ADVOCACIA E COMUNICAÇÃO SOCIAL
A Comunicação Social presentemente pode-se definir como o conjunto de meios de difusão
de informações de carácter jornalístico (escritos, audiovisuais e multimédia) que operam no
interior de uma sociedade – Dicionário de Ciências da Comunicação, Dicionários
Temáticos/Porto Editora.
Unicamente e apenas através desta definição actual vemos como mudaram os media.
É de pensar como, hoje em dia, estamos longe da Comunicação Social de há um par de
décadas atrás, não sendo necessário recuar aos tempos do Leipzer Zeitung, primeiro jornal
diário do mundo criado na Alemanha em 1660.
Todas as correntes filosóficas influenciaram os Media, principalmente o Iluminismo, tendose começado a sentir a sua importância no século XIX, quando se tornou numa indústria
com o desenvolvimento da rotativa.
Em 1820 para Hegel “o jornal é a oração laica matinal do homem moderno”.
Em 1923 numa célebre reunião em Frankfurt, filósofos seguidores de Hegel e Marx,
denunciam o perigo da industrialização e estandardização da cultura referindo-se à
imprensa.
Em meados do século XX as Instituições, segundo Karl Popper, são a Economia de
Mercado, a Democracia Política e os Media.
Aliás, esta Sociedade Aberta de Popper para o economista austríaco Friedrich Hayek seria
uma Grande Sociedade com os referidos três intervenientes totalmente ligados e
entrelaçados, pois que dependentes uns dos outros, embora com antagonismos, num
autêntico e perfeito “ménage à trois”.
Nos anos sessenta Marshall MacLuhan lucidamente refere que nos Media até então o que
tinha sido importante era a mensagem, mas agora mais importante do que o conteúdo da
mensagem é o Media que permite a sua transmissão.
Esta “estandardização da cultura” denunciada na “reunião de Frankfurt”, ou seja, a
homogeneização cultural promovida pelos Mass Media, acabou por domesticar e moldar a
Opinião Pública.
A Opinião Pública em vez de corresponder a uma real força modelizadora e
mobilizadora dos projectos colectivos, passa a ser não mais do que uma forma
interiorizada de modelos forjados pela indústria cultural (os Mass Media).
Como salienta Adriano Duarte Rodrigues in “O Campo dos Media”, Comunicação &
Linguagens, a Opinião Pública passa a ser mais objecto do que sujeito autónomo de uma
vontade e saber colectivos.
Repare-se que o espaço encolheu num tempo que se acelera fruto da aliança entre a
informática e as telecomunicações.
A Televisão passou a ser (e agora também a Internet) a grande educadora e líder de
comportamento.
A sua influência é enorme e penetrante porque lecciona ao domicílio, é praticamente grátis,
e fá-lo a novos e velhos, universitários e analfabetos, ricos e pobres, etc.
É o mais influente arquitecto do nosso Universo como referiu o na altura Senhor Presidente
da Assembleia da República, Dr. Almeida Santos, na sessão de encerramento do V
Congresso dos Juízes Portugueses.
A distinção de Marshall Mcluhan em 1964 in “Understanding Media” que considerou os
Media Quentes e Frios conforme o grau de envolvimento com a audiência, tendo aqueles
(os Quentes) um elevado grau de pormenor como a Rádio, e estes (os Frios) um grau mais
baixo de pormenor obrigando a audiência a completar a informação, como a Televisão, até
parece um paradoxo, porque a informação televisiva é agora escaldante (diga-se em termos
figurados porque sempre correcta em termos das premissas a distinção de Marshall
Mcluhan).
Forma e deforma, cria e destrói e confunde ficção com realidade.
Nos últimos anos a excessiva empresarialisação dos meios de Comunicação Social tornouos escravos das audiências.
A informação procura a todo o custo a obtenção de picos de audiência, aposta em slogans e
frases mediáticas, sendo a informação sumária para não dizer, muitas vezes, absolutamente
primária.
Os Media para não fugir ao que hoje se passa com a maioria das pessoas, pois todas pensam
saber superficialmente de tudo mas profundamente acabam por não saber nada de nada,
permitem-se fazer afirmações completamente deslocadas e até investigar, julgar, absolver e
condenar, e tudo muito rápida e eficazmente, em contraposição com a lentidão dos
Tribunais.
As opiniões, as entrevistas, as mesas redondas, quadradas e de qualquer formato sucedemse, assim como os fóruns e outros que tais, começando as pessoas a confundir ficção com
realidade e o ar do tempo a reinar, que é o ir na onda e é o que pensam precisamente as
pessoas que não pensam, como dizia há tempos José António Saraiva num editorial do
Jornal Expresso.
Este modo de agir dos Media atingiu toda a sociedade Portuguesa, e à qual não escapou a
Justiça.
Ora, tanto a Justiça como até Política não estavam preparadas para este embate com uma
Comunicação Social concorrencial e feroz, veja-se a título de exemplo a mossa que fez no
Governo da altura o aparecimento dos vários canais privados a competir.
No entanto, os políticos, mal (quando governam e decidem para as sondagens e audiências)
ou bem, foram-se moldando a esta realidade, já não havendo lançamento de candidatura ou
discurso que não seja programado para os telejornais de determinada hora.
Como se costuma dizer não é uma questão de estar certo ou errado, de estar bem ou estar
mal, É ASSIM.
E é assim, e muitas vezes bem, porque também muito se deve aos Media, tendo sido crucial
o jornalismo de investigação, tanto em Portugal como no estrangeiro, para a denúncia de
muitos crimes e situações horríveis que de outro modo ficariam impunes.
Isto é, a máquina da Justiça nunca lá chegaria muito se devendo à Comunicação Social.
Voltando aos prós e contras deste tema, já Platão in “Fedro” diz quanto à escrita que a
mesma é um “Pharmakon”, ou seja tanto pode ser uma droga perigosa como um remédio
para o pensamento.
Tendo tido os Media todo este desenvolvimento e transformação, perguntar-se-á agora o
que se passa quanto à Justiça ?
No nosso entender a Justiça pouco fez e não se conseguiu ainda adaptar aos tempos actuais,
nem dar a resposta adequada ao que a Sociedade necessita.
E nesta “inadaptação” da Justiça os Advogados também têm responsabilidade, havendo,
como muitas vezes acontece, uma grande diferença entre o que se fez e o que se pode na
realidade fazer para que Justiça vá de encontro ao que a Sociedade dela espera neste campo
dos Media, uma vez que, mal ou bem, quer se queira ou não, a sociedade mediática não
voltará para trás.
A liberdade de expressão é um dos grandes valores de referência de uma sociedade livre.
A liberdade de Imprensa, corolário da liberdade de expressão, é outro dos valores que
ninguém põe em causa, tendo-se vindo a consolidar nas sociedades democráticas toda uma
luta que começou em 1695 quando em Inglaterra foi reconhecido à Imprensa (pela Coroa
Inglesa) o direito de impressão sem autorização prévia.
A regra base das audiências judiciais é de que devem ser públicas.
Mais, as autoridades judiciárias devem permanecer expostas às críticas da Sociedade.
O princípio da publicidade dos processos e das decisões judiciais não pode nunca ser posto
em causa.
Aliás, com tudo o que se tem passado ultimamente na Sociedade Portuguesa, entendemos
que se as coisas fossem tratadas com maior transparência o descrédito na Justiça seria
menor.
No que diz respeito à Justiça a população Portuguesa, ainda mais do que muito sensível,
está confusa e desorientada, sendo a sensação de segurança enorme.
Corre-se o risco da sociedade “fracturar”, pois o Povo (em nome de quem a Justiça é
aplicada segundo a Constituição da República) quando se deixar de reconhecer e identificar
com as decisões judiciais (e para lá caminha), nem sequer as percebendo, passa a não
acreditar na Justiça e a ela não recorrer.
Ficarão então os Advogados, Juízes, Procuradores, etc., a falarem sozinhos de tão esotéricas
matérias, deixando todos de ter razão de existir.
A Imprensa tem de ser Livre e a Justiça tem de ser Aberta.
Este princípio fundamental de Justiça Aberta e Transparente só poderá ter restrições em
casos especiais, quando possa pôr em causa, por exemplo, a garantia de realização de um
julgamento justo e imparcial.
A Justiça e as autoridades judiciárias (assim como a Política e os políticos), têm de estar
expostas à sociedade e inclusive sujeitas ao debate público com a necessária publicidade.
Recorrendo à conhecida máxima “Justice must not only be done; it must be seen to be
done”.
Nos Estados Unidos da América, apesar do absurdo de algumas decisões dos Tribunais,
como no caso O. J. Simpson, com decisões aparentemente contraditórias (absolvição crime
e condenação no posterior julgamento cível), parece que o descrédito da Justiça não teve as
proporções que seriam de esperar, porque além do povo se sentir interveniente e parte do
sistema (quem “decide” são os jurados) toda a gente pode ver o julgamento em directo pela
televisão.
Embora com determinadas regras estamos convencidos que no futuro será permitida a
transmissão de julgamentos também noutros países.
As reservas que poderiam existir face a uma possível “encenação” excessiva das salas de
audiência têm vindo a perder terreno, dado que com o desenvolvimento tecnológico podemse fazer filmagens com pequenas câmaras e bem escondidas.
De igual modo se tem referido que em vez de se criticar a Imprensa pelas suas reportagens
acerca do que se passou no Tribunal, dever-se-ia deixar ao telespectador assistir aos
debates, sem interposta pessoa, para que tirasse as suas própria conclusões e ver afinal
como tudo se passa.
Esta discussão tem ultrapassado os países anglo-saxónicos pelo que já em França se
pergunta “si la presse et le public doivent être admis au procès, pourquoi pas les caméras
?”
Não vamos entrar na discussão deste controverso tema da transmissão dos julgamentos pela
televisão, mas parece-nos que a legislação, pelo menos no que diz respeito à
impossibilidade do Advogado comentar publicamente os processos em que intervenha
deverá ser modificada, dado que a actual situação nos parece ser, inclusive, de duvidosa
constitucionalidade.
O Segredo de Justiça, quando era regra, antes da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007 de 29
de Agosto, existia apenas para ser quebrado, pelo que a norma, mesmo antes de revogada,
já tinha caído no mais profundo ridículo, o mesmo acontecendo agora com a
impossibilidade do Advogado comentar publicamente os processo em que intervenha.
Daí que, no Congresso anterior, no ano de 2005, tenha apresentado comunicação idêntica à
presente, onde propunha que “o Segredo de Justiça deverá passar a ser uma medida
excepcional e não a regra.”
Felizmente, parece que o legislador a “ouviu”, tendo dois anos mais tarde, através da
referida Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, estabelecido, efectivamente, que o Segredo de
Justiça passaria a ser a excepção e a publicidade do processo a regra.
No entanto, até ao momento da realização deste Congresso, nada se estabeleceu quanto à
impossibilidade, actualmente existente, do Advogado comentar publicamente questões
profissionais pendentes – arts. 88º e segs. da Lei n.º 15/2005 de 26 de Janeiro (Estatuto da
Ordem dos Advogados).
Daí esta nova comunicação ao Congresso, dado que, assim como agora se passa quanto ao
Segredo de Justiça, a impossibilidade do Advogado comentar publicamente questões
profissionais pendentes deverá passara ser a excepção e não a regra.
Impossibilidade esta que parece que só existe na lei, formalmente, porque na prática é o que
se vê (todos comentam e nada se passa …), fazendo cair no descrédito, tanto o Legislador
como a própria Ordem dos Advogados.
Isto porque, a norma em vigor parece também existir só para ser violada, como sucedia com
o Segredo de Justiça, com prejuízo para o cliente do Advogado cumpridor, que se não fala é
porque o cliente é culpado, porque o outro Advogado até falou … (pensa o público).
Claro está que esta possibilidade do Advogado poder comentar questões profissionais
pendentes deverá ser exercida com respeito dos deveres deontológicos e de forma a não
perturbar o chamado julgamento justo e imparcial.
Nos Estados Unidos da América é em muitas situações o próprio Juiz do processo que tem
poderes para impedir que o Advogado comente determinado caso, se entender que tal está a
ser prejudicial e a afectar a realização de um julgamento justo e imparcial.
Até porque agora, no que diz respeito ao Segredo de Justiça deveria este ser uma medida
excepcional (até porque útil em muitos casos), mas nunca a regra.
De igual modo, todo o esforço que se possa fazer para retirar dos processos formalismos
rígidos e inúteis, servirá e muito para credibilizar a Justiça, retirando as hipóteses de
aproveitamentos mediáticos destas situações.
CONCLUSÕES:
1) Pensamos que já é altura de acabar com a actual cultura existente em tudo o diz
respeito à Justiça, totalmente divorciada das novas realidades da sociedade moderna;
2) Assim como com as propostas de sempre e habituais nestes Congressos, sem quaisquer
resultados práticos, que vão desde o pedir mais dinheiro para Justiça, mais Juízes,
reformas de leis, designadamente, dos Códigos de Processo, mediadas estas que a nada
levam, pois os problemas são estruturais, podendo resolver-se com os actuais Códigos
existentes, houvesse coragem para efectuar uma reforma de fundo;
3) Ora, como o Segredo de Justiça passou a ser uma medida excepcional e não a regra;
4) Entendemos voltar ao tema e formular como Conclusão Final que;
5) Com os limites das regras deontológicas inerentes e da preservação de um julgamento
justo e imparcial, deve ser concedida ao Advogado a possibilidade de se pronunciar
publicamente sobre questões profissionais pendentes; assim o reclama o princípio da
Justiça aberta e transparente, devendo esta estar sujeita ao debate público e, quando
necessário, ser objecto de crítica, tudo dentro da legitimidade das regras democráticas
e constitucionais.
Porto 20 de Outubro de 2011
(Miguel Cerqueira Gomes)
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Miguel Cerqueira Gomes > Advocacia E Comunicação Social