Transplante: Unidade de Santa Cruz rejeitou dez casos desde 2008
Hospital suspeita de venda ilegal de órgãosCerca de uma dezena de casos suspeitos de
venda ilegal de rins foram detectados (e travados) desde 2008 pela equipa médica de
transplantação do Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide (Oeiras), que avalia os
potenciais dadores de órgãos vivos.
Por:Cristina Serra
O risco do tráfico de órgãos – uma das preocupações no Dia Mundial do Rim, que se
assinala quinta-feira, dia 8 – obrigou à alteração na legislação nacional, no que respeita
à doação fora dos laços consanguíneos: publicada em Junho de 2007, a lei foi
regulamentada em Novembro desse ano. Desde então, 17 cônjuges já se ‘ofereceram’
para salvar a vida do respectivo parceiro.
Porém, também se registaram casos em que os dadores pretendem algo mais que ajudar
o próximo. "Detectámos casos suspeitos de interesses materiais [venda ilegal de
órgãos], de pessoas de países sul-americanos ligadas a religiões. Mas não só.
Detectámos outros casos relacionados com o trabalho, do empregado que tem a
expectativa de ascensão na empresa e quer dar o rim ao patrão", afirma Domingos
Machado, nefrologista e responsável pela unidade de transplantação do Hospital de
Santa Cruz. É aos profissionais de saúde envolvidos no processo de transplantação que
cabe a tarefa de detectar os casos de possíveis ilícitos com a venda de órgãos.
A unidade de transplantação do HSC integra nefrologistas, cirurgiões, enfermeiros,
psicólogos e assistentes sociais, e avalia o processo de cada candidato ao transplante de
rim. Sempre que há indícios de haver pressões na relação entre o doente e o potencial
dador, os especialistas colocam um "travão" ao processo de transplantação, por uma
questão de ética. Existe outro tipo de desistência do transplante de rim de dador vivo:
por exemplo, quando o potencial dador se apercebe que a doação implica riscos,
contratempos e cuidados a ter no futuro. Para ‘amadurecer’ a decisão da dádiva é
fundamental, segundo os especialistas, deixar passar algum tempo para dar início ao
processo de transplante, o que acontece ao fim de três meses.
EVITADA A DÁDIVA DE JOVENS COM MENOS DE 25 ANOS
Os médicos tendem a evitar aceitar as dádivas de rim de jovens com menos de 25 anos,
para não comprometer a função renal futura. É que a partir dos 40 anos este órgão perde
de 0,5 a 0,8 por cento da sua função. Se um jovem doar um rim, poderá ter problemas
com o outro rim.
RASTREIO GRATUITO EM LISBOA PARA TODA A POPULAÇÃO
Para assinalar o Dia Mundial do Rim, na quinta-feira (dia 8) realiza--se um rastreio
gratuito de tensão arterial e glicemia, os principais factores de risco para o
desenvolvimento da doença renal. O rastreio será aberto a toda a população e terá lugar
na praça do Rossio, em Lisboa.
ENTRE 500 MIL A 800 MIL COM PROBLEMAS RENAIS
A Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN) estima que entre 500 mil a 800 mil
pessoas em Portugal sofram de algum grau de compromisso da função renal, sendo que
a maior parte dos casos não estão identificados. Fernando Nolasco, presidente da SPN,
afirma que quanto mais tarde estas situações forem tratadas "mais problemas haverá
para evitar que progridam". À medida que os anos vão passando, a doença renal vai
evoluindo e as lesões podem tornar-se irreversíveis, explica o responsável. Daí que o
rastreio seja importante para que se possa avaliar o risco da doença.
DISCURSO DIRECTO
"HÁ PRESSÕES DENTRO DAS FAMÍLIAS", Domingos Machado, Nefrologista, H.
St.ª Cruz
Correio da Manhã – Os dadores têm consciência dos riscos da dádiva?
Domingos Machado – Existem as comissões de ética que têm de saber se o dador está
bem esclarecido dos riscos e, para isso, averiguam se está consciente da doação.
– A dádiva é espontânea ou existem pressões?
– Detectámos alguns casos de pressões dentro de famílias.
– Que tipo de pressões?
– Pressões de pais que querem obrigar o filho a dar um rim ao irmão.
– O que acontece nesses casos? O filho dá o rim?
– Não, seria contra a ética e esses casos não são aceites na transplantação. A dádiva tem
de ser feita em consciência, de forma voluntária, sem pressões.
– Qualquer pessoa pode dar um órgão?
– Têm de ser pessoas hipersaudáveis.
O MEU CASO: ANA C. PEREIRA
JOSÉ DEU UM RIM QUE SALVOU A VIDA DA ESPOSA, ANA
Ana Cristina Pereira, professora, foi a primeira doente insuficiente renal em Portugal a
receber, em Fevereiro de 2008, um rim de dador vivo entre pessoas sem relação de
consanguinidade, um transplante possível após a publicação da nova lei. O dador foi o
marido, José Pereira, 42 anos, desenhador projectista, que soube que era compatível
após vários exames médicos.
Ana Cristina recebeu o rim direito. Quatro anos depois de ter relatado a sua história ao
CM, o casal mostra-se feliz e saudável. "Só precisamos de ter alguns cuidados, mas
nada de especial", afirma Ana Cristina Pereira. O marido concorda. Os cuidados que
têm passam por beber três litros de água por dia, tomar os medicamentos, ter uma
alimentação saudável e evitar o sal. "Nada que não fizéssemos antes", sublinha José
Pereira.
Longe vão os tempos em que Ana Cristina tomava 30 comprimidos por dia e estava
ligada a uma máquina (diálise peritoneal) em casa, oito a nove horas por dia, uma
situação que lhe condicionava a vida. "Nunca deixei de dar aulas, mas tinha de
programar o meu dia para estar essas horas em casa a fazer a diálise", afirma. Hoje, Ana
Cristina Pereira sente-se renascida. "Sinto-me como era antes da doença", afirma.
José Pereira só lamenta que os dadores de transplantes não possam fazer as análises
clínicas nos laboratórios convencionados e sejam obrigados a ir ao hospital onde a
cirurgia foi feita, devido aos cortes na Saúde. "Perdemos horas de trabalho nas
deslocações."
PERFIL
Ana Cristina Pereira tem 44 anos e é professora do 6.º ano de Matemática e Ciências na
escola secundária EB 2/3 Aranguez, em Setúbal. É casada, tem um filho, de 23 anos, e
gosta de tocar viola na missa de domingo.
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