Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
A NOVA LEI SECA (LEI Nº 12.760 DE 20 DE DEZEMBRO
DE 2012) E SEUS DESDOBRAMENTOS
CONSTITUCIONAIS E PENAIS
Autor: Norton Jesus Costa
Orientador: Esp. Douglas Ponciano da Silva
Brasília - DF
2013
NORTON JESUS COSTA
A NOVA LEI SECA (LEI Nº 12.760 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2012) E SEUS
DESDOBRAMENTOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS
Artigo
apresentado
ao
curso
de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do Título de
Bacharel em Ciências Humanas.
Orientador: Esp. Douglas Ponciano da
Silva
Brasília
2013
Artigo de autoria de Norton Jesus Costa, intitulado A NOVA LEI SECA (LEI
Nº 12.760 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2012) E SEUS DESDOBRAMENTOS
CONSTITUCIONAIS E PENAIS apresentado como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharel em Direito da Universidade Católica de Brasília, em
___/___/2013, defendido e aprovado pela banca examinadora abaixo assinada:
______________________________________________________
Profº. Esp. Douglas Ponciano da Silva
Orientador
Direito – UCB
______________________________________________________
Profº.
Membro da Banca
Direito – UCB
______________________________________________________
Profº.
Membro da Banca
Direito – UCB
Brasília
2013
Dedico este trabalho a meu falecido pai,
Walter Rodrigues da Costa, que sempre
me apoio nos estudos e que infelizmente
não pode estar aqui para compartilhar da
felicidade de seu filho em alcançar a
graduação no curso de Direito. Como não
poderia ser diferente, dedico este trabalho
a minha mãe, Maria Luzana de Jesus
Costa, pelo dom da vida e por todo o
apoio para que eu não desistisse dos
estudos. E, agradeço também à minha
companheira, Kelly Galeno Moraes de
Carvalho, pessoa que está ao meu lado o
tempo todo, na alegria e na tristeza.
AGRADECIMENTO
Agradeço todos os meus tios e tias por todo o apoio e incentivo para os
estudos. Vocês, minha família, são a minha base e parte considerável da minha
felicidade. E, em especial, ao Ilustríssimo Orientador Professor Douglas Ponciano da
Silva, pela disponibilidade e confiança depositada em mim na efetivação deste
Trabalho de Conclusão de Curso.
“Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples
e evidentes””.
Cesare Beccaria
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A NOVA LEI SECA (LEI Nº 12.760 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2012) E SEUS
DESDOBRAMENTOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS
NORTON JESUS COSTA
Resumo:
Propõe-se neste artigo uma análise das controvérsias trazidas pela Lei nº 12.760, de
21 de dezembro de 2012, popularmente chamada de nova Lei Seca. O legislador
infra-legal trouxe inovação na legislação pátria ao alterar o controverso artigo 306 do
Código de Trânsito Brasileiro, o qual tipifica crime formal de embriaguez ao volante,
delegando à atividade policial poderes subjetivos para tal tipificação. Assim, antes
dessa alteração, a embriaguez do condutor somente se constatava por meio do uso
de etilômetro (bafômetro) ou exame sanguíneo. Com essa a inovação, houve
mudança extensiva nessa constatação, admitindo ser comprovado, além dos já
adotados, por meio de vídeos, testemunha ou quaisquer meios de provas admitidas
pela norma pátria. Pelo rigor da nova norma e pelo tempo recorde de tramitação e
sanção sem ocasionar o vacatio legis, inobservando inclusive preceitos
constitucionais, resta demonstrada a intolerância do legislador com o motorista
embriagado, que incoerentemente torna e sempre tornou legal o uso de bebida
alcoólica. Essa intolerância resta de observar o legislador a razoabilidade da
aplicação do tipo penal, pois não mais distingue a pessoa que apenas consumiu o
mínimo de álcool, sem comprometer seus reflexos, da embriaguez preordenada.
Ademais, o que se nota é a ineficiência do Estado no amparo do funcionamento de
fiscalização com aparelhamento moderno, ao revés punir o usuário de uma ‘droga’
legal e culturalmente aceita, por ser meio menos oneroso e mais punitivo.
Palavras-chaves: Lei Seca. Razoabilidade. Ineficiência Estatal. Licitude do Consumo
de Álcool.
1 INTRODUÇÃO
É incontestável a imprescindibilidade de a atividade estatal coibir os abusos
gerados pelo consumo de álcool, inserindo o Brasil em estatísticas alarmantes
devido aos acidentes ocasionados, porém, esta é uma via de mão dupla. Deve ser
trabalhadas soluções que se adéquem aos preceitos juspositivados na Magna Carta
pátria de 1988.
As antigas legislações que tratavam sobre assunto trouxeram instabilidade
jurídica e discussões sociais por difícil aplicabilidade. Nesse diapasão, no dia 21 de
dezembro de 2012, entrou em vigor a polêmica Lei nº 12.760/12, popularmente
conhecida como nova Lei Seca, trazendo dentre outros dispositivos, o controverso
artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), do que trata da matéria criminal a
embriaguez ao volante, o motorista que fizer uso de bebida alcoólica.
Essa alteração teve por escopo a contraposição das diversas manifestações
do Poder Judiciário, no sentido de que, indispensavelmente, para a aferição de
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quantidade de álcool no organismo do condutor, fazia-se atestar por meio de exame
sanguíneo devido à previsão legal do limite tolerável de até seis decigramas de
álcool por litro de sangue (ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar).
Cabe lembrar que, antes da inovação, a constatação de embriaguez se fazia
por meio de etilômetro, conhecido como ‘bafômetro’, ou exame sanguíneo, sendo de
interpretação restritiva. Ao revés, como a comprovação dependia da aceitação do
suposto infrator, a norma se tornou eficaz, pois se barrava no princípio constitucional
de não produção de provas contra si mesmo ratificado pelo Pacto de São José da
Costa Rica.
Sob essa ótica, há admissibilidade que fosse alterada a legislação, pois se
tornava ineficaz a lei, não punido o verdadeiro destinatário da norma, ou seja, o
motorista que teve suas faculdades mentais totalmente comprometidas pela
ingestão de bebida alcoólica.
Ademais, ainda consoante a redação do artigo 306, que tipificava a pessoa
embriagada sendo a constatação da presença igual ou superior a seis decigramas
de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro
de ar alveolar, muitos doutrinadores criticaram, que na prática, deixavam impunes os
infratores.
Dessa forma, surgiu a imprescidibilidade da alteração da norma pelo
legislador, com o ensejo de disponibilizar ao Estado maior mecanismo de
fiscalização, sendo tamanha inovação de alargar os meios da constatação do estado
de embriaguez, sendo além dos disponíveis (exames de alcoolemia e uso de
etilômetro), vídeos, testemunhas e outras provas idôneas admitidas na norma pátria.
Todavia, é preciso conter os abusos em nome da proteção à vida. Assim, toda
lei para ser eficaz, deve conter em seus ditames o princípio da razoabilidade na
aplicação das penalidades. Nesse passo, não se ver como razoável o parâmetro de
liberação ao consumo de bebidas alcoólicas, inclusive com recolhimentos dos
devidos impostos tributários, e a intolerância de coibir qualquer consumo de
motoristas no volante. Não adianta endurecer a lei se não houver um ponto de
equilíbrio.
Sob o aspecto metodológico, com intuito de concretização desse artigo
científico desenvolve-se uma pesquisa bibliográfica, baseada na análise da literatura
pátria já publicada sobre o tema em questão, em forma de livros, revistas,
publicações avulsas, artigos e outras informações e dados estatísticos. No que diz
respeito à natureza, a pesquisa caracteriza-se como qualitativa e, quanto aos fins,
exploratória e descritiva.
2 A APLICAÇÃO DA LEI SECA NO BRASIL
2.1 HISTÓRICO NORMATIVO
A Lei nº 9.503 de 23.09.1997 instituiu o Código de Trânsito Brasileiro,
disciplinando condutas aceitáveis de educação no trânsito sob pena de medidas
administrativas em caso de desrespeito. A redação do artigo 165, o qual admitia ao
condutor de veículos a quantidade de até 6 decigramas de substância etílica por litro
de sangue para que não quedasse em infração administrativa deu ensejo há vários
questionamentos doutrinários sobre a caracterização de embriaguez ao volante.
Com essa inovação, surgiram as polêmicas. Alguns doutrinadores criticavam
essa quantificação aritmética por não ser a maneira mais adequada de aferição de
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estado de embriaguez, pois cada pessoa reage diferente aos níveis de álcool no
organismo. Assim, dependendo da estrutura física e da resistência, há pessoas que
entram em estado de embriaguem com quantidade menor de 6 decigramas, bem
como é preciso grande quantidade de teor etílico no sangue para que venha
comprometer suas faculdades mentais. Essa constatação deveria ser aferida
somente no caso concreto.
Sob esse contexto, corroborando sobre a relatividade dos efeitos etílicos no
sangue, Miguel Reale Júnior (apud LOUREIRO NETO, 1990, p. 150), assevera:
É fato assente que a ação do álcool sobre o organismo, e obviamente as
suas repercussões psíquicas, não depende apenas da quantidade
ingerida, mas também de condições pessoais de quem bebe, como, por
exemplo, o sexo, alimentação, saúde, idade, o sistema nervoso, alcoolismo
dos pais, fígado, rins, habitualidade, ambiente, variando a sintomatologia,
portanto, de pessoa para pessoa. Grifei.
Como se não bastasse, outras questões foram debatidas no meio jurídico,
pois a aplicação da lei também barrava em princípios fundamentais constitucionais,
tais como: a razoabilidade, a proporcionalidade, o contraditório, a ampla defesa e a
presunção da inocência ou não autoincriminação, bem como a aplicação do
entendimento que ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo. Assim, sob
o supedâneo desses princípios, o condutor flagrado pela fiscalização, recusava a
assoprar o etilômetro ou não permitindo a retirado de material sanguíneo, tornado
ineficaz a norma, inviabilizando o estado de embriaguez ao volante.
Alheio aos questionamentos, e como forma dar mais eficácia às penalidades
previstas no CTB, em 7 de fevereiro de 2006 foi instituída a Lei nº 11.275/06,
alterando a redação do dispositivo 165 do Código de Trânsito. Dessa alteração, o
legislador se esquivou de quantificar o teor etílico na corrente sanguínea do condutor
de veículo, sendo que quaisquer indícios etílicos na corrente sanguínea já
configuravam a aplicação de sanção administrativa.
Neste momento, o legislador de 2006 acabara de instituir o chamado
“intolerância zero”, dando ensejo ao engrossamento das discussões nas diversas
camadas sociais. Senão vejamos: no CTB, em seu texto original, o art. 165 previa:
“Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de
sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência
física ou psíquica”. Todavia, a lei de 2006 suprimiu do art. 165 do CTB o limite que
determinava o nível de álcool.
Outra questão polêmica, diz respeito à alteração do artigo do art. 277, que
desmembrou o parágrafo único em dois parágrafos, determinando no §2º, verbis:
no caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia
previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada
mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de
trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor,
resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo
condutor.
Logo, as críticas foram pontuais, no sentido de o legislador ter abalroado os
preceitos constitucionais da ampla defesa, do devido processo legal ao tempo
também da produção de prova ilícita, impingindo o motorista à autoincriminação.
Nessa esteira, Damásio de Jesus leciona,
[...] se o direito à não-auto-incriminação adquiriu um status constitucional, é
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evidente que nenhuma outra regra, muito menos de cunho administrativo,
pode servir de instrumento de persuasão para que o indivíduo viole as suas
próprias convicções e, especialmente, os seus direitos fundamentais
Todas essas alterações foram bastante discutidas, principalmente, faz-se
imprescindível a distinção da aplicabilidade no âmbito administrativo e no penal
trazido por essa Lei, pois com a alteração dos artigos 165, 277 e 302 do CTB resta
clara que o agente de trânsito não poderia atuar indiscriminadamente. Assim, notase que o art. 165 e o art. 277 estão inseridos no Capítulo XVII, "Das Medidas
Administrativas". Já o art. 302 está situado no Capítulo XIX, "Dos Crimes de
Trânsito". Dessa maneira, tem-se que as regras referentes à constatação de
embriaguez do motorista, por meio dos notórios sinais, foram inseridas no art. 277,
que compõe às medidas administrativas, então somente há aplicabilidade dos
ditames desses artigos no âmbito administrativo, não sendo possível na esfera
penal.
No sentido de dilação probatória, para o crime de embriaguez ao volante,
devem ser utilizados os procedimentos presentes no Código de Processo Penal,
notadamente aqueles presentes no Título VII, "Da Prova", como se infere
do caput do art. 291 do CTB, que diz:
"aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste
Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de
Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como
a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber".
Logo, como mecanismo operacional e facilitador, o Conselho Nacional de
Trânsito (CONTRAN) regulamentou os ditames da Lei expedindo a Resolução nº
206 do, de 20 de outubro de 2006, instrumentalizando por meio de disposições
norteadores para fazer constar no relatório do agente da autoridade de trânsito, ao
constatar o consumo de álcool com base em evidentes sinais de ebriedade,
lembrando que se restringia às medidas administrativas.
Porém, em entendimento posterior, o legislador logo concluíra que essa
norma restava imprecisa, “pois se exigia maior esforço e atenção dos agentes de
trânsito para detectar a pessoa que dirigisse sob influência do álcool” (NUCCI,
2008).
Sobreveio então, em 19 de junho de 2008, a Lei 11.705/08 e do Decreto
6.488, trazendo entre outras alterações no CTB, o que diz respeito à
regulamentação dos casos de embriaguez ao volante no contexto administrativo e
criminal.
Sob esse aspecto normativo, a principal mudança se refere a que deu nova
redação ao caput do artigo 306 do CTB, não mais sendo exigida a ocorrência
de perigo concreto, quedando em crime de perigo abstrato, ou seja, presumido.
Assim, conduzir veículo nas condições previstas nesse artigo é conduta que, por si
só, independentemente de qualquer outro motivo, configura-se perigo suficiente ao
bem jurídico tutelado, apto a justificar a imposição de pena prevista.
Nada obstante a intenção do legislador em engessar a norma punitiva,
quedou em incoerência. Desde que a legislação anterior (Lei nº 11.275/06), dispunha
de quaisquer meios de prova, essa lei veio estabelecer a tolerância de concentração
de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, nesse ponto,
resgatando a redação original do CTB, trazendo reflexos de instabilidade jurídica
para a sociedade, por não inovar mecanismos de aferição.
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Senão vejamos, verbis:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa
que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre
distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008). Grifei.
Mesmo tendo como quesito objetivo (igual ou superior a 6 decigramas), a
questão ainda não havia sido solucionada acerca da dilação probatória. Essa
controversa legislação além de não solucionar as distorções anteriores, trouxe
bastante incoerência, como também estipulou que somente pelo etilômetro
(bafômetro) ou pelo exame de sangue, afastando o exame clínico ou a prova
testemunhal.
Sobre a dicotomia dos ditames desse dispositivo, assevera Renato Marcão
(2013) que
foram modificadas as elementares do tipo fundamental (caput do art. 306);
foram mantidas as penas cominadas; foram acrescidos: um parágrafo 1º
que dispõe sobre a forma de constatação do delito; um parágrafo 2º, que
indica a possibilidade de todos os meios de prova admitidos em direito para
a demonstração da infração, e, por fim, um parágrafo 3º, a indicar a
atribuição do Contran para dispor sobre a equivalência dos testes de
alcoolemia. Por outro vértice, trouxe novas discussões jurídicas, todas
evitáveis se o legislador fosse mesmo técnico e se preocupasse em ouvir e
acolher, durante o processo legislativo, opiniões jurídicas realmente
abalizadas.
Nesse passo, como dissonância anterior, também ninguém estaria obrigado a
realizar o teste do etilômetro ou o exame sanguíneo, considerando os únicos
métodos probatórios aptos de comprovar a materialidade do crime tipificado no
"novel" artigo 306 do CTB. Então, bastando o condutor se negar aos procedimentos
probatórios, estaria livre da pena como incurso neste novel artigo.
Corroborando com esse entendimento, sobre a imprecisão da dilação
probatória, assim demonstrando o descuido da técnica legislativa , o Superior
Tribunal de Justiça, em seu julgado, implicitamente, desmotivou qualquer tentativa
de prática coercitiva pelo agente público, sendo
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE.
RESISTÊNCIA. DESACATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. (1)
ALCOOLEMIA. AUSÊNCIA DE AFERIÇÃO. TIPICIDADE. AUSÊNCIA. (2)
CRIMES DE RESISTÊNCIA E DESACATO. ATIPICIDADE. NECESSIDADE
DE
REVOLVIMENTO
FÁTICO-PROBATÓRIO.
VIA
ELEITA.
IMPROPRIEDADE. 1. Com a redação conferida ao art. 306 do CTB pela Lei
11.705/08, tornou-se imperioso, para o reconhecimento de tipicidade do
comportamento de embriaguez ao volante, a aferição da concentração de
álcool no sangue. Ausente a sujeição a etilômetro ou a exame de sangue,
torna-se inviável a responsabilização criminal. Entendimento consolidado
pela colenda Terceira Seção deste STJ, no seio do REsp 1.111.566,
representativo de controvérsia, nos moldes do art. 543-C do Código de
Processo Civil. HC 119993 / MT, 6ª Seção, rel. Min. MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, rel. j. 24/04/2012, DJe de 07/05/2012.
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Ademais, a efetividade da alteração da norma somente quedaria às medidas
administrativas, já que de acordo com o artigo 227, casos em que o condutor não
realizar algum dos exames que atestam a presença de álcool na corrente
sanguínea, sofrerá a sanção administrativa contida no artigo 165 do CTB, qual seja,
"Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze)
meses". In verbis,
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada
pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito
admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor
apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas
estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se
submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Grifei.
Sob esse contexto, de imprecisões legislativas aliada à tormenta de ações
judiciais, surge então, mais endurecidamente, em dezembro de 2012, a Lei nº
12.760, como forma de majorar as penalidades, desestimulando o pretenso condutor
a dirigir sob efeitos alcoólicos.
Essencialmente, trata-se de mais alterações no CTB que, além de majorar o
valor da multa administrativa (de R$ 957,69 para R$ 1.915,38, podendo dobrar em
caso de reincidência no período de 12 meses), dá interpretação extensiva à dilação
probatória referente à configuração da infração de dirigir sob a influência de álcool
ou de qualquer substância psicoativa, regulamentadas pelo CONTRAN por meio
da Resolução nº 432 de 23 de janeiro de 2013.
Além disso, reza a autorização legislativa, sendo a direção de veículos sob os
efeitos etílicos ou de outra substância psicoativa poderá ser constatada por meio de
teste de etilômetro, exame de sangue, exame clínico, ou constatação pela
autoridade de trânsito de conjunto de sinais que indiquem alteração de capacidade
psicomotora. Além disso, poderão ser utilizados prova testemunhal, imagem, vídeo
ou quaisquer outras formas de prova admitidas em direito.
No que versa sobre as penalidades, constata-se infração administrativa no
caso de o condutor apresentar qualquer concentração de álcool por litro de sangue,
medição igual ou superior a 0,05 mg de álcool por litro de ar alveolar expirado
ou sinais de alteração de capacidade psicomotora. A penalidade consiste em multa,
suspensão do direito de dirigir por 12 meses, recolhimento da carteira de motorista e
retenção do veículo.
No âmbito penal, é considerado típico, os casos em que o motorista
apresentar concentração igual ou superior a 0,6 g de álcool por litro de sangue,
medição igual ou superior a 0,34 mg de álcool por litro de ar alveolar expirado, ou
sinais de alteração de capacidade psicomotora, ensejando ao o condutor detenção
de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter carteira de
motorista.
3 CONTROVÉRSIAS SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI SECA
Ao adentrar no ordenamento jurídico pátrio, trazido mais explicitamente pelo
CTB e considerando toda norma que disciplina a matéria ingestão de bebida
alcoólica e condução de veículo, a controvérsia/polêmica está aparente.
Seja pela discussão social, seja pelos operadores do direito ou outras classes
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concernentes à matéria, o motivo é o mesmo: o consumo etílico é uma questão
cultural. Por isso, que o assunto interessa a todos.
Mesmo tendo em conta que o índice de crime no trânsito é relevante, o
legislador preferiu a via de mão única, no sentido de repressão ao invés de
prevenção. Porque ações de prevenção são onerosos aos cofres públicos: aumentar
e qualificar o efetivo de servidores públicos por meio de gerenciamento de
competências, aparelhamento da máquina pública com modernos equipamentos,
infraestrutura competitiva e moderna, entre outros.
Em meio dessa celeuma armada, são diversas as ordens de discussão sobre
as normas chamadas de Lei Seca, vertentes constitucionais, legislativas,
administrativas, técnicas, éticas, jurisprudenciais, entre outros âmbitos.
3.1 VIOLAÇÃO A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS
3.1.1 Do princípio da presunção de inocência e do direito da nãoautoincriminação
O Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969, em seu art.
8º, I, estabelece o princípio da presunção de inocência ou do estado de inocência:
"Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa".
Em consonância com o Pacto, inserido positivamente na da Magna Carta de
1988, o princípio da presunção de inocência está no rol das garantias individuais, de
modo a reforçar que atos de injustiças sejam despercebidos do devido processo
legal, verbis:
“Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes. [...] LVII- ninguém será culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;
Etimologicamente, Mirabete ressalta os ensinamento de FLORIAN, sendo que
a CRFB não presume a inocência, mas garante que o devido processo legal seja
ileso, tendo como conseqüência o trânsito em julgado, e somente neste momento,
quando da sentença, sabe-se da culpabilidade ou de sua ausência,
existe apenas uma tendência à presunção de inocência, ou, mais
precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o
acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença
transitada em julgado. Por isso, a nossa Constituição Federal não ‘presume’
a inocência, mas declara que ‘ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII), ou seja,
que o acusado é inocente durante o desenvolvimento do processo e seu
estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado.
(MIRABETE, 2001, p. 42).
Ademais, inerente à presunção da inocência, tem-se o princípio de que
ninguém é obrigado a se autoincriminar, sendo que o ônus da prova cabe a quem
acusa. A Convenção da Santa Rita, em seu artigo 8º, prever que ninguém deve
declarar-se culpado, trazendo esses ditames ao nosso CTB, não é exigível,
compulsoriamente, a sujeição ao teste de etilômetro. Assim, também ensina Antonio
Scarance Fernandes que:
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[...] já era sensível a evolução da doutrina brasileira no sentido de extrair da
cláusula da ampla defesa e de outros preceitos constitucionais, como o da
presunção de inocência, o princípio de que ninguém é obrigado a se autoincriminar, não podendo o suspeito ou o acusado ser forçado a produzir
prova contra si mesmo. Com a convenção de Costa Rica, ratificada pelo
Brasil e incorporada ao direito brasileiro (Decreto 678, de 6.11.1992), o
princípio foi inserido no ordenamento jurídico nacional, ao se consagrar, no
art. 8º, n. 2, g, da referida Convenção que ‘toda pessoa tem direito de não
ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada’.
Significou a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova
contra si mesma. Pode por exemplo, invocar-se esse princípio em face do
Código de Trânsito (Lei 9.503, de 23.09.1997) para não se submeter ao
teste por bafômetro. (2007, p. 303-304).
Luiz Flávio Gomes acrescenta que a pessoa humana não pode dispor de seu
corpo, obrigatoriamente, para que seja produzida provas por imposição estatal.
Nesse passo, acrescenta que
Em matéria de prova de embriaguez há, de qualquer modo, uma premissa a
ser observada: ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo [...]. O
sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova
contra ele mesmo. Em outras palavras: não está obrigado a ceder sangue,
não está obrigado a soprar o bafômetro (porque essas duas provas
envolvem o corpo humano do suspeito e porque exigem dele uma postura
ativa). Havendo recusa, resta o exame clínico (o que é feito geralmente nos
Institutos Médico-Legais) ou a prova testemunhal. (2009, p.2)
Oportuno acrescentar o sensato julgado do Desembargador do Rio de
Janeiro, Senhor BENEDICTO ABICAR (2009) sobre o tema:
Na hipótese, é ilegal, arbitrária e discriminatória, a forma de abordagem dos
motoristas, por estar sendo violado o princípio da presunção da inocência.
Ou seja, cidadão algum pode ter cerceado seu direito de exercer sua
liberdade de locomoção, a menos que esteja cometendo flagrante delito, ou
exista ordem judicial para sua privação do direito de ir e vir.
Cuida-se, ademais, de interpretação nitidamente inconstitucional, porque
fundada em presunção fática contra o réu (presunção automática da alteração da
capacidade psicomotora), que viola flagrantemente o princípio constitucional e
internacional da presunção de inocência. (GOMES, 2009).
Em se tratando de condução de veículo automotor cujo motorista seja pego
em flagrante com concentração de álcool igual ou superior a 6 decigramas por litro
de sangue ou 3 décimos de miligrama por litro de ar expedido, poderá ocorrer a
detenção do mesmo, talvez a maior alteração já vista no CTB, tentando assim a
imediata intimidação dos condutores e a imediata diminuição drástica dos acidentes
com vítimas fatais de trânsito. Contudo as supracitadas alterações da nova Lei vêm
causando muitas dúvidas e polêmica dentre a sociedade como um todo, nas mais
diferentes classes sociais, tendo em vista que a Lei afeta a todos, sem distinção,
basta estarem na condução de veículo automotor, e ter ingerido substância
alcoólica. O principal ponto de discussão de alguns juristas diz respeito ao legislador
se abster de princípios constitucionais seculares, entre eles o do contraditório, ampla
defesa e presunção de inocência. (LAVORATO, 2008).
No momento em que a antiga Lei nº. 11.705/08, positiva como obrigatória a
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passagem pelo teste de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que
constate o nível alcoólico do condutor, é notadamente verificada uma ferida aberta e
um texto contrário a todo o organograma constitucional, pautado nos princípios da
ampla defesa, da presunção de inocência e no direito de permanecer calado frente à
questionamento onde sua resposta pode vir a incriminá-lo.
Tal preceito aplica-se ao Processo Penal e não ao caso tratado no
art.165/CTB: âmbito administrativo, com possibilidade de recusa pelo condutor, e
esta não gera o crime de desobediência justamente em respeito ao princípio citado.
Assim, não fere o princípio da presunção da inocência a norma do art.277, §3º/CTB.
A tarefa de comprovar que determinada pessoa encontra-se dirigindo sob
efeito de álcool que poderia parecer simples, torna-se complicada se levarmos em
consideração a existência do princípio da presunção de inocência e o direito a não
se auto-incriminar. (LAVORATO, 2008).
Assim, diante dos argumentos apresentados não resta dúvida de que os
mesmos convergem para o seguinte fim: a garantia que o condutor tem de recusar a
fazer os testes ou exames de alcoolemia é perfeitamente sustentada nos preceitos
constitucionais. No entanto, “emerge a indagação se diante dessa garantia
constitucional o condutor ficará impune, mesmo sendo que na maioria das vezes é
visível o estado de embriaguez que ele se encontra? “(LAVORATO, 2008).
O legislador se antecipou a essa questão e ao editar a Lei nº. 11.705/08
lançou mão do seguinte preceito por meio do acréscimo do parágrafo terceiro ao art.
277, CTB: Art. 277. (...) § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas
administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a
se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
(BRASIL, 2008).
Percebe-se diante desse dispositivo que o hominis legis pátrio já previa essa
possibilidade do condutor se recusar a fazer os exames e testes de alcoolemia. Por
outro lado, a previsão desse mandamento também tem gerado bastante discussão
na doutrina, na mídia e no seio da sociedade em geral, quanto a sua
constitucionalidade.
O doutrinador Luiz Flávio Gomes (2009, p.3), um dos primeiros a manifestarse sobre o tema, sustentou a inconstitucionalidade da norma supracitada com os
seguintes argumentos:
[...] Note-se que todo suspeito tem direito de não produzir provas contra si
mesmo. Logo, não está obrigado a fazer exame de sangue ou soprar o
bafômetro. Nessas duas situações, por se tratar de um direito, não há que
se falar em qualquer tipo de sanção (penal ou administrativa).
O posicionamento do autor é acertada na esfera do Direito Criminal, de modo
a afastar a possibilidade de prisão em relação ao condutor que se recusar a realizar
os exames de sangue e o teste por meio do etilômetro.
3.1.2 Do princípio da razoabilidade
Toda lei, forma positivada de condutas sociais, em seu seio mantenedor de
princípios, dever servir para o bem comum e sua aplicabilidade não foge ao
razoável, se ao revés, não estiver presente este princípio, então a sua finalidade se
perde.
Já é consolidado o entendimento do STF sobre a importância desse preceito,
no que versa a atenção do Poder Estatal no exercício legislativo. Assim, dita a Corte
15
Suprema:
O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas
emanadas do Poder Público – tratando-se, ou não, de matéria tributária,
devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o
princípio do substantive “due process of Law” (CF, art. 5º, LIV). O postulado
da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria
constitucionalidade material dos atos estatais. BRASIL, Supremo Tribunal
Federal. RE 200.844 – AgR. Relator: Celso de Mello. Órgão Julgador:
Tribunal Pleno. Julgamento 08.02.2001. DJ de 16/08/02.
No ponto, no que tange à Lei do CTB, Luiz Flávio Gomes preleciona que:
Quantidade ínfima de álcool no sangue deve ser desconsiderada. Uma
pessoa chegou a ser flagrada depois de ter ingerido dois bombons com
licor. Isso é um exagero. Por mais que se queira evitar tantas mortes no
trânsito brasileiro (mais de 35 mil por ano), não pode nunca a
administração pública atuar com falta de razoabilidade. Quem usa um
anti-séptico bucal não pode sofrer nenhum tipo de sanção. A infração
administrativa do art. 165 exige estar sob a influência do álcool ou outra
substância psicoativa. Grifei.
4 NATUREZA JURÍDICA DO CRIME DE EMBRIAGEZ AO VOLANTE
Inicialmente, imprescindível a observação sobre os aspectos doutrinários de
classificação da natureza jurídica do crime nas situações que prescrevem o CTB.
Destarte, uma das formas de classificar o delito é quanto ao resultado e, sob esse
aspecto, o crime pode ser de dano ou de perigo, subdividindo-se em perigo concreto
ou abstrato.
Nos ensinamentos do professor Fernando Capez (2012, 107-108), sua
didática esclarece nitidamente:
“Subdivide-se em : a) crime de perigo concreto, quando a realização do tipo
exige a existência de uma situação de efetivo perigo; b) crime de perigo
abstrato, no qual a situação de perigo é presumida, como no caso de
quadrilha ou bando, em que se pune o agente mesmo que não tenha
chegado a cometer nenhum crime; c) crime de perigo individual, que é o que
atinge uma pessoa ou um número determinado de pessoas, como os dos
artigos 130 a 137 do CP; d) crime de perigo comum ou coletivo, que é
aquele que só se consuma se o perigo atingir um número indeterminado de
pessoas, por exemplo, incêndio (art. 250), explosão (art. 251) etc.
Neste diapasão, expõe Rogério Sanches Cunha (2013) que
De acordo com essa nova espécie de infração penal, teríamos não apenas
dois tipos de crime de perigo (abstrato e concreto), mas sim três! No
crime de perigo abstrato (ou puro), o risco advindo da conduta é
absolutamente presumido por lei, bastando a violação da norma. Já no
crime de perigo concreto, o risco deve ser comprovado. A acusação tem o
dever de demonstrar que da conduta houve perigo real para vítima certa e
determinada. No crime de perigo abstrato de perigosidade real, o risco ao
bem jurídico tutelado deve ser comprovado, dispensando vítima certa e
determinada. É indispensável a superação de um determinado risco-base
ao bem jurídico protegido. Vamos trabalhar essa discussão com o auxílio de
um exemplo: sabemos que o crime de embriaguez ao volante (art. 306 do
CTB) é de perigo. Mas de qual espécie? Se de perigo abstrato (ou puro),
basta a condução de veículo sob efeito de álcool, pois o risco advindo da
conduta é absolutamente presumido por lei (haverá crime ainda que
16
ausente a condução anormal do veículo). Se de perigo concreto, deve ser
comprovado que a conduta gerou risco (condução anormal do veiculo),
periclitando vítima certa e determinada. Se de perigo abstrato de
perigosidade real, exige-se a prova de condução anormal (rebaixando o
nível de segurança viário), mas dispensa a demonstração de perigo para
vítima certa e determinada. Sem essa perigosidade real para a coletividade,
que é concreta, caracteriza mera infração administrativa.
Ao se presumir, prévia e abstratamente, o perigo, resulta que, em última
análise, perigo não existe, de modo que acaba por se criminalizar simples
atividades, ferindo de morte modernos princípios de direito penal.
Na definição de Walter Coelho (1991, p. 99) crime de perigo: “é aquele que,
sem destruir ou diminuir o bem-interesse penalmente protegido, representa, todavia,
uma ponderável ameaça ou turbação à existência ou segurança de ditos bens ou
interesses, com relevante probabilidade de dano”.
Destaca-se que o os crimes de perigo são subsidiários em relação aos crimes
de dano, pois como muito bem pontua Walter Coelho (1991, p. 102): “diante da
relevância do bem jurídico tutelado, estende o Direito Penal a sua proteção desde a
remota e potencial situação perigosa (contravenção), passando pelo perigo iminente
ou próximo (crime de perigo), ate a efetiva lesão do interesse a ser resguardado”.
Celso Delmanto (2007, p. 43-44) ao referir-se sobre os crimes de perigo
abstrato afirma que:
“Quanto aos crimes de perigo abstrato, entendemos que em um Estado
Democrático de Direito são eles de questionável constitucionalidade, em
face dos postulados constitucionais da intervenção mínima, da ofensividade
e da proporcionalidade ou razoabilidade entre a conduta e a resposta penal
(ínsitos ao conceito de substantive due process of law). Verifica-se, assim,
que a mera subsunção do fato ao tipo penal – antijuricidade formal – não
basta à caracterização devendo-se sempre indagar acerca da antijuricidade
material, a qual exige efetiva lesão ou ameaça concreta de lesão ao bem
juridicamente protegido, requisitos esses que constituem verdadeiro
pressuposto para a caracterização do injusto penal”.
Por fim, o doutrinador Luiz Flávio Gomes (2008) esclarecia que: "o conceito
de perigo é sempre relacional, isto é, o perigo sempre se refere a algo ou a alguém
(perigo para o quê? Perigo para quem?)"
4.1 PRIMEIRA CORRENTE: CRIME DE PERIGO ABSTRATO
O perigo advindo dessa conduta é absolutamente presumido por lei. Nesse
sentido, para os defensores, não importa se houve condução normal ou anormal do
veículo automotor, o perigo é absolutamente presumido por lei (CUNHA, 2013).
Nesse caso, se o condutor for surpreendido conduzindo o seu veículo com
“concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual
ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar”, neste caso, o crime
está caracterizado, independentemente do estado exterior do condutor.
Nesse passo, se o condutor se recusar ao exame do etilômetro, por exemplo,
nesse caso, a autoridade de trânsito vai apurar a embriaguez por meio de “sinais
que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade
psicomotora”. Também, nesta situação o crime está perfeito/presumido, não
importando seu estado caracterizado normal ou anormal.
17
4.2 SEGUNDA CORRENTE: CRIME DE PERIGO CONCRETO
Já para os defensores desta segunda vertente, o crime de perigo abstrato é
inconstitucional. Ademais, dão continuidade a criticar essa primeira corrente, pois
viola o princípio da lesividade, sendo que autoriza a punição de alguém sem prova
concreta do risco de lesão ao bem jurídico tutelado (CUNHA, 2013).
Neste caso, o crime é de perigo concreto, ou seja, para a existência de crime
é imprescindível comprovar se o estado de embriaguez mais a condução anormal,
mais o perigo a pessoa certa e determinada.
Reportando-se aos ditames da Lei Seca, há crime com a junção de
“concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual
ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar”, mais a direção
perigosa do veículo (zigue-zague), mais o risco a pessoa certa e determinada.
(CUNHA, 2013).
Se o condutor não se submeter aos instrumentos de prova, como o etilômetro,
é imprescindível “sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora”, mais a
condução anormal, mais o risco a pessoa certa e determinada.
Assim, apesar de ser surpreendido com taxas de álcool no sangue acima do
permitido, ainda apresentado sinais de embriaguez, mas esse condutor está
conduzindo o seu veículo de forma normal, não há de se falar em crime, somente
uma mera infração administrativa.
4.3 TERCEIRA CORRENTE: CRIME DE NATUREZA MISTA
Essa terceira corrente nasce exatamente com a Lei Seca de 2012 (Lei nº
12.760/12). Para os defensores desta vertente, o crime pode ser de perigo abstrato
ou de perigo concreto. Depende em qual tipificação o condutor estará enquadrado.
Assim, nos termos do artigo 306, inciso I, o crime é de perigo abstrato (CUNHA,
2013).
Nesse caso, se o condutor for surpreendido dirigindo veículo automotor com
“concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual
ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar”, o crime estará
caracterizado e o perigo é absolutamente presumido por lei.
Destarte, essa concentração de álcool no seu organismo autoriza/legitima o
legislador a presumir de forma absoluta o perigo advindo da conduta do motorista.
Por outro lado, se o condutor se recusa ao uso do bafômetro ou qualquer outro
instrumento que comprove a concentração etílica acima dos níveis admissíveis,
nesse caso, a autoridade deverá comprovar “sinais que indiquem alteração da
capacidade psicomotora”, ou seja, identificar a condução anormal do veículo. Então,
está configurado o crime de perigo concreto.
Sob essa ótica, é imprescindível para a constatação de crime, a conjugação
dos elementos: sinais, condução do veículo de modo anormal, mais risco a uma
pessoa certa e determinada.
4.4 QUARTA CORRENTE: CRIME DE NATUREZA ABSTRATA, PORÉM DE
PERIGOSIDADE REAL
Consoante essa quarta corrente, o bem jurídico está sendo colocado em
perigo pela conduta do agente, ou seja, devido ao rebaixamento do nível de
segurança viário – conduta anormal do motorista. Nesse caso, há semelhança do
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crime de perigo concreto, mas não se confundindo com o tal, devido à dispensa de
perigo à pessoa certa e determinada. (SANCHES, 2013).
Ademais, tem-se que a partir do momento que o condutor é surpreendido com
“concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual
ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar”, ou “sinais que
indiquem alteração da capacidade psicomotora”, mais a condução anormal, neste
momento, o crime estará caracterizado, prescindindo vítima certa e determinada.
De outra maneira, sendo conjugado concomitantemente todos esse
pressupostos, mas o motorista conduz o veículo de forma normal, então se
caracteriza somente uma mera infração administrativa.
Luiz Flávio Gomes preleciona que:
Um grave equívoco que deve ser evitado consiste em prender em flagrante
o sujeito todas as vezes que esteja dirigindo com seis decigramas ou mais
de álcool por litro de sangue (0,3 no bafômetro - que equivale a dois copos
de cerveja). A existência do crime do art. 306 pressupõe não só o estar
bêbado (sob a influência do álcool ou outra substância psicoativa), senão
também o dirigir anormalmente (em zig-zag, v.g.). Ou seja: condutor
anormal (bêbado) + condução anormal (que coloca em risco concreto a
segurança viária).
5 LEI SECA NO MUNDO
O limite mais freqüentemente adotado é de 0,5g/l, sendo que número
importante de países adota também 0,8g/l, o mais alto dentre todas as nações
pesquisadas. Chama a atenção, ainda, o fato de nenhuma delas adotar 0,6g/l, baliza
que prevaleceu em nossa legislação até há pouco tempo. (CARVALHO, 2008).
Saliente-se também que alguns países apresentam legislação flexível. Nos
Estados Unidos, se o teor de álcool no sangue encontrado estiver entre 0,05 e
0,08g/l, serão utilizadas outras evidências para determinar se a pessoa está ou não
sob influência do álcool. Além disso, em alguns estados, a exemplo de Wisconsin, o
limite cai para 0,2g/l a partir da quarta ofensa à lei. (CARVALHO, 2008).
A União Européia, por sua vez, recomenda dois limites distintos: 0,5g/l como
regra geral; 0,2g/l para casos especiais, como motoristas inexperientes,
motociclistas, condutores de veículos considerados grandes ou que transportam
bens perigosos. (CARVALHO, 2008).
Na Argentina, é proibido dirigir qualquer veículo com concentração plasmática
de álcool superior a 0,5g/l; para condutores de motocicletas e ciclomotores, o valor é
de 0,2g/l; no caso de veículos destinados ao transporte de crianças e de carga, é
zero. Existe, todavia, um projeto de lei que pretende reduzir o limite para zero em
todos os casos. (CARVALHO, 2008).
CONCLUSÃO
Desde a instituição do Código de Trânsito Brasileiro, o legislador anseia pela
reeducação de condutores veiculares por meio de instituição de legislações cada
vez mais duras, como forma de livrar a Nação de dados alarmantes de acidentes de
trânsito.
Nada obstante os motivos legítimos, a técnica utilizada legislativa e a
inobservância dos preceitos constitucionais têm sido motivos de críticas e
discussões em todas as camadas sociais e especializadas sobre o assunto.
Ademais, é temerária a supressão de garantias fundamentais individuais
como a presunção de inocência, o princípio da não autoincriminação, o da
19
razoabilidade, entre outros, em prol do bem comum, do direito à vida, tendo o poder
estatal possuir outros meios eficazes para instrumentalizar a máquina pública.
Todavia, para o gestor público, tem como onerosidade o investimento em prevenção
e infraestrutura efetiva, ao revés instituir leis punitivas e arrecadadoras.
Não diferentemente das demais legislações no que diz respeito ao CTB, a
Nova Lei Seca (Lei nº 12.760/12) nasceu eivada de incoerência. Nesse sentido, trata
qualquer cidadão como pessoa potencialmente criminosa. Não há razoabilidade e
proporcionalidade na aplicação da penalidade. Situação essa, que identificado pelo
‘bafômetro’, quantidade etílica acima de 0,6 decigramas, o condutor é considerado
criminoso, restando todas as conseqüências rígidas da Lei severa.
Outrossim, a via possível de razoabilidade, de adequações à Lei Seca a
procedimentos efetivos, ou seja, o verdadeiro sentido da aplicabilidade legislativa
seria o amadurecimento da quarta corrente de caracterização da conduta anormal
do motorista embriagado, tendo como defensores doutrinadores como Luiz Flávio
Gomes e Rogério Sanches. Por outro lado, após a constatação de teor etílico no
organismo do motorista, mas a normal condução do veículo, caracterizaria tão
somente uma mera infração administrativa, imbuindo o caráter pedagógico.
Alfim, na legislação estrangeira, diferentemente da legislação intolerante
pátria, constata-se certa flexibilidade acerca da matéria, com adoção metodologias
diversas voltadas a condutores consumidores de álcool, como na União Européia,
por sua vez, recomenda dois limites distintos: 0,5g/l como regra geral; 0,2g/l para
casos especiais, como motoristas inexperientes.
Abstract:
It is proposed in this paper an analysis of disputes brought by Law No. 12,760, of
December 21, 2012, popularly called the new Prohibition. The legislature infra-legal
innovation brought in legislation to amend the controversial Homeland Article 306 of
the Brazilian Traffic Code, which typifies formal crime of drunk driving, delegating
powers to the police activity for such subjective classification. Thus, prior to this
change, the drunk driver is only ascertained through use of breathalyzer (breath) or
blood test. With this innovation, there was extensive change this conclusion,
admitting to being proven beyond those already adopted, through videos, witness or
any means of evidence admitted by the standard country. By the rigor of the new
standard and the record time of processing and sanction without causing the vacatio
legis, shown left is intolerance of the legislature as the drunk driver who makes
incoherently and always made it legal use of alcohol, due to the tax collection . This
intolerance remains to observe the legislature the reasonableness of the application
of the criminal type, do most distinguishes the person who just consumed the least
alcohol without compromising your reflexes, drunkenness preordained. Furthermore,
what we see is the inefficiency of the state to equip functioning surveillance with
modern rigging, in reverse punish the user a 'drug' legal and culturally acceptable to
be a little more comfortable.
Keywords: Prohibition. Reasonableness. Inefficiency State. Lawfulness of Alcohol
Consumption..
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