) materializa mais um investimento no sentido de “garantir a qualidade
mínima necessária aos serviços de saúde”.
Tal programa é de fundamental importância, posto que a assistência psiquiátrica
ainda é predominantemente efetivada neste tipo de serviço, que consome mais de 90% dos
gastos do SUS.
A região conta com um parque manicomial com aproximadamente 57 hospitais
psiquiátricos, através dos quais são oferecidos para a rede do SUS em torno de 11.608
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leitos. O estado de Pernambuco lidera na região, concentrando 14 hospitais psiquiátricos e
3.431 leitos. Em segundo lugar, figuram a Bahia e o Ceará, ambos com 9 hospitais
psiquiátricos, cada um.
Atualmente o modelo assistencial encontra-se em transição, de um padrão
segregador, excludente e hospiciocêntrico, para um modelo de serviços aberto, comunitário
e preservador da cidadania.
Muito embora persista a coexistência de lógicas/modelos, o novo e o velho
convivendo, um dos principais avanços é no reconhecimento do portador de transtorno
mental como sujeito de direitos.
3.2 A implementação da reforma psiquiátrica nos estados do Nordeste
Até junho de 2004 o Ministério da Saúde informa a existência de 516 centros de
atenção psicossocial em atividade no país. A Região Nordeste figura em 3º lugar na
quantidade dos novos dispositivos em saúde mental: 109, abaixo da região Sudeste, em 1º
lugar com 240 e da Região Sul com 111 (BRASIL. Ministério da Saúde, 2004). Isto é,
regiões de maior desenvolvimento econômico lideram numericamente a criação de novos
dispositivos. Seguindo a mesma lógica do desenvolvimento econômico na Região Nordeste,
que é a que tem maior número de estados: 9, em 1º lugar desponta o Estado da Bahia com
32 dispositivos; seguido pelo Ceará com 26 e em terceiro lugar Pernambuco com 17
(BRASIL. Ministério da Saúde, 2004).
Contudo, historicamente, a importância da participação dos diferentes estados
economicamente mais dinâmicos não seguiu esta ordem. O Ceará destacou-se como
pioneiro na região, haja vista ter criado o primeiro caps da região em 1991, em Iguatu. O
Ceará ainda teve na região, a primeira lei estadual na perspectiva da reforma psiquiátrica, a
segunda do país.
O Rio Grande do Norte é o segundo estado na região a criar caps, em Natal, na
zona leste do município.
Pernambuco teve a segunda lei estadual voltada para a reforma, na região.
Em suma, parece que nos estados economicamente mais potentes, uma gama
de circunstâncias favoreceram a vanguarda no processo.
A Analise do avanço do processo reformista nos estados da região Nordeste
teve por indicador a criação de caps, informação acessada através do Ministério da Saúde
e do site da ong inverso (www.inverso.org.br).
O caps não é apenas um serviço, é uma condensação, uma materialização, uma
síntese do jogo político no campo psiquiátrico, que pode inclusive ser apropriado pelas
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forças opositoras do processo em curso e ter seu sentido modificado, como chama a
atenção Rotelli (1990).
A consolidação de um serviço não depende só de uma competência técnica.
Implica na arregimentação de forças em várias esferas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como explicitado, o presente estudo trata-se de uma aproximação, com uma
visão panorâmica.
Com relação à indagação principal do estudo: qual a participação dos 9 estados
da Região Nordeste, na construção do processo de reforma psiquiátrica desenvolvida no
país, a análise das informações sugere que:
a) Todos os estados da região participam, em diferentes ritmos, do processo
de reforma da assistência psiquiátrica;
b) Em todos os estados foram criados serviços substitutivos. A região até
março de 2004 tinha 40 caps I (destacando-se a Bahia com 14, em
segundo lugar o Ceará com 10 e Sergipe, em terceiro, com 05). A Bahia e o
Ceará contavam com 14 caps II, cada estado e Pernambuco 11. Apenas a
Bahia e Sergipe contavam com caps III, considerado a modalidade
efetivamente substitutiva por funcionar 7 dias da semana e 24 horas por
dia,
contando
com
leitos
psiquiátricos
para
internação.
Somente
Pernambuco (com 2), Alagoas e Piauí contavam com capsi. Com exceção
de Alagoas e Maranhão, os demais estados contavam com capsad na rede.
Em termos proporcionais a participação nordestina na criação de caps é
numericamente semelhante às demais regiões. Claro que como conta com mais estados,
era de se esperar um número ainda maior, mas, tem havido um crescimento significativo
ano a ano. A rede conta ainda com residências terapêuticas.
Como pode ser identificada a implementação do processo de reforma
psiquiátrica na região Nordeste ocorre de maneira heterogênea. É possível constatar que o
avanço de tal processo acompanhou o desenvolvimento econômico. Isto é, aludido
movimento progrediu sintonizado com as diretrizes do Ministério da Saúde, sobretudo, nos
estados considerados pólos econômicos e industriais na Região.
O principal indutor de mudanças na Região foi a própria coordenação de saúde
mental do Ministério da Saúde. Todos os estados sofrem influência dos processos
reformista iniciados na Região Sudeste, tendo por estimulador o projeto de lei nº 3.657-D, de
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1989 que deu origem à proposta semelhante na arena legislativa estadual e de parte
significativa dos municípios, sobretudo das capitais dos estados da Região Nordeste.
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