ORBIS: Revista Científica
Volume 3, n. 3
ISSN: 2178-4809 Latindex Folio 19391
DA PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
Caio Nunes de Lira Braga1
José Erivaldo Araruna Filho2
RESUMO
O presente artigo trata da problemática vivida diretamente por mais de meio milhão de
condenados que vivem no sistema carcerário brasileiro. São pessoas que, na maioria das
vezes, habitam celas superlotadas, revezando-se para conseguir dormir. São as famosas
"universidades do crime", onde o tráfico de drogas e a lei do crime predominam sobre o
aparelho estatal. Reflexos de um sistema falido. Diante de tal cenário, propõe-se uma
alternativa: a adoção de um modelo público-privado, em que Estado e iniciativa privada se
unem com o intuito de alcançar a grande finalidade da pena privativa de liberdade: a
reintegração do preso à sociedade. Trata-se de um modelo de privatização de gestão mista, em
que cada responsável - estado e empresa - assumem papéis distintos.
Palavras-chave: Sistema penitenciário. Privatização. Parceria público-privada. Gestão
privada. Tutela jurisdicional.
DE LA PRIVATIZACIÓN DEL SISTEMA PENITENCIARIO
BRASILEÑO
RESUMEN
El presente artículo trata de la problematica vivida directamente por más de medio millón de
condenados que viven en el sistema penitenciario brasileño. Estas son personas que, en su
mayor parte, viven en celdas abarrotadas, turnándose para dormir. Son las famosas
"universidades de los delitos", donde el tráfico de drogas y la ley de los delicuentes
predominan sobre el aparato del Estado. Reflejos de un sistema roto. Frente a este escenario,
se propone una alternativa: la adopción de un modelo público-privado, en que el sector
público y privado se unen para lograr un de los fines por la cual se impuso la condenación:
que és de reintegrar al delincuente en la sociedad. Se trata de un modelo de privatización de
gestión mixta, donde cada responsable - Estado y empresa - asumen papeles distintos.
Palabras clave: Sistema penitenciario. Privatización. Asociación público-privada. Gestión
privada. Protección judicial.
1
Graduando em Direito pela UEPB - Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande-PB. Endereço
eletrônico: [email protected]
2
Graduado em Direito pela FACISA – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Campina Grande/PB. Pósgraduando em Direito Constitucional Aplicado pela FDDJ - Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Advogado.
E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
“A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível [...] O seu fim
[...] é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e
dissuadir os outros de fazer o mesmo.” (BECCARIA, 2011).
O fracasso do sistema prisional brasileiro pode ser analisado através de números.
Segundo dados do Ministério da Justiça3, em Junho de 2012, o Brasil tinha uma população
carcerária de 549.577 presos, sendo 288,14 presos para cada grupo de 100 mil habitantes.
Ainda segundo dados fornecidos pelo próprio Ministério, o Brasil conta com 1420
estabelecimentos prisionais, que juntos possuem 309.074 vagas. Diante desses dados é
possível se concluir algo simples: há mais de 240 mil pessoas ocupando vagas que não
existem. A frieza dos números, porém, não reflete a realidade da grande maioria dos presos,
os quais, em sua maioria, vivem em situações de precariedade total, em ambientes que fogem
de qualquer possibilidade de reabilitação social.
No que tange à legislação pátria, é direito do apenado e dever do Estado ressocializálo, reintegrá-lo ao convívio harmonioso com a sociedade, receber tratamento digno, ter
alimentação, lazer e atividades físicas e intelectuais garantidas. Essa política de resgate
deveria ser feita com a finalidade de recuperar o condenado, para que, ao sair da penitenciária,
possa conviver de forma pacífica com o restante da sociedade. Nada mais utópico quando se
analisa o atual sistema prisional brasileiro.
As penitenciárias encontram-se num estado crítico onde não existem, com raras
exceções, condições mínimas para a recuperação de pessoas. O descaso e a inoperância
Estatal desenvolvem nos presídios verdadeiras comunidades regradas por suas próprias leis,
propiciando rebeliões, disputas de gangues, tráfico de drogas, corrupção de agentes, bem
como a falta de interesse do próprio Estado em resolver o problema, o que revela um modelo
falido, muito distante do ideal que deveria norteá-lo.
Corrobora com essa visão catastrófica do sistema penitenciário a colocação, muito
bem acertada, embora trágica, do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que chamou o
sistema carcerário brasileiro de “medieval”, afirmando, ainda, que preferia “morrer” a
cumprir uma pena por um longo tempo4.
3
Dados obtidos no endereço eletrônico do Ministério da Justiça, através do Sistema Integrado de Informações
Penitenciárias – InfoPen.
4
Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/11/121117_prisoes_medievais_lk.shtml>.
Acesso em 12 de dezembro de 2012.
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Diante desse cenário, almeja-se abordar a alternativa da privatização do sistema
carcerário, ainda que de forma superficial e sem pretender esgotar o debate sobre o tema, mas
na certeza de que tal perspectiva deveria ser seriamente considerada pelos legisladores e
administradores públicos.
DO DEVER DE RESSOCIALIZAR
A priori, cumpre transcrever o art. 1º da Lei de Execução Penal5, que prevê: “A
execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
O presente dispositivo manifesta duas finalidades, sendo a primeira parte ligada a
correta efetivação do que dispõe a sentença ou decisão criminal. A segunda, que importa
destacar, trata de instrumentalizar os meios que podem ser utilizados para possibilitar a
participação do apenado ao convívio social.
Consoante se infere do art. 10 da mesma lei, reforça-se o dever de se recuperar o
condenado, a saber: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando
prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Essa assistência deverá ser
material, de saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.
Afirma a Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5º, XLIX, que é direito
fundamental do preso ter garantido sua integridade física e moral. A Carta Magna assevera
ainda, no inciso III do mesmo dispositivo legal, que: “Ninguém será submetido à tortura nem
a tratamento desumano ou degradante”.
Ora, analisado o teor da norma constitucional, da qual se extrai o dever legal de
reintegração do apenado à sociedade, facilmente se depreende o descaso do Estado em
proporcionar tal direito.
Com maestria Júlio Fabbrini Mirabete (2007, p.32) aborda a importância de uma
correta aplicação da execução da pena: “A justiça penal não termina com o trânsito em
julgado da sentença condenatória, mas realiza-se principalmente na execução”. De fato, o
comportamento do apenado após sua liberdade está diretamente ligado ao tratamento recebido
durante o cumprimento de sua pena.
Apesar de sua relevância, não se vê, por parte do Poder Executivo, nenhuma atitude
que possa indicar alguma mudança na atual política carcerária, exceto a realização de
5
Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.
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mutirões com a finalidade de aliviar um pouco a sobrecarga de pessoas nos presídios, isto é,
com objetivos imediatistas.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DA PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS
Diante da falência do sistema prisional brasileiro, do não cumprimento do objetivo
principal da pena, que é a reabilitação social do preso, e da disponibilidade pela iniciativa
privada para tentar modificar o quadro carcerário atual, mister conhecer as disposições
constantes do ordenamento jurídico pátrio acerca de tal empreitada.
De inicio, cabe lembrar que já temos no Brasil algumas experiências de gestão
privada de presídios, inspirados pelo “modelo francês” de gestão, o qual será analisado
adiante. Tais presídios estão localizados em Juazeiro do Norte-CE (Penitenciária Industrial
Regional do Cariri), em Valença-BA (Conjunto Penal de Valença), em Joinville-SC
(Penitenciária Industrial de Joinville), em Guarapuava-PR (Penitenciária Industrial de
Guarapuava)6, e em outras cidades, contando com aproximadamente 11 unidades que seguem
o modelo de gestão público-privado.
A nossa Carta Magna não traz nenhum dispositivo que impossibilite a mudança na
administração de um presídio. O teor de seu artigo 144, ao afirmar que a segurança pública é
dever do Estado, “não apresenta prescrição impeditiva de processo de terceirização da
administração dos presídios, uma vez que o dispositivo constitucional trata especificamente
da polícia ostensiva e da manutenção da ordem pública” (BOLLER, 2012).
O art. 10 da Lei de Execuções Penais, anteriormente transcrito, versa em torno do
dever do Estado de prestar assistência ao preso, com o objetivo de prevenção de crimes,
orientando-o ao convívio social. Uma interpretação literal deste dispositivo legal poderia levar
ao entendimento de que não seria possível a implantação do modelo de gestão proposto no
presente trabalho, isto é, com a colaboração de uma empresa privada de gestão de presídios.
Todavia, tal entendimento não merece guarida, uma vez que se trata de um modelo
de “cogestão” entre o Estado e uma empresa especializada, através do qual o Estado
permanece junto à iniciativa privada, estando incumbido de fiscalizar o cumprimento de todas
as obrigações assumidas pela empresa. O referido modelo de “cogestão” passa a ser descrito
no tópico seguinte.
6
No caso do presídio paranaense, sua administração, apesar de exitosa, passou para as mãos do estado no ano de
2006, seguindo a política do Governador Roberto Requião, durante sua gestão.
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MODELOS DE GESTÃO DE PRESÍDIOS PRIVATIZADOS
Verificada a possibilidade jurídica, ou mesmo a ausência de vedação legal, para a
implantação de um modelo privatizado dentro do nosso sistema prisional, convém analisar os
possíveis modelos de gestão, procurando identificar qual (is) desses modelos melhor se
adequaria à realidade brasileira. Duas vertentes principais podem ser utilizadas como
parâmetro: o modelo norte-americano e o modelo francês de gestão, este já anteriormente
mencionado.
Na década de 80, durante a gestão do então presidente norte-americano Ronald
Reagan, visando o corte de gastos em seu governo, foi implantado um modelo de gestão de
presídios baseado no conceito econômico do liberalismo. Segundo este modelo, a privatização
dos presídios passava necessariamente por três tipos de categoria, quais sejam: o
arrendamento de unidades carcerárias, a administração dos particulares das unidades e a
contratação de serviços específicos7.
Na primeira categoria a empresa constrói as prisões, dotando-as de todas as
especificidades exigidas legalmente, e as “aluga” ao governo. Nesse caso a participação do
particular é restrita, pois toda a administração carcerária ficará nas mãos do Estado. Na
segunda, toda a administração é transferida para as mãos de particulares, inclusive, a direção
carcerária. Na terceira, segundo Marcelo de Figueiredo Freire, “o Estado faz um contrato com
o particular que concorda em abrigar, alimentar e vestir os presos evitando as fugas, em troca
usa seu trabalho em benefício próprio” (FREIRE, 1995, P. 89-115).
O ponto de convergência entre as três categorias acima mencionadas se encontra no
fato de que o preso é visto como um “beneficiário” do contrato firmado entre o Estado e o
administrador particular, podendo aquele, inclusive, exigir o cumprimento das obrigações às
quais este se comprometeu.
Apesar de bem sucedido, o modelo americano tem o viés que ultrapassa a
possibilidade jurídica de implantação no Brasil. Segundo Luiz Flávio Borges D’urso, o
indivíduo é entregue pelo Estado à iniciativa privada, que o acompanhará durante todo o seu
internamento. Nesse contexto, o Estado entregaria a tutela jurisdicional à empresa, no entanto,
7
O Procurador da República da 1ª Região, Dr. Marcelo de Figueiredo Freire, realizou estudo detalhado acerca
do tema - vide obra do autor em Referências Bibliográficas.
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tal modelo não seria permitido no Brasil, uma vez que a tutela jurisdicional no nosso país é
indelegável8.
De acordo com o estudioso, o modelo ideal para implantação no Brasil seria o
denominado “modelo francês”, assim chamado por haver sido adotado primeiramente naquele
país, sendo, atualmente, o modelo utilizado pelos modernos presídios de gestão privada no
Brasil. Referido modelo preconiza que caberá ao Estado a administração da pena, sendo este
que pune e recompensa o indivíduo, enquanto que a administração do presídio (alimentação,
lazer, higiene, apoio psicológico, tratamento de saúde, carcereiros e demais profissionais etc.)
seria dever do ente privado.
Nesse diapasão, cumpre destacar o entendimento de Luiz Flávio Borges D’Urso
acerca do tema:
(...) não se está transferindo a função jurisdicional do Estado para o empreendedor
privado, que cuidará exclusivamente da função material da execução penal, vale
dizer, o administrador particular será responsável pela comida, pela limpeza, pelas
roupas, pela chamada hotelaria, enfim, por serviços que são indispensáveis num
presídio. Já a função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado, que
por meio de seu órgão-juiz,determinará quando um homem poderá ser preso, quanto
tempo assim ficará, quando e como ocorrerá punição e quando o homem poderá sair
da cadeia, numa preservação do poder de império do Estado, que é o único titular
legitimado para o uso da força, dentro da observância da lei. (Direito Criminal na
Atualidade, Ed. Atlas, 1999, p. 74).
Dessa forma, a gestão da penitenciária caberia ao administrador particular que,
participando do devido processo licitatório, teria que obedecer a todos os parâmetros
estabelecidos pelo poder público. Em outras palavras, ao vencer o certame, a empresa privada
passa a ser responsável por assegurar aos presos condições mínimas necessárias a lhes
garantir o respeito a sua dignidade, facilitando o processo de ressocialização, estando neste
incluído a adequada estruturação física do espaço onde os apenados permanecerão.
Esse modelo misto, adotado em algumas unidades prisionais do Brasil, tem se
mostrado bastante exitoso. Tais presídios vêm sendo reconhecidos por diversas entidades do
poder público e organizações não governamentais ligados aos direitos humanos como de
modelos de gestão a serem seguidos, modelos nos quais os presos recebem tratamento digno,
acesso livre ao trabalho e aos estudos, ambientes com condições mínimas de higiene, sem
8
O princípio da indelegabilidade afirma que o órgão constitucionalmente investido no poder de jurisdição tem a
obrigação de prestar a tutela jurisdicional e não apenas a simples faculdade. Dessa maneira, não pode o juiz
delegar sua jurisdição a outro órgão não dotado de investidura, sendo este princípio corolário do princípio do juiz
natural e da inafastabilidade da jurisdição. Conforme garante a Carta Magna em seu art. 5º, LIII: "ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente".
7
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contar com a ocupação proporcional de apenados por cela, evitando superlotações, tudo com o
escopo de propiciar a reinserção do apenado ao convívio pacífico em sociedade.
Tendo como referência a Penitenciária Industrial de Guarapuava, localizada no
interior do Paraná, é possível vislumbrar o modelo de gestão mista em análise:
O Estado, através de seus funcionários investidos nos cargos de Direção, ViceDireção e Fiscal de Segurança da Unidade, orienta, acompanha, fiscaliza e legitima
o trabalho da empresa, que é executado em estreita observância da Lei de Execução
Penal e das normas e rotinas do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná DEPEN. O funcionamento da Penitenciária (...) está assentado no tripé formado
pelo Estado (responsável pela custódia do preso), pela empresa contratada
(responsável pela operacionalização da Unidade) e pela iniciativa privada (...)
responsável pela disponibilização de trabalho para os sentenciados. 9
DA MODALIDADE DE PRIVATIZAÇÃO A SER IMPLEMENTADA
Seguindo as regras gerais de contratação aplicáveis à Administração Pública, os
contratos celebrados com empresas privadas devem ser precedidos de licitação, observada a
legislação pertinente, no caso a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, além da determinação
expressa do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
No que tange ao tema proposto, a privatização ocorreria pela modalidade
“terceirização”. Acerca dessa modalidade, Delgado (2009) explica que a descentralização da
atividade por intermédio de “terceiros” consiste na verdadeira compreensão da palavra,
apresentando o “terceiro” como um intermediário entre as partes.
Nesse sentido, é possível extrair o seguinte conceito:
A terceirização é o meio pelo qual a Administração Pública contrata o setor privado
para realização de determinadas atividades a serem executadas diretamente por
empresas particulares. Assim substitui a Administração, o servidor público pelo
terceiro contratado nos casos em que aquele, hipoteticamente, não se faz essencial.
(ISP Brasil, 2006, p. 10)
Essa terceirização de serviços pela Administração Pública é realizada por meio de
um Contrato Administrativo, precedido do regular processo licitatório. Importante destacar
que o objeto do referido contrato é a própria prestação de serviços e não a contratação de mão
de obra. Nesse último caso, a Administração Pública deverá realizar concurso público,
conforme determina o art. 37, inciso II, da Constituição Federal.
9
Extraído do sitio na internet do Governo Estadual do Paraná. Disponível em <www.pr.gov.br/celepar/seju>.
Acesso em 12 de dezembro de 2012.
8
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Dessa forma, as empresas especializadas em administração penitenciária deverão
garantir que serviços como assistência médica, odontológica, psicológica, jurídica e social,
fornecimento de alimentação, vestuário, higiene e segurança, além de desenvolver em seus
quadros profissionais treinamento específico para essas finalidades, enquanto que ao Estado
caberá fiscalizar o cumprimento destas obrigações e administrar a pena. Falhando na
observância das obrigações assumidas, o Estado poderá romper unilateralmente o contrato
com o administrador privado, por meio das denominadas “cláusulas exorbitantes”, garantias
extraídas da própria Lei de Licitações.
Assim, o Estado deixaria a cargo de “terceiros” os serviços delegáveis, assumindo
apenas a tutela jurídica da execução penal. Convém ressaltar que a terceirização impõe à
Administração o dever de fiscalizar e acompanhar a prestação dos serviços, o que inclui tanto
sua execução quanto o cumprimento de deveres trabalhistas e previdenciários de seus
funcionários.
VANTAGENS DA PRIVATIZAÇÃO CARCERÁRIA
A experiência oriunda do modelo privatizado tem revelado certa tendência a
“desestimular” os distúrbios existentes no interior dos presídios, uma vez que opera em duas
importantes vertentes. A primeira delas atua com o fito de garantir ao apenado condições
mínimas, porém satisfatórias, para a restauração de sua dignidade, com a possibilidade, por
exemplo, de inclusão através de atividades que ocupam o tempo útil do reeducando, remindo
sua pena através do trabalho e da educação10. Na segunda vertente, assegura-se a rígida
disciplina carcerária, com horários estabelecidos e, em caso de graves suspeitas de corrupção,
a possibilidade de demissão sumária dos agentes penitenciários envolvidos, sem a morosidade
da instauração do processo administrativo disciplinar.
Segundo Boller, o resultado prático da implantação do presente modelo tem
resultado em dados bastante satisfatórios. A reincidência criminal, por exemplo, no caso dos
presídios privados, gira em torno de 6% (seis por cento), enquanto que, em outras
penitenciárias que não adotam o modelo em análise, esse percentual pode alcançar até 70%
(setenta por cento).
Nesse contexto, consoante levantamento da Plataforma Brasileira de Direitos
Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil), menos de 20% (vinte
10
De acordo com Boller, o analfabetismo nos presídios brasileiros chega a 10,4%, sendo ainda maior a
porcentagem de presos que não terminaram o ensino fundamental.
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por cento) da população carcerária tem acesso a algum tipo de atividade escolar. Os números
revelam ainda que 70% (setenta por cento) dos detentos não possuem ensino fundamental
completo e apenas 8% (oito por cento) são analfabetos. Por tais razões, e tantas outras, a
parceria público-privada se mostra mais do que recomendável, mormente no que tange às
oportunidades para o desenvolvimento da alfabetização e educação profissional, facilitando a
reintegração do apenado ao mercado de trabalho.
Na Penitenciária Industrial de Joinville/SC, que possui capacidade pra cerca de 360
(trezentos e sessenta) internos, os presos trabalham seis horas diárias em oficinas montadas
em parceria com empresas da área de confecção e recebem um salário mínimo, sendo que
uma pequena parte deste salário é retida pela penitenciária como fonte de arrecadação. Os
detentos tem acesso ainda à biblioteca e projetos de educação, contando, inclusive, com
tratamento médico e odontológico.
Com todos esses cuidados, a implantação do modelo carcerário privatizado pode
parecer desvantajosa, considerando que, na penitenciária modelo de Joinville/SC, por
exemplo, o valor gasto para manutenção de um apenado gira em torno de R$ 2.200,00 (dois
mil e duzentos reais) por mês11, enquanto que no sistema estatal cada preso custa em torno de
R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por mês12.
A princípio esta alternativa mostra-se desfavorável, contudo, numa perspectiva
voltada para o custo-benefício, isto é, levando-se em conta o tratamento recebido pelos
presidiários nos modelos de gestão mista, facilmente chega-se a conclusão de que é
economicamente viável a adoção de tal modelo, considerando os malefícios oriundos da
carceragem “medieval” que atualmente ostenta os presídios brasileiros, beirando ao colapso,
na grande maioria das vezes.
Outra grande vantagem dentro do modelo privado é a concorrência entre as
empresas, como fator que reduzirá os custos para níveis cada vez menores. Vale lembrar que
esta concorrência se dará em dois momentos: durante a fase do procedimento licitatório, como
já explanado, e durante o cumprimento do contrato, podendo a Administração Pública, através
das chamadas “cláusulas exorbitantes”, rescindir unilateralmente o contrato em razão de
interesse público, fundamentando na deficiência da prestação dos serviços, contratando outra
empresa, quando necessário.
11
Esse valor é relativo, podendo variar conforme a penitenciária, girando em torno dos R$ 2.200,00 e R$ 1.200.
De acordo com dados do Observatório de Segurança Pública, obtidos pela CPI do Sistema Carcerário, em
2008, pelo então deputado Domingos Dutra (PT-MA). <http://www.observatoriodeseguranca.org/node/679>
Acesso em 04 de Março de 2013.
12
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Por outro lado, na perspectiva do setor público, a lógica muitas vezes se torna
perversa. Diante da ineficiência de um resultado, os gestores públicos muitas vezes seutilizam
o mal desempenho como argumento para se obter mais verbas, gerando pouca eficácia e
grande desperdício de dinheiro público.
CONCLUSÃO
O atual sistema prisional, com efeito, permite a instalação de verdadeiras
“universidades do crime”, em que os apenados são violados em sua integridade física e moral,
e o dever de reintegrá-los passa longe de sua efetiva observância. A falta de condições
mínimas, celas superlotadas, rebeliões constantes, entrada não permitida de telefones celulares
propiciando a prática de outros delitos, o ócio e a própria confissão por parte do Ministro da
Justiça, dando conta da péssima qualidade de nossas cadeias “medievais”, demonstram que o
apenado brasileiro está longe de ser recuperado.
Por intermédio de uma mudança na política de gestão de presídios, adotando-se o
“modelo francês”, ou modelo de gestão mista, através da parceria entre Poder Público e entes
privados, por meio da terceirização da operacionalização das atividades já mencionadas, será
possível enxergar uma luz no atual “período de trevas” em que subsiste nosso sistema
prisional.
A implantação desse modelo de gestão propiciará ao Estado, pois, a manutenção da
tutela jurisdicional sobre o condenado, podendo, inclusive, nomear os dirigentes das unidades
prisionais, fiscalizando o cumprimento do Contrato Administrativo que fora firmado por meio
de processo licitatório. Por outro lado, com a participação de empresas ligadas à
administração de presídios, será possível oferecer oportunidades ao apenado para estudar,
receber uma educação técnica, ter acompanhamento psicológico, facilitando sua reinserção ao
convívio pacífico e harmonioso em sociedade.
Almeja-se, assim, uma completa reformulação na política pública voltada ao
condenado, assumindo o dever de ressocializar o criminoso e de chamar este dever ao
conjunto da sociedade organizada. Trata-se de garantir o respeito ao princípio da dignidade da
pessoa humana, consagrado, nossa Carta Magna, como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil.
REFERÊNCIAS
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ARAÚJO JÚNIOR, João Marcelo de (coord.) Privatização das prisões. São Paulo: Revista
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KAWAGUTI, Luis. O que faz as prisões do Brasil serem chamadas de 'medievais'?
Disponível
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http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/11/121117_prisoes_medievais_lk.shtml.
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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal Parte Geral. 24ª Ed. Editora Atlas:
São Paulo, 2007.
Recebido em 09-04-2013
Aprovado em 08-06-2013
12
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