UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
LUIZ EDUARDO FERREIRA DA SILVA
CIÊNCIA COMO TÉCNICA OU TÉCNICA COMO CIÊNCIA: nas trilhas
da Arquivologia e seu status de cientificidade
JOÃO PESSOA
2013
LUIZ EDUARDO FERREIRA DA SILVA
CIÊNCIA COMO TÉCNICA OU TÉCNICA COMO CIÊNCIA: nas trilhas da
Arquivologia e seu status de cientificidade
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado
do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Federal da Paraíba,
na Linha de pesquisa “Memória, Organização,
Acesso e Uso da Informação” como requisito
para o grau de Mestre em Ciência da
Informação.
Orientadora: Profª. Dr.ª Dulce Amélia de Brito
Neves
JOÃO PESSOA
2013
S586c
Silva, Luiz Eduardo Ferreira da.
Ciência como técnica ou técnica como ciência: nas trilhas
da Arquivologia e seu status de cientificidade / Luiz Eduardo
Ferreira da Silva.- João Pessoa, 2013.
138f. : il.
Orientadora: Dulce Amélia de Brito Neves
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCSA
1. Arquivologia. 2. Saber arquivístico. 3. Agir funcional.
4. Ciência da informação.
LUIZ EDUARDO FERREIRA DA SILVA
CIÊNCIA COMO TÉCNICA OU TÉCNICA COMO CIÊNCIA: nas trilhas da
Arquivologia e se status de cientificidade
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado
do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Federal da Paraíba,
na Linha de pesquisa “Memória, Organização,
Acesso e Uso da Informação” como requisito
para o grau de Mestre em Ciência da
Informação.
Aprovada em _____/______/______
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Dulce Amélia de Brito Neves (Orientadora)
Doutora em Ciência da Informação
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
_________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira
Doutora em Letras
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
_________________________________________________
Prof. Dr. José Washington de Morais Medeiros
Doutor em Educação
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
____________________________________________
Prof. Drº. Carlos Xavier de Azevedo Netto
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
(Suplente Interno)
____________________________________________
Profa. Drª Jacqueline Echeverría Barrancos
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
(Suplente Externo)
AGRADECIMENTOS
Ao senhor Deus de todas as coisas, o Pai maior que nos guia e nos protege
de todos os perigos da vida, obrigado Deus de bondade, de misericórdia e amor.
À Profª. Drª. Dulce Amélia de Brito Neves – minha orientadora – por ter
acreditado na minha caminhada dissertativa, pelas conversas e acima de tudo por
ter tido a coragem de abrir uma disciplina especial no Programa de Pós-Graduação
em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba para discutir
epistemologia, obrigado pela humildade.
Aos meus mestres Prof. Dr. Waldeci Ferreira Chagas e o Prof. Dr. José
Washington de Morais Medeiros, dois seres humanos excepcionais, obrigado por ter
acreditado nas minhas potencialidades de aluno, de ser humano, tudo que sou hoje
enquanto pesquisador agradeço a vocês, onde me espelho, não apenas pelo víeis
acadêmico, mas, sobretudo na conduta ética que encaram a construção do saber.
Obrigados meus nobres e eternos orientadores.
A banca examinadora pelas valiosas contribuições que foram auferidas e logo
acatadas no exame de qualificação.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da UFPB, em especial a Profª. Drª Mirian de Albuquerque Aquino, pelo
incentivo, pelas conversas, pelo exemplo de professora, obrigado pelo carinho,
aprendi muita coisa com sua ação peculiar de educadora.
A Profª. Drª Bernadina Maria Juvenal Freire de Oliveira, obrigado pelo carinho, por
suas palavras, obrigado pelas discussões de memória, pela conduta e seriedade
que leva suas ações, muito obrigado pela confiança, e por ter acreditado em meu
potencial.
A minha base, o meu tudo, minha família, os que não estão mais presentes
fisicamente nesse mundo, mas que foram e serão sempre lembrados em meu
coração e em minhas orações, (in memoriam) Irene Maria Ferreira minha avó
amada, ao querido e brilhante avô José Ferreira, aos meus tios Feliciana Ferreira
(Chandu), Antônio José Ferreira e Maria Luzinete Ferreira, pessoas que eu não
tenho como esquecer, pois me ajudaram a ser homem e cidadão, ensinado a
respeitar o semelhante e lutar pelos nossos sonhos, obrigado meus eternos e
memoráveis amores.
A minha mãe, que dispensa comentários, te agradeço por tudo, por ter me
educado e criado, por sempre acreditar em mim, por me amar sem cobrar nada em
troca, minha mãe a mulher mais importante que a vida me deu, não tenho palavras
para expressar meu amor e minha gratidão, tudo que eu faço hoje é pensando
também em seu futuro. Amo-te.
Ao meu pai, exemplo de conduta humana, de ética e honestidade,
características que nesse mundo é difícil de encontrarmos hoje, obrigado por ter
acreditado em mim, por ter estendido a mão e por nunca me tratar com indiferença,
o obrigado meu Pai, tudo que faço é também pensando em vosso futuro.
Aos meus irmãos Lucas Ferreira Santana e Karla Patrícia, que fazem parte da
minha história, do meu crescimento e também das minhas conquistas. Obrigado por
existirem em mim.
A minha amada companheira Suênia Vasconcelos de Souza, minha futura
esposa, a pessoa que Deus escolheu para eu cuidar, para eu amar, joia perfeita
tenha certeza que farei isso com todas as minhas forças, passamos por muitas
coisas juntos, medos, incertezas, provações, mas que Deus sempre mostrou a
nossa aliança. Amo-te.
Aos meus amigos (irmãos) que sei que posso contar, o laço de irmandade
não é apenas sanguíneo, mas sobretudo quando sabemos que encontramos
verdadeiros amigos, Fernando José, Antônio Augusto e Joelson Nascimento.
Aos funcionários da secretária do PPGCI, Franklin Duarte Kobayash e Helton
Bruno Pinheiro Barbosa pela presteza e dedicação que encaram o trabalho, por
sempre ter me tratado com respeito e paciência, meu muito obrigado.
A todos os meus colegas do mestrado da turma 2012.1, pessoas brilhantes
que tive o prazer de conhecer, uns levarei no meu coração com mais intensidade por
estarem mais próximos de mim. Agradeço a vocês pelos momentos de crescimento,
conversas e acima de tudo na ajuda mútua. Obrigados a todos, com muito carinho.
Pense no cientista como explorador de labirintos. Ele se meteu pela
ala esquerda, terminou num beco sem saída, voltou e colocou na
entrada um sinal vermelho. Esse sinal é digno de confiança, final,
decisivo. Ele prossegue, encontra a caminhos abertos, volta, coloca
um sinal verde. Esse sinal não é digno de confiança. Nada garante
que, mas adiante, a ala por ele explorada não termine também num
beco sem saída. O sinal vermelho diz: é inútil entrar por este
caminho. Tal sinal tem um enorme valor: poupar esforços. A
informação de que certos caminhos não levam a lugar algum é
informação tão importante como quaisquer outras. Se você encontra,
no inicio da rua, uma tabuleta com a informação “beco sem saída”,
você não entra por ela. Economizará. Isso também é conhecimento.
(ALVES, 1981, p.179).
RESUMO
Pesquisa que tem por objeto compreender o caráter de cientificidade da Arquivologia
sob a luz da Ciência da Informação, de modo que essa problematização tenha um
papel fundamental no contexto arquivístico. Desse modo, partimos da seguinte
hipótese: Em Arquivologia, a lógica do agir instrumental obstrui o caráter do campo
como ciência quando, na verdade, desdobra-se mais como técnica. Nesse sentido,
por intermédio do método indiciário e da hermenêutica crítica, buscamos através dos
indícios interpretativos, encontrar as pistas para as incertezas epistemológicas em
que a Arquivologia está circunscrita, sobretudo, no contexto teórico-metodológico.
Logo, através dessa ação indiciária medimos as possibilidades de uma Arquivologia
– técnica ou de uma Arquivologia – Ciência. Com efeito, observamos que a
Arquivologia não pode fugir da técnica como procedimento, mas, o que nos deixa
preocupados é que a “cientificação da técnica” se tornou a própria ideologia da
Arquivologia, o sentido primeiro e último sobre o qual a razão de ser constitui-se
como base. De todo modo, os resultados indiciários e interpretativos demonstram
que se a Arquivologia reduz-se a um conjunto de técnicas, trata-se de um “produto”
e não de uma ciência que via de regra, produz verdades e implementa verdades
criando produtos. Por conseguinte, concluímos que esse estudo permitiu perceber
que uma ação reflexiva no contexto da pesquisa em Arquivologia, poderá fazer com
que a Arquivologia se distancie do modelo funcional/pragmático que a marcou no
processo de historicização.
Palavras-chave: Arquivologia - Ciência. Arquivologia - Técnica. Saber arquivístico.
Agir funcional. Ciência da Informação.
ABSTRACT
The research aims at understanding the scientificity character of Archival
Science in light of Information Science so as this problematization may have an
outstanding role in the archival context. In this way, the following hypothesis
was taken into account: In the Archival Science, the logic of instrumental action
hinders the field character as science when, in fact, it is unfolded as a
technique. In this perspective, by means of the evidential method and the
critical hermeneutics, we searched through interpretative evidence to find
clues for the epistemological uncertainness in which the Archival Science is
circumscribed, especially, in the theoretical and methodological context.
Therefore, through this evidential action, the possibilities of an Archival Science
– technique or of an Archival Science - Science were measured. In effect, it was
observed that the Archival Science can not ignore the technique as procedure,
but one major concern is related to the “scientification of the technique” which
became the Archival Science ideology; the first sense and the last one about
which the reason of being is constituted as basis. Thereby, the evidential and
interpretative results demonstrate that if the Archival Science is reduced to a
set of techniques, it refers to a “product” and not to a science that, usually,
produces truths and implements them by creating products. Consequently, it
can be concluded that this study enabled to perceive that a reflective action in
the context of Archival Science research can make the Archival Science to
distance from the functional/pragmatic model that registered it in the
historicization process.
Keywords: Archival Science - Science. Archival Science – Technique. Archival
knowledge. Functional action. Information science.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
A dual visão do sentido “paradigma” na ciência
60
Figura 2
O esboço científico da divisão da ciência
78
Figura 3
Rationalizierung (racionalização) do agir funcional instrumental na 97
Arquivologia
Figura 4
A concepção do ciclo prático-vital na Arquivologia
100
Figura 5
A produção do conhecimento e interesse em Jürgen Habermas
103
Figura 6
A evolução informacional ao longo da história
113
Figura 7
A dinamicidade quadripolar na Arquivologia
117
Figura 8
A relação hermenêutica da pesquisa
123
Figura 9
O “saber-se” instrumental na Arquivologia
126
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
11
2
“SPIE” METODOLÓGICO
22
3
A INTELECÇÃO PARADIGMÁTICA NA ARQUIVOLOGIA: um
diálogo entre o clássico e o contemporâneo
33
3.1 O Principio da proveniência
40
3.2 O Princípio da ordem interna ou original e o respeito pelos fundos
45
3.3 A Teoria sistêmica e o rompimento da ordem: a crise paradigmática
na Arquivologia
50
4
55
A CIÊNCIA COMO RAZÃO LEGITIMADORA: da revolução das
luzes à crise de paradigmas na modernidade
4.1 Racionalidade
fraternidade
e
século
das
luzes:
liberdade,
igualdade
e
61
4.2 O poder da razão na modernidade: a redenção de ciência
70
5
76
CONHECIMENTO E INTERESSE: o lugar das Ciências Sociais
Aplicadas
5.1 A constituição de um campo científico
79
5.2 Manifestações das ciências sociais aplicadas: O que são? De onde
vêm?
83
5.3 A técnica como ideologia do pensar-agir: do pragmatismo ao
funcionalismo
87
5.4 Ciências empíricas e ciências histórico-hermenêuticas: critica de
Jürgen Habermas
101
6
UMA POSSÍVEL
110
6.1 O esforço da abordagem europeia: a perspectiva sistêmica dos
arquivos
113
6.2 Os laços do pensamento funcional sob a formação pragmática
119
6.3 A negação da auto-imagem: os estilhaços da ciência arquivística
121
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
125
REFERÊNCIAS
131
TÉCNICA OU CIÊNCIA? EM BUSCA DE
“IDENTIDADE PERDIDA” NA ARQUIVOLOGIA
12
1 INTRODUÇÃO
Em um contexto sociopolítico, econômico e de profunda transformação, a
ciência contemporânea traz consigo diversas formas de pensarmos a estrutura e a
formação de um corpus científico. Todavia, o campo científico de qualquer disciplina
ou área do conhecimento que busca estabelecer-se como ciência tem que possuir
uma metodologia e uma base teórico-metodológica consolidada1.
Nesse sentido, percorrendo o universo empírico e pragmático, ao qual a
Arquivologia2 foi associada no processo de historicização, procuramos compreender
seu lugar como um campo do conhecimento que está ancorado supostamente em
uma cientificidade. Dessa maneira, é interessante visualizar o status científico que a
Arquivologia almeja, através dos seus princípios e fundamentos mais específicos.
Segundo Rousseau e Couture (1998, p.53) “um corpus científico constitui-se de
diversas maneiras, mas, sobretudo através de manuais3 da especialidade e a
criação de atividades de formação. A publicação de manuais representa uma etapa
na constituição de uma disciplina científica”. Rousseau e Couture (1998) indagam a
respeito desses manuais que seriam o caminho de tornar a Arquivologia um campo
do conhecimento autônomo.
De igual modo, esses manuais existiam desde o século XV e XVI com o
avanço da ciência, no entanto, na Arquivologia esses manuais tiveram sua grande
ênfase no final do século XIX com o manual dos arquivistas holandeses4.
1
Tanodi (1960, p.13-14) afirma que “a configuração de uma ciência depende do
cumprimento de alguns requisitos, quais sejam: a) Ter um campo específico de
observação, um objeto; b) Tal objeto deve ser investigado com um fim determinado:
procurar o conhecimento pelas causas ou estabelecer leis universais, ou investigar uma
verdade; c) Para atingir seu objetivo, toda ciência deve ter um método próprio”.
2
Na pesquisa apresentamos como sinônimos os termos Arquivologia e Arquivística, uma
vez que na literatura para a conceituação “científica” da área os dois termos aparecem de
modo semelhante.
3
Para Rousseau e Couture (1998, p. 53) “desde o início do século XIX, surgiram em
diferentes países vários manuais de arquivística. Concebidos por arquivistas, cuja
competência é reconhecida ou por associações profissionais, descrevem as práticas
nacionais em matéria de concepção e de tratamento dos arquivos”.
Muller, Feith, e Fruin produziram seu manual para a associação de Arquivistas
Holandeses em cooperação com o Arquivo Nacional e o Ministério do Interior. Cada uma
das cem regras no manual foi formalmente discutida pela sociedade durante os anos de
4
13
Na segunda metade do século XIX, o percurso histórico da
Arquivística foi marcado por duas variáveis: as preocupações com o
equacionamento dos problemas dos arquivos modernos, com o
desenvolvimento de práticas arquivísticas, e, por outro, com as
preocupações em torno da necessidade de se construir consenso
acerca dos conceitos e métodos utilizados pela Arquivística no
mundo. (SILVA, 2012, p. 34).
Dessa maneira, a escolha pela temática se deu em virtude de conhecer as
lacunas teórico-metodológicas da Arquivologia, principalmente quando relacionado à
dicotomia entre ciência e técnica, pois o objetivo desses esclarecimentos é situar a
Arquivologia dentro do pensamento contemporâneo, partindo dos questionamentos
e das ações interpretativas à compreensão das variáveis do saber arquivístico.
Assim, ao interpretarmos um fenômeno é necessário corroborar para um processo
de autofundamentação em um sentido explanatório, interpretativo e autorreflexivo.
De todo modo, partimos para a compreensão da relação da ciência com a técnica no
universo da Arquivologia, principalmente fundamentados em Jürgen Habermas5
através da lógica da argumentação exegética.
Logo, analisamos esse antagonismo de um agir funcional instrumental
(técnica)6 a uma possível teoria epistêmica na literatura da Arquivologia. Segundo
1890. Típico dos trabalhos feitos por comitês, é escrito com muito cuidado e com uma
série de exemplos. Mesmo em relação a regras, é perceptível esse aprofundamento. O
manual também reflete as ideias de Muller tomadas da teoria Francesa, devido a seus
estudos na École des Chartes e do conceito alemão de proveniência, utilizado em uma
série de arquivos da Holanda. (COOK, 1997, p. 21).
5
O filósofo da ciência Jürgen Habermas considera que se pode classificar a maneira de
ver as interações entre a ciência e a sociedade em três grupos distintos: 1º as interações
tecnocratas, 2º interações decisionistas e pragmático-políticas. Essas três maneiras de
ver jamais existem em estado puro: trata-se de modelos conceituais que permitem uma
representação do que ocorre. Para o modelo tecnocrático, as decisões cabem aos
especialistas. Já o modelo decisionista faz uma distinção entre tomadores de decisão e
técnicos. Para o modelo tecnocrático, seriam os conhecimentos científicos (e, portanto,
os “especialistas”) que determinariam as políticas a serem seguidas (objetivos e meios).
Já o terceiro modelo, o que é privilegiado é a perpetua discussão e negociação entre o
técnico e os clientes. (FOUREZ, 1995, p. 208- 209-210).
6
A crítica da racionalidade instrumental ou técnica. Uma tentativa crítica reconceituada
enxerga a racionalidade instrumental/da tecnologia como um dos aspectos mais
opressivos da sociedade contemporânea. Essa forma de “hiper-razão” envolve uma
obsessão com os meios e não com os fins. Os teóricos críticos alegam que a
14
Ribeiro (2002, p. 105), a Arquivologia necessita ser “repensada e (re) construída sob
pena de não vencer o empirismo e o estatuto de disciplina técnica que a tem
caracterizado”. Desse modo, a autora propõe um caráter informacional coadunado
com a vertente paradigmática da informação social que estaria no entremeio do
objeto de estudo da Ciência da Informação.
Nesse sentido, a investigação interpretativa visou debater os conceitos,
finalidades e intelecção dos indícios hermenêuticos em um processo argumentativo
para abrangermos essa dicotomia ciência/técnica na Arquivologia, “na medida em
que a técnica e a ciência pervadem as esferas institucionais da sociedade e
transformam
assim
as
próprias
instituições,
desmoronam-se
as
antigas
legitimações”. (HABERMAS, 2009, p. 45). Essas legitimações impregnadas no
anseio da modernidade, marcadas por essa assimetria dicotômica da ciência e
técnica foi contextualizada pela ruptura com a antiga herança da ciência moderna.
Segundo Habermas (1987), a conjectura da racionalidade é fundamental para o
sujeito abandonar o paradigma que existia na ciência moderna na relação sujeitoobjeto, no entanto, surgirá o paradigma do agir comunicativo em um processo
linguisticamente interpretativo.
Com efeito, Habermas (1987) chama atenção para algo importante que levou o
homem a entender sua práxis enquanto ser categorizado por subjetividade, ou seja,
a emancipação dos interesses do “saber prático”; o autor esclarece a
preponderância de se trabalhar em um substrato teórico e epistemológico, o qual ele
chamou de teoria social crítica. Logo, esse teor reflexivo traz para o campo do
conhecimento outro olhar, outra maneira de se fazer, pensar e contextualizar o
exercício
epistêmico
em
detrimento
aos
padrões
tecnocratas
que
foram
impregnados na Arquivologia no processo de historicização.
racionalidade instrumental/técnica está mais interessada no método e na eficiência do
que na finalidade, delimitando suas dúvidas a “de que forma”, e não a “por que deveria”.
Em um contexto de pesquisa, os teóricos críticos alegam que muitos estudiosos
racionalistas ficam tão obcecados com questões envolvendo a técnica, o procedimento e
o método correto que esquecem da finalidade humanista do ato da pesquisa. A
racionalidade instrumental/técnica geralmente separa o fato do valor em sua obsessão
pelo método “apropriado”, perdendo, no processo, uma compreensão das escolhas de
valor sempre envolvidas na produção dos assim chamados fatos. (DENZIN; LINCOLN,
2006, p. 284-285).
15
Diante dessas argumentações, o século XIX marcou de forma concisa todo
entremeio do conhecimento da Arquivologia que foi alinhavado e sobreposto a um
modelo de saber que reportava sempre à uma praticidade, uma finalidade
convencional, porque era incrementada pela ação intervencionista do Estado7
institucionalizado, uma vez que a Arquivologia nesse período estava demarcada
com o adjetivo de “auxiliar da História” e que foi impulsionado pela ação positivista:
O positivismo posto em cena por Comte, serve-se dos elementos da
tradição tanto empirista quanto racionalista para solidificar, a
posteriori, em vez de refletir, a fé da ciência em sua validade
exclusiva, clarificando a estrutura das ciências com base nesta fé.
(HABERMAS, 1987, p. 27).
Essa postura positivista condicionou em larga escala o avanço científico da
Arquivologia servindo-se dos elementos da ação tradicional (empirismo) e da
validade exclusiva determinada pela neutralidade da lei dos três estágios8.
Habermas (1987) reporta ao positivismo um processo objetivo de formação da
espécie humana, que dogmatizou e mascarou a fé da ciência nela mesma. Desse
modo, a Arquivologia não muito diferente de outros campos do conhecimento sofreu
a influência do positivismo, através de correntes que se afirmaram e se constituíram
como o empirismo9, pragmatismo10 e o funcionalismo11, que “enclausuraram” o
7
Segundo Habermas (2009, p. 68), “desde o último quartel ao século XIX, fazem-se notar
nos países capitalistas avançados duas tendências evolutivas: 1) um incremento da
actividade intervencionista do Estado, que deve assegurar a estabilidade do sistema e, 2)
uma crescente interdependência de investigação técnica, que transformou as
ciências na primeira força produtiva”.
8
A lei dos três estágios de Comte enuncia uma regra segundo a qual o desenvolvimento
intelectual dos indivíduos, bem como o da espécie, deve consumar-se em seu total. Esta
lei do desenvolvimento possui manifestamente uma forma lógica não correspondente ao
status das hipóteses nomológicas das ciências experimentais: o saber que Comte
reivindica para interpretar o significado do saber positivo não está, ele mesmo,
subsumido sob as condições do espírito positivo. (HABERMAS, 1987, p. 92).
9
Medeiros (2008, p. 84) afirma que “o empirismo, por sua vez, foi a orientação filosófica
que reiterou a supremacia da experiência” sensível das coisas e procurou ligar,
persistentemente, o saber à experiência vivida”.
10
“O pragmatismo de Peirce de 1871-1878 significa uma concepção de realidade que
perfaz uma crítica de sentido associada a um conceito teórico consensual (e jamais
instrumentalista) de verdade” (HABERMAS, 1987, p. 349).
16
saber arquivístico a um modelo da funcional de um agir instrumental e que
perpassou todo o século XIX até chegar a nossa contemporaneidade.
A rigor, Habermas (1987) propôs pensar a primazia de uma cientificidade
social crítica (interpretativa) contra a hegemonia positivista que adentrou no universo
de diferentes áreas do saber em variados contextos geográficos. Esse positivismo
impregnou-se de uma forma específica e intencional na produção do saber da
arquivística durante duradouros tempos. Nesse sentido, essas correntes deixaram
escombros no campo do saber arquivístico, ou seja, a não reflexão epistemológica e
a não teorização interpretativa, levando a procedimentos operatórios do saber-fazer
pragmático em seus fundamentos e princípios, ocorrendo uma ação da
racionalidade instrumental que não visa a uma experiência de atividade reflexiva ou
emancipatória, “nesse sentido a experiência da reflexão recorda os momentos
emancipatórios da história da espécie”. (HABERMAS, 1987, p. 40).
De modo semelhante, Habermas (1987) traz a experiência da reflexão, do
conhecimento teórico enquanto tal, em que uma fundamentação se consolida em
termos transcendentais de subjetividades, característica peculiar do sujeito
categorizado (intersubjetivo) e que se baseia em um círculo de experiência
intrínseca ao indivíduo (realidade cotidiana). Destarte, o autor tece sobre o processo
hermenêutico, na medida em que ele propõe olhar para o interesse emancipatório
(autorreflexivo), e que com a modernidade tornou-se um meio de sobreviver sobre
as intempéries das forças produtivas, “o interesse emancipatório visa à consumação
da reflexão enquanto tal”. (HABERMAS, 2009, p. 144).
11
Para voltar da vida orgânica para a vida social, se examinarmos tal comunidade como
uma tribo africana ou australiana, podemos reconhecer a existência de uma estrutura
social. Seres humanos individuais, as unidades essenciais nesta instância, estão
conectados por um conjunto definido de relações sociais com um todo integrado. A
continuidade da estrutura social, tal como aquela de uma estrutura orgânica, não é
destruída por mudanças nas unidades. Indivíduos podem deixar a sociedade, por conta
da morte ou de um outro modo; outros podem entrar nela. A continuidade da estrutura é
mantida pelo processo social, que consiste nas atividades e interações dos seres
humanos individuais com os grupos organizados nos quais eles se reúnem. A vida social
da comunidade é aqui definida como funcionamento da estrutura social. A função de toda
atividade recorrente, tal como a punição por um crime ou uma cerimônia funeral, é a
parte que ela desempenha na vida social como um todo, e, por conseguinte, a
contribuição que ela faz para a manutenção da continuidade estrutural (RADCLIFFEBROWN, 1952, apud HABERMAS, 2009, p. 124).
17
Por conseguinte, a teoria crítica social emancipatória possibilita um diálogo
mais forte sobre si, tornando-se um processo autocompreensivo e reflexivo que são
constituídos nas expressões, nas experiências e nos círculos exaustivos dos
questionamentos. De todo modo, a Arquivologia deve fundamentar o sentido inverso
da “tecnificação” do agir funcional instrumental12 e, através da reflexão, começar a
desenvolver outros significados sobre si.
Por meio desse estudo buscamos olhar dentro de nós mesmos e enxergar as
lacunas de nossa formação, no entanto, nosso propósito não é “julgar” o saber
arquivístico, pelo contrário, nosso interesse (emancipatório) é compreender e
contribuir de fato para o avanço da Arquivologia, o que será estabelecido através
dos atos exegéticos que estão circunscritos em rupturas epistemológicas, “o ato de
compreender não se planifica na empatia no outro, mas na reconstrução de uma
objetivação intelectual.” (HABERMAS, 1987, p. 161, grifo nosso). Assim, é
preponderante auferir a autofundamentação emancipatória e precisamente mostrar
que a Arquivologia pode ultrapassar a vivência empírica da instrumentalização
técnica em seus fundamentos e princípios, planificando-se no processo de
compreensão autorreflexiva, porque a Arquivologia pode clarificar uma ação
epistemológica a partir da percepção conceitual de suas próprias bases
metodológicas.
Vale ressaltar que, não almejamos refletir nossa própria condição, ou seja,
colocarmo-nos na condição de interlocutor do debate, pois seria muito fácil criticar,
“gritar”, o difícil é consolidar no grito a força de um argumento plausível e, assim,
colocar-se na condição de interlocutor do debate, sobretudo numa área profissional
como a Arquivologia, que permanece em um “ciclo vicioso” de reproduções dos seus
próprios conhecimentos, ou seja, das técnicas.
Sendo assim, é pertinente indagarmos: Como entender o caráter epistemológico
da Arquivologia como ciência sob a luz da Ciência da Informação? Podemos
então considerar que o sentido da pergunta implica no próprio campo de estudo da
12
Para Habermas (1987, p. 213): A função transcendental da atividade instrumental é
corroborada por processos relativos à articulação de teoria e experiência: a observação
sistemática possui a forma de uma demonstração experimental (ou quase experimental),
permitindo registrar sucesso de operações mensuráveis.
18
Arquivologia, através da provocação e da vigilância epistemológica que poderá
fortalecer suas entrelinhas conceituais, pois tomamos como hipótese que: Em
Arquivologia, a lógica do agir instrumental obstrui o caráter do campo como
ciência quando, na verdade, desdobra-se mais como técnica na dimensão de
seus princípios e fundamentos mais característicos, ou seja, “a teoria que se
refere à essência imutável das coisas para lá do âmbito mutável dos negócios
humanos, só adquire validade na práxis por marcar a atitude vital dos homens que
dela se ocupam”. (HABERMAS, 2009, p. 98).
Sendo assim, esses sinais e emblemas aguçaram nosso olhar no sentido de
compreendermos o caráter epistemológico da Arquivologia no universo de sua
pretensa
cientificidade
com
a
contribuição
da
Ciência
da
Informação.
Especificamente objetiva-se:
a) Discutir os “chamados paradigmas” da Arquivologia enquanto ciência;
b) Verificar o processo evolutivo da disciplina com suas características gerais;
c) Averiguar as mediações relativas aos aspectos contingentes do processo pelo
qual se empreende a atividade científica enquanto tal.
Desse modo, na contemporaneidade, não é difícil arriscarmos perceber que
determinadas ciências se constituíram através de técnicas que servem justamente
para “dominação”, nesse sentido, compreendemos que nem toda ciência liberta,
nem toda ciência consegue emancipar o sujeito a qual ela forma. Logo, corremos o
risco em nome da ciência possibilitar muito mais “coerção” do que “liberdade”,
“retrocesso” do que “progresso”, corremos o risco de reiterarmos a “violência” e a
“morte” do que a vida.
Inconscientes do que é e faz a ciência na sociedade, os cientistas
são incapazes de controlar os poderes escravizadores ou destrutores
gerados pelo saber [...] o conhecimento escapa-lhes e constitui uma
potência que se torna estranha e ameaçadora. (MORIN, 1999, p. 23).
Por isso, o papel da interpretação e compreensão do fenômeno é justamente
possibilitar uma dialética crítica auxiliada aprioristicamente em um olhar denso do
que se pretende estudar, ou seja, suas diretrizes e direcionamentos.
Conforme a abordagem hermenêutica, os estudos da informação
não deveriam propor-se, porém, à separação entre o discurso
19
informativo e os não informativos; trata-se, antes bem, de
compreender a inextrincável relação da informação e da
desinformação como dimensões do mundo de partilhar com outros a
abertura de um mundo. Dês-informação e informação seriam, assim,
abreviações das experiências de mentir, iludir, distorcer, errar,
ocultar, fazer propaganda, ou – de outro modo – de buscar a
comunicação pública, a orientação à verdade, qual a abordagem
adequada para tratar problema ou assunto; de escutar o ponto de
vista dos outros, de argumentar, de cultivar o pensamento crítico.
(GONZALEZ DE GOMEZ, 2011, p. 36-37, grifo nosso)
Dessa forma, a pesquisa buscou cultivar o pensamento crítico, fazendo uma
tessitura construtiva e contributiva que poderá provavelmente remodelar e arranjar a
maneira de se pensar a Arquivologia. Nesse sentido, entendemos que o campo
arquivístico
ainda
esbarra
em
configurações
conflituosas,
principalmente
relacionadas às terminologias, revelando na maioria das vezes em inconsistências
conceituais. Esse antagonismo pode ser identificado na nomenclatura do campo
como Arquivologia13, Arquivística e Arquivonomia. Salientamos ser de fundamental
importância para Arquivologia discutir suas peculiaridades em função do avanço da
área, que nos últimos tempos cresce consideravelmente em todo o país.
Similarmente, não menos complexo, uma ala muito consistente da Arquivologia
ainda tenta associá-la à pós-modernidade, no entanto, a pós-modernidade se
constituiu muito mais naquilo que ela não é, ou naquilo que a modernidade não
conseguiu ser.
O outro momento se caracteriza por uma mudança de paradigma e
vai, desde a década de 1980 até os dias atuais, sendo identificado,
pelos teóricos da área, de maneiras diferentes. Nesse período, novas
mudanças acontecem devido aos intensos debates teórico-práticos
promovidos no seio da Arquivística, provocados pelo surgimento
das tecnologias de informação e comunicação e da influência das
ideias pós-modernas no desenvolvimento das ciências. (SANTANA;
MENA MUGICA, 2009 apud CALDERON, 2011, p. 54, grifo nosso).
13
No Brasil, autores como Castro, Castro e Gasparian (1988), Rondinelli (2002), Smit
(2003) e Fonseca (2005) reiteram o uso do termo Arquivologia, provavelmente como
reflexo da denominação legal dos cursos universitários da área. Nos países hispânicos,
mantêm-se três denominações: Arquivística, Arquivologia e Arquivonomia. No que se
refere ao termo Arquivonomia, parece haver consenso que não se aplica “como
denominação global” para a área. (CALDERON, 2011, p. 52).
20
Essa nuance paradigmática da Arquivologia surge a reboque da transformação
tecnológica que assolou a humanidade no final do século XX e início do século XXI,
porém, é necessário compreender que interligar a Arquivologia ao rol da pósmodernidade pode ser algo emblemático e perigoso, além de não garantir o status
científico.
Desse modo, não podemos negar que a inserção da Arquivologia nos
programas de pós-graduações em Ciência da Informação14 trouxe para área uma
enorme contribuição, “a associação com a Ciência da Informação parece ser uma
característica da evolução da área arquivística”. (FONSECA, 2005, p.101).
Sendo assim, a Ciência da Informação e a Arquivologia irão estabelecer
relações de natureza aproximativas, não no sentido de “dependência” uma com a
outra, mas, no aspecto informativo e social, “é a informação registrada e,
diferentemente
de
outro
tipo
de
informação,
é
mantida
como
estoques
informacionais em razão de sua utilidade ou missão e que passa a ter uma
existência institucional e, portanto, social”. (SMIT; BARRETO, 2002, p. 21). Logo, a
Ciência da Informação tem essa potencialidade aproximativa, de dialogar com outros
campos do conhecimento, de fomentar dentro desses campos meios que
possibilitem uma reestruturação conceitual e metodológica em seu interior:
A Ciência da Informação é um campo dedicado às questões
científicas e à prática profissional voltadas para os problemas da
efetiva comunicação do conhecimento e de seus registros entre
seres humanos, no contexto social, institucional ou individual do uso
e das necessidades de informação. No tratamento destas questões
são consideradas de particular interesse as vantagens de modernas
tecnologias informacionais. (SARACEVIC, 1996, p. 47).
14
Para González de Gomes (2000): A ciência da Informação surge, no horizonte de
transformação das sociedades contemporâneas que passaram a considerar o
conhecimento, a comunicação, os sistemas de significado e os usos da linguagem como
objetos de pesquisa científica e domínios de intervenção tecnológica. Poderíamos dizer
que ao mesmo tempo em que entravam em crises alguns dos pressupostos
epistemológicos que legitimavam a imagem da ciência moderna, começava a se formar
esse novo campo científico que assumiria uma parte importante do meta-discurso
ocidental.
21
A Ciência da Informação desempenha uma característica extraordinária nas
questões que envolvem os fluxos e os processos informacionais. Na concepção
teórico-metodológica, a Ciência da Informação oferece e orienta uma análise e um
compromisso que permeia diversas áreas da produção do saber e uma delas é a da
Arquivologia com a vertente informação15. Logo, entre ambas existe um nicho
relacional que é auferido por esse canal informacional.
A Arquivologia trouxe para a Ciência da Informação não apenas um
rico acúmulo de técnicas, conceitos e visões sobre os documentos
arquivísticos, mas também ideias sobre a organicidade e o ciclo de
vida dos documentos, sobre patrimônio e memória, sobre a
historicidade dos registros do conhecimento humano para todas as
disciplinas científicas pertencentes ao campo das ciências humanas
e sociais afinal, a historicidade é uma marca distintiva de todos os
fenômenos humanos, portanto, dimensão incontornável de todas as
ciências sociais e não apenas da História. (ARAÚJO, 2011, p. 10).
Com efeito, notamos a congruência entre a Ciência da Informação e a
Arquivologia através do viés informacional, assim, a Ciência da Informação atua de
forma umbilical na produção do saber de áreas que trabalham com a organização, o
acesso e o uso da informação. Logo, para uma melhor compreensão das discussões
configuradas nesta pesquisa, a organização estrutural do texto se apresenta da
seguinte forma:
A parte introdutória contextualiza aspectos conceituais, as trilhas teóricas
necessárias para o desenvolvimento do texto e faz uma delimitação dos aspectos de
pesquisa, como problemáticas, objetivo geral e objetivos específicos, justificativa. E
delineia o nicho relacional da Ciência da Informação com a Arquivologia.
15
Acredita-se que o conceito de informação de Buckland (1991), que vem sendo
introduzido na Arquivística, seja relevante para se compreender a relação entre os
conceitos
documento/informação
e
a
relação
entre
os
conceitos
informação/conhecimento. Apesar de esse conceito não se referir à informação orgânica,
ele demarca a face tangível e a intangível da informação registrada presentemente nos
arquivos. Por outro lado, também demonstra que a Arquivística, mesmo que timidamente,
vem abrindo espaço na agenda para dialogar com campo da Ciência da Informação.
(SILVA, 2012, p. 156).
22
No “spie16” metodológico, discorremos sobre os sinais que fundamentam esse
estudo e nele abordamos a investigação teórica, qualitativa e bibliográfica, por meio
de uma relação entre o método indiciário e a hermenêutica. No nosso entendimento
essa escolha configura como a base adequada para uma investigação minuciosa da
pesquisa, pois analisamos a dicotomia entre ciência e técnica na Arquivologia sob o
prisma epistemológico.
Em “A intelecção paradigmática na Arquivologia: um diálogo entre o clássico e
o contemporâneo”, abordamos epistemologicamente os princípios arquivísticos
dentro de um contexto de relevância, apontando a evolução histórica dos arquivos e
da Arquivologia, de modo a fundamentar o pertencimento dessa pesquisa no campo
da Ciência da Informação e na Linha de Pesquisa “Memória, Organização, Acesso e
Uso da Informação.
“Ciência como razão legitimadora: da revolução das luzes à crise de
paradigmas na modernidade”, discute a contextualização histórica que caracterizou
a evolução do significado do termo “ciência” para diversas áreas do conhecimento, e
principalmente no cenário da Arquivologia.
“Conhecimento e interesse: o lugar das Ciências Sociais Aplicadas, discorre
sobre as consequências da razão instrumental na Arquivologia, sobretudo os efeitos
da técnica como ideologia que influenciaram profundamente a Arquivologia no seu
processo de historicização.
O capitulo 6 trata de compreender os estilhaços da “ciência arquivística” aonde
tecemos algumas considerações sobre a dicotomia ciência e técnica na
Arquivologia.
16
Para Espada (2006, p. 333) “Spie é antes de mais nada a tentativa de propor uma
‘genealogia’ da história, ligando-se a outras formas de saber que partilhavam em ela a
mesma atenção pelo indício e pelo conhecimento indireto.”
23
2 “SPIE” METODOLÓGICO
Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e
me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e
comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 2008, p. 29).
A epígrafe introdutória deste capitulo anuncia a excepcionalidade da pesquisa
e suas constatações mais significativas na produção do conhecimento. Sendo
assim, adentrar no universo metodológico é compreender os caminhos da
construção do saber científico, é pensar em suas múltiplas variáveis, questionando,
problematizando e apontando soluções a determinados “projetos” (pesquisas). Desta
feita, “cada abordagem tem seus pontos fortes e fracos, e cada uma é
particularmente adequada para um determinado contexto”. (BELL, 2008, p. 15).
Nesse sentido, a pesquisa indiciária social/qualitativa tem essa funcionalidade
inclusiva, de esmiuçar as pistas, de imaginar os variados substratos sociais e
culturais, dos quais a estrutura da pesquisa parte das concepções e abordagens
teórico-metodológicas de entender as conjecturas dos fenômenos a serem
estudados. Nesse sentido, “o movimento de investigação qualitativa baseia-se em
uma profunda preocupação com a compreensão do que os outros seres humanos
estão fazendo ou dizendo” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 205).
Para Habermas
(1987), a pesquisa social qualitativa é emancipatória e autorreflexiva em um estofo
transcendental de compreensão:
As discussões metodológicas em sentido mais restrito sobre a
construção lógica de teorias e sobre a relação de teorias com a
experiência foram ultrapassadas por investigações (epistemológicas)
acerca da construção lógico-transcendental do mundo de sujeitos
possíveis e acerca das condições da intersubjetividade da
compreensão. (HABERMAS, 2009, p. 144).
A rigor, esse fenômeno requer do pesquisador um “sacerdócio” imprescritível,
porque através das facetas estruturantes de seu olhar, ele terá um potencial
investigativo no desenvolvimento de seu estudo, que é produzido nas entrelinhas do
saber científico, “o método científico nos dá a certeza de que toda e qualquer
pergunta, desde que formulada suficientemente exaustiva, deve acabar encontrando
uma solução definitiva” (HABERMAS, 1987, p. 111). Nesse aspecto, o método é
24
essencial para entendermos o universo da pesquisa, por meio dele nos
aproximamos da problemática desenvolvida, essa que é proposta na dicotomia
sujeito/objeto, assim, a partir do método adequaremos à realidade a ser investigada
e não aos interesses individuais de quem investiga.
Dentre os perfis teóricos de investigação da pesquisa qualitativa utilizamos o
método indiciário e a abordagem (hermenêutica) como base interpretativa dessa
pesquisa, onde essa ação reflexiva se tornou fundamental para contextualizarmos
os sinais do fenômeno com um olhar compreensivo e crítico. A hermenêutica busca
equacionar o sentido condescendente e elucidativo dos fenômenos através das
interpretações e provocações existentes em determinados contextos, “o que
chamamos de hermenêutica é assim uma forma de experiência e, ao mesmo tempo,
uma forma de análise gramatical”. (HABERMAS, 1987, p.173). Assim, Habermas
(1987) se volta não para as práxis metodológicas do estado positivo, mas para o
método hermenêutico e interpretativo das ciências do espírito, ou seja, das ciências
humanas (Geisteswissenschaften).
A compreensão hermenêutica não pode penetrar sem preconceitos
na coisa, mas é incontornavelmente marcada de antemão pelo
contexto, no qual o sujeito compreensivo adquiriu de início os seus
esquemas interpretativos. (HABERMAS, 2009, p. 299).
De fato, o “ilustrar hermenêutico” vem contribuir para a observação do
fenômeno a ser estudado, uma vez que abarcamos compreender o possível
universo científico da Arquivologia, as genealogias especulativas que sustentam e
afirmam uma “autonomia” científica na literatura arquivística, tornando fundamental
uma averiguação densa dessa realidade, “a autonomia é a única ideia de que somos
senhores, no sentido da tradição filosófica” (HABERMAS, 2009, p.144).
Segundo Habermas (2009), a reflexão sobre aquilo que faz a hermenêutica
precisa clarificar previamente o que precisa ser pensado efetivamente sobre o
processo de constituição, no qual algo espiritual se objetiva, e o quão complementar
é o ato da autofundamentação.
Segundo o ponto de vista metodológico, a compreensão de sentido é
problemática, quando o que está em questão é a apropriação de
conteúdos significativos legados pela tradição: “o sentido”, que deve
25
ser explicitado, tem o status de um fato, de algo empiricamente
encontrado de antemão. (HABERMAS, 2009, p. 142).
Com isso, o estudo do método científico traz essa característica intrínseca da
compreensão, do que pode e o que não deve ser investigado. A metodologia tem
esse escopo produtivo e elucidativo de buscar entender as vertentes mensuráveis
que são construídas no campo científico, “o método da pesquisa tem-se revelado, de
fato, como sendo o de maior sucesso” (HABERMAS, 1987, p.135).
Genericamente, a pesquisa qualitativa começa a ser construída a partir da
necessidade de entender a conjuntura da prática do cotidiano, que em inúmeras
vezes é produzida para compreender a significação do “outro”, e isso, se dará
através da crítica interpretativa em um contíguo de práxis, “a hermenêutica equivale
à maneira científica do agir interpretativo do cotidiano” (HABERMAS, 1987, p. 185).
Nesse viés, o questionamento hermenêutico reivindica uma habilidade no sentido
exegético e intencional oriundo das práticas do cotidiano, das relações,
interpretações e vivências da experiência pessoal.
O andamento simultaneamente tortuoso, caprichoso e severo do
ensaio pode parecer incompatível com o rigor de um test, mas
talvez essa mesma flexibilidade tenha êxito em captar
configurações que tendem a escapar às malhas das disciplinas
institucionais. (GINZBURG, 2004, p.13).
De modo semelhante, o pesquisador indiciário reconstitui e costura os
estilhaços que são deixados dentro das incertezas investigativas dos fenômenos.
Assim, o indiciário faz uma imersão na elaboração de sinais multifacetados e
pseudoparadigmáticos, tudo isso para entender o fenômeno em questão que é
alinhavado e sobreposto em diferentes narrativas que são concebidas através do
olhar divinatório a partir de uma relação de força daquilo que se pretende analisar.
Desse modo, “autorreflexivo” com relação a seu próprio papel e aos dos outros
pesquisadores em geral no processo de criação do conhecimento e da realidade
(KINCHELOE; BERRY, 2007, p.22).
De igual modo, ao imergirmos na metodologia indiciária, procuramos sob à luz
interpretativa responder às nossas inquietações, pois o pesquisador indiciário
interpreta e vivencia novos procedimentos na prática da pesquisa metodológica,
compreendendo e auferindo múltiplos sentidos na interação da produção do saber:
26
O progresso do conhecimento na dimensão das ciências, bem como
o da crítica, funda a esperança de que seja possível adquirir, pelo
trabalho científico, um saber sobre a realidade do mundo através do
qual possamos aumentar nosso poder e em vista do qual possamos
organizar nossa vida. (HABERMAS, 1987, p. 297).
Em meio a isso, os emblemas e sinais proporcionaram uma análise crítica das
especificidades que são elaboradas na relação humana do “eu” com os fenômenos
(projetos). O pesquisador com seus indícios incorpora uma multiplicidade consciente
de enxergar as diversas possibilidades das variáveis pesquisadas, ou seja, na
pesquisa buscamos entrelaçar o sentido “caçador17” do pesquisador indiciário, com o
poder de interpretação da hermenêutica crítica:
Os acontecimentos anômalos e imprevistos, as variáveis ou fatores
estranhos são sempre bem vindos, já que o objetivo prioritário dessa
estratégia não é construir teorias consistentes e organizar sua
comparação, mas mergulhar na complexidade do mundo real do
caso concreto que queremos estudar, bem como refletir sobre as
observações, os registros, as informações e as perspectivas dos
envolvidos [...] Tais fatos emergentes são ocasiões "de ouro"
para compreender o funcionamento da realidade, já que alteram
a rotina e põem a descoberto conflitos, interesses,
necessidades e comportamentos, habitualmente ocultos e
soterrados. (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 160, grifo nosso).
Essa “evidência” (crítica e interpretativa) é um efeito que sobrevém somente
após o estabelecimento daquilo que apontamos como uma sintonia indiciária
metodológica, em que o pesquisador indiciário se torna um “detetive metodológico”,
que através das várias maneiras de investigar acaba adotando o aspecto “intrínseco
da subjetividade” e da alteridade ontológica e dialógica, pois a consistência do
método indiciário incide em ecoar uma ação de investigação pautada nas pistas, nas
sintonias e indícios entre o observador e o objeto a ser analisado, nesse caso,
captamos os aspectos e as pistas que apontam a existência de uma “ciência
arquivística”.
17
“O caçador teria sido o primeiro a ‘narrar uma história’ porque era o único capaz de ler,
nas pistas mudas, uma série coerente de eventos. ‘Decifrar’ ou ‘ler’ as pistas dos animais
são metáforas”. (GINZBURG, 1989, p. 152).
27
Quando examinamos minuciosamente o método indiciário, percebemos que
configura uma metodologia significativa e contributiva, porque o indiciário detém uma
flexibilidade extraordinária na construção do seu modo de traçar as pistas no
processo
da
pesquisa.
Nesse
sentido,
consideramos
esse
pesquisador,
resguardadas as devidas proporções, como uma “ave de rapina” que voa em
diferentes ambientes e múltiplos contextos, porém, na maioria das vezes, ele
sempre buscará o caminho mais adequado para responder às suas necessidades
mais emblemáticas, ou seja, o pesquisador indiciário é um “revelador metodológico”
que faz um emaranhamento conceitual para contrapor suas inquietações; quer dizer,
ele adentra de fato nas suas convicções, em sua subjetividade, modelando e
explicitando profundamente uma invocação investigativa a partir de dados que foram
negligenciáveis no processo da pesquisa:
Mas, o mesmo paradigma indiciário pode ser usado para elaborar
formas de controle num instrumento para dissolver as névoas da
ideologia que, cada vez mais, obescurecem uma estrutura social
como a do capitalismo maduro. Se as pretensões de conhecimento
sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem por
isso a ideia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a
existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos
superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma
que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a
realidade é opaca existem zonas privilegiadas – sinais, indícios
que permitem decifrá-la. (GINZBURG, 1989, p.177, grifo nosso).
Ginzburg (1989) enfatiza a circunstacialidade e imprevisibilidade dessa
metodologia, tornando-se indispensável uma improvisação no ato de pesquisar o
fenômeno, na medida em que os rastros poderão ser encontrados a partir de uma
ação subjetiva, pois o pesquisador indiciário interroga o sentido das coisas, dos
problemas e das evidências mais abstratas. Para Ginzburg (1989), a percepção dos
indícios podem se tornar mais reveladores para se chegar a resultados satisfatórios
em um processo de intuição ou faro:
O objeto no fenômeno não é mais imediatamente constituído por
categorias da intuição e do entendimento, mas por meio de uma
realização transcendental tangível na própria esfera da sensibilidade:
por meio da criação de símbolos sistematicamente ordenados, que
emprestam às impressões sensoriais objetividades. (HABERMAS,
2009, p. 17).
28
Habermas (2009) entende que o quadro metodológico da pesquisa e do
fenômeno com a função aplicativa dos resultados da pesquisa só poderá ser
explicado, se conseguir tornar conscientes os interesses investidos, que são
diretrizes para o próprio saber e que estão presentes nas abordagens
metodológicas.
De todo modo, o método indiciário se comporta também como complexo, pois
exigirá do pesquisador um olhar condescendente do objeto, logo, desconstruindo as
cosmovisões reducionista e objetivista do universo científico que criticam a utilização
dessa metodologia. Notamos, então, que, “os dados, vistos de outra perspectiva ou
questionados a partir de alguém com formação distinta podem evocar interpretações
diferentes”. (KINCHELOE; BERRY, 2007, p. 21).
Kicheloe e Berry (2007) apontam o desafio da metodologia, visto que o
pesquisador indiciário procurará responder as suas perguntas e até mesmo suas
incertezas, sobretudo para uma melhor compreensão interpretativa do fenômeno.
Sendo assim, esse pesquisador por ter essa característica peculiar e que está
relacionada a uma ação “volátil” traz, para o universo de sua pesquisa, mecanismos
que possibilitarão sua efetivação enquanto projeto.
Às vezes, um dado singular não tem aparentemente uma explicação
para sua ocorrência; é idiossincrático, diferente e, muitas vezes,
estranho. O trabalho do analista será o de justificar sua
ocorrência, buscando compreender os fenômenos que estão por
trás dele. Para isso, é importante que [...] a maneira como
determinado dado possa ter aparecido seja objeto de reflexão para o
analista. (DUARTE, 1998, p. 62, grifo nosso).
Ainda nesse estudo, lançamos mão além dos indícios, mitos e emblemas, da
abordagem compreensiva, como a hermenêutica crítica para compreendermos os
indícios da possível cientificidade na Arquivologia, sendo preponderante a
compreensão da influência das ciências empírico-analíticas18, ou seja, aquela do
18
As ciências empírico-analíticas exploram a realidade na medida em que esta se
manifesta no raio da atividade instrumental; enunciados nomológicos acerca desse
domínio do objeto estão assim presos, de acordo com seu sentido imanente, a um
determinado contexto de aplicação; eles apreendem a realidade em vista de uma
disponibilidade técnica que, em condições específicas, é sempre e em toda parte
possível (HABERMAS, 1987, p. 216-217).
29
agir funcional instrumental (técnica), e as histórico-hermenêuticas para averiguar a
complexidade histórica do ato interpretativo, porque a partir dessa análise
construímos um arcabouço mais sólido de concordância ou não com essa afirmação
de uma cientificidade na Arquivologia:
Devemos usar os métodos que melhor possibilitam responder a
nossas perguntas sobre um determinado fenômeno [...] Essa
subversão aceita o fato de que a experiência humana é marcada por
incertezas e que nem sempre a ordem é estabelecida com facilidade.
(KINCHELOE; BERRY, 2007, p. 18).
De acordo com essa representação, o método indiciário tem a possibilidade de
fazer uma interpretação daquilo que buscamos, pois ao analisarmos os dados
pretendemos mostrar as perspectivas distintas que são inerentes ao estudo,
sobretudo com as variações da abordagem compreensiva (hermenêutica), “a busca
pela compreensão é um aspecto fundamental da existência humana, pois o encontro
com o não familiar sempre exige a tentativa de fazer sentido, de compreender”
(DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 287).
Nessas conjunturas interpretativas os fenômenos são analisados de maneira
que direcionem uma maior compreensão dos processos, das características e
peculiaridades marcantes da realidade a ser analisada. Com isso, o pesquisador
qualitativo que adentra no universo da hermenêutica e em sua multiplicidade,
constrói uma ponte com o contexto histórico daquilo que é investigado, ou seja, uma
tarefa interpretativa do circulo investigativo. Esse círculo hermenêutico cumpre-se
por objetos teóricos mediante um apelo analítico e exaustivo do problema a ser
analisado, “a hermenêutica concebe a mediação daquilo que o intérprete traz
consigo com aquilo de que ele se apropria como um desenvolvimento contínuo
daquela tradição cuja apropriação está em questão para o intérprete.” (HABERMAS,
2009, p. 237).
Dessa forma, a interpretação das pistas dos vestígios propicia pensar nas
múltiplas variáveis epistemológicas e conceituais que poderão ser observadas, ou
seja, o objeto da investigação. Nesse sentido, Habermas (1987) adentra nesse
universo interpretativo, para compreender principalmente a verticalidade da
intersubjetividade edificada pelo “si próprio”, assim, ele traz a ideia do desenho
30
hermenêutico, a qual utilizamos para identificar os traços e sinais da possível
autonomia científica da Arquivologia.
Dentro dessa perspectiva, Habermas (1987) aponta que o interesse
interpretativo está ligado aos seres humanos em todo seu processo cíclico que
ganha forma na subjetividade ancorada na racionalidade, ou seja, a hermenêutica se
refere a uma competência (“Vermögen”) através das experiências em um canal
linguístico comunicável na prática relacional do cotidiano.
Notamos, então, que para esse autor a pesquisa é a forma de reflexão em um
processo de aprendizagem mensurável, “nos processos de aprendizagem, se
adapta às suas condições externas de vida; que se exercita, mediante processos
formativos, no nexo de comunicação de um modo social da vida” (HABERMAS,
2009, p. 143). Desse modo, os sinais do processo investigativo são compreendidos
na ação indiciária que visa a pressupostos em uma realidade teórica que se constitui
na autoconservação:
• Ele isola o processo de aprendizagem do processo vital, é por isso
que o exercício operatório fica reduzido aos controles seletivos,
próprios àquela atividade que se orienta no sucesso.
• Ele garante a precisão e a confiança intersubjetiva, é por isso que a
atividade assume a forma abstrata do experimento, mediatizada que
está por operações mensuráveis.
• Ele sistematiza a progressão do conhecimento; é por isso que se
torna possível integrar não poucas hipóteses universais em conjuntos
teóricos relativamente simples. Estes possuem a forma de sistemas
enunciativos com caráter hipotético-dedutivo. (HABERMAS, 1987,
p.140).
Segundo Habermas (1987) o sujeito em pesquisa se constitui na base de uma
intersubjetividade que extrapola o conjunto transcendental da atividade instrumental,
quer dizer, o sujeito da pesquisa deve mostrar um assaz autocompreensivo,
contextualizado, articulado e transposto em uma teoria exegética, porque a partir
dessa ação indiciária, buscamos uma relação de força, entre o sujeito e o objeto a
ser investigado.
Embasados nessa construção da ponte hermenêutica, os
pesquisadores críticos em um círculo hermenêutico (um processo de
análise no qual os intérpretes buscam as dinâmicas históricas e
sociais que influenciam a interpretação textual) engajam-se no
vaivém do estudo das partes em relação ao todo e do todo em
relação às partes. (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 288).
31
Desse modo, os indícios são atos reflexivos onde o sujeito falante perceberá
suas “liberdades ou dependências” e suas conexões com o contexto da relação
autocompreensiva,
visto
que
aprenderemos
a
“dominar”
nossas
próprias
pressuposições inconscientes ou elaboradas de investigador, ou seja, uma reflexão
sobre o contexto historicizado e que será assegurada ou interpretada pela
hermenêutica, “mas somente através de uma reflexão sobre o contexto histórico que
desde sempre vincula o sujeito que conhece seu objeto” (HABERMAS, 1987, p. 35).
De igual modo o desenhar hermenêutico vem assumir uma reflexão
interpretativa que será desenvolvida pela ação do cientista, este filtrará o contexto
histórico, que por sua vez, consistirá no ponto de partida do que venha a ser
investigado. Dessa maneira, a hermenêutica proposta por Habermas (1987) se
constitui em um eixo fundamental na universalidade pretensiosa entre o método e
coisa a ser investigada, ou seja, seus sinais mais complexos.
Com outras palavras, Denzin (2006) aborda que a hermenêutica central de
muitos trabalhos qualitativo-críticos envolve as interações entre pesquisa, sujeito(s)
e essas estruturas sócio-históricas que têm a função de situar. Nessa conjuntura
histórica, Habermas (1987) tenta construir uma verdade crítica e que revela os
limiares autocompreensivos que são revelados para a linguagem do mundo vivido e
da vida social. Sendo assim, ele elenca algumas posições criteriosas do fazer
hermenêutico, a saber:
1º A hermenêutica é capaz de descrever as estruturas da
reconstituição da comunicação perturbada.
2º A hermenêutica, e nisso seu juízo coincide com o de Gadamer,
está necessariamente referida à práxis.
3º A hermenêutica destrói a autossuficiência objetivista das ciências
do espírito assim como vêm tradicionalmente apresentadas.
4º A hermenêutica tem importância para as ciências sociais, na
medida em que mostra que seu domínio objetivo está
preestruturado pela tradição e que elas mesmas, bem como o
sujeito que compreende, têm seu lugar histórico determinado.
(HABERMAS, 1987, 107-108).
De qualquer modo, a pertinência de compreender a peculiaridade dicotômica
na Arquivologia se encontra atrelada a uma proposta investigativa e indiciária, ou
seja, uma análise emblemática em seus fundamentos, considerando que alguns
princípios são tidos como “a pedra preciosa da possível cientificidade da
32
Arquivologia”. De todo o modo, os indiciários percebem a centralidade sóciohistórica que envolve o fenômeno, na tentativa de elucidar os significados
identificados na realidade problemática do campo de estudo.
Habermas (2009) compreende que a hermenêutica é feita para clarificar uma
possível autorreflexão da ação dos grupos sociais que partem das tradições, assim,
ela não pode mais estar posicionada absolutamente nas tradições culturais
enquanto tal.
Logo, esse “Spie” metodológico teve como provocação: examinar os indícios,
as pistas e as sintonias dessas características que são atribuídas ao universo
da Arquivologia, porque suspeitamos ser problemática a existência de fato de
uma
“ciência
arquivística”.
Apreciando
esses
efeitos,
a
hermenêutica
(interpretação) e o método indiciário nos ofereceram uma vertente investigativa ao
pensarmos no fenômeno e, assim, assumirmos uma postura em relação ao que se
propõe investigar, “a hermenêutica crítica cita o mundo como parte de um esforço
mais amplo de avaliá-lo e de melhorá-lo” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 292).
Destarte, essa flexibilidade da hermenêutica permitiu um diálogo com o método
indiciário que emprega múltiplas estratégias de concepção e investigação dos dados
a serem analisados. Sendo assim, a metodologia indiciária exige do pesquisador
uma sensibilidade, mas, ao mesmo tempo, pondera uma postura crítica e exegética
ao esmiuçar o objeto.
A par disso, ao utilizarmos o método indiciário procuramos ter uma estratégia
múltipla de compreensão do fenômeno, ou seja, como exposto anteriormente,
esmiuçar e não negligenciar nenhuma pista. Nesse sentido, a pesquisa indiciária
tem essa peculiaridade interpretativa que permitiu interrogar a transparência da
relação entre ciência e técnica na Arquivologia:
Todas as situações em que a unicidade e o caráter insubstituível dos
dados são, aos olhos das pessoas envolvidas, decisivos. Em
situações como essas, o rigor flexível do paradigma indiciário mostrase ineliminável. Nesse tipo de conhecimento entram em jogo
elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, intuição. (GINZBURG,
1989, p. 177).
Com efeito, o método indiciário propõe uma ação detalhada do fenômeno,
trilhando lastros perigosos, suspeitos e arriscados, mas que heuristicamente nos
33
permitiu traçar ou encontrar pistas para os possíveis vestígios da pesquisa. Por
conseguinte, o método indiciário associado às bases ou fundamentos da
hermenêutica possibilitou analisar a possível cientificidade da Arquivologia.
34
3 A INTELECÇÃO PARADIGMÁTICA NA ARQUIVOLOGIA: um diálogo entre o
clássico e o contemporâneo
Desde a mais alta antiguidade, o homem demonstrou a necessidade
de conservar sua ‘própria memória’, inicialmente sob a forma oral,
depois sob a forma de grafitti (sic) e desenho e, enfim, graças a um
sistema codificado. A memória assim registrada e conservada
constitui ainda a base de toda atividade humana: a existência de um
grupo social seria impossível sem o registro da memória, ou seja,
sem os arquivos. A vida mesma não existiria – ao menos sob a forma
que a nós conhecemos – sem ADN, ou seja, a memória genética
registrada em todos os primeiros arquivos. (LODOLINI, 1993, p. 233).
A Arquivologia em seu advento estava atrelada ao surgimento de algo que se
tornou inovador e essencial para humanidade, a memória registrada, sendo
representada pela própria manifestação do homem através da escrita. A rigor, essa
forma de registrar e de se comunicar ao longo dos tempos proporcionou mudanças
na Arquivologia e nos arquivos, “a origem dos arquivos dá-se, pois, naturalmente,
desde que a escrita começou a estar a serviço da sociedade humana” (SILVA et al.,
2009, p. 45).
Silva et al. (2009), entendem que os povos sempre manifestaram interesse
pela comunicação, através da fala e dos signos ancorados em suportes, reunindo e
organizando as informações. Toda essa necessidade traz consigo um meio prático
de intervenção. Assim, para Silva et al. (2009, p. 45), “a origem de acervos
documentais radica uma motivação de índole pragmática. Daí que a constituição dos
primeiros arquivos tenha obedecido a uma fórmula intuitiva, alheia a qualquer
vertente técnica ou conceptual”. Portanto, entendemos que os arquivos estavam
totalmente voltados para as instituições que produziam os documentos.
Nesse sentido, entender o clássico na Arquivologia é tramitar nas
temporalidades e cronologias da História, procurando e evidenciando as diferentes
maneiras de registrar, organizar e inventariar o arquivo.
O rei Hammourabi mandou inventariar o arquivo do palácio e terá
levado consigo a correspondência internacional, para depois a usar
como instrumento do seu próprio jogo diplomático. Os arquivos não
eram concebidos como meros depósitos ou reservas inertes as
placas de argila. Eles constituíam já um complexo sistema de
informação. Para além, dos documentos em si, havia uma estrutura
organizacional, um critério seletivo de preservação e a
35
disponibilização de um serviço, determinado tanto pelo valor
informativo das placas, como pela pertinência e rigor da sua
integração sistêmica. O papel instrumental dos arquivos e a
necessidade do conhecimento da sua estrutura estão bem patentes
na atitude de Hammourabi (SILVA, et al., 2009, p.48, grifo nosso).
De igual modo, para Silva et al. (2009), nessa cronologia já existiam modelos
de organização dos documentos e a própria variação documental. Os arquivos na
Antiguidade exerciam funções bem determinadas e pragmáticas.
Em suma estamos perante uma estrutura sistêmica, cujo objeto e
cuja práxis assentam já em princípios intuitivamente assumidos.
Embora de origem pragmática e precisamente por esse motivo, eles
virão a tornar-se de aplicação universal, chegando aos nossos dias
configurados em normas de organização e arquivos. (SILVA, et al.,
2009, p. 52).
Diante disso, a tradição clássica está embrionariamente ligada às unidades
administrativas, essas estruturas que atualmente parecem fazer parte do cotidiano
da Arquivologia.
.Nesse sentido, é essencial visualizar que os documentos na
grande maioria tinham seu advento de produção e conservação para atender às
necessidades da própria administração.
As práticas de organização estavam
presentes desde o surgimento das civilizações antigas.
Nos séculos XVII e XVIII, intensificou-se a procura dos arquivos, em
função do chamado valor secundário da documentação. O impacto
desse movimento vai fazer-se sentir em duas direções, de sentido
contrário, no que respeita ao desenvolvimento da realidade
arquivística. Por um lado, ele encontra-se em oposição à tendência
redutora do conceito estreitamente jurídico e administrativo dos
arquivos, pressionando assim a abertura destes a outro tipo de
funções. A descoberta da sua múltipla riqueza informativa levará
também, nesta época, a um amplo movimento de elaboração de
instrumentos de pesquisa. (SILVA, et al., 2009, p. 95).
De modo semelhante, isso nos mostra que a Arquivologia clássica influenciou
os princípios e fundamentos, haja vista que a Arquivologia custodial tem grande
aproximação com a administração, ou seja, com as instituições.
As diversas funções atribuídas aos arquivos, os tipos de documentos
produzidos, os suportes que servem para registrar a informação e os
locais de conservação constituem outros tantos aspectos que
favorecem o conhecimento e mediram o grau de integração na vida
administrativa das diferentes épocas. Ao longo dos anos, a
36
proliferação das instituições, a massa de informação e de
documentos produzidos sob forma de documentos administrativos e
o interesse por outros tipos de arquivo para além dos arquivos
governamentais (os arquivos privados, os arquivos econômicos, os
arquivos de igrejas, os arquivos sociais) trouxeram uma produção
acrescida de informações e uma maior utilização da informação.
(ROSSEAU; COUTURE, 1998, p. 42).
Nessas conjunturas, o método custodial de organização de documentos
centraliza-se na administração, no documento em si, então, não percebia o teor
informacional que aquele documento poderia oferecer, servindo em grande parte
para a pesquisa através da ligação com a História. No entanto, é de se pensar o
corte epistemológico que a Arquivologia custodial provocou com aquela rotulação de
disciplina auxiliar da História.
Desse modo, Silva (2011)19, chama-nos atenção para compreendermos esse
fluido da Arquivologia clássica custodial, e percebemos que ao longo do tempo a
custodialidade teve seu grau de importância para a Arquivologia, procurando romper
com outras disciplinas. Fonseca (2005, p. 55) também argumenta sobre o objeto da
Arquivologia clássica, o qual “era identificado pelo conjunto de documentos
produzidos ou recebidos por uma dada administração; era o arquivo custodiado por
uma instituição arquivística”. Assim a autora vem reforçar os argumentos que aqui
foram discutidos acerca dessa custodialidade.
Já no final do século XX, por meio do avanço tecnológico começou a ser
pensado o que se vinculou nomear de Arquivologia pós-custodial, que propõe uma
nova roupagem nas práticas do saber-fazer da Arquivologia. Segundo Silva (2011),
“o deslocamento de objeto e alteração metodológica configurariam a Arquivologia
pós-custodial e pós-moderna nascida no Canadá na década de noventa, final do
século XX”. Nessa mesma linha de pensamento, essas mudanças emergentes
trouxeram diferentes perspectivas na maneira de pensar sobre Arquivologia a partir
da abordagem “pós-moderna” ou “pós-custodial”.
Conforme afirma Cook (1997, p. 15-16):
O pós-moderno desconfia da idéia de verdade absoluta baseada no
racionalismo e no método científico. O contexto por trás do texto, as
19
Palestra proferida pelo professor Armando Malheiro no XV Encontro Nacional de
Estudantes de Arquivologia realizado em 2011 na Universidade Estadual da Paraíba, as
citações feitas foram retiradas da exposição do autor através de slides.
37
relações de poder que conformam a herança documental lhe dizem
tanto ou mais que o próprio assunto que é o conteúdo do texto. Nada
é neutro. Nada é imparcial. Tudo é conformado, apresentado,
representado, simbolizado, significado, assinado por aquele que fala,
fotografa, escreve ou pelo burocrata governamental, com um
propósito definido, dirigido a uma determinada audiência. Os pósmodernistas procuram desnaturalizar o que presumimos natural. Os
pós-modernistas toma tais fenômenos naturais, seja o patriarcalismo,
o capitalismo, a religião ou, poderia eu acrescentar, a ciência
arquivística tradicional, e afirma que são “antinaturais” ou “culturais”
ou, no mínimo, “construções sociais” de um tempo, lugar, classe,
gênero, raça e etc..
Então,
essa
mudança
de
paradigma
também
mudaria
o
rumo
e
intencionalidade da Arquivologia, que na fase custodial seria o documento em si, no
entanto, agora é a informação arquivística. Para Silva et al. (2009, p. 203, grifo
nosso), “os grandes tratados de arquivística incidem, regra geral, em questões de
natureza prática e raramente descem à pesquisa sobre a essência da disciplina e
as causas da sua presença no campo das Ciências da Informação”. Assim, a
Ciência da Informação tem como característica:
A ciência da Informação vem com o propósito de condensar os
estudos científicos sobre a informação, assim como contribuir
para aprimorar disciplinas como a documentação, a Biblioteconomia,
a Arquivologia, a Museologia e a Gestão da Informação em tratos
específicos com a informação e os documentos, de acordo com as
necessidades científicas, disciplinares, profissionais e cotidianas de
cada região, país ou continente. (CARVALHO, 2011, p. 62, grifo
nosso).
Silva et al. (2009) são enfáticos ao afirmarem que há uma carência nos moldes
de
se
pensar
o
lugar
da
Arquivologia,
e
isso
decorre,
pela
natureza
operacionalizadora e prática dos arquivos e pela falta de pesquisa. Segundo Silva et
al. (2009, p. 203, grifo nosso): “isto tem levado alguns autores a duvidar da
possibilidade de se encontrar bases científicas para o saber arquivístico”. É
necessário que apareçam a pesquisa e as próprias problematizações acerca do
universo metodológico da Arquivologia.
A par dos progressos da arquivística descritiva, dentre os quais
merece destaque o contributo promovido pelo conselho internacional
de arquivo no campo da normalização, temos assistido, nos últimos
anos, ao aparecimento de artigos avulsos em revistas
especializadas, os quais elegem como tema a formulação de um
38
corpo teórico animado por novas bases científicas e que ousam
delinear, ainda muito vagamente, os contornos de um saber
arquivístico situado numa zona fluída, a que alguns autores
chamaram era pós-costudial (SILVA et al., 2009, p. 208).
Podemos, pois, pensar que os avanços da tecnologia afetaram a Arquivologia
em seus princípios paradigmáticos, como a pós-custodialidade. Silva et al. (2009)
debatem esse termo pós-custodial de forma bem acentuada no campo da
Arquivologia. Segundo Silva (2011), “é no âmbito deste paradigma emergente que a
Arquivologia pós-custodial surge e busca afirmar-se, ainda que se nos afigure difusa,
sendo mais um ponto de partida”.
Entendemos que quando o autor traz esse pano de fundo emergente, tenta
explanar de forma indireta os termos referentes às supostas “ciências pósmodernas” e sua relação com a Arquivologia pós-custodial, principalmente tecendo
críticas às análises de Cook. Silva (2011) novamente torna-se enfático ao afirmar
que “uma nova pauta de reflexões lançada pela Arquivologia pós-custodial não leva,
só por si, ao fortalecimento como campo disciplinar autônomo e independente”.
Para o autor, essa demanda acrescida pelos aparatos analógicos se interessa
não apenas pelo documento em si, porém, esse olhar multidimensional dessa nova
realidade tem que ser discutido. Então, essa discussão é bastante problematizada
na Arquivologia contemporânea, porém, mesmo com essa nova maneira de
abordagem, o sentido autônomo e independente da Arquivologia não é refletido,
ainda continua o mesmo, ou seja, com aquela velha querela do pragmatismo, o que
muda agora é só o local em que a informação está registrada, o seu suporte.
De acordo com Silva (2011) essa nova Arquivologia (pós-custodial) deixava de
analisar as propriedades e características dos documentos individualizados para
analisar as funções, os processos e as transações que geram a criação de
documentos e séries, a par disso, urgia a reformulação de conceitos e de princípios
arquivísticos devido à presença do eletrônico que veio com outras vertentes
conceituais e de suporte.
De certo modo, essa nova nuança debatida de forma coesa por Silva (2011)20
fez-nos pensar os princípios norteadores da Arquivologia, como o princípio de
20
Citações retiradas dos slides de apresentação, realizada pelo Prof. Armando Malheiro da
Silva, no XV Encontro Nacional de Estudantes de Arquivologia, no Ano de 2011.
39
proveniência, de respeito aos fundos e o da ordem original ou interna entrelaçandose nessa nova dimensão paradigmática.
Principio da Proveniência, ordem original, registro de documento,
fundo não traduz mais a realidade estática, mas a realidade dinâmica
formada pelos documentos eletrônicos, arranjo, descrição, avaliação
e (macro-avaliações das funções), preservação (emulação e
transferência de software) e arquivo. (SILVA, 2011).
Nesse sentido, Silva (2011) faz dura crítica aos ideais de Terry Cook, em que
este não teria relacionado à Arquivologia com a Ciência da Informação. Com isso o
autor quer se afastar dessa conjuntura pós-custodial e remete seu pensamento a
uma transdisciplinaridade.
Ser pós-custodial difere da condição de disciplina pós-moderna. Para
ser pós-custodial a Arquivologia teria de transitar de paradigma,
evoluir do custodial, patrimonialista, historicista e tecnicista,
formatado ao longo de quase dois séculos XIX e XX, para um
paradigma novo e emergente em que, entre outros aspectos, haveria
a mudança ou ampliação do objeto e a busca de um método
científico, não meramente técnico ou eivado do senso comum
(SILVA, 2011, grifo nosso).
Para compreendermos melhor tudo isso, faz-se necessário analisar os
princípios da Arquivologia, avaliando se de fato a mudança de paradigma, as
implicações das tecnologias, e a suposta ligação com a “pós-modernidade”21,
contribuiriam para a Arquivologia ostentar um método científico e não técnico nos
seus formatos.
Assim sendo, Silva (2011) mostra receio a pós-custodialidade uma vez que, ela
traz consigo o apelo do novo, do diferente e do “pós-moderno”, o autor de forma
clara e objetiva diz que são procedimentos distintos. Segundo Lyotard (1998, p. 15),
“a pós-modernidade designa o estado de cultura após as transformações que
afetaram as regras do jogo da ciência, da literatura e das artes a partir do final do
século XIX”.
21
Entendemos que a pós-modernidade quis uma ruptura drástica com a modernidade,
trazendo consigo mudanças na forma de se pensar a Ciência, no entanto, trouxe mais
impasses do que soluções.
40
É pertinente ressaltar que relacionar a Arquivologia contemporânea com a
adjetivação de “pós-moderna” acarreta um risco eminente, visto que o campo ainda
absorve muito a custodialidade e, além disso, o próprio termo “pós-moderno” é
colocado de forma genérica ao de pós-custodialidade, “a arquivística funcional ou
pós-moderna, desenvolvida no Canadá na parte inglesa, tem como foco os
processos e os contextos de criação dos documentos, e as relações dos usuários
com os criadores dos documentos” (TOGNOLI, 2010, p. 13).
Silva (2011) confirma o exposto quando questiona a pós-modernidade
canadense e seu ciclo revestidos de valores que sintetizam e habitam o cotidiano da
Arquivologia.
Sendo pós-modernista ela se subjectiviza e fica ao serviço das boas
causas, valorizando, por exemplo, no processo de avaliação, as
funções sociais do criador dos documentos, programas e atividades,
sendo escolhidos os documentos que melhor sintetizam e espalham
essas funções. (SILVA, 2011, grifo nosso).
Isso significa para o autor que a pós-custodialidade poderia ser pensada de
forma coesa, se representasse um ganho em termos de cientificidade. Ele nos
indaga ainda como pensar nessa pós-custodialidade, se a Arquivologia ainda se
atrela à forma custodial de manutenção e preservação dos documentos, além disso,
questiona a quem iria interessar esse modelo.
A proposta de transdisciplinaridade de Silva (2011) traria para a arquivística o
perfil da pesquisa, distanciando-se da querela e fragmentação das três idades do
arquivo, tornando-se um profissional da informação.
Colocando-se a ênfase mais na informação que nos aspectos físicos
e estáticos dos documentos, e se tivermos em conta que um
indivíduo agrega, naturalmente, junto de si diferentes tipos de
suporte e de informação, não é ousado admitir que as relações da
Arquivologia e a Biblioteconomia, a Documentação, a Information
Science e até a Museologia ultrapassam a interdisciplinaridade e
inscrevem-se claramente em nível transdisciplinar (SILVA, 2011).
Contudo, trazer essa dicotomia clássico/contemporâneo é de certo modo
procurar entender as características e peculiaridades da Arquivologia, que no Brasil
está muito presa à herança custodial, administrativa. Por fim, é necessário que as
41
universidades formem pesquisadores e não apenas “intérpretes de modelos
práticos” já existentes.
3.1 O Princípio da proveniência
Adentrando no universo prático e descritivo, alguns conceitos e princípios
foram criados para tentar extrair a Arquivologia do senso comum. Sendo assim, a
evolução da Arquivologia no que diz respeito aos seus fundamentos mais
específicos, trouxe a ideia basilar de uma teoria, ou seja, de modelos que seriam a
edificação de uma estrutura ou método científico aparecendo como base, “a
metodologia arquivística se fundamenta em princípios básicos, como o da
proveniência e da ordem original, formulados no final do século XIX” (CARMONA,
2004, p. 36).
De igual modo, o princípio da proveniência22 é posto na literatura como uma lei
que rege e fundamenta as intervenções teóricas da Arquivologia, alicerçando as
operações teóricas da arquivística. Essas sistematizações da proveniência e de
seus fundos foram sendo apontadas como pilares epistemológicos no cotidiano das
práticas arquivísticas, “o que chamamos de proveniência [...] deve ser a base de
toda classificação bem entendida” (MARTÍN-POZUELO, 1996 apud FERREIRA,
2012, p. 29).
Segundo Bellotto (2004), o princípio da proveniência constitui a pedra angular
da ciência arquivística, na medida em que essa proveniência define a posição do
22
O princípio da proveniência é a base teórica, a lei que rege todas as intervenções
arquivísticas. O respeito deste princípio, na organização e no tratamento dos arquivos
qualquer que seja sua origem, idade, natureza ou suporte, garante a constituição e a
plena existência da unidade de base arquivística, a saber, o fundo de arquivo. O princípio
da proveniência e o seu resultado, o fundo de arquivo, impõem-se à arquivística, uma vez
que esta tem por objetivo gerir o conjunto das informações geradas por um organismo ou
por uma pessoa no âmbito das atividades ligadas a missão, ao mandato e ao
funcionamento do dito organismo ou ao funcionamento e à vida da referida pessoa.
Pense-se na criação, avaliação, aquisição, classificação, descrição, comunicação ou na
conservação dos arquivos: todas as intervenções do arquivista devem ocorrer sob o
signo do princípio da proveniência e, a partida, do reconhecimento do fundo de arquivo
como unidade central das operações arquivistas. (ROSSEAU; COUTURE, 1998, p. 79,
grifo nosso).
42
documento no seu fundo. A autora é enfática ao afirmar e relacionar a Arquivologia
como uma ciência, porém, não podemos comungar de tais afirmações, porque a
Arquivologia necessita de metodologias e epistemologias coesas que fortaleçam o
campo. Para que isso aconteça de fato, a Arquivologia teria que sair do rol de
dependência administrativa e pragmatista que ao longo de sua história está atrelada
através de princípios e fundamentos como o da proveniência:
[...] reunir os documentos por fundos, isto é, reunir todos os títulos
(todos os documentos) provindos de uma corporação, instituição,
família ou indivíduo, e dispor em determinada ordem os diferentes
fundos. Documentos que apenas se refiram a uma instituição,
corporação ou família não devem ser confundidos com o fundo dessa
instituição, dessa corporação ou dessa família. (DUCHEIN, 1982,
1986, p.16).
Na contramão a este entendimento defendemos que essa “pedra angular da
ciência arquivística”, ou seja, o princípio da proveniência, não pode ser
diagnosticado como base teórica, uma vez que como não foi pensado para
beneficiar a Arquivologia e sua essencialidade enquanto campo do conhecimento
científico, mas sim as instituições administrativas com um olhar organizacional, “a
aproximação do enunciado teórico do princípio de proveniência deu-se em torno de
6 de abril de 1819, o que mais tarde viria a ser a nova teoria sobre a organização e
ordem interna dos arquivos”. (MARTÍN-POZUELO, 1996, apud FERREIRA, 2012,
p.22).
Além do mais, seria complicado afirmar que esse princípio seria o precursor de
uma ciência, pois o que vai caracterizar uma ciência é a sua maneira de lidar com os
problemas e de solucioná-los de forma enfática dentro e fora de seu campo de
atuação, então, o princípio da proveniência se apresenta mais como um modelo que
separa “criador e criatura” no interior dos arquivos, que uma base teórica enquanto
tal.
Por proveniência, portanto, se entende toda coleção existente ou que
existe [a] para formar um arquivo, e na qual se compreendem os
documentos cujos assuntos participem da mesma unidade, ou que
podem interessar a um estabelecimento, corporação ou família mais
imediatamente. (MARTÍN-POZUELO 1996 apud FERREIRA, 2012, p.
27).
43
Para Silva et al. (2009), sem uma terminologia de arquivo perfeitamente
estruturada e sistematizada não é possível caminhar com segurança para uma
arquivística com respaldo científico. Logo, pensar o princípio que ficou na página
anterior como o caminho à cientificidade da Arquivologia é, no mínimo, contraditório
e complexo.
Para Rosseau e Couture (1998, p. 52):
O princípio consiste em deixar agrupados, sem misturar com outros,
os arquivos, provenientes de uma administração, de um
estabelecimento ou de uma pessoa física ou moral. O conteúdo de
uma circular que promulga que daí em diante os documentos que
provenham de um corpo, de um estabelecimento, de uma família ou
de um indivíduo deverão ser agrupados e não misturados com
aqueles que apenas dizem respeito a um corpo de ou uma família.
Esse método logrou o aval em muitos países, visto que o processo organizativo
da documentação administrativa ganharia a utilização desse princípio como critério
de ordem interna, com a premissa de separar e não misturar os documentos. Nesse
caso, o princípio da proveniência atravessou as barreiras de territorialidades,
aplicando-se às instituições e aos diferentes profissionais arquivísticos de países
como a França que começou a utilizá-lo.
Nesse sentido, Fonseca (2005, p. 43) argumenta:
Assim se estabelece o principio da proveniência, que até hoje
representa, apesar de algumas releituras, o paradigma da disciplina
arquivística. Criam-se daí, princípios de classificação e organização
próprios para os acervos arquivísticos, subordinados àquelas
características inerentes aos conjuntos arquivísticos, especialmente
as que se referem à organicidade e à totalidade.
Presumimos que o princípio da proveniência quando foi criado, teria que ser
aplicado nas instituições que geravam os documentos, assim, esse princípio ficaria
muito preso aos preceitos administrativos. Mais adiante Rousseau e Couture (1998,
p. 82, grifo nosso) esclarecem que:
O princípio da proveniência, que comporta duas vertentes, define-se
como; o princípio fundamental segundo o qual os arquivos de uma
mesma proveniência não devem ser misturados com os de outra
proveniência e devem ser conservados segundo a ordem primitiva,
caso exista, ou o princípios segundo o qual cada documento deve
ser colocado no fundo donde provém e, nesse fundo, no seu lugar de
44
origem. Tanto de um ponto de vista prático, a aplicação do princípio
da proveniência garante, por um lado, a ordem estreitamente
administrativa que preside à organização dos documentos nas
unidades e que estes devem conservar e, por outro, o valor de
testemunho que alguns deles têm. Este princípio exprime a própria
essência do valor de testemunho de que falara Baldassare Bonifacio
no século XVII ou da evidential volue posteriormente explicada por
Sir Hilary Jenkinson, T. R. Schellenberg e muitos outros.
Diante do exposto, os autores contextualizam as variações de graus a respeito
do princípio da proveniência, explicando os procedimentos adquiridos com os
fundos, ou seja, as entidades distintas que produzem documentos.
No seu primeiro grau, o da proveniência leva-nos a considerar o
fundo de arquivo como uma entidade distinta. Assim, é aplicado ao
primeiro grau o princípio da proveniência quando se deixam juntos ou
quando se agrupam, se tiverem sidos dispersos, todos os
documentos de arquivo como plano do seu valor secundário. No
segundo grau, o da proveniência exige que todos os documentos de
um fundo de arquivo ocupem um determinado lugar que tem de ser
respeitado ou restabelecido, caso, a ordem primitiva dos documentos
activos e semiactivos, esta proposta parece perfeitamente natural
desde que tenha sido modificada por qualquer razão. (ROSSEAU;
COUTURE, 1998, p. 83).
Sendo assim, o princípio da proveniência surge como direcionador na prática
organizativa da Arquivologia, essa ideia de separar quem produziu a documentação
nos conduz aos processos técnicos que ainda são adotados, não apenas na
Arquivologia brasileira, porém, de um modo mais amplo.
A aplicação do princípio da proveniência maximiza o processo de
gestão dos arquivos. Para cada uma das funções arquivísticas, o
princípio da proveniência fornece grandes eixos, um quadro geral de
intervenção baseado nas características e nas atividades da pessoa
moral ou física a que se refere. Além disso, o princípio da
proveniência permite aplicar o princípio de universalidade, tão caro
aos arquivísticas e que tem a sua aplicação prática naquilo a que se
decidiu chamar a noção do geral ao particular. A aplicação do
princípio da proveniência e o seu resultado, o fundo de arquivo,
levam igualmente o profissional da arquivística a considerar grandes
conjuntos de documentos em vez de documentos à peça.
(ROSSEAU; COUTURE, 1998, p. 85).
Não podemos desconsiderar a importância do princípio da proveniência na
Arquivologia, porém, esse mesmo princípio não pode assumir-se como fundamento
45
científico da Arquivologia, uma vez que, só deu ênfase aos meios instrumentalistas
no processo de organização de documentos nos arquivos:
O princípio de proveniência ou respeito a origem determinará a clara
delimitação do fundo, como agrupamento comum e mais geral dos
documentos de arquivo de qualquer instituição ou pessoa fora do
qual só existirá a artificiosidade das coleções. Determinará a
estrutura hierárquica de cada fundo, no qual seguiremos. Seremos
obrigados, consequentemente, a manter a unidade e a
independência institucional de cada fundo e buscar sua integridade
intelectual. (HEREDIA HERRERA, 2003, p.6).
Assim sendo, o princípio da proveniência criado pelo historiador Natalis Wailly23
traria autonomia e independência à Arquivologia como científica? Entendemos ser
problemática essa ideia, pois ocorre exatamente o contrário tornando a Arquivologia
mais atada aos procedimentos administrativos e institucionais do campo como
científico, “[...] hoje, o princípio da proveniência é a base para a arquivística, seja no
âmbito da teoria, seja na prática” (DUCHEIN, 1982, 1986, p. 16).
Nesse sentido, a proveniência é o modo de classificação documental que
ocorre no interior dos arquivos, ou seja, através de uma gestão documental que
consiste na obediência direta aos fundos e as entidades produtoras que geram a
documentação em duas instâncias de primeiro e segundo grau como podemos
notar:
O princípio de proveniência, tanto no primeiro como no segundo
grau, pode ser aplicado a priori enquanto os documentos em plena
fase ativa responderem ao seu valor primário ou a posteriori, no
momento em que os documentos são adquiridos pelo serviço de
arquivos devido ao seu valor de testemunho. Neste último caso, o
arquivista deve proceder a uma reconstituição porque os documentos
foram transferidos em desordem ou porque uma ordem qualquer
23
O método de trabalho elaborado pelo historiador francês Natalis Wailly (1805-1886) e
aprovado pelo ministro da tutela T. Duchâtel revelou-se, posteriormente, muito mais do
que um simples modo de fazer. Numa circular emitida a 24 de Abril de 1841, Natalis de
Wailly, então chefe da divisão administrativa dos arquivos departamentais do Ministério
do Interior, propunha: [...] agregar os documentos por fundos, isto é, reunir todos os
títulos [documentos] provenientes de um corpo, de um estabelecimento, de uma família
ou um individuo, e dispor segundo uma determinada ordem os diferentes fundos. Natalis
Wailly acabava de fazer sair a arquivística da anarquia e, mais importante, instalava-a
sobre uma base sólida que lhe permitiria, posteriormente, evoluir normalmente para o
estatuto de uma disciplina. Aliás, é interessante verificar que os arquivistas do Estado da
Prússia adotaram o Provenienzprinzip. (ROUSSEAU; COUTURE, 1998, p. 79-80).
46
substituiu a ordem primitiva. Quando é preciso reconstituir um ou
mais fundos ou então restituir a ordem interna de um fundo, a
aplicação do princípio da proveniência assume plenamente ao seu
sentido oneroso, árduo e delicado, visto que se está a praticar uma
arquivística de sobrevivência. (ROSSEAU; COUTURE, 1998, p. 84).
Com efeito, na literatura arquivística o princípio da proveniência aparece com
uma essência metodológica que põe a arquivística num caráter científico, no
entanto, a natureza proveniente de respeitar os fundos necessita de uma discussão
que extrapole a necessidade organizativa do agir funcional instrumental (técnica),
“[...] o princípio da proveniência é a base para a arquivística, seja no âmbito da
teoria, seja na prática”. (DUCHEIN, 1982,1986, p. 17, grifo nosso).
Por conseguinte, não negamos a relevância desse princípio para a
Arquivologia, porém, é preponderante a compreensão que esses fundamentos
arquivísticos foram pensados como proposta instrumentalizadora de ação imediata,
ou seja, de “solução do caos” da documentação nos arquivos, em uma emergência
que não beneficia a discussão teórica e epistemológica de fato, mas esbarra em um
saber-fazer que beneficiará as instituições. Por isso, a teorização na Arquivologia
deve ir além desses canais organizacionais que se coadunam com imediatismo, mas
sim, pensar esses princípios e fundamentos de forma mais exegética.
3.2 O Princípio da ordem interna ou original e o princípio de respeito pelos
fundos
Assim como o princípio da proveniência, o da ordem interna ou original também
é considerado o aparato teórico e epistemológico da Arquivologia. Esse princípio (o
da ordem original ou interna) teve seu advento a partir das contribuições dos
arquivistas holandeses em 189824, quando vislumbraram que era necessário ter uma
organicidade no interior dos fundos. Logo, ocorreu uma enorme repercussão nos
anseios da Arquivologia, visto que a organização dentro do acervo se faz por uma
24
É a vez dos arquivistas holandeses S.Muller, J.A.Feith e R.Fruin, que, em 1898, afirmam:
o sistema de organização dos documentos [leia-se o sistema que serve para a
classificação e depois para a ordenação do documentos no interior dos fundos] deve
basear-se na organização primitiva do fundo de arquivo que corresponde em linhas
gerais à organização da administração donde é proveniente (ROSSEAU; COUTURE,
1998, p. 80).
47
ordem. Nesse sentido, na literatura da área o princípio da ordem interna ou original
tem um sentido complexo, uma vez que ele aparece ora como desdobramento do
princípio da proveniência em seus dois graus25 estabelecidos pelos canadenses, e
ora como dissociado.
O princípio foi rapidamente adotado por variados países da Europa,
consagrando-se o conceito através do termo fundo. O princípio de
respeito pelos fundos tem sido considerado como o fundamento
essencial da arquivística, em contraposição à ordenação por
assuntos defendida no tempo dos iluministas. (SILVA et al, 2009, p.
107).
Silva et al. (2009) destaca que esse termo logrou e avançou juntamente com o
da proveniência e, logo, foram aceitos pela comunidade arquivística após Revolução
Francesa. Segundo Rousseau e Couture (1998, p. 92, grifo nosso): “o fundo de
arquivo que tem sua origem na aplicação do princípio da proveniência é uma pedra
de toque da prática arquivística.” Com efeito, esses dois princípios aparecem na
literatura da área como sendo aportes teóricos da Arquivologia. Em suma, na
medida em que esses conceitos avançam são sustentados como base teórica da
Arquivologia.
Diante disso, Bellotto (2004, p. 128) traz uma definição de fundo:
[...] conjunto de documentos produzidos e/ou acumulados por
determinada entidade pública ou privada, pessoa ou família, no
exercício de suas funções e atividades, guardando entre si relações
orgânicas, e que são preservados como prova ou testemunho legal
e/ou cultural, não devendo ser mesclados a documentos de outro
conjunto, gerado por outra instituição, mesmo que este, por quaisquer
razões, lhe seja afim.
25
O respeito deste primeiro grau é essencial para que os documentos de arquivo conservem
a sua plena utilidade administrativa, uma vez que os documentos ativos e semiativos de
uma unidade formam uma entidade própria que não pode ser misturada com os
documentos de uma ou várias outras unidades. Por outro lado, este primeiro grau é
também indispensável à plena existência do valor de testemunho do documento de
arquivo, visto que o próprio fundo de arquivo, de que depende seu valor, procede
diretamente desse respeito. No segundo grau, é aqui que entra em linha de conta o papel
essencial dos quadros de classificação para os documentos ativos e cuja aplicação
perdura quando os documentos se tornam semiativos ou arquivos definitivos. Nestes
casos, o arquivisa que agiu a montante terá apenas de assegurar o respeito dessa
ordem, que virá, aliás, a constituir um elemento suplementar em relação ao valor de
testemunho. (ROSSEAU; COUTURE, 1998, p. 83).
48
Desse modo, para produzir um fundo é necessário cumprir algumas etapas e
critérios de definição e produção no entremeio dos arquivos, portanto, deve prezar
por alguns procedimentos a serem adotados na constituição e atribuição de um
fundo:
a) Para produzir um fundo de arquivos, no sentido atribuído ao termo
pela Arquivística (isto é, um conjunto indivisível de arquivos), um
organismo, seja público ou privado, deve assumir denominação e
existência jurídica próprias, resultantes de um ato (lei, decreto,
resolução, etc) preciso e datado;
b) Deve possuir atribuições específicas e estáveis, legitimadas por
um texto dotado de valor legal ou regulamentar;
c) Sua posição na hierarquia administrativa deve estar definida com
exatidão pelo ato que lhe deu origem; em especial sua subordinação
a outro organismo de posição hierárquica mais elevada deve estar
claramente estabelecida;
d) Deve ter um chefe responsável, em pleno gozo do poder decisório
correspondente a seu nível hierárquico. Ou seja, capaz de tratar os
assuntos de sua competência sem precisar submetê-los,
automaticamente, à decisão de uma autoridade superior. (Isto não
significa, evidentemente, que ele deva gozar de poder de decisão em
relação a todos os assuntos; certos assuntos importantes podem ser
submetidos a decisão do escalão superior da hierarquia
administrativa. (Entretanto, para poder produzir um fundo de arquivos
que lhe seja próprio, um organismo deve gozar de poder decisório,
pelo menos, no que disser respeito a determinados assuntos);
e) Sua organização interna deve ser, na medida do possível,
conhecida e fixada num organograma. (DUCHEIN, 1982,1986, p, 21).
Observamos que o autor define várias etapas para a criação de um fundo, no
entanto, não contextualizou de forma clara como o princípio de respeito aos fundos
se tornaria base para consolidação de um campo teórico na Arquivologia. Além
disso, é necessário compreender que ocorre um choque epistemológico nessas
questões conceituais.
O fundo, portanto, deve ser visto primeiramente como “uma
construção intelectual”. O fundo não é só a entidade física em
arquivos, como também é o conceito sumário da descrição de
entidades físicas no nível das séries ou menor, e descrição do
caráter administrativo, histórico e funcional do criador(es) dos
arquivos – bem como a descrição dos processos-criadores dos
arquivos (metadados). O fundo é o conceito do “todo” que reflete o
processo orgânico na qual o criador de arquivo produz ou acumula
séries de arquivo que apresentam uma unidade natural baseada na
mesma função, atividade, forma ou uso. É no coração deste
processo de relacionamento que liga o criador ao arquivo que a
essência da proveniência ou respeito aos fundos pode ser
49
encontrada e deve ser protegida. Além disso, neste coração
funcional é que o sistema de descrição arquivística deve visar
sistemas estruturados e padronizados (COOK, 1993, p. 33, grifo
nosso).
É preciso ponderar que a ideia de fundo está mais atrelada à demanda técnica
de organização, do que como um princípio que traria epistemologia e autonomia ao
campo do saber arquivístico. Em suma Rousseau e Couture (1998, p. 95) afirmam:
Finalmente, estamos agora aptos a julgar a necessidade
incontestável do princípio da proveniência tanto no plano da
organização e do tratamento dos arquivos para fins administrativos
como no da sua organização e tratamento para fins patrimoniais ou
de investigação. Insistindo no caráter orgânico do fundo de arquivo,
esta definição autoriza-nos a não distanciar o tratamento arquivístico
dos fundos conforme estes se encontrem ainda na instituição onde
foram criados, tenham já passado para um serviço de gestão com
fins administrativos (estádio de pré-arquivagem em arquivos
intermédios), ou que tenham já entrado definitivamente num depósito
encarregue da sua conservação permanente. Enfim, é na prática
cotidiana que o princípio da proveniência e o fundo de arquivo que
dela decorrem se revelam verdadeiramente, em todo o seu esplendor
e complexidade e com toda a importância que têm para a disciplina.
Com uma preocupação intrínseca no que tange aos procedimentos desses dois
princípios como base teórica da Arquivologia, esses ideais deixam lacunas, uma vez
que quando falamos em princípio da proveniência e da ordem original ou interna,
deparamo-nos com conceitos que se coadunam nas suas próprias definições, ou
seja, se atrelam aos procedimentos administrativos “tanto de um ponto de vista
teórico como de um ponto de vista prático, a aplicação do princípio da proveniência
garante, por um lado, a ordem estritamente administrativa” (ROSSEAU; COUTURE,
1998, p.82).
O princípio da ordem original ou interna e o de respeito pelos fundos tinham
uma essência classificatória e geograficamente demarcatória, pois sua utilização
gira em torno de um processo de classificação organizativo. Nesse sentido, no
princípio de manutenção da ordem original os documentos são agrupados quando
provindos da mesma localidade. Sendo assim, o princípio de respeito pelos fundos
tem sua representatividade na bifurcação do sítio arquivístico de uma determinada
localidade cartograficamente concebida. Já o princípio de ordem original traz as
50
peculiaridades e ferramentas para que essa bifurcação aconteça no interior de cada
fundo arquivístico:
Podemos [...] entender os princípios de respeito aos fundos e o da
ordem original como princípios de divisão ou de classificação
naturais, pois são atributos essenciais e permanentes ao conjunto
(arquivo) a ser dividido. [...] a origem [do] conjunto de documentos é
sua marca indelével, inseparável, é o que lhe dá inteligibilidade e
identidade. (SOUSA, 2003, p 251).
Destarte, a premissa desses princípios aplicados à Arquivologia ainda
configura-se como um modelo prático de organização, no entanto, é preciso ter
cuidado ao considerá-los alicerce científico para o campo, porque a sua utilização
estar à mercê das instituições administrativas, sendo fundamentos técnicos de
organização nos arquivos, “em um contexto organizacional, a ação considerada visa
a resolver problemas de ordem aparentemente mais técnica”. (THIOLLENT, 1996, p.
14-15). Com isso, é necessário ir além dessa ação utilização técnica desses
princípios.
No plano do valor classificatório a aplicação desses princípios praticará uma
ação de gestão documental, na qual o arquivista terá que respeitar a procedência
dos documentos, nessa intervenção é que aparece a atividade funcional
administrativa, pelo tratamento de todos os documentos e suas variadas
proveniências.
O outro princípio que fundamenta as ações de classificação de
informações arquivísticas é o princípio da ordem original. Para
Rousseau e Couture (1998, p.83), essa vinculação é representada,
inclusive, na denominação adotada para os princípios: primeiro grau
do princípio da proveniência e segundo grau do princípio da
proveniência. Este último visa o respeito ou a reconstituição da
ordem interna do fundo. (SOUSA, 2003, p. 257, grifo nosso).
Esses princípios foram cruciais em um dado momento, no entanto, não
podemos comungar da ideia de base teórico-científica, pois ainda estão vinculados
diretamente aos padrões operatórios das instituições que os geraram, e não podem
conferir status de independência à Arquivologia como ciência.
A grande figura da teoria arquivista no âmbito dos arquivos
permanentes é o fundo. Ele é a marca de diferenciação de
aglomerados documentais de outra espécie, dada a especificidade
51
de sua natureza. A teoria da natureza do material arquivístico deriva
da análise de suas relações com o organismo produtor, com as
funções e atividades deste organismo e com os direitos e obrigações
que interagiram com ele. (BELLOTTO, 2006, p.162-163).
Bellotto (2006) novamente vem explicar as peculiaridades conceituais de fundo
interligando
com
os
organismos
produtores.
Aproximando
da
conjuntura
internacional, a autora configura os fundos como a grande base teórica na
Arquivologia. Segundo Bellotto (2006, p. 170): “a reintegração de fundos faz-se
necessária por se tratar da mais comezinha justiça arquivística”.
Por conseguinte, os profissionais contemporâneos da Arquivologia devem estar
envolvidos nessas discussões, pois é fundamental que o campo consiga se
desprender do saber-fazer técnico que se vincula às instituições geradoras e
produtoras
de
documentos
através
desses
princípios
tidos
como
pilares
epistemológicos da área, porém, que não se sustentam enquanto tal. O interessante
é analisarmos que na literatura arquivística esses princípios são incorporados e tidos
como o caminho a uma “liberdade” conceitual.
3.3 A Teoria sistêmica e o rompimento da ordem: a crise paradigmática da
Arquivologia
A teoria sistêmica exerceu consideráveis influências não apenas para a
Arquivologia, mas, a diferentes áreas do conhecimento. Desse modo, na
Arquivologia não é diferente quando Silva et al. (2009) chama-nos atenção para a
ideia de sistema em arquivo, ou seja, um sistema de informação a partir de partes
interdependentes entre si na estrutura do arquivo. Logo, visualizamos esse fluido
sistêmico através das peculiaridades paradigmáticas da área.
Influenciada pela visão contemporânea, a Ciência da Informação (CI)
vai mais além. Ela aplica as noções de sistema desde a integração e
conexão oriundas de disciplinas como a Biblioteconomia, a
Documentação e a Arquivística – e agora com a Gestão da
Informação, ao buscar operacionalizar de forma holística, um
conhecimento integral do fenômeno info-comunicacional e sua
aplicação dos instrumentos tecnológicos para gestão, com os
sistemas de informação eletrônicos. (LIMA et al., 2011, p. 3, grifo
nosso).
52
Nesse sentido, percebemos que esse fluxo do sistema em arquivos se tornou
importante para a Arquivologia, através das características e dos significados dos
documentos de arquivo. Um exemplo claro de que as considerações feitas por Silva
et al (2009) sobre sistema são pertinentes, é se compreendermos o interrelacionamento através do qual um documento de arquivo está interligado a outro
em um processo. Isso demonstra uma realidade sistêmica e peculiar da
Arquivologia, pois as partes estariam entrelaçadas formando uma teia causal, na
medida em que cada componente do próprio sistema estabelecer uma ligação direta
ou indireta.
Observou-se a necessidade de se criar uma Teoria Geral dos
Sistemas26 (TGS) devido à acentuada situação sociológica da
ciência. Afirmava Boulding (1956) que a crise na ciência ocorreu
devido à dificuldade crescente de um diálogo proveitoso entre
cientistas como um todo. Na sua concepção, os objetivos da TGS
podem estar relacionados à variedade dos níveis de ambição e
confidência. Organismos ou sistemas naturais, biológicos e sociais
ao propor uma teoria de princípios universais aplicáveis aos sistemas
em geral, de natureza física, biológica ou sociológica, criando
fundamentos básicos da interdisciplinaridade (BERTALANFFY27,
2008). Já a Teoria Cibernética, do matemático Wienner, não surgiu
com a preocupação de reprodução da natureza inanimada, mas sim
como uma proposta de construção de sistemas que reproduzissem
os mecanismos de funcionamento dos sistemas vivos. (LIMA et al.
2011, p. 4).
Assim, no inter-relacionamento os documentos estabeleceriam uma relação
sistemática no decorrer das transações para as quais tiveram sua própria criação.
Então, o documento fica interligado a partir de sua criação na produção e no
recebimento, estabelecendo, assim, um exemplo direto da forma sistemática por
meio das características dos documentos de arquivo.
26
Para Bertalanffy (2009, p. 53) “é necessário estudar não somente as partes e os
processos isoladamente, mas também resolver os decisivos problemas encontrados na
organização e na ordem que os unifica, resultante da interação dinâmica das partes
diferentes quando estuda isoladamente e quando tratado no todo”.
27
Biólogo austríaco, autor da Teoria Geral dos Sistemas e unanimemente reconhecido
como um dos teóricos pioneiros dos sistemas em que se podem distinguir duas recentes
tendências básicas na “ciência dos sistemas” – que ele chama de “mecanicista” e
“organicista” – as quais distingo como duas vertentes teóricas. (VASCONCELLOS, 2002,
p. 186).
53
A rigor, Carvalho (2011, p. 69, grifo nosso) vem dar uma contribuição para
entendermos a Teoria Sistêmica da informação, a partir da qual a Arquivologia está
inserida através dessas relações estabelecidas.
A iminência da Teoria Sistêmica da Informação a realidade das
identidades pós-modernas mostrando as incertezas de um
fenômeno dentro de uma estrutura. É sabido que a noção biológica
prevê que cada fator tem um papel específico dentro de uma
estrutura macro. Porém, muitas vezes não é possível saber quais os
elementos que vão surgir, acabar ou renovar. No caso de bibliotecas,
arquivos e museus cada um desenvolve seu papel específico diante
de uma ação informacional na sociedade, mas isso não quer dizer
que estará distribuído, de forma que possa contemplar o acesso a
todos ou pelos menos a maioria da sociedade e de suas
comunidades de usuários.
A mudança de paradigma na Arquivologia caracteriza-se por diversos formatos
e alguns aqui já foram debatidos. Pensar nessa crise é entender as variações e
modelos
da
própria
Arquivologia,
sua evolução
e
suas mudanças
mais
contundentes. Uma dessas transformações que se relacionam com a Teoria
sistêmica é a da “informação”, que abarca um novo contexto na Arquivologia
tentando romper com a custodialidade e se inserir em uma nova realidade, a da
informação.
Então, as noções paradigmáticas na Arquivologia envolvem diversas
problemáticas que estão correlacionadas desde seu nascedouro. Diante disso, se
antes, a centralidade encontrava-se no documento em si, agora a informação terá
um papel importante para entendermos esse paradigma, que muda constantemente,
a ideia de sistema está apresentada da seguinte forma:
Concluíram que toda a estrutura é simultaneamente estruturada (o
seu estado deriva dos elementos integrantes) e estruturante (o seu
estado condiciona o dos elementos) e ainda as noções de estrutura e
de sistema, não sendo coincidentes, correspondem antes a uma
concepção analítica e a uma síntese na observação dos elementos
inter-relacionados. (SILVA; RIBEIRO, 2002, p. 95).
A teoria sistêmica está presente nas discussões acerca da pós-modernidade
com suas variações e crises. Com isso, essa crise chega à Arquivologia de forma
muito densa através das mudanças ocorridas nos séculos XX e XXI que são os
novos modelos de tecnologia e dinamicidade da informação.
54
Os sistemas de informação são sempre pensados a partir da lógica
os processos de entrada (entrada de dados, com a aquisição de itens
informacionais, a seleção destes itens para a composição de
determinado acervo), de processamento (os itens informacionais que
dão entrada num sistema de informação precisam ser descritos,
catalogados, classificados, indexados) e de saída (pelo acesso aos
informacionais por parte dos usuários, na forma de disseminação,
entrega da informação, empréstimo), etc. (ARAUJO, 2009, p. 5).
A ideia de sistema no século XXI está em toda parte, principalmente com as
tecnologias de informação, “a moderna teoria dos sistemas, embora aparentemente
tenha surgido de modo original do esforço realizado na última guerra, pode ser
considerada a culminação de um amplo movimento” (BERTALANFFY, 2009, p. 35).
Na Arquivologia Silva et al. (2009) tecem sobre o sistema de arquivo, em que, o
todo se entrelaçaria às partes. Assim, os autores compreendem o arquivo como um
sistema informacional distanciando-se da custodialidade clássica.
Relacionados entre si e de tal forma que ele apresente
características próprias, (b) que o estado de cada elemento dependa
pelo menos de um outro e acabe condicionado pela estrutura toda,
(c) esta, se assumir ou modificar o próprio estado, afecta os seus
elementos, assumindo cada um deles um dado estado ou sofrendo
uma modificação de estado e (d) todos os elementos são
necessários para formar aquela estrutura (SILVA; RIBEIRO, 2002, p.
95).
De igual modo, a teoria sistêmica aparece como uma vertente interdisciplinar,
focalizando na investigação científica, ou seja, na “teoria geral para os sistemas”,
visando a uma unidade da ciência que trabalha em uma “organização cíclica”.
Identificando a interação com o problema central em todos os
campos da ciência, o conceito fundamental da investigação científica
seria o de “sistema” e essa teoria interdisciplinar seria uma “teoria
geral para os sistemas”. O objeto proposto para essa teoria foi a
formulação de princípios válidos para os sistemas em geral,
independentemente das entidades que o constituam. Portanto, aqui
não se falaria mais entidades físicas, químicas, ou outras, passandose a falar das totalidades que essas entidades constituem, da
organização desses sistemas. Assim, a Teoria Geral dos sistemas se
propõe como uma ciência da totalidade, ou como uma disciplina
lógico-matemática aplicável a todas as ciências que tratam de “todos
organizados”. (VASCONCELLOS, 2002, p. 196).
55
A teoria sistêmica propõe uma dinamicidade na interação entre as partes e o
todo, ou seja, entre a periferia e o centro, para Bertalanffy (2009) essa teoria
permitiria uma ação científica, ou seja, o seu objetivo era ter uma disciplina que
funcionasse e que fosse aplicável: “O todo é mais que a soma das partes, consiste
simplesmente em que as características constitutivas do todo não são explicáveis a
partir das características das partes isoladas” (BERTALANFFY, 2009, p. 83).
A rigor, a ideia sistêmica na Arquivologia vem a reboque das discussões
acaloradas iniciadas pelos canadenses e que estariam coadunadas à mudança
paradigmática de uma organização custodial (tradicional) interligada com o suporte
papel, a uma pós-custodial interligada com a informação em um suporte analógico.
Nesse sentido, a informação se organizaria em uma simetria sistêmica entre as
partes em uniformidades estruturais, apresentando uma pluralidade de elementos
que acabam modificando e condicionando os elementos da própria modificação de
estado das partes.
A ideia de organização tem uso bastante amplo na Teoria Geral dos
Sistemas. Bertalanffy propõe a concepção do “mundo como
organização”. Porém, concebe o mundo como uma enorme ordem
hierárquica de entidades organizadas, numa superposição de muitos
níveis, indo dos sistemas físicos e químicos aos biológicos e
sociológicos (sendo a unidade da ciência possibilitada) pelas
uniformidades estruturais dos diferentes níveis da realidade. Pode-se
assim pensar em sequências, tais como: dos átomos às moléculas,
das moléculas as células, das células aos organismos, destes grupos
sociais. (VASCONCELLOS, 2002, p. 204).
Por
conseguinte,
a
concepção
de
interações
sistêmicas
conduz
à
estruturação do sistema com seu ambiente, onde o ambiente sistêmico na
Arquivologia é o informacional em uma rede dinâmica e fluída.
56
4 A CIÊNCIA COMO RAZÃO LEGITIMADORA: da revolução das luzes à crise
de paradigmas na modernidade
A abundância de nossa própria experiência permite-nos imaginar e
compreender, através de um tipo de transposição, uma experiência
análoga fora de nós, até nas proposições mais abstratas das ciências
do espírito o real, representado no pensamento é vivência e
compreensão. (HABERMAS, 1987, p. 160).
A ciência induziu o homem a trilhar novos horizontes, outra forma de pensar e
agir. A ciência apareceu como uma “solução” do caos, da desordem e do
improvável. Para Calderon (2011, p. 58), a palavra ciência vem do latim “scientia” e
significa conhecimento. Já segundo Habermas (1987, p. 106), “a ciência é algo
assim como um marco inicial, o qual não pode ser transposto por uma reflexão sobre
as condições da objetividade da ciência”.
Nesse ponto ele crítica o caráter
objetivista da ciência moderna que se baseava em “grandes narrativas lógicas” e
que se subvertia em transfigurações especulativas.
O despertar da ciência e seu progresso contribuíram de alguma forma para
perverter nossos costumes, hábitos e finalidades. Logo, tornando-se evidente, pois a
razão traz o sujeito cognoscente28 para dentro de si mesmo, fazendo uma reflexão
de si, dos outros e dos contornos circunscritos nas relações cotidianas.
Destarte, a ciência traz em sua realidade uma nova forma de se raciocinar o
meio social entre as verdades constituídas daquilo que aparenta ser o que é
enquanto tal. A ciência moderna trouxe o paradigma da racionalidade a partir dos
aparatos da revolução científica instaurada no século XVI e que foram reformuladas
nos séculos posteriores principalmente no século XIX com o positivismo, e na
Arquivologia no período moderno ocorreu uma complexificação do Estado no
aumento considerável de produção documental.
A crise de paradigma da ciência moderna tem sua justificativa através do
componente teórico e das situações condicionais do fator social, ou seja, da
extremidade do homem em buscar uma explicação sobre si. A ciência moderna
28
“O sujeito cognoscente é, ao mesmo tempo, parcela de um processo a partir do qual o
mundo cultural se impõe como realidade própria. Nesta medida o sujeito compreende
cientificamente as objetivações de cujo surgimento também participa” (HABERMAS,
1987, p. 163).
57
queria fazer surgir uma nova ordem científica, apontada pela epistemologia e
metodologia do próprio conhecimento científico. O que, de acordo com Ingram
(1994), aconteceria à medida em que a sociedade poderia dispensar certas formas
de autoridade educacional e política, especialmente aquelas baseadas na
experiência, na tradição e na retórica, ou seja, fazendo refletir sobre essa ação da
ciência por um constructo filosófico crítico e interpretativo exegético.
A ciência moderna estabeleceu no sujeito uma roupagem que deslocou o
entendimento
do
antigo
pensamento
(dogmático)
e
passou
a
pensar
aprioristicamente uma nova maneira definidora de saber que não mais estava preso
ao “imprevisto sobrenatural” das incertezas do “eu” cognoscível, “a crítica da
ideologia deve ser complementada por uma crítica que redima o presente à luz das
possibilidades utópicas do passado entre as pessoas e a vida que compartilham”
(INGRAM, 1994, p. 225).
Nesse sentido, Gadamer (2007), através da hermenêutica, compreende que a
ciência despontará com novos vieses, novos objetos definidores para entendermos
as complexidades nas relações cotidianas. Para Gadamer (2007), o que constitui a
essência da ciência, agora, é aquilo que pode ser explicado e construído a partir das
leis racionais compreensivas. Dessa maneira, tornava-se necessário a constituição
de algo que justificasse aquilo que se afirmava, o empirismo parecia perder espaço
para essa nova essência calcada em metodologias bem demarcadas em um a priori
crítico. A rigor, a ciência moderna surge como um objeto específico de investigação
experimentalista e construiu um método pelo qual o sujeito tenha um “controle” do
próprio conhecimento, ou seja, assumindo um novo contexto metódico que gera um
saber tecnicamente utilizável.
A ciência moderna assume, neste contexto, uma função peculiar.
Diferentemente das ciências filosóficas de tipo antigo, as modernas
ciências experimentais desenvolvem-se desde a era de Galileu, num
marco metodológico de referência que reflete o ponto de vista
transcendental da possível disposição técnica. As ciências modernas
geram por isso um saber que, pela sua forma (não pela sua intenção
subjetiva, é um saber tecnicamente utilizável, embora as
oportunidades de aplicação, em geral, só tenham surgido
posteriormente). Até ao fim do século XIX, não existiu uma
interdependência de ciências e técnicas. (HABERMAS, 2009, p.
66-67, grifo nosso).
58
Do ponto de vista conceitual, cada ciência tem uma intenção nos seus métodos
rigorosos de investigar, de colher, de comprovar a finalidade das suas próprias
regras, caminhos, descaminhos e pressuposições. Nesse sentido, no século das
luzes os iluministas queriam questionar a própria autonomia dessas racionalidades
(sujeitos) e da própria ciência. Através da razão os iluministas contestavam os mitos,
os dogmas e a fé divina, pois era necessário que o homem se emancipasse dessas
“verdades” constituídas e universais para que seu saber pudesse ser fortalecido em
uma teia compreensiva.
O iluminismo perseguiu o objetivo de trazer aos homens doutrinas
que apregoassem o desenvolvimento da inteligência cognitiva, da
aprendizagem, da produção do conhecimento. Não há dúvida alguma
de que, para o movimento, a pretensão era fortalecer o saber
racional, reconhecendo como a propulsão da superioridade do
homem diante da limitação das imagens explicativas da realidade.
(MEDEIROS, 2008, p. 88).
Na cronologia moderna representada por essas inquietações iluministas os
sujeitos teriam maiores respostas para os fenômenos naturais, não mais aquela de
um ser divino e supremo, agora, o homem categorizado pelas racionalidades
legitimadas pela ciência irá pensar as explicações para esses mesmos fenômenos
de forma mais fundamentada. Nesse sentido, o iluminismo29 mantinha sua fé
linearmente na ciência, porém, era imprescritível um controle social no processo da
pesquisa.
Para adentrarmos na crise paradigmática da modernidade é pertinente
entendermos o que seria a própria modernidade. Então, a modernidade poderia ser
contextualizada como uma ação de racionalização; para Habermas (1999), a
modernidade é um projeto racional e expansivo de reconstrução de valores comuns
29
“Concepção filosófica de acordo com a qual o conhecimento se dá em função das luzes
da razão e que só o conhecimento racional crítico e a cientificidade emancipam o homem
da superstição e do dogma, promovendo seu progresso em todos os campos. Por
extensão, é todo movimento político, literário, cultural que se apoia nesta visão”
(SEVERINO, 1994, p. 108).
“A razão esclarecedora do iluminismo passa, assim, a ser concebida como o reverso de
seus próprios intentos, ou seja, torna-se dialeticamente negativa e radicalmente
combatida como um princípio caótico que só serviu para destruir o homem”. (MEDEIROS,
2008, p. 92).
59
entre os sujeitos, na medida em que o processo de modernização das sociedades é
controlado pelos interesses do capital e é considerado como perspectiva dirigida e
conturbada, decretando a fase radical da racionalização.
Com a modernidade os indivíduos distanciaram-se das querelas tradicionais do
sagrado, visto que os indivíduos agora vão estruturar-se de forma racional,
universalizante, reflexiva e autocompreensiva.
Nos tempos ditos “modernos”, cujo marco vem desde o Século
XVIII30, o ocidente apostou numa acepção de racionalidade, aliada
aos interesses científicos e instrumentais, como promessa para a
resolução dos grandes problemas da humanidade. O velho mundo
grego irradiou para toda a cultura ocidental “faíscas” paradigmáticas,
influenciando da filosofia clássica à ciência contemporânea, que
impulsionou uma ordem do pensamento instaurada para definir
fenômenos naturais e humanos, definido as leis e suas relações.
(MEDEIROS, 2008, p. 55).
Todo esse avanço da ciência vai eclodir numa crise com a própria
modernidade. A compreensão de paradigma leva-nos a refletir que as relações
cotidianas começavam a ser pensadas de forma diferente, a quebra das “verdades”
pré-estabelecidas daria espaço a questionamentos, a provocações, a modelos de
coesões capazes de romper com alguns procedimentos que eram tidos como
certezas imutáveis. Diante disso, “considero paradigmas as realizações científicas
universalmente conhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e
soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN,
2003, p. 13).
Ao utilizar o termo paradigma, Kuhn (2003) vem propor um modelo de
experiência e percepção, ou seja, uma linguagem comum que a disciplina
30
A partir da segunda metade do século XVIII, a historiografia positivista passa a
influenciar, de forma decisiva, o desenvolvimento das práticas arquivísticas, tendo em
vista a natureza probatória e testemunhal dos documentos antigos, concebidos como
fonte de investigação para a História. Com a aproximação entre arquivistas e
historiadores, os arquivos passam a ser considerados como os “laboratórios de história”.
A influência da perspectiva historicista, a partir de então, passa a ser tão intensa que os
arquivos perdem a primitiva função administrativa e incorporam a função de servir à
História (RIBEIRO, 1998).
Depois do século XVIII, se reconhece que “não basta conservar, é necessário organizar a
documentação para constituir verdadeiramente um arquivo” (CASANOVA, 1928, p. 356).
60
desenvolve estruturada em uma consequência social que parte do sujeito na
compreensão das “histórias científicas”.
Ao introduzir o funcionamento e a percepção de um paradigma, o autor aponta
que um paradigma nos conduz a mutações nas estruturas sociais em um processo
de transformação: “Kuhn valorizou as decisões (muitas vezes não intencionais, não
racionais, mas não se devendo ao caso ou sendo irracionais) pelas quais uma
disciplina toma sua forma histórica” (FOUREZ, 1995, p. 118).
Nesse sentido, essa ideia de paradigma proposta por Kuhn (2003) retoma a
questão da necessidade de aprender uma visão de mundo reflexiva, que
proporcionará um sentimento mais amplo, indistinto e cheio de sentidos, então, o
paradigma “é base hermenêutica de uma ciência de um dado período” (KUHN, 2003,
p. 270). Com efeito, esse sentido paradigmático é marcado por essa atividade que
influencia o cotidiano de diversos campos do conhecimento. Diante disso, as
revoluções
científicas
despertam
uma
nova
modelagem
de
pensamento
estabelecendo uma relação tácita com a matriz disciplinar:
Envolvem descobertas que não podem ser acomodadas nos limites
dos conceitos que estavam em uso antes de elas terem sido feitas. A
fim de fazer ou assimilar uma tal descoberta, deve-se alterar o modo
como se pensa, e se descreve algum conjunto de fenômenos
naturais. (KUHN, 2003, p.25).
Com efeito, notamos essa dualidade no desenvolvimento científico que se
configurou no universo de diferentes campos, como o da Arquivologia que sempre
vem remetida a um modelo paradigmático. Desse modo, a ação paradigmática na
Arquivologia está circunscrita em todo seu contexto, através dos princípios
arquivísticos.
61
Figura 1: A dual visão do sentido “paradigma” na ciência
Fonte: Construção do autor com a utilização do software Cmaptools31 e com base em
Vasconcelos (2002).
Dessa maneira, o paradigma determina um âmbito reflexivo e interpretativo
através da racionalidade. Assim, um paradigma estará interligado com uma
mudança significativa na complexidade do problema, “a força da ciência provém de
que os seus paradigmas simplificam suficientemente o “real” a fim de poder estudálo e agir sobre ele” (FOUREZ, 1995, p.122). A noção de paradigma em Kuhn (2003)
torna-se muito peculiar na literatura da Arquivologia: de uma clássica ou tradicional
(vinculada ao documento a uma pós-custodial32 fundada na informação e sua
31
32
Software utilizado para elaboração de mapas conceituais.
A corrente de pensamento pós-custodial apresenta, então, contributos singulares
porque nos leva a fazer uma reflexão teórico-epistemológica do objeto da Arquivística, ou
seja, a informação enquanto fenômeno e processo social. Nesta concepção, o conceito
62
“virtualidade”). Porém, é necessário entender que os paradigmas remetidos a
Arquivologia necessitam de um teor exegético e crítico em sua construção enquanto
tal. Pois, essa noção paradigmática e ao mesmo tempo dicotômica, impregnou-se no
entremeio literário da Arquivologia no Brasil.
Um paradigma estabelece uma ruptura com os projetos da vida
cotidiana, e permite eliminar uma série de questões que não serão
mais consideradas como pertinentes. Poder-se-á, por exemplo,
eliminar do estudo das cidades todas as aldeias. É essa “ruptura
epistemológica” que delimitará o objeto e conferirá, também, sua
“objetividade” a uma disciplina científica (FOUREZ, 1995, p. 107-108,
grifo nosso).
Com a noção de paradigma, Kuhn (2003) auferiu que os conteúdos científicos
são estruturados em torno de preceitos que estão presentes no cotidiano, nas
relações, ou seja, nas interações sociais. Por conseguinte, a matriz disciplinar na
Arquivologia deve ter um embasamento mais fundamentado teoricamente, para uma
constituição científica do campo, ou seja, deverá encontrar uma definição da sua
imagem enquanto “ciência”, intensificando a reflexão que levará ao questionamento
e as rupturas epistemológicas dentro da área.
4.1 Racionalidade e século das luzes: liberdade, igualdade e fraternidade
A racionalidade foi o caminho encontrado pelos iluministas para vencer as
trevas, superar os limites mais profundos da humanidade, sobretudo nas inferências
acerca da existência dos sujeitos em seu mundo comum e categorizado pelo “si
próprio”, ou seja, pela intersubjetividade:
A história iluminista é dominada pelos conceitos de sistema e de
totalidade. Ela é a realização de um sujeito universal, de um sujeito
coletivo, que sabe de si e quer saber cada vez mais de si. O sujeito
consciente é movido por um desejo de totalização de si, de
autoconsciência. Em busca de uma consciência total de si, ele
de documento, enquanto elemento estático passa a ser visto pela dinâmica da
informação, inerente a qualquer registro e em qualquer suporte. É nesse sentido que
poderá contribuir na reformulação do objeto de estudo e de trabalho da Arquivística
(SILVA, 2012, p. 45, grifo nosso).
63
realiza ações totais, visando obtê-la aceleradamente (REIS, 2006, p.
69).
Destacamos, pois, que a razão instaurou uma nova ordem de pensar o mundo,
visto que a universalidade, a individualidade e a autonomia acabaram difundindo-se
em diversos lugares da Europa33. A partir daí começa-se a pensar em críticas ao
próprio Estado Absolutista. Segundo Habermas (1987, p. 232), “aquilo que
chamamos de razão se aprende no momento em que ela enquanto tal, se executa
como autorreflexão”. Essa reflexão estará interligada nos anseios dos intersujeitos.
Desse modo, o iluminismo vincula-se à lógica da razão a serviço da crítica do
presente, de suas estruturas e realizações históricas. Assim, as características
iluministas
emancipariam
os
homens
das
especulações
marcadas
pelas
improvisações dos dogmas da Idade Média e reportaria ao homem um sentido
“progressivo” sobre si mesmo.
A racionalidade provocou uma grande transformação nas relações cotidianas,
os homens aflorados por essa razão crítica queriam se desvincular daquilo que os
prendiam como os dogmas e a fé. Então, nas luzes esses homens travaram uma
luta racional por liberdade provocando uma ida vertiginosa ao futuro, ou seja, contra
o passado subordinado a uma teologia da fé utópica, “o projeto iluminista legitima
toda a violência contra o passado-presente, encarado como entrave, obstáculo à
liberdade, e propõe uma ida vertiginosa ao futuro” (REIS, 2006, p. 69).
Com base no exposto, Reis (2006) faz refletir que o instrumento da liberdade
humana se separa de um passado-presente e aufere uma visão futurista que se
distancie do passado dogmático, no entanto, é necessário recuperar o impulso
crítico que acenou ao homem possibilidades de construir racionalmente seu próprio
destino, seu percurso enquanto tal, “a autorreflexão é percepção sensível e
emancipação, compreensão imperativa e libertação da dependência dogmática
numa mesma experiência” (HABERMAS, 1987, p. 228).
33
Para Bellotto (2002, p. 14) “com a criação e evolução dos estados modernos na Europa,
na idade moderna (1453 a 1889), surge a centralização do poder e passam a existir
grandes arquivos reais (os chamados “tesouros do rei” e também os arquivos notorais
organizados”.
64
Sendo assim, toda essa ânsia de liberdade configurou-se no seio da
Arquivologia, pois antes da Revolução Francesa de 178934 os arquivos de um modo
geral, não eram permeados por uma centralização organizativa, ou seja, cada setor
ministerial tinha sua própria forma de organização dos documentos. Com efeito, já
difundido o processo revolucionário, a Arquivologia não seria mais como era antes,
pois nessa mesma Revolução foi edificada uma “comissão de arquivo”, leis foram
criadas para separar a documentação da Idade Média feudalista da administrativa.
Segundo Silva et al. (2009, p. 96), “o iluminismo deu veste cultural à
Arquivística, mas foi também germe de consideráveis desvios”. Os autores tecem a
respeito das influências que a Arquivologia sofreu com o iluminismo, visto que essa
roupagem trazia consigo o “vício” do positivismo na realidade da própria linguagem
documental, e nos seus valores intrínsecos.
Na transição do século XIX para o século XX e durante os primeiros
anos deste século, assiste-se a uma consolidação definitiva das
ideias da Revolução Francesa, quanto ao modelo arquivístico. É a
afirmação inequívoca da perspectiva historicista e positivista, que se
desenvolveu na Europa ao longo de Oitocentos. Tal modelo assenta
na proliferação e desenvolvimento de arquivos com uma finalidade,
que poderemos considerar exógena, relativamente aos fins
específicos que determinam a própria formação dos arquivos. (SILVA
et al., 2009, p.115).
34
A partir da Revolução Francesa ocorrem muitas mudanças na Europa, especialmente no
âmbito dos arquivos, e essas se expandem aos outros continentes. É nesse contexto que
a realidade dos arquivos é alterada nos seguintes termos: estruturam-se os arquivos em
um sistema nacional; o conceito de arquivos de Estado é alterado para arquivos
nacionais; e, ainda, os documentos de instituições extintas passam a incorporar os
arquivos históricos e ficam à disposição para consulta (CRUZ MUNDET, 2003). Surgem
os primeiros passos para uma divisão dos arquivos em históricos e administrativos e isso
marcará de forma bastante significativa a profissão do arquivista, o qual passa a se
dedicar com afinco aos arquivos históricos, deixando a gestão administrativa à margem
da sua atividade profissional. (CALDERON, 2011, p.33).
Nesse mesmo sentido, Bellotto (2002, p. 14) endossa apontando que: “a Revolução
Francesa, é uma baliza na história dos arquivos. Isto porque ocorre uma certa abertura
dos arquivos públicos aos cidadãos e se procede a à reunião da documentação oficial
dispersa, em Paris, criando-se um arquivo nacional. “O uso, no entanto, prosseguia
sendo o jurídico-administrativo, isto é, os documentos servindo somente como
instrumentos de informação administrativa e domo artesanal de testemunho das relações
Estado-Nação”.
65
Dessa maneira, para Reis (2000, p. 190), “Habermas insiste nos conceitos
iluministas de sujeito e consciência, que seriam fundados numa linguagem estável,
que possibilita o diálogo e a ação legitima pelo discurso”. De todo modo, essa
vertente de pensamento em longo prazo faz os iluministas terem confiança e
esperança na razão.
Ainda conforme Reis (2000, p. 166), “os iluministas acreditam ter decifrado o
segredo da história e recomendam a produção vertiginosa de eventos que o
concretizem”. Essa concretização só aconteceria de fato quando o homem se
enxergasse como partícipe do processo histórico, ou seja, “razões porque devemos
entender as ações do iluminismo como a tentativa de testar, em circunstâncias
dadas os limites de exequibilidade do conteúdo utópico, próprio ao patrimônio
cultural” (HABERMAS, 1987, p. 297). O iluminismo trouxe outra veste para o
contexto histórico, ou seja, a categorização da racionalidade.
A Europa ocidental não é mais o que era antes (presa a uma herança
dogmática), começa a decifrar novas formas de se pensar a história dos sujeitos, ou
seja, o interesse emancipatório.
O conceito de “modernidade”, portanto, assim como o próprio
processo que ele designa revelam uma tensão: no inicio, nos séculos
XIII-XVI, representara a ruptura com o passado de universalismo
cristão e abrira um presente secularizado, com suas conseqüências
– racionalização da ação e fragmentação da vida interna do homem
ocidental (REIS 2006, p. 28).
A ideia de uma vida abundante e caracterizada pelo progresso vem de algum
modo exprimir essa nova situação do homem, suas realizações futuras e suas
profecias mais absurdas. As luzes vão romper com a religião, afetando a maneira do
saber, de entendimento e consciência. Para Reis (2006, p. 32), “as luzes se
separam da religião por cisão, colocando-se ao lado dela. Houve uma cisão da fé e
do saber que as luzes são incapazes de superar seus próprios meios”.
Observamos, pois, que a vertente da religiosidade ainda se fazia presente
nessas discussões e na relação com a ciência moderna. De todo modo, era
fundamental substituir as validades explicativas das legitimações impregnadas pela
fé, ou seja, a esfera do conhecimento por longos períodos históricos:
66
A substituição representativa do sagrado, sobre o qual se validam as
explicações das coisas, pelas legitimações comprovadas da ciência,
filiadas à racionalidade, fez do século XVIII um período impregnado
de fé na unidade e imutabilidade da razão. É assim que a
racionalização passa a ser esfera imprescindível da modernidade,
visto que a função unificadora do pensamento iluminista passou a ser
função fundamental da razão. (MEDEIROS, 2008, p. 90).
Medeiros (2008) compreende que essas variações iluministas de pensar a
história da humanidade têm uma ideologia que anseia incondicionalmente pela
busca do que venha posteriormente acontecer, porque é fundamental a ida ao futuro
para compreender seu significado. Os iluministas acreditavam crer numa razão que
assegurasse um mundo com seus parâmetros, ou seja, era preponderante que a
humanidade tivesse um significado provindo das próprias vivências e estrutura
enquanto intervetor e construtor de pensamentos e aspirações peculiares.
Então, os meios reais estão sempre em mudança, em transformação. As
construções singulares em busca da “liberdade” se acentuam, e tudo passa a ser
manobrado e pensado a serviço do próprio homem. Para Reis (2000, p. 167), “a
grande narrativa iluminista garante a legitimidade da intervenção radical da
realidade”.
Nessa realidade que se aflorou com a Revolução Francesa as tendências de
mudança se tornaram necessárias para que o homem não ficasse estagnado em si
mesmo, em uma luta obscura, descontínua e sem rumo. Com efeito, os iluministas
fortaleceram o saber racional, queriam a todo custo vencer as trevas, ou seja,
aquela antiga propulsão dogmática da “verdade suprema e inviolável”.
Medeiros (2008) esclarece que o iluminismo desenvolveu uma relação
profunda com o sujeito cognoscente. De todo modo, para Reis (2006, p. 41, grifo
nosso): “as luzes geraram dois tipos de conhecimento histórico: a história como
consciência crítica de uma época, reformista e discursiva, e a história como
consciência crítico-prático, uma arma de combate”.
Diante dessas características iluministas, observamos diferentes olhares e
intenções sobre os procedimentos unidimensionais atestados pela ciência, o
interesse prático da lógica instrumental era validado pela vitalidade do empirismo:
Ao passo que o saber é valorizado, há também uma
supervalorização da técnica como fim último, que aumenta os
67
investimentos para obrigar o conhecimento empírico a se renovar.
A racionalidade técnica se torna a racionalidade da dominação.
Saber e conhecimento, com isso, são sinônimos de poder; de um
poder universal e onipresente como é a razão instrumental.
(MEDEIROS, 2008, p. 93, grifo nosso).
Concordamos com Medeiros (2008) que essa racionalidade técnica se
transformaria em uma dominação35, essa “ação de dominação” na Arquivologia
acabou se generalizando. Então, parece-nos que com a utilização da racionalidade
os homens chegariam e atingiriam diversos lugares e progresso, e isso se confirma
em 1789 com a revolução, “o fim do século XVIII, como vimos, foi uma época de
crise para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos, e suas últimas
décadas foram cheias de agitações e de movimentos coloniais em busca de
autonomia” (HOBSBAWM, 2010, p. 98).
A Revolução Francesa de 1789 assinalou profundamente a história da
humanidade, nesse período os cidadãos estavam esgotados com o autoritarismo
monárquico, representado pelo absolutismo do rei. Nessa ocasião, a população não
aguentava mais ser massacrada pela cobrança de impostos abusivos, visto que a
bonança era sempre remetida à nobreza e ao alto clero.
Como vimos, esse evento revolucionário teve repercussão no universo da
Arquivologia através dos arquivos e da ligação direta com as instituições e
principalmente depois da Revolução, pois o acesso aos arquivos era considerado
um direito civil conquistado, além disso, surgiu a Fundação do Archives Nationales:
Em decorrência desse fato, ocorre a anexação da massa documental
dos arquivos privados aos depósitos do Estado (RIBEIRO, 1998, p.
28), juntamente com as apropriações desordenadas dos bens
materiais, livros e documentos em um só depósito. Com a
promulgação do Decreto de 18 de Brumário (1789), criam-se os
Archives Nationales na França com a finalidade de conservar e
manter os documentos oficiais nos quais se passava a assentar o
novo regime do Estado-Nação (SILVA, 2012, p. 29).
35
Para Habermas (2009, p. 47), “a racionalidade da dominação mede-se pela manutenção
de um sistema que pode permite-se converter em fundamento da sua legitimação o
incremento das forças produtivas associado ao progresso técnico-científico, embora, por
outro lado, o estado das forças produtivas represente precisamente também o potencial,
pelo qual medidas, as renúncias e as incomodidades impostas aos indivíduos estas
surgem cada vez mais como desnecessárias e irracionais”.
68
Com isso, a população não estava mais interessada em aceitar ou obedecer às
ordens e regras dessa nobreza, e essa insatisfação só fez aumentar, quando houve
um grave aumento fiscal, “a Revolução Francesa pode não ter sido um fenômeno
isolado, mas foi muito mais fundamental do que os outros fenômenos
contemporâneos
e
suas
consequências
foram,
portanto,
mais
profundas”
(HOBSBAWM, 2010, p. 99). Nessa temporalidade foram criados os arquivos
nacionais36, um legado que visa a uma ideia identitária de “nação”. Logo, esses atos
de liberdade eclodiram na Arquivística.
Durante o século XIX a Arquivologia sofreu a ação do modelo paradigmático
histórico-tecnicista que era auferido pelo saber-fazer da racionalização do agir
funcional instrumental (técnica), “os arquivos da Revolução Francesa agrupam, em
primeiro lugar, os documentos das instâncias governamentais” (ROSSEAU;
COUTURE, 1998, p. 37). Devido a isto, os documentos no período da Revolução
Francesa eram considerados básicos para a manutenção de sociedades antigas, ou
seja, preservar para ações futuras.
Nesse sentido, Schellenberg (2007, p. 27) aponta:
Durante toda a Revolução Francesa, os documentos foram
considerados básicos para a manutenção de uma antiga sociedade e
para o estabelecimento de uma nova. Os documentos da sociedade
antiga foram preservados principalmente e, talvez, sem essa
intenção, para usos culturais. Os da nova sociedade foram
preservados para a proteção de direitos públicos. O reconhecimento
da importância dos documentos para a sociedade foi uma das
grandes conquistas da revolução.
Desse modo, foram surgindo arquivos que configuravam uma praticidade
organizativa da documentação administrativa, os documentos tinham uma
vinculação institucional muito acentuada e que era concebida nas realidades dos
arquivos:
36
Durante o século XIX, foram nascendo os arquivos nacionais, nos distintos países
(inclusive o nacional brasileiro, em 1828, então imperial, todos destinados a recolher e
organizar a documentação inativa inexistente nas diversas dependências
governamentais) (BELLOTTO, 2002, p. 15).
69
● Criação de ‘arquivos históricos’ concebidos para conservar, gerir e
possibilitar o acesso à documentação, essencialmente de carácter
patrimonial, cuja finalidade primeira é a de fonte para a historiografia;
● Existência de um organismo estatal coordenador da política
arquivística, voltada acima de tudo para a salvaguarda e difusão do
patrimônio documental;
● Princípios ditos ‘teóricos’ baseados na evidência e no pragmatismo
os conhecidos ‘princípio de respeito pelos fundos’ ou ‘princípio da
proveniência’ e ‘princípio da ordem original’ -, não passíveis de
confirmação ou refutação pelo trabalho de investigação científica,
uma vez que não se inserem num contexto de teorização cabalmente
fundamentado;
● Adopção de pretensas ‘teorias’ como base de opções práticas
meramente operatórias, como seja a chamada ‘teoria das três
idades’, a qual tem servido para justificar separações artificiais do
que são os arquivos, aduzindo a aplicação de técnicas e métodos
diferenciados no tratamento da informação de diferentes idades,
como se de realidades distintas se trate;
● Valorização da componente técnica de uma forma excessiva,
tendendo a confundir operações e procedimentos como, por
exemplo, a descrição arquivística com o método da disciplina e
enfatizando a normalização, numa perspectiva redutora, que
muitas vezes provoca desvios grosseiros na própria
representação da realidade dos arquivos;
● Assunção do ‘documento’ como objecto material constitutivo do
arquivo, patente nas expressões ‘gestão documental’ ou ‘ciências
documentais’, o que denota uma perspectiva com uma forte carga
patrimonialista e historicista (não esqueçamos a frase ‘a História fazse com documentos’), que não se ajusta aos novos desafios postos
pela sociedade da informação, em que actualmente se inserem os
arquivos (RIBEIRO, 2002, p.100-101, grifo nosso).
Diante o exposto, os termos liberdade, igualdade e fraternidade tornaram-se o
slogan da Revolução Francesa de 1789, visto que os cidadãos lutavam pelo fim da
servidão à nobreza e travaram uma luta por direitos e garantias, por leis que
favorecessem ao povo e não a nobreza.
Declaração dos direitos homens e do cidadão de 1789:
a) “Os homens nascem e vivem livres e iguais perante as leis”
b) “Somente no terreno de utilidade comum”.
c) “Todos os cidadãos têm o direito de colaborar na elaboração das
leis” (HOBSBAWM, 2010, p. 106).
Com a Revolução Francesa de 1789, algumas inquietações começam a se
estruturar principalmente através das racionalidades, das quebras com as verdades
dogmatizadas. Então, o povo identificado e instigado pela ideia de “nação”
70
reivindicava de forma revolucionária seus direitos comuns, atacando o autoritarismo
e as subversões do poder absolutista que impregnava um poder abusivo.
No contexto das conquistas do iluminismo, que surge da Revolução
Francesa e da Reforma Protestante a ideia do universalismo que
assume o apogeu de seu grande ideário utópico: liberdade,
igualdade e fraternidade. Essas linhas de ação são vertentes
políticas que agem como princípios subjetivos em esfera coletiva, o
que retirou o paradigma da subjetividade como parâmetros de maior
destaque da modernidade. Na perspectiva da subjetividade, o
iluminismo não restringe sua compreensão ao esclarecimento de
uma matéria, mas valoriza a posição que cada pessoa exerce frente
ao entendimento de si mesma(MEDEIROS, 2008, p. 91, grifo nosso).
A episteme moderna tem toda essa criação formada pelas narrativas
filosóficas, calcadas em conceitos, rompendo com pensamentos e correntes que se
monopolizavam como a fé e que determinavam regras. Segundo Medeiros (2008),
na ciência moderna a razão é o meio que constitui o sentido profundo da existência
humana, pois nela a inteligência é chamada a procurar livremente as soluções
capazes de oferecer um sentido pleno à vida.
Então, os discursos que muitas vezes foram criados têm essa idealização do
homem como obra pensante de si mesmo, porém, na maioria das vezes tornam-se
seres condicionados, por questões sócio-econômicas, “a ideologia do mundo
moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido as ideias
européias inicialmente através da influência francesa. Esta foi a obra da Revolução
Francesa” (HOBSBAWM, 2010, p. 98).
A Revolução Francesa do final do século XVIII teve profundas consequências
no século XIX marcando assim a história da humanidade, esse evento tornou-se
uma revolução além de seu tempo, espalhando-se pelo mundo, ou seja, a
Revolução Francesa não foi só da França, mas serviu-se de modelo para as
aspirações dos cidadãos e para a redescoberta da história e todo seu apogeu
cronológico.
A principal consequência da Revolução Francesa, durante o século
XIX, foi uma mudança profunda na percepção do tempo, que levou à
redescoberta da história. Esse evento complexo revelou a história em
duas direções: do presente ao passado, do presente ao futuro. A
história foi redescoberta como produção do futuro, seja como
reconstrução do passado. O revolucionário tempo burguês,
acelerado em direção ao futuro, utópico, confiante na razão e na
capacidade dos homens de fazerem a história, encontrou a
71
resistência de um tempo aristocrático, desacelerado, retrospectivo,
reflexivo, meditativo, contemplativo, que desconfia da razão e
suspeitava dos seus pretensos portadores e parteiros do futuro
(REIS, 2006, p. 207).
Para tanto, a Revolução Francesa instigou o sentido reflexivo e contributivo
do trabalho humano baseado numa sociedade racional, moral e relacional não presa
aos dogmas imutáveis da temporalidade passada. Ademais, essa razão só poderá
ser desenvolvida quando tiver um caráter ou uma vertente histórica manifestada na
exatidão do “eu” que por sua vez é envolvida profundamente em diferentes grupos
que compõem o cotidiano. Essa Revolução mobilizou e provocou uma nova forma
de enxergar as prerrogativas que cada ser humano exerce na sociedade, buscando
reivindicar seus direitos.
A Revolução Francesa instigou os homens a olharem para si mesmos e
concentrarem forças para derrubar as ambições do absolutismo, das violações por
liberdade, igualdade e por direitos de escolherem seus rumos, desejos, sentidos.
Ademais, a Revolução provocou o espírito coletivo, em um fio condutor que gerava
uma força inigualável, ou seja, a força da voz que ecoava nos sentimentos, nas
lutas, nas quebras com as verdades imperativas do “absoluto”, cativando uma ação
fraterna entre os sujeitos que não queriam estar mais à mercê das imposições
alheias do “domínio” Absolutista.
4.2 O poder da razão na modernidade: a redenção da ciência
O século das luzes influenciou profundamente a razão na modernidade através
da racionalização, os sujeitos tornaram-se mais críticos com sua realidade. Na
modernidade essa razão irá se aflorar de forma enfática, visto que os indivíduos
queriam avançar enquanto sujeitos racionais, rompendo com as antigas tradições
dos dogmas e assim abrindo mais possibilidades de entender as complexidades do
cotidiano. A modernidade nesse sentido caracteriza-se pelo processo de
racionalização37, ou seja, por uma nova maneira de interpretar o cotidiano e as
práxis das quais os sujeitos fazem parte.
37
O limiar da modernidade caracterizar-se-ia, então, por esse processo e racionalização
que se iniciou com a perda da “intocabilidade” do marco institucional pelos subsistemas
72
Segundo Reis (2006, p.28), “a razão trataria a reunificação da humanidade,
substituindo a religião, ao se dar como finalidade a construção de uma sociedade
moral”. Essa sociedade pensada pelo homem com seu olhar interpretativo e ao
mesmo tempo crítico de sua condição traria um novo sentido na compreensão da
realidade.
Nessa “sociedade moral”, o indivíduo começa a enquadrar-se como construtor
direto da racionalidade, um arcabouço que se voltava para o próprio homem, na
medida em que procurava algo que reunificasse seus pensamentos e hábitos.
Segundo Reis (2006, p. 29), “o século XVIII, europeu, passou a pensar
filosoficamente a história universal da humanidade, a elaborar os direitos universais
do homem, atribuindo-lhe o sentido da realização de uma finalidade moral”.
Diante disso, a humanidade começa a ter outro viés com a razão, não mais
aquela direcionada pela fé, no entanto, o homem começa a autocrítica de sua
existência enquanto sujeito racional e subjetivo:
O século XVIII criou o pensamento específico da modernidade, as
filosofias da História, que seriam uma legitimação da história
universal não mais baseada na fé. Elas são modernas porque têm a
forma de uma elaboração racional da história, de uma interpretação
sistemática da história da humanidade universal, estabelecendo um
princípio que procurava reunificar a sucessão dos acontecimentos
em um sentido fundamental. Em sua segunda fase, a modernidade
através das filosofias da história recolocaria à história a questão do
sentido histórico e da história universal, que retornaria ainda
implicações teológicas , mas oferecendo a perfectebilidade moral
neste mundo profano no lugar da salvação do outro (REIS, 2006 p.
29).
Tomando por base a afirmação de Reis (2006), percebemos que a
modernidade buscou o novo, o perfeito, aquilo que não se distancia de uma “moral
racional” que se assenta na liberdade e na ruptura desse passado condicionado pela
soberania divina. O mundo profano começa a ter força como um lugar que exige
da ação racional dirigida a fins. As legitimações tradicionais tornam-se criticáveis ao
compararem-se com os critérios da racionalidade própria das relações fim-meios; as
informações provenientes do âmbito do saber tecnicamente utilizável imiscuíram-se nas
tradições e compeliram a uma reconstrução das interpretações tradicionais do mundo.
(HABERMAS, 2001, p. 84).
73
valores e consciências contínuas. Segundo Reis (2006, p. 29), a “razão que governa
o mundo seria o esforço moderno, profano, de talvez reencantar o mundo”.
Essa modernidade tão demarcada tem afeição pelo novo, por aquilo que de
alguma forma consiga se render a novos padrões de pensamentos, de uma
reintegração consistente dessa racionalização, sendo assim, os termos modernos
são particularizados por algumas pretensões justapostas (princípios)38 que foram
definidas nas ações de consciências.
A ideia de liberdade vem contribuir para a evolução dessa sociedade racional,
de maneira que os indivíduos sejam reflexos de si, tornando mais desenvolvida a
busca pela condição de sujeito, ou seja, de suas necessidades, carências,
finalidades, desejos, sentimentos e características peculiares que diferenciam de
outros seres que compõe a realidade.
Desse modo, as estruturas de racionalidade irão ser edificadas por um fio
condutor característico do agir racional que envolve o homem em todo seu
entremeio relacional configurando-se na praticidade do agir comunicativo que vai
regulando os aspectos identitários de intersubjetividade.
Esses critérios de liberdade são fundamentais para compreendermos as
relações cotidianas e as estruturas de racionalidades que estão sendo edificadas por
esse sujeito subjetivo e racional:
A razão é o novo soberano absoluto intolerante, totalitária,
universalista, absolutista. A violência revolucionária é inocente, pois
racional e moral contra a violência pura do Estado. As filosofias da
história garantem a legitimidade da intervenção radical na realidade
histórica, pois esta é expressão da razão e produtora de liberdade.
Elas opõem a razão moral ao rei, a igreja e ao passado (REIS, 2006,
p. 34).
A produção da moralidade, da liberdade e da justiça irá se enquadrar nos
discursos ideológicos cientificistas sobre os interesses do Estado, “Habermas deseja
recuperar a razão ao acreditar que só ela mesma, autocriticando-se, refletindo sobre
38
Para Habermas, os tempos modernos são marcados por quatro princípios: a) o
individualismo (a singularidade infinitamente particular que faz valer as suas
pretensões; b) o direito a crítica (cada um só pode aceitar o que lhe parecer justificado;
c) a autonomia da ação (somos responsáveis por nossa ação; d) a filosofia idealista
(que apreende a idéia que a consciência tem dela mesma). O sujeito é soberano, crítico,
livre e reflexivo e faz valer seu discernimento individual (REIS, 2006, p. 32).
74
si mesma, poderia superar seus próprios desvios. A razão moderna possui meios
para a sua autocrítica e autossuperação”. (REIS, 2006, p. 50).
O avanço das ciências contribui para purificar ou modelar os costumes, as
crenças mais imediatas e as necessidades humanas em sua cadeia evolutiva. A
ciência moderna emerge em um contexto muito peculiar, de contraponto entre um
modelo que se predominava e que detinha uma explicação para a existência das
coisas e dos sujeitos. A centralidade se encontrava no poder divino, ou seja, a igreja
é que determinava a figura divina como explicação e comprovação dos
acontecimentos, “a modernidade deu um golpe de desvalorização nas formas de
esclarecimento, que tinham emprestado também às teorias um resto de força
unificadora dos mitos originários” (HABERMAS, 2001, p. 26).
Nesse sentido, a ciência moderna passa por uma transformação técnica e
social que acaba atingindo o cotidiano. Então, faz-se necessário compreender esses
novos modelos impregnados pela razão39, uma racionalidade que se modela como
estratégia de reunificação da humanidade.
Com efeito, essas estruturas normativas representadas pelas éticas formalistas
do Estado, também sofrem mudança no alicerce de racionalidade, das relações
cotidianas e de toda sua extensão:
As ciências modernas, finalmente, permitem explicações
nomológicas e justificações práticas, com o auxilio de teorias e
construções passíveis de revisão e controladas com base na
experiência. “O progresso das ciências modernas e o avanço da
formação de vontades político-morais não são mais prejudicados por
uma ordem certamente fundamentada, mas colocada como absoluta”
(HABERMAS, 1983, p. 19).
O espírito científico é essencialmente retificação do saber, um alargamento
estruturante do próprio conhecimento, então, a ciência moderna se renderá a uma
racionalidade, a um pragmatismo que formaliza a busca constante por novos meios
39
Segundo Reis (2000, p. 190), “Habermas defende uma razão autocrítica contra a razão
instrumental, manipuladora e violadora do real e do outro. Ele acredita e defende uma
razão comunicativa, intersubjetiva, ético-prática”.
“Racionalizar significa a superação de tal comunicação sistematicamente distorcida. A
racionalização do agir não tem efeitos apenas sobre as forças produtivas, mas também,
de modo autônomo sobre as estruturas normativas” (HABERMAS, 1983, p. 31).
75
de integração de um saber prático-moral, em que o homem consiga observar seus
próprios limites cognoscentes. Observamos que essa ciência estipulada e difundida
como moderna adquire formas de conhecimento através da especialização
específica, ocorrendo uma dicotomia bem determinada entre a exatidão e a
ressalva, tornando uma disciplinização dos meios de se pensar a ciência.
Os cientistas não vão descobrir receitas pré-determinadas ou supostamente já
estipuladas, porém, irão criar as explicações da realidade, dos meios, ou seja, uma
crença naquilo que se afirma que está sendo desenvolvido empiricamente. De todo
modo, é como ocorresse uma funcionalidade do conhecimento e posteriormente do
mundo em que vem evoluindo as expectativas de conseguir mais instrumentos de
sobrevivência, diferentemente da fé em que se esperava a cura e explicações
através das respostas divinas.
Desta feita, é imprescindível compreender esses paradigmas que envolvem a
racionalidade, os discursos de cientificidade em torno dessas questões tão
complexas. A ciência é uma atividade que impulsiona a uma racionalidade, a
modelos que venham a enaltecer a capacidade compreensiva do homem. Através
dela o indivíduo se questiona, problematiza, evidencia os fatos mais contundentes,
emblemáticos e incompreensíveis. Sendo assim, a ciência traz várias interpretações
acerca das complexidades dos fenômenos.
A história da ciência, afinal de contas, não consiste simplesmente em
fatos e conclusões extraídas de fatos. Também contém ideias,
interpretações de fatos, problemas criados por interpretações
conflitantes, erros e assim por diante. Em uma análise mais
detalhada, até descobrimos que a ciência não conhece, de modo
alguma fatos nus, mas que todos os fatos que tomamos
conhecimento já são vistos de certo modo, e são, portanto,
essencialmente ideacionais. Se é assim, a história da ciência será
tão complexa, caótica e repleta de enganos e interessante quanto as
ideias que encerra, e essas ideias serão tão complexa, caóticas,
repletas de enganos e interessantes quanto a mente daqueles que a
inventaram (FEYERABEND, 2007, p. 33, grifo nosso).
Na modernidade, a razão se divide em racionalidades, em situações que se
proliferam em âmbitos específicos, a razão dá ordem aos conteúdos, organiza os
procedimentos materiais das realidades cotidianas.
76
Medeiros (2008, p. 86) é enfático ao dizer que:
Por modernidade, entendemos a chegada do sujeito a uma época
que se contrapõe à tradição do saber homologado pelo não
questionamento. Trata-se da descoberta de um novo mundo, do
renascimento para uma vida fundada na sabedoria compartilhada e
na abertura de investimentos para reposicionar o “homem moderno”
na nova estrutura social da razão.
Diante disso, para Reis (2006, p.33), “a modernidade é marcada pela busca do
novo, do melhor e mais perfeito, que são criações do homem”. Assim, a ciência
moderna vem propor uma busca acelerada para explicar as coisas inexplicáveis e
verificar os graus de complexidade dos acontecimentos. O panorama da ciência terá
sua redenção nessas construções de padrões tão demarcados, uma vez que a
ciência emerge como uma atividade capaz de entender os formatos e os sentidos
das necessidades específicas dos indivíduos.
Por conseguinte, Reis (2006, p. 69) entende que “a crítica racional torna-se
impiedosa e intransigente em relação aos irracionalismos e privilégios da tradição”.
A tradição que é mantida por uma consciência irracional dos fatos, da realidade, da
maneira de enxergar a gravidade dos acontecimentos na realidade cotidiana. Então,
todo esse artefato de cientificidade tem que ser debatido para podermos
compreender melhor a possível cientificidade da Arquivologia, suas necessidades
mais emblemáticas, suas carências e dependências e seu contexto enquanto campo
do saber ancorado em uma suposta cientificidade.
77
5 CONHECIMENTO E INTERESSE: o lugar das Ciências Sociais Aplicadas
Onde é que nos encontramos hoje? Como são justificadas as
exigências da ciência? Que motivos racionais existem – se de fato
existe algum – para que uma pessoa concorde com as doutrinas
das ciências modernas? Será que os que trabalham em outras
disciplinas deveriam se esforçar para fazê-la mais parecidas com
a ciência, ou será que as pessoas que trabalham em ciência
deveriam finalmente capitular e reconhecer que, de um ponto de
vista epistemológico, as exigências de seu conhecimento não são
mais seguras do que aquelas mais geral, quais são as implicações
dos trabalhos revolucionários em filosofia da ciência nas últimas
três ou quatro décadas, para a conduta de pesquisa nas ciências
sociais e “puras” e “aplicadas” (PHILLIPS, 1987, p. 3-4).
O final do século XVIII e início do XIX foram marcados por diversos
acontecimentos na história da humanidade, como revoluções, guerras e o avanço
nas relações cotidianas entre os sujeitos categorizados pela racionalidade da ciência
moderna. Então, nas discussões da ciência moderna percebemos que a
subjetividade e a racionalidade tornaram o homem mais “crítico” com sua realidade,
com seu “eu” mais profundo:
Ainda no século XIX, as disciplinas que se conformaram como
ciências sociais e humanas, também seguiram esse modelo para a
explicação dos fenômenos relativos aos comportamentos humanos e
desenvolvimento social. Buscavam leis regularidades, determinações
na evolução e transformação dos indivíduos ou das sociedades.
Teorias sociais tão diferentes entre si como o positivismo, o
marxismo, e o funcionalismo, surgiram como parte dessa mesma
visão, ainda que no final do século XIX começasse a ser questionada
a viabilidade de uma ciência social objetiva, que adotasse o método
e o estatuto das ciências naturais (VAITSMAN, 1995, p. 2).
Para Vaitsman (1995), esse questionamento tinha uma relação com o objeto
das Ciências Sociais e Humanas40, esse artefato é caracterizado pelo homem
pensante, subjetivo e racional. Dessa maneira, todos esses fatores colocavam as
40
Chauí (2000) descreve a classificação sistemática das ciências como: ciências
matemáticas ou lógico-matemáticas (aritmética, geometria, álgebra, trigonometria, lógica,
física pura, astronomia pura, etc.); ciências naturais (física, química, biologia, geologia,
astronomia, geografia física, paleontologia, etc); ciências humanas ou sociais (psicologia,
sociologia, antropologia, geografia humana, economia, lingüística, arqueologia, história,
etc); ciências aplicadas (todas as ciências que conduzem ao desenvolvimento de
tecnologias para intervir na natureza, na vida humana ou na sociedade, como o direito, as
engenharias, medicina, arquitetura, informática, etc.).
78
ciências sociais em uma situação complicada, por terem como objeto um ser
complexo, contraditório e inconstante, diferentemente das ciências naturais
objetivadas. As ciências humanas41 produzem uma realidade observável que é
identificada pela peculiaridade humana no ato relacional transcendental, propiciando
uma possibilidade consistente e reveladora, estabelecendo desta forma um sentido
que permeia e ultrapassa a realidade das coisas no mundo.
As ciências humanas são marcadas pelas racionalidades e intersubjetividades
do próprio homem, que é categorizado por várias formas e contextos que passaram
a ser construídos pela racionalidade intersubjetiva:
As ciências humanas se fundamentam necessariamente em uma
experiência natural da intersubjetividade e no modo de ser que essa
experiência implica ao homem, isto é, no modo ou conjunto de
experiências e de teses que toda vida em comum suscita
efetivamente, quer disto tenham consciência ou não, isto quer dizer
que essa realidade revela-se e manifesta-se ao cientista como a
ativação de algumas formas e variáveis de algumas possibilidades
fundamentais ligadas a toda vida humana, possibilidades cujo
significado só poderá alcançar relativamente a uma experiência
efetiva de intersubjetividade, experiência efetiva que o próprio
cientista vive (GILES, 1979, p. 103).
No âmbito de nossa discussão, percebemos que o homem racional
categorizado pela separação dogmática quer compreender melhor sua circularidade
social e seu lugar enquanto sujeito, criando meios que permitam explicar sua
existência em um mundo rodeado por dúvidas, incertezas e imprevistos. Nesse
sentido, as ciências humanas e especificamente as sociais aplicadas surgem para
atender às demandas e necessidades dos homens, seja através da reflexão ou da
eficácia produtiva do saber-fazer.
As Ciências Sociais Aplicadas emergem para atender às necessidades mais
contundentes dos sujeitos, os homens irão criar ferramentas para responder suas
41
As ciências humanas mostram que o homem é antes de tudo uma realidade observável
entre outras realidades que compõem o universo, que é ser-no-mundo. Mas sua
presença é, ao mesmo tempo, uma relação transcendental, pois o homem é
simultaneamente presença a si mesmo e vai além de si mesmo, em direção a uma
realidade que não se identifica com ele; é projeto prático e teórico, efetivo e potencial
sobre si e sobre as coisas. É o comportamento que revela essa realidade do homem; é o
comportamento que propicia ao homem a possibilidade de se revelar como realidade
consistente e de estabelecer um sentido que o ultrapasse como realidade consistente em
si, pois o homem é doador de sentido às coisas. (GILES, 1979, p. 104).
79
inquietações mais complexas. Então, a aplicação desse saber vem responder a essa
ânsia do homem, suas variações, suas necessidades, suas relações com os
serviços e produtos.
O conhecimento produzido no contexto das Ciências Sociais Aplicadas é um
“saber prático/produtivo” que leva a uma competitividade imediata, orientada pelas
predominâncias e instâncias auferidas na dicotomia serviço/uso, ou seja, a relação
com o produto. Desse modo, elas desenvolvem em seu escopo um conhecimento
que beneficia às necessidades mais contundentes da sociedade. Ainda determinam
um conhecimento voltado à solução das lacunas consentidas pelas ciências mais
teóricas, principalmente quando está relacionado a uma objetividade prática na
produção do saber.
Figura 2: O esboço científico da divisão da ciência
Fonte: Pires apud Almeida (2009).
Logo, as Ciências Sociais Aplicadas produzem um efeito mais imediato na
solução de problemas na sociedade e que se configura como uma aplicabilidade,
80
que decifra as necessidades mais pontuais do setor social, ou seja, as fragilidades,
lacunas e carências mais plausíveis.
Diante o exposto, percebemos que as Ciências Sociais Aplicadas indicam uma
produção de saber subjacente que leva a uma relação dicotômica na relação
serviço/uso:
As Ciências Aplicadas atuam na adaptação e transferência dos
conhecimentos originados nas ciências mais gerais, com a finalidade
precípua de aplicar estes conhecimentos através das ciências menos
teóricas, as ciências aplicadas por situações e casos isolados.
(ALMEIDA, 2009, p. 189).
No campo das Ciências Sociais Aplicadas relacionadas com o saber
arquivístico, parece haver uma inter-relação da aplicabilidade dos princípios e
fundamentos na produção normativa da área, principalmente para atender uma
demanda administrativa. Sendo assim, os “produtos arquivísticos” representados por
essa aplicação são desenvolvidos de modo a equacionar e solucionar o problema
documental existente no sítio institucional. Da mesma forma, são deslocados para
condensar uma projeção organizativa no fluxo incontível da incorporação
administrativa.
No espaço circunscrito da Ciência Social Aplicada, os profissionais são
formados em um tipo de conhecimento especializado, direcionado a resolver os
anseios imediatos da sociedade. Assim, podemos perceber que essa formação tem
um teor funcional/pragmático e que tem seu estofo voltado para solucionar os
enigmas contundentes, emblemáticos e sólidos da sociedade.
De modo geral, as Ciências Sociais Aplicadas têm essa característica
pragmática na sua formação, em seu entremeio e na sua finalidade. Contudo, elas
levam a uma imediaticidade prática a serviço das necessidades mais problemáticas
da sociedade.
5.1 A constituição de um campo científico
“A mais profunda compreensão do campo é fornecida pelo estudo
das pressuposições filosóficas subjacentes” (HJORLAND, 2000, p.
527).
81
Um campo científico se constitui primeiramente pelo teor da pesquisa, da
investigação, da busca por saberes, metodologias e explicações acerca de um
determinado conhecimento. Logo, esse campo científico encontra-se atrelado a uma
rigorosidade que foi condicionada na ciência moderna e depois com o próprio póspositivismo. Então, essa cientificidade está ligada a uma racionalidade e a um
“falseamento”, pois o “homem” quer desconstruir o que construiu e criar o que não
foi criado:
Toda construção, teorização e explicação científica envia,
eventualmente, através de uma série de intermediários que a análise
pode revelar, a uma experiência do mundo vivido da percepção. Não
que essa explicação não possa pretender outra coisa diferente
daquilo que essa experiência mostra, mas no sentido de que o saber
científico é necessariamente explicitação de um momento na
experiência do mundo vivido (GILES, 1979, p.103).
De todo modo, esses meios referencialmente afirmados por Giles (1979) estão
referidos nos conceitos, nas teorias e nas hipóteses da própria ciência moderna, que
fez do homem um ser mais “crítico” na separação com os dogmas da Idade Média. A
rigor, é primordial compreender esses critérios investigativos e coesos nos seus
fundamentos e princípios do campo científico e disciplinar de uma ciência, para
assim se distanciar das “verdades práticas”:
O saber científico é fundado sobre o fato irrecusável de que não
estamos na situação de fatos como um objeto no espaço objetivo,
pois ela é para nós princípio de curiosidade, de investigação, de
interesse para outras situações, enquanto variantes da situação
atual. Chamar-se-á ciência a tentativa de construir variáveis ideais
que objetivem e esquematizem o funcionamento dessa comunicação
efetiva (GILES, 1979, p. 106).
Dessa maneira, o conhecimento é edificado pelo interesse imediato daquilo
que se pretende conhecer. Logo, o campo científico é caracterizado pela busca não
de uma “verdade disciplinar” e imutável, mas por rupturas com os dogmas das
verdades pré-concebidas que foram condicionadas por um passado transcendental
que determinava os caminhos pelos quais os homens deveriam percorrer.
Para Bourdieu (1983, p. 122-123):
O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre
posições adquiridas (em lutas anteriores) é o lugar, o espaço de
82
jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo
especificamente nessa luta é o monopólio da autoridade científica
definida, de maneira inesperável, como capacidade técnica e
poder social; ou, se quisermos o monopólio da competência
científica compreendida enquanto capacidade de falar e de agir
legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade),
que é socialmente outorgada a um agente determinado.
De fato, o campo científico de qualquer área do conhecimento necessita de
uma discussão epistemológica para fortalecer suas bases teórico-metodológicas.
Nesse sentido, o campo do saber arquivístico deve produzir um assaz crítico dentro
do seu próprio universo. Assim, a partir dos círculos reflexivos e do sentido inverso
do agir funcional instrumental a Arquivologia desenvolverá um trópico denso das
suas práticas, porque é imprescindível se organizar enquanto uma comunidade
científica, produzindo, questionando, refletindo e determinando seu interesse
conceitual.
De todo modo, a comunidade científica se estrutura por interesses
determinados,
ou
seja,
por
questões
econômicas
necessárias
ao
seu
funcionamento.
Compreendemos que, o campo científico não poderá ser estudado de forma
dispersa e intencional, no entanto, esse campo tem que problematizar e buscar as
realidades dos fenômenos a serem analisados, visto que nesse contorno teórico a
Arquivologia teria mais embasamentos conceituais que poderiam contribuir para o
avanço conceitual da área. O conhecimento científico no nosso entendimento
acontece e perpassa pela pesquisa, pelas problematizações e questionamentos,
especialmente pelas epistemologias42.
Sendo assim, Rousseau e Couture (1998, p. 72) apontam que “a arquivística
deve claramente definir sua esfera de atividade para escolher em seguida as suas
alianças com as disciplinas contributivas”.
Segundo Silva et al. (2009), a arquivística pode e deve ser uma ciência para
além do meramente instrumental ou técnico para desde logo, obriga a substituir o
42
“A postura epistemológica clara possibilita ao pesquisador reconhecer o que é válido, e o
que não é valido na pesquisa sobre a organização do conhecimento, essa postura
favorece ao estudioso o uso de fontes “aceitáveis”, provas (apresentar conhecimento),
gerando também resultados “aceitáveis” na pesquisa” (TENNIS, 2008, p. 103).
83
primado fazer pelo do conhecer, ou seja, é necessário que a Arquivologia tenha um
olhar teorizado, problematizando epistemologicamente seu próprio saber.
Nessa esfera de pensamento concordamos com Silva et al. (2009) sobre a
necessidade de olhar profundamente os conceitos da Arquivologia, suas carências
epistemológicas que esbarram num instrumentalismo prático do agir funcional
instrumental (técnica), necessitando de um dispositivo coeso que viabilize uma
melhor compreensão dos seus princípios. O que dificulta uma teorização são as
diferentes formas de se pensar a Arquivologia, os detrimentos entre diversos países
que lutam para demonstrar a melhor forma de manusear e gerenciar as
documentações no espaço arquivo desde o século XIX:
O século XIX caracterizou-se pela ocorrência de novas deturpações
sobre as funções dos arquivos e sobre os princípios de organização.
Por influência conjugada das correntes positivista e historicista, os
arquivos são relegados para uma posição instrumental
relativamente à Paleografia e a Diplomática, transformando-se a
Arquivística também numa disciplina auxiliar da História (SILVA et al,
2009, p. 206, grifo nosso).
Dessa forma, para que um campo científico se sustente é necessário que ele
tenha um teor reflexivo nas suas bases teórico-metodológicas, porque um campo
científico é marcado por diversas fases que vão se modificando, visto que o próprio
objeto irá se fortalecendo em uma dialogicidade com outros campos científicos:
O cientista aprende teorias, métodos e critérios, e é por esse motivo
que uma modificação de modelo implica modificações nos critérios
que determinam a legitimidade de problemas e soluções. O cientista
adota novos instrumentos e olha novas direções. O cientista sabe
quais os dados do problema, e os conceitos relevantes para a sua
interpretação (GILES, 1979, p. 301).
A comunidade científica de qualquer disciplina se constitui nas relações entre
os pares e os díspares, ou seja, é necessário fortalecer o campo científico interno,
com uma boa metodologia e um objeto43 epistemológico bem definido. De todo
modo, o objeto da Arquivologia deve existir antes da conceituação do campo como
43
O objeto de uma disciplina não existe, portanto, antes da existência dessa própria
disciplina; ele é construído por ela. Ou, como diz Heidegger (1958) a ciência não atinge
mais do que aquilo que o seu próprio modo de representação já admitiu anteriormente
como objeto possível para si. (FOUREZ, 1995, p. 106).
84
ciência, ele deve ser construído e atingir mais do que sua representatividade como
ciência e não ficar coadunado ao princípio burocrático de poderes institucionais, que
acabam influenciando toda a estrutura científica do campo.
A Arquivologia está pautada nas práticas organizativas funcionais no interior
dos arquivos. Ademais, é necessário que os arquivistas busquem teorias e não
“receitas” para assim pensar em um corpus científico. Logo, esse tear científico
poderá trazer para o universo da Arquivologia um sentido mais coeso, mais
contributivo e definidor, pois o campo Arquivístico se teorizado e consolidado de fato
poderá
“desprender
as
amarras”
da
normalidade
funcional/pragmática
da
aplicabilidade instrumentalizadora.
5.2 Manifestações das Ciências Sociais Aplicadas: O que são? De onde vêm?
As ciências, de modo geral, têm seu grande apogeu nos séculos XVIII e XIX
surgindo, devido a isso, novas maneiras de facilitar as relações cotidianas. Nos
capítulos anteriores percebemos que a racionalidade voltava-se para o homem
categorizado por ela. Nessa referida cronologia a Arquivologia sofreu mudanças
profundas, tanto na sua realidade interna de organização documental, como também
na interlocução no campo das Ciências Sociais Aplicadas44:
A partir da Revolução Francesa foram postos em causa não apenas
os padrões administrativos tradicionais, mas também certa hierarquia
de valores já há muito consagrados. Isto teve drásticas repercussões
na organização arquivística, cuja instabilidade obrigou a uma
meditação mais profunda sobre seu próprio objeto e a definição de
um método que respeitasse a sua autonomia (SILVA et al., 2009, p.
100).
Com isso, percebemos as diversas transformações no campo do saber
arquivístico, ou seja, seus aparatos estruturantes que presidem a herança deixada
44
A noção de ciência pura e aplicada deve-se, em parte, a uma imagem surgida no
Ocidente no século III d. C. a da árvore da ciência de Porfírio. Segundo esta concepção,
os conhecimentos assemelhar-se-iam a uma árvore, no sentido de que certos
conhecimentos mais fundamentais formariam o tronco, o qual se separaria em grossos
galhos que, por sua vez, se ramificaram abundantemente. Haveria por exemplo, o tronco
da filosofia natural, separado em ramos como a física, a biologia, a matemática, a
medicina etc., até chegar aos ramos das ciências aplicadas. (FOUREZ, 1995, p. 201202).
85
pelos positivistas que invadiram a realidade das práticas arquivísticas, as quais
estavam interligadas com as proeminências dos arquivos administrativos em uma
atividade pragmática de organização documental (patrimonialista). Nesse sentido, a
Arquivologia emerge com a tutela de dependência instituída pelo processo
cronológico e que se transformou posteriormente a partir dos elementos da
formação em uma aplicação prática.
Do ponto de vista histórico, verificamos as mutações ocorridas em torno da
ciência. Grande parte dos cientistas positivistas procuravam suas inspirações nas
ciências naturais, por outro lado, aqueles classificados como marxistas estavam
direcionados sob o ponto de vista das ciências sociais, “a história científica do século
XIX, embora tenha se esforçado para escapar-lhe, continuava ainda sob a influência
da filosofia” (REIS, 2000, p. 38).
A analogia social terá sua ênfase no diálogo, nos fatos com objetos densos,
transcendentes e de difícil compreensão que são auferidos em constructo social,
cotidiano e relacional na ação do homem enquanto interssujeito, “o objeto das
ciências humanas não é o homem que trabalha, fala e vive: é o homem que, dentro
dessas realidades, produz representações de suas necessidades” (REIS, 200, p.
40). Desse modo, as peculiaridades do homem enquanto sujeito representativo de
seus atos e realidade constituem-se por suas vontades, desejos, relações individual
e coletiva, que compreendem um olhar revelador e ao mesmo tempo ambíguo e
fronteiriço sobre si:
Na afirmação grega, “o homem é um animal racional, que se pode
traduzir por o homem é um irracional racional” que revela seu caráter
ambíguo, fronteiriço, dividido, a filosofia dava ênfase ao aspecto
“racional”; a nova ciência social dará atenção ao aspecto “irracional”
(REIS, 2000, p.41).
Essa “irracionalidade” ganha atenção principalmente na área da psicologia,
procurando um entendimento significativo para compreender esse universo tão
complexo que é o sujeito. Segundo Reis (2000, p. 41), “objetivo final das ciências
sociais, embora não confessado, é reencontrar a consciência e restituir ao homem a
sua posição de sujeito”. Dessa maneira, o sujeito age, interpreta e vivencia um
possível controle sobre si.
86
O que torna emblemático é que as situações objetivas não colocam o indivíduo
compreensivo de si próprio, ocorrendo ainda uma série de fatores que tornam seu
lugar cotidianamente complicado. Nesse ponto de vista, o surgimento das ciências
sociais traz três escolas fundamentais45, o positivismo, o marxismo e o historicismo
que influenciaram historicamente a sociedade.
Então, esses fatos categorizados anteriormente se tornam evidentes
justamente pela representação que o homem irá estabelecer, ele torna passível de
análise, de investigação, de desejo por uma explicação descontinua de sua própria
existência. Na sociedade o homem é pensado por sua heterogeneidade, ele constitui
e se funda em uma individualidade contínua, com propriedades mais densas e
complexas.
Essa pluralidade de personalidade faz da sociedade um campo minado,
perigoso e instável. Nessas circunstâncias as construções de convívio e de relações
tornam-se muitas vezes complicadas e perversas, porque essa ciência social
procurará um caráter marcado pelas circunstâncias objetivas e edificadas pelo
próprio sujeito.
Com base nisso, é possível entendermos que as Ciências Sociais Aplicadas
surgem como uma identidade demarcada por diferentes áreas do conhecimento,
pois a abrangência e a complexidade do termo “humano” determinam variações de
conceitos. De todo modo, pensar em lugares específicos de investigação, partindo
da ideia de identidade das manifestações que partem de cada área que compõe a
sociedade nos faz compreender essa realidade complexa da Arquivologia:
A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam,
sempre, as operações de incluir e excluir. Como vimos, dizer “o que
somos”. A identidade e a diferença traduzem, assim, em declarações
sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está
incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significa
demarcar fronteiras, significa fazer significações distinções entre o
que fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a
uma forte separação entre nós e eles (SILVA, 2000 p. 82).
45
Essas três escolas possuem em comum a condição de inauguradoras das ciências
sociais que: não tratam tanto da consciência de si, isolada, mas das suas relações com
as condições objetivas que, para uns, positivistas, a determinam, para outros,
historicistas, a condicionam; para o marxismo, constituem-se reciprocamente. (REIS,
2000, p. 43).
87
Nesses meandros, é necessário compreender as relações sociais da própria
Arquivologia, sua “identidade” enquanto disciplina e sua inserção nesses cenários
demarcados anteriormente da Ciência Social Aplicada e sua objetividade prática
estabelecida na relação serviço/uso e produto.
Diante disso, Bunge (1980, p. 28) aponta que “a Ciência Aplicada pode ser
definida como o conjunto das aplicações da ciência básica (ou pura)”. Entendemos
que a ciência pura se caracteriza por ser mais básica, mais simples, já a ciência
aplicada traz em seu escopo a solução imediata desenvolvida por uma técnica mais
aprimorada, “chama-se de ciências puras, ou também ciências fundamentais, a uma
prática científica que não se preocupa muito com as possíveis aplicações em um
contexto societário, concentrando-se na aquisição de novos conhecimentos”
(FOUREZ, 1995, p. 196).
As Ciências Aplicadas legitimam soluções/repostas à sociedade. Dessa
maneira, o possível interesse social da Arquivologia enquanto Ciência aplicada seria
de terminar o caos da massa documental das instituições público-privadas,
estabelecendo fundamentos organizacionais através da gestão de documentos que
foram instituídos no processo de historicização, “as instituições produzem uma
intermediação dos valores orientadores da ação com disposições inerentes à
necessidade” (HABERMAS, 2009, p. 126).
Problematizar estas questões é essencial e pertinente para compreender essa
dicotomia da ciência pura/aplicada no contexto da Arquivologia. Bunge (1980, p. 31,
grifo nosso) aponta-nos a diferença entre a ciência básica ou aplicada e a técnica:
A diferença entre Ciência (básica ou aplicada) e técnica resume
nisso: enquanto a primeira se propõe a descobrir leis que possam
explicar a realidade em sua totalidade, a segunda propõe a controlar
determinados setores da realidade, com ajuda de todos os tipos de
conhecimento, especialmente os científicos. Tanto uma quanto outra
parte de problemas, só que os problemas científicos são puramente
cognoscitivos, enquanto que os técnicos são práticos. Ambas
buscam dados, formulam hipóteses e teorias, e procuram provar
idéias por meio de observações, mediações, experiências ou
ensaios. Porém, muitos desses dados, hipóteses e teorias
empregados na técnica são tirados da ciência e se referem sempre a
questões controláveis, tais como estradas ou máquinas, pradarias ou
bosques, minas ou rios, consumidores ou doentes, empregados ou
88
soldados, e a sistemas compostos por homens e artefatos, tais como
fábricas ou mercados, hospitais ou exércitos, redes de comunicação
ou universidade, etc. Ao técnico, não interessa o universo todo, e
sim o que represente recurso natural ou artefato.
Nessa perspectiva, a funcional do agir instrumental (técnica) está diretamente
relacionada aos meios práticos, não diferente da atual configuração da Arquivologia
com seus instrumentos descritivos e organizativos no espaço arquivo.
A evolução técnica46 obedece a uma lógica que corresponde à
estrutura da ação racional teleológica e controlada pelo êxito e isto
significa à estrutura do trabalho, então, não se vê como poderíamos
renunciar à técnica isto é, à nossa técnica, substituindo-a por uma
qualitativamente distinta, enquanto não se modificaria a organização
da natureza humana e enquanto houvermos de manter a nossa vida
por meio do trabalho social e com a ajuda dos meios que substituem
o trabalho (HABERMAS, 2009, p. 52, grifo nosso).
Então, as Ciências Sociais Aplicadas têm esses vieses práticos de dar
respostas contundentes e rápidas para a sociedade. Segundo Silva (2011), “é
preciso ter cuidado com certas subtilezas como a de fugir ao debate sério da
cientificidade metendo a Arquivologia no rol das ciências instrumentais ou
aplicadas”. Por conseguinte, é preponderante pensar nessas subtilezas que foram
lançadas e postas no universo da Arquivologia em seu processo de historicização;
as ciências instrumentais colocaram o saber arquivístico preso a uma praticidade
que com as Ciências Sociais Aplicadas se transformou em imediticidade prática na
dicotomia serviço/uso.
5.3 A técnica como ideologia do pensar-agir: do pragmatismo ao funcionalismo
A racionalidade da ciência moderna problematiza o sentido da existência do
homem como objeto de si mesmo, quebrando aquela visão de fé absoluta da Idade
Média da obra divina “dogmatizada”, porém, com a ruptura o homem desenvolveu
46
Para Habermas (2009, p. 52) “a evolução técnica ajusta-se ao modelo interpretativo,
segundo o qual o gênero humano teria projetado, uma a uma, ao nível dos meios
técnicos, aos componentes elementares do círculo funcional da ação racional teleológica,
que inicialmente radica o organismo humano, e assim ele seria dispensado das funções
correspondentes”.
89
seus próprios meios de sobrevivência na prática do cotidiano, pois ele constitui um
sentido profundo sobre sua existência, oferecendo um sentido pleno a sua
complexidade de “ser”, já que a ciência moderna tornou-se impiedosa ao questionar
as circunstancialidades da vida humana que não estavam mais atadas a uma visão
aleatória que determinava os fatores existenciais, ou seja, a ciência moderna trouxe
uma racionalização objetivada.
A sociedade moderna “obedece” às leis da reconstrução do mundo
por meio das ciências naturais e sociais que se transformaram em
técnicas; a calcificação e autonormatividade da civilização científica e
científico-industrial moderna suspendem a possibilidade de produção
de um efeito por parte da personalidade dirigida por ideias, assim
como a sociedade de se compreender historicamente na ação e na
intervenção política e social (HABERMAS, 2009, p. 34-35).
A ciência moderna traz essa disposição técnica, principalmente pela própria
racionalização do homem nas formas de produtividade no trabalho e convívio. Para
Habermas (2009, p.53), “a disposição da técnica existente, o projeto de uma
natureza como interlocutor, em vez de objeto, refere-se a uma estrutura alternativa
da ação racional teleológica”. Com efeito, a natureza não é objeto a ser destruído,
no entanto, deve haver essa relação de respeito entre o homem e a natureza.
As culturas superiores encontram-se estabelecidas sobre a base de
uma técnica relativamente desenvolvida e de uma organização do
processo de produção social, mediante a divisão do trabalho, que
torna possíveis produtos adicionais, por conseguinte, uma excedente
de bens para além da satisfação das necessidades imediatas e
elementares. Devem precisamente a sua existência à solução do
problema que só surge com a produção de um excedente, isto é, o
problema de distribuir de modo desigual e, no entanto, legítimo, a
riqueza e o trabalho segundo outros critérios diversos dos que um
sistema de parentesco tem a sua disposição (HABERMAS, 2009, p.
61).
Desse modo, a técnica aparecerá como instrumento a ser desenvolvido de
maneira que possibilite dar mais “poder” ao próprio homem. Segundo Habermas
(2001, p.55), “se a técnica se transforma na forma englobante da produção material,
define então uma cultura inteira; projeta uma totalidade histórica, um mundo”. De
90
todo modo, essa repercussão do progresso técnico-científico47 engloba todo um
sistema de sociedade, as estruturas e os comportamentos racionais.
O dilema da razão se encaixa nessas discussões do homem como interlocutor
desse novo modo de conviver, ou seja, as da racionalidade que legitimam uma
relação de produção ou um retorno à inocência do próprio técnico-científico. Nesse
sentido, esse avanço de modernização dos meios sociais traz estratégias e regras
técnicas bem determinadas gerando um saber pela sua própria forma, ou seja, sua
intencionalidade.
Nessas
discussões,
adentramos
no
universo
do
pragmatismo
para
entendermos os aspectos da formação pragmática na Arquivologia. Para Habermas
(1987, p. 90), “à medida, porém, que o positivismo dogmatizava a fé das ciências
nelas mesmas, ele assume a função proibitiva de blindar a pesquisa contra uma
autorreflexão em termos de teoria do conhecimento”. Para o autor positivismo
violava a estrutura do saber e todo o seu processo evolutivo, porque era necessário
que houvesse um caráter reflexivo e autofundamentado, ao qual ele denominou de
teoria crítica. Essa teoria crítica era auferida e contextualizada pela hermenêutica.
Diante
disso,
o
pragmatismo48
assumiu
os
formatos
do
empirismo
tradicionalista americano. Esse mesmo empirismo tradicional estava hermeticamente
direcionado à experiência progressiva das formas de observações passadas ou
presentes. O pragmatismo percebia que essa mesma experiência tinha que ser
posta ou pensada a longo prazo, logo, para o futuro:
O pragmatismo é o princípio que diz que todo juízo teórico, possível
de ser expresso numa proposição indicativa, é uma forma confusa de
um pensamento cujo único sentido – cabe aqui se possa falar em
47
A racionalidade peculiar da ciência e da técnica que, por outro lado, caracteriza um
crescente potencial de forças produtivas excedentes, o qual constitui uma ameaça
permanente para o enquadramento institucional e que, por outro lado, proporciona
também o critério de legitimação das próprias relações de produção, a cisão de tal
racionalidade não pode representar-se adequadamente nem por uma historicização do
conceito, nem por um retorno à concepção ortodoxa, nem ainda a partir do modelo do
pecado original ou da inocência do progresso técnico-científico (HABERMAS, 2001, p.
54, grifo nosso).
48
Como exposto anteriormente, termo que apareceu no século XIX, liderados por Charles
Peirce e William James, esse modelo de Filosofia tem grande aproximação com o
positivismo e influenciou os princípios de organização dos documentos na realidade dos
arquivos.
91
sentido – está em sua tendência de assegurar validade a uma
máxima prática correspondente, a qual deve ser formulada como
enunciado condicional e cuja apódese está posta em forma indicativa
(PEIRCE apud HABERMAS, 1987, p. 137).
Nesse sentido, essa vertente que tentava se firmar ganhará várias definições e
atribuições, principalmente quando relacionada como um método. O pragmatismo é
um esforço que age no âmbito das organizações concebíveis e alcançáveis a partir
dos artifícios metódicos:
O pragmatismo é método para alcançar a clareza das ideias que
temos dos objetos. E esse método nos impõe considerar quais
efeitos práticos concebíveis essa ideia pode implicar, quais
sensações podemos esperar e quais reações podemos esperar e
quais reações devemos preparar. Nossa concepção desses efeitos,
tanto imediata como remota, é então toda a concepção que temos do
objeto, enquanto ela tiver significado positivo. (REALE, 2005, p. 85,
grifo nosso).
Rendilhando sobre a maneira de se organizar e direcionar os arquivos, o
pragmatismo traz uma ideia de um método de organização imediato, prático. Então,
sem anacronismo parece-nos que esse pragmatismo se entrelaça às ideologias
progressivas e práticas do positivismo do século XIX. Essa máxima pragmática tem
um sentido expressivo sob uma ótica científico-experimental, ou seja, as funções do
agir funcional instrumental (técnica), “se este método é a única garantia para se
adquirir enunciados verdadeiros, tais regras possuem, enquanto determinação de
um método, funções correspondentes às condições transcendentais” (HABERMAS,
1987, p. 135).
O pragmatismo que teve seu advento e contextualização mais enfática nos
Estados Unidos é diferente da filosofia hermenêutica de Habermas, que
problematiza a essência das interpretações em cadeias bem mais filosóficas e
exegéticas, conceituais e reflexivas. O pragmatismo exerceu uma profunda
influência nos preceitos da Arquivologia historicamente falando:
A filosofia pragmatista e a filosofia hermenêutica situam, de fato, a
dúvida
quanto
às
pretensões
de
fundamentação
e
autofundamentação do pensamento filosófico a nível mais profundo
do que os críticos que se colocam na linhagem de Kant e Hegel. Pois
elas abandonam o horizonte no qual se move a filosofia da
consciência com seu modelo do conhecimento baseado na
92
percepção e a representação dos objetos. No lugar do sujeito
solitário, que se volta para objetos e que, a reflexão, se torna a si
mesmo por objeto, entra não somente a idéia de um conhecimento
linguisticamente mediatizado e relacionado com o agir, mas também
o nexo da prática e da comunicação cotidiana, no qual estão
inseridas as operações cognitivas que têm desde a origem um
caráter intersubjetivo e ao mesmo tempo cooperativo. Quer esse
nexo seja tematizado como forma de vida ou mundo da vida, quer
como prática ou como interação linguisticamente mediatizada, quer
como jogo de linguagem ou de diálogo, quer como pano de fundo
cultural, tradição ou história dos efeitos, o decisivo é que esses
conceitos ocupam agora uma tradição que até aqui estava reservada
aos conceitos básicos epistemológicos, sem que devam, todavia
funcionar da mesma maneira como antes (HABERMAS, 1989, p. 2425).
Esse pragmatismo anglo-americano propunha tirar o empirismo tradicional do
descrédito
enquanto
modelo
de
investigação,
a
intenção
era
dar
veste
comprobatória através do progresso científico.
Rousseau e Couture (1998) afirmam que a Revolução Francesa49 teve um
grande impacto nos arquivos. No que diz respeito aos locais de armazenamento, a
principal inovação foi, sobretudo, de ordem ideológica e exprime-se pelo desejo de
centralização dos documentos. Logo, essa centralização estava diretamente
relacionada com as instituições e com as ações funcionais administrativas.
Com isso alguns arquivistas da época perceberam que poderiam colocar a
Arquivologia como um “campo científico” respaldado pelo progresso científico do
pragmatismo, o saber-fazer:
A quando da Revolução Francesa, a primeira assembléia elegeu
Armand Gaston Camus, deputado de Paris, arquivista dos Archives
nationales de France com a responsabilidade de conservar os
arquivos da assembléia. A revolução reconhecia assim, de maneira
oficial, que a conservação e o testemunho dos seus actos e a sua
acessibilidade constituíam uma parte importante da missão de um
49
A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado,
no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a cabo um
programa estruturado. Nem mesmo chegou a ter “líderes” como as revoluções do século
XX, até o surgimento da figura pós-revolucionária de Napoleão. Não obstante, um
surpreendente consenso de ideias gerais entre um grupo social bastante coerente deu ao
movimento revolucionário uma unidade efetiva. O grupo era a “burguesia”; suas ideias
eram as do liberalismo clássico, conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas” e
difundidas pela maçonaria e associações informais” (HOBSBAWM, 2010, p. 105).
93
governo, e confiava essa responsabilidade a um dos deputados.
Alguns anos mais tarde, um funcionário ocupará este cargo.
Contudo, o impulso foi dado e, doravante, a França terá sempre o
seu arquivista nacional (ROSSEAU; COUTURE, 1998, p. 44).
A expansão dos ideais da Revolução Francesa como delineados anteriormente
tiveram reflexo nos preceitos da Arquivologia e nos seus princípios norteadores
como o da proveniência e o da ordem interna ou original.
As classificações adotadas para organização dos arquivos, em
consequências das concentrações em massa e de concepções
teóricas racionalistas (sistema que passou a vigorar em variados
países, por influência francesa), na prática, não contribuíram para
qualquer aperfeiçoamento arquivístico; pelo contrário, levaram à
adulteração dos arquivos, pois não respeitaram a organicidade
original, que espelhava uma prática administrativa com as suas
características próprias. (SILVA et al, 2009, p. 104, grifo nosso).
Esse pragmatismo assolou a prática do saber-fazer na Arquivologia e, assim,
pensar a configuração do campo científico arquivístico a partir dessa corrente se
torna problemático, uma vez que a Arquivologia está coadunada aos modelos do
progresso técnico-científico do pragmatismo50, ou seja, às instrumentalizações e
operacionalizações nas organizações internas dos documentos nos arquivos.
Essas ações são expressamente práticas, isto é, os fundamentos de
organização, os princípios da proveniência, de respeito aos fundos e o da ordem
interna ou original configuram um teor pragmático/funcional administrativo.
Rosseau e Couture apontam (1998, p. 52):
Há em arquivística três princípios que constituem o fundamento da
disciplina. Trata-se do principio da territorialidade, do princípio do
respeito pelos fundos ou princípios da proveniência e da abordagem
50
Com o pragmatismo, é possível integrar pontos fundamentais da obra de Peirce,
considerados no âmbito da organização da informação e do conhecimento, desconexos e
dificilmente aplicáveis. Somente com essa perspectiva é que se poderá, com maior
segurança, efetivar futuras contribuições de Peirce para organização da informação e do
conhecimento no que tange ao estudo da linguagem e da Terminologia especializadas.
Por pragmatismo subentende-se uma defesa do realismo e a crença de que os
gerais são também reais. Portanto, a terceiridade é a categoria fenomenológica de vital
importância para a compreensão do pragmatismo de Perice. Relações entre os
individuais são consideradas universais e têm uma existência positiva no universo”
(ALMEIDA, 2009, p. 340, grifo nosso).
94
das três idades. Utilizados desde o final do século XIX e, sobretudo
no século XX, constituem a própria base da arquivística moderna.
Esses princípios influenciaram também a Arquivologia principalmente no que
se refere aos processos instrumentais da Gestão de Documentos51 e na relação
interna dos arquivos, ou seja, a prática de organização dos documentos que estava
associada ao empirismo, o saber-fazer. Sendo assim, a abordagem das três idades
veio em larga escala confirmar o modelo prático e técnico nos arquivos:
A distinção criada entre várias fases da vida dos documentos,
fazendo corresponder tipos diferentes de arquivos a cada uma
delas, alertou para a existência de um processo contínuo, mas não
trouxe qualquer contributo metodológico ou teórico para o
desenvolvimento da Arquivística. Os arquivos intermédios ou préarquivos começaram a ser depósitos centrais das administrações,
mas vieram a tornar-se arquivos mistos (intermédios e históricos),
pois o envelhecimento da documentação e os limites da política
concentracionista bloquearam necessariamente o modelo
previsto. Os arquivos intermédios acabaram por constituir
instrumentos de desarticulação da cadeia documental na sua natura
evolução (SILVA et al, 2009, p.136, grifo nosso).
Partindo das afirmações dos autores entendemos que as etapas de vida
documental, os instrumentos de pesquisa e os modelos de organização interna dos
arquivos caracterizam um processo operacionalizador de guarda dos documentos.
Ainda a partir dessa ideia apresentada percebemos através do processo de
interpretação
(hermenêutica)
que
a
Arquivologia
relaciona-se
com
a
administração/institucional, tanto na produção como na guarda dos documentos.
Segundo Rosseau e Couture (1998, p. 53):
Os princípios arquivísticos são, pois, muito recentes. Eles mostram o
desenvolvimento inequívoco da disciplina que tinha necessidade de
assentar as suas práticas em bases mais teóricas. Por sua vez, estes
princípios serviram para alimentar o refinamento dos métodos e
favoreceram a estruturação deles.
51
A gestão documental vem identificar os tipos documentais produzidos, recebidos e
acumulados, definindo os prazos de eliminação ou de preservação ao arquivo
permanente.
95
Essa afirmação veio confirmar, em certa medida, que os meios funcionalistas e
tecnicistas adentraram em alguns modelos organizacionais da Arquivologia como o
das três idades do arquivo, por exemplo.
Com o agravar da situação, após a Segunda Guerra Mundial,
generalizou-se o apodítico princípio das três idades do arquivo, que
pode ter tido origem em Itália, no início do século XX, por meras
razões práticas de instalação dos documentos. Se é certo que esta
pretensa teoria parece apontar para uma cadeia relativamente
ininterrupta no ciclo de vida dos documentos, a verdade é que gerou
um efeito perverso, ao levar à criação de serviços e de depósitos, a
maior parte das vezes desarticuladas entre si, provocando, assim,
distorções contranaturam em unidades sistêmicas que, desde há
milênios, possuíam uma sólida coerência interna (SILVA et al, 2009,
p. 207, grifo nosso).
Essa forma pragmatista de organização documental e os procedimentos
funcionais administrativos em larga escala provocaram um grande efeito no que
concerne à Arquivologia, já que as três idades52 dos arquivos vêm de forma
hermética apresentar um ciclo que se torna perigoso, pois os arquivos correntes, os
arquivos intermediários e os arquivos permanentes colocam a Arquivologia
condicionada a aspectos descritivos e extremamente práticos na realidade funcional,
através
de
princípios
arquivísticos53
que
são
apontados
como
pilares
epistemológicos.
52
Para Bellotto (2002, p. 26) “a teoria das três idades é a sistematização do circulo vital dos
documentos de arquivo. Este ciclo compreende três idades que desde o ponto de vista da
administração, seriam a dos documentos ativos, semi-ativos e a dos inativos. Mas a
denominação mais funda é a que corresponde aos usos desses documentos: correntes,
ou de gestão, ou setoriais, intermediários ou semicorrentes; e permanentes ou históricos
(ou idade histórica). Alguns teóricos vêem, no entanto, uma idade a mais: a dos arquivos
centrais, onde se juntariam, ainda em idade corrente, os documentos originados dos
setoriais”.
53
“Princípio da proveniência: Fixa a identidade do documento, relativamente a seu
produtor. Por este princípio, os arquivos devem ser organizados em obediência à
competência e às atividades da instituição ou de uma pessoa devem manter a respectiva
individualidade, dentro de seu contexto orgânico de produção, não devendo ser
mesclados a outros de ordem distinta. Princípio de organicidade: as relações
administrativas orgânicas se refletem nos conjuntos documentais. A organicidade é a
qualidade segundo a qual os arquivos espelham a estrutura, funções e atividades da
entidade produtora (acumuladora em suas relações internas e externas). Princípio da
Unicidade: Não obstante forma, gênero, tipo ou suporte, os documentos de arquivos
conservam seu caráter único, em função do contexto em que foram produzidos.
Princípio da Indivisibilidade ou integridade arquivística: os fundos de arquivo devem
96
Esses princípios em sua maioria aparecem na literatura arquivística como
bases teórico-metodológicas do saber arquivístico, porém, eles sofreram a influência
da racionalização da funcional do agir instrumental (técnica) na realidade pragmática
da formação:
No campo instrumental do agir controlado pelo êxito são organizadas
experiências que motivam evidentemente as interpretações
linguísticas e podem alterar padrões de interpretação legados pela
tradição sob uma coerção operacional (HABERMAS, 2009, p. 265).
Na citação o autor esclarece a distinção entre o campo de produção científica,
ele faz severas críticas ao positivismo e sua herança empírico-analítica, ou seja, a
primazia do processo de instrumentalização (técnica), que configurou em diversos
setores do cotidiano, na Arquivologia atrelou-se ao operacionalismo prático do
saber-fazer pragmático a partir de seus princípios, “o pragmatismo sempre concebeu
regras metodológicas como normas da práxis de pesquisa” (HABERMAS, 2009, p.
145).
Desse modo, notamos que a funcional da racionalidade instrumental adentrou
nos princípios e preceitos arquivísticos, onde a racionalização tecnicista aparece
como uma unidade pragmática, herança do manto das ciências empírico-analíticas
que condicionou de forma concisa o avanço teórico do saber arquivístico, que ficou
coadunado a esse víeis da razão instrumental em suas entrelinhas da produção do
saber:
No estado atual das forças produtivas, as relações entre o progresso
técnico e o mundo da vida social não podem mais encontrar um
ser preservados sem dispersão, mutilação, alienação, destruição não autorizada ou
adição indevida. Este princípio é derivado do princípio da proveniência. Princípio da
Cumulatividade: o arquivo é uma formação (a sedimentação, de Lodolini) progressiva,
natural e orgânica. Princípio de Imparcialidade: (em sua criação): derivada do fato de
que não foram criados para “dar contas” à posterioridade. Os documentos administrativos
são meios de ação e relativos a determinadas funções, caso contrário, os procedimentos
aos quais os documentos se referem não funcionarão, não terão validade.
Autenticidade: (nos procedimentos): ligada ao continiuum da criação, tramitação uso e
guarda. Os documentos são criados dentro dos procedimentos regulares estabelecidos
pelo direito administrativo; se assim não fosse, não seriam adequadamente cumpridos as
razões que lhes deram origem. Naturalidade: (na acumulação): os documentos não são
colecionados e sim acumulados, naturalmente, no curso das ações, de maneira continua
e progressiva”. (BELLOTTO, 2002, p. 20-25).
97
equilíbrio natural como tinha acontecido até aqui. Cada novo avanço
do saber-fazer técnico que irrompe de maneira descontrolada em
antigas formas da práxis vital acirra o conflito entre resultados de
uma racionalidade intensiva e tradições levadas de roldão pelo
progresso: é possível que este estado de coisas se mostre uma
liberação civilização técnico-científica em relação à história em geral
(HABERMAS, 2009, p. 36, grifo nosso).
Nesse sentido, o saber-fazer instrumental se racionalizou no processo de
transformação da Arquivologia, ou seja, os princípios arquivísticos foram
estruturados em uma atividade funcional que se traduz em uma consciência prática
operacional inserida nas condições dos meios técnicos e que teria se autonomizado
na própria clarificação ideológica da área.
Para Habermas (2009), um saber tecnicamente utilizável deste tipo repousa
sobre o conhecimento de uniformidades empíricas (experiência experimental); esse
conhecimento é a base para explicações causais que possibilitam, sob a forma de
prognósticos condicionados, a disponibilidade instrumentalizadora e que na
Arquivologia foi auferida na praticidade de seus próprios princípios, onde, esses
fundamentos adentraram na realidade da Arquivística em diferentes lugares como o
Brasil. Logo, a ação instrumentalizadora na Arquivologia pode ser identificada a
partir de uma racionalização do agir instrumental, desse modo, podemos notar
através da ilustração tear operatório da Arquivologia.
98
Figura 3: Rationalizierung (racionalização) do agir funcional instrumental na Arquivologia
Fonte: Construção do autor com a utilização do software Cmaptools
Com efeito, notamos que os aspectos funcionalistas contextualizaram as
práticas arquivísticas por meio das instituições, das ações administrativas, nas
ordenações e nos modelos de organizações documentais, “o funcionalismo permite,
em uma palavra, a análise de contextos de ação sob o ponto de vista duplo do
sentido subjetivamente determinado e do sentido objetivo”. (HABERMAS, 2009, p.
287).
Os sistemas funcionais se mantêm na continuidade estrutural das práticas
arquivísticas em um colapso que desintegra o campo do saber arquivístico ficando
condicionado a uma praticidade das ações que permeiam os métodos e os
princípios arquivísticos, como o ciclo vital de documentos, “Habermas acredita que o
funcionalismo sociológico não pode estabelecer condições de continuidade
estrutural sem primeiro abandonar seu manto empírico-analítico, e se revestir com a
teoria crítica iluminada pela hermenêutica” (INGRAM, 1994, p. 179).
99
Silva et al. (2009)
já questionavam essa realidade tridimensional de ciclo
vital54 funcional, que acarretava sérios prejuízos para a própria Arquivologia, haja
vista que nessa circularidade vital o interesse era beneficiar apenas as instituições a
partir da gestão documental:
A chamada teoria das três idades, encarada de uma forma simplista,
passou a acarretar um risco, que foi o de se confundir um mero
estrategema operativo com um princípio que consagra e, para
muitos, passou a justificar a separação efetiva do que não é
estruturalmente divisível. Ao ser elevada ao estatuto de teoria, a
invocação das várias idades arquivísticas pode induzir que se está a
falar não apenas de fases etárias de uma entidade, mas sim entidade
distintas, cuja distância temporal lhes confere conteúdos diversos e
determina a metodologias próprias. Daí decorre que o objeto da
Arquivística não seja claro e que se confunda o método com meras
aplicações técnicas. (SILVA et al., 2009, p. 155, grifo nosso).
Daí decorre a necessidade de discutir uma forma mais interessante a respeito
das atividades da Arquivologia e seus possíveis moldes, diagnosticando e
procurando seu teor científico, assim, possibilitando a distância do canal funcional
das ações institucionais do agir instrumental:
A questão de saber se a arquivística era uma técnica ou uma
ciência, se não ia além de um mero catálogo de práticas com
alguma doutrina feita ou se, pelo contrário, estava já dotada de
princípios e teorias para a caracterizar como ciência , estava com
sua intervenção a ilustrar de forma clara o impasse epistemológico
que tem prevalecido na arquivística. (SILVA et al., 2009, p.230, grifo
nosso).
54
“Composto por três períodos, o ciclo de vida transcende o trabalho de qualquer
arquivista, bem como os suportes de informação e forma o pano de fundo no qual se
apoiam as intervenções arquivísticas. Esta maneira de abordar a realidade da
organização e o tratamento dos arquivos tem adesão unânime dos especialistas que a
eles se referem quando falam das três idades. A arquivística reparte assim a vida do
documento de arquivo em três períodos: os de actividade, de semiactividade e de
inactividade. Para este especialista, ter em cena o ciclo de vida dos documentos e as três
idades que o compõem permite uma repartição essencial dos grandes conjuntos que
formam o arquivo de uma pessoa física ou moral. Ele tornou-se uma especificidade da
sua disciplina. O conceito de ciclo de vida transforma um conjunto de documentos
quantitativamente demasiado importante, desmedido em relação aos meios de que se
dispõe para se lhe fazer face, em subconjuntos que apresentam diferentes
características. Isto facilita uma redistribuição dos documentos que compõem o conjunto
e deixa entrever uma problemática que é então possível abordar com pragmatismo e
alguma hipótese de sucesso”. (ROSSEAU; COUTURE, 1998, p.111).
100
Diante o exposto, apontamos que esse impasse epistemológico que a
Arquivologia sofreu ao longo do tempo está diretamente coadunado a esse passado
marcado por eventos, como o pragmatismo, o funcionalismo, o empirismo e o
próprio positivismo. Como exposto anteriormente, o ciclo de vida dos documentos é
representado por três períodos distintos aos quais nomeamos como os da 1º
atividade funcional (corrente), os da 2º atividade funcional (intermediários) e os da 3º
atividade funcional (permanente). Desse modo, Habermas (2009) esclarece esse
percurso funcional, onde esta abordagem teria a vantagem de apreender de maneira
sistemática contextos objetivos e intencionais.
Essa prática traçada na Arquivologia e na circularidade exaustiva acarretou
danos teóricos ao campo do saber arquivístico. Para tanto, é fundamental se
desprender dessa realidade tecnocrata, porém, é necessário que o arquivista chame
a responsabilidade e se torne um questionador do seu próprio campo de atuação
para assim, possibilitar o avanço epistemológico da área, “o ciclo de vida dos
documentos de arquivo apresenta-se como um dos fundamentos da disciplina
arquivística” (ROSSEAU; COUTURE, 1998, p. 125).
O ciclo vital traz uma atividade que preconiza a ação instrumental, porque
demonstra a utilização de um interesse que se justifica na organização documental
na estrutura administrativa e nas circunstâncias institucionais que o cercam, “a
metodologia da identificação fundamenta-se nos princípios teóricos da proveniência,
da ordem original, e no ciclo de vida dos documentos”. (SILVA, 2012, p. 56). Desse
modo, a concepção prático-vital orienta uma ação do saber-fazer do agir funcional
instrumental, em uma circularidade que se baseia em diretrizes e que se subdivide
em três ações do ciclo vital no processo operatório da Arquivologia, as quais podem
ser compreendidas como idades documentais.
101
Figura 4: A concepção do ciclo prático-vital na Arquivologia
Fonte: Construção do autor com a utilização do software Cmaptools
Nesse sentido, é comum encontrarmos na Arquivologia atual aspectos que se
relacionam com os procedimentos operatórios e pragmáticos, onde esse
pragmatismo expressa um teor funcional e que está ligado aos padrões do agir
funcional instrumental:
Na medida em que a máxima pragmática regula o sentido das
expressões autorizadas sob uma ótica científica experimental e
102
limita, assim, a aplicação de tais expressões do agir instrumental, o
sentido da validade de enunciados autorizados sobre esta área do
objeto é indiretamente também interpretado em termos pragmatistas,
a saber: estes enunciados abarcam a realidade em vista de uma
disponibilidade técnica, sempre e em toda parte possível sob
condições específicas (HABERMAS, 1987, p. 349-350).
Ademais, é preponderante que os arquivistas se percebam como “construtores
epistemológicos” e “artesãos teóricos” no sentido complexo da proliferação e do
embasamento que o campo necessita, ou seja, é necessário que o saber
arquivístico consiga a autofundamentação crítica e a consolidação epistêmica e
teórico-metodológica de fato.
5.4 Ciências empíricas e ciências histórico-hermenêuticas: crítica de Jürgen
Habermas
Adentrando nessa realidade epistemológica buscamos entender o significado
das ciências empíricas55 que se interessam por um conhecimento mais técnico, e de
outro lado, das histórico-hermenêuticas56 que intervêm como interesse prático do
conhecimento, “a compreensão hermenêutica visa três classes de manifestações
vitais: as expressões verbais, as ações e as experiências vivenciais” (HABERMAS,
1987, p. 175).
A hermenêutica corresponde a um feixe interssubjetivo e que é retificado pelo
homem através da sua experiência pessoal na práxis social. Sendo assim,
Habermas (1987) tece sobre a classificação da produção do conhecimento
nomológico, reflexivo e interpretativo. Assim, a produção do conhecimento e
55
“As ciências empírico-analíticas, o sistema de referência, que pré-avalia o sentido de
possíveis proposições científico-experimentais, estabelece regras não só para a
construção de teorias, mas também para sua comprovação crítica. O saber empíricoanalítico é, por conseguinte, um saber prognóstico possível, o empirismo gostaria de
assegurar a aparência objetivista nas observações expressas nas proposições básicas:
deve aí dar-se fidedignamente algo que seja evidente de modo imediato e sem
acrescentarmos subjetivos”.
56
“As ciências histórico-hermenêuticas obtêm os seus conhecimentos num outro
enquadramento metodológico. Aqui, o sentido da avaliação de enunciados não se
constitui no sistema de referência de disposição técnica. As esferas da linguagem
formalizada e da experiência objetiva ainda não se encontram diferenciadas; pois, nem
as teorias estão construídas de modo dedutivo, nem as experiências se encontram
organizadas em vista do êxito das operações” (HABERMAS, 2009, p. 137-138).
103
interesse por parte desse autor se estrutura em um emaranhado exegético
constituído por uma ação questionadora e provocativa, porque o interssujeito é
cercado por uma bagagem transcendental da autofundamentação. Desse modo,
esboçamos parcialmente como se estrutura a atividade interpretativa da pesquisa
em Habermas (1987) em seu ciclo investigativo.
A hermenêutica vem compreender as interpretações das fontes escritas em
diferentes épocas e lugares, trazendo um teor de análise crítica. Essa análise
possibilita pensar o campo por diversos canais. Então, a hermenêutica tem esse
sentido interpretativo e questionador das realidades fazendo com que as
provocações e questionamentos sejam lançados como forma de entendimento,
contribuindo assim para a compreensão dos fenômenos, uma vez que a
hermenêutica assume um sentido interpretativo e filosófico:
A compreensão hermenêutica é a interpretação de textos a partir do
conhecimento de textos já compreendidos; ela conduz a novos
processos de formação a partir do horizonte de processos de
formação já realizados; trata-se de um novo processo de
socialização, que se articula com uma socialização já percorrida, na
medida em que ela se apropria da tradição, ela dá prosseguimento à
tradição (HABERMAS, 1987, p. 237-238).
Destarte, através dos sinais interpretativos, a produção do conhecimento
habermasiano se configurou como fundamental, principalmente no diálogo entre a
ciência e técnica na Arquivologia, pois esse aprofundamento epistemológico
possibilitou uma contextualização do fenômeno estudado.
104
Figura 5: A produção do conhecimento e interesse em Jürgen Habermas
Fonte: Construção do autor com a utilização do software Cmaptools
Essa dimensão das interpretações hermenêuticas também está direcionada
com aquela racionalidade, em que o homem consciente de si mesmo traduz toda
sua experiência enquanto sujeito comunicativo e interacionista. As ciências sociais
demarcaram as subjetividades entre os sujeitos interssubjetivos, nas relações
traduzidas através da linguagem e da ação do agir comunicativo:
Nas ciências humanas sociais, encontra a frente o desafio de não
decretar uma verdade como certeza, mas alarga os limites da
compreensão para que a experiência da verdade não se resuma à
aplicação metódica das ciências empírico-analíticas, visto que o
caráter interpretativo do método hermenêutico reconhece a
interpretação como decorrente do componente histórico em que o
105
sujeito (agente) e o objeto fenômeno se situam (MEDEIROS, 2008,
p.67).
Para Medeiros (2008), as relações sociais são demarcadas por complexidade e
por objetos diferenciados, ou seja, por buscas múltiplas que podem refletir em
diferentes contextos desafiadores, alargando a compreensão dos fatos na
circunstancialidade do saber, “as questões que devemos direcionar para a filosofia
não podem ser respondidas através da afirmação de um a priori epistemológico,
mas através de um procedimento histórico fundamentado na totalidade do nosso
ser” (DILTHEY, 1989, p. 51).
Desse modo, a grande ênfase é perceber que as ciências históricohermenêuticas não buscam somente a objetivação dos fenômenos interpretativos da
realidade, mas, buscam também as metodologias baseadas nos significados, nas
circunstâncias e nos processos que têm um possível significado para o mundo.
Para Ricoeur (1990), a interpretação é a réplica desse distanciamento
fundamental constituído pela objetivação do homem em suas obras de discurso,
comparáveis à sua objetivação nos produtos de seu trabalho e de sua arte. Logo, o
importante da hermenêutica é sua contribuição para as discussões em diferentes
campos das ciências, em suas diversas modalidades, sejam elas ciências humanas,
sociais aplicadas ou duras, “a experiência hermenêutica traz à consciência a posição
do sujeito falante em relação à linguagem” (HABERMAS, 2009, p. 288).
O caráter interpretativo é provocativo, ousado e híbrido, pois podemos
estabelecer elementos sobre os fundamentos que balizam o próprio saber, “querer
saber o que é e como é algo são os dois elementos que estão na base de uma
investigação e podem ser traduzidos num só. O ser de algo é sempre composto pelo
o que algo é e como ele é” (STEIN, 1996, p. 46).
Diante disso, a hermenêutica perpassa por uma ação crítica e analítica na base
investigativa do conhecimento, logo, a atividade interpretativa se ligará às ideologias
e aos modelos das práxis sociais. Assim, a Arquivologia compreende uma técnica do
saber-fazer, necessitando de recursos técnico-operacionais na organização interna
dos arquivos:
Que explicações causais (as quais se apóiam sobre um saber
empírico-analítico) possam ser em princípio convertidas em um
saber tecnicamente aproveitável, e explicações narrativas (as quais
106
se apóiam em um saber hermenêutico) em um saber prático,
permaneceria um fenômeno apenas curioso, caso não pudéssemos
explicar
e
fundamentar
esta
circunstância
como
transcendentalmente necessária, a partir da inserção condicional do
saber teórico em uma conexão universal de interesse (HABERMAS,
1987, p. 345).
Sendo assim, a hermenêutica tece uma objetividade nos seus atos
interpretativos e na maneira de entender as complexidades dos fenômenos, os
procedimentos a serem adotados e direcionados, ou seja, onde queremos chegar e
o que pretendemos alcançar ao olharmos aquele objeto, o conhecimento
autorreflexivo possibilitará um interesse emancipatório do conhecimento. Nesse
sentido, a hermenêutica assegura e provoca uma autoconcepção interssubjetiva que
pervade a atividade do agir comunicativo 57 dos indivíduos nas relações cotidianas:
A consciência hermenêutica é o resultado da autorreflexão na qual o
sujeito falante percebe as suas liberdade e independências
peculiares em relação a linguagem. A autorreflexão esclarece
experiências que ocorrem com o sujeito falante no uso de sua
competência comunicativa (HABERMAS, 2009, p. 303).
Diante desse quadro, tornar-se necessário entender os processos que formam
o sujeito enquanto tal, com suas características peculiares e complexas. A
hermenêutica tem essa função e direcionamento de interpretar as conjunturas
complexas de diferentes grupos sociais, “uma interpretação não pode atingir e
perpassar um objeto senão na proporção em que o intérprete reflete o objeto e, ao
mesmo tempo, a si mesmo, como momento de um conjunto objetivo” (HABERMAS,
1987, 191).
Com efeito, entendemos a compreensão a partir da ideia do autor de algo que
está relacionado com as experiências, com os históricos do processo comunicativo e
com a objetividade que também está relacionada ao conhecimento e toda sua
57
A compreensão hermenêutica tem de acordo com sua estrutura, o objetivo de assegurar
no seio das tradições culturais, uma autoconcepção dos indivíduos e dos grupos,
susceptível de orientar a ação e o entendimento recíproco de diferentes grupos e
indivíduos. Ela possibilita a forma de um consenso espontâneo e o tipo da
interssubjetividade indireta; dela depende a atividade pertinente a comunicação
(HABERMAS, 1987. p. 186).
107
complexidade conceitual. Assim, o proceder interpretativo consiste em explanar uma
compreensão satisfatória na manifestação vital em certas mudanças na base das
ciências, “a compreensão só pode assumir uma função explanatória em sentido
rigoroso se a análise da significação não se entregar apenas à aplicação de uma
competência linguística aprendida, mas se deixar guiar por hipóteses teóricas”
(HABERMAS, 2009, p. 314).
Desse modo, apreender as configurações da hermenêutica é buscar um
entendimento dessas questões que estão vinculadas com a Arquivologia, sobre seus
princípios tidos como base teórico-metodológico do campo.
Segundo Habermas
(1987, p.186), “as ciências hermenêuticas estão embutidas nas interações
mediatizadas pela linguagem ordinária, da mesma maneira como as ciências
empírico-analíticas estão inseridas no setor da atividade instrumental”.
Com isso, enaltecemos a afirmação de Habermas (1987) acerca das ciências
empírico-analíticas, visto que estão relacionadas com a Arquivologia nos seus
processos descritivos de classificação dos documentos a exemplo das três idades
do arquivo, da proveniência, do respeito aos fundos e da ordem original ou interna.
Logo, os métodos empírico-analíticos apreendem uma disponibilidade técnica que
procede em uma ação normativa, pragmática no seio das tradições de diferentes
grupos e indivíduos na sociedade.
O método interpretativo deve ter seu efeito no universo de qualquer campo que
se ver como “ciência”, não dá para falar de avanço de um campo sem antes
compreender o que ele quer passar. Por isso, é necessário entender a relevância da
hermenêutica, pois através dela podemos fazer nossas escolhas ao olharmos o
fenômeno, “a hermenêutica renuncia à pretensão de verdade absoluta e anuncia
nossa
presença
nas
circunstâncias
discursivas,
dialógicas,
comunicativas,
inaugurando uma diversidade de possibilidades interpretativas” (MEDEIROS, 2008,
p. 77).
De igual modo, a dimensão técnica e instrumental da Arquivologia, está
entrelaçada a esses procedimentos das ciências empírico-analíticas, ou seja, da
instrumentalização de um interesse técnico aproveitável, “a pesquisa empíricoanalítica é a continuação sistemática de um processo cumulativo de aprendizagem o
108
qual se exerce, ao nível pré-científico, no círculo funcional do agir instrumental”
(HABERMAS, 1987, p. 212).
Nesse sentido, o modelo empírico-analítico está coadunado aos padrões de
organização do agir funcional instrumental (técnica) no cenário da Arquivologia
contemporânea. A rigor, Habermas (1987) chama-nos atenção para os interesses
técnicos que assolaram a lógica mediatizada pela ciência moderna, o interesse da
disponibilidade técnica empirista e experimentalista:
Falamos, portanto, de um interesse técnico ou prático na medida
em que, através dos recursos da lógica da pesquisa, as conexões
vitais da atividade instrumental e das interações mediatizadas pelos
símbolos pré-molduram o sentido da validade de enunciados
possíveis de tal forma que estes, enquanto representam
conhecimentos, não possuem outra função se não aquela que lhes
convêm em tais contextos vitais; serem aplicáveis tecnicamente ou
serem praticamente eficazes (HABERMAS, 1987, p. 217, grifo
nosso).
Habermas (1987) aponta o interesse técnico e suas aplicações no universo dos
sistemas sociais, ou seja, seus elementos constitutivos que são estrategicamente
produtos de uma ação intencionada e arraigada de sentidos, validades,
exaustividades e enunciados, “o interesse técnico do conhecimento define o quadro
das ciências empírico-analíticas” (HABERMAS, 1987, p. 188).
O agir funcional instrumental é caracterizado por questões que pervadem as
forças produtivas, como a construção de máquinas que exerciam a condição de
controle e subvertiam-se em um assaz emblemático na relação do círculo funcional
da atividade instrumental:
O conceito de razão técnica é talvez também em si mesmo ideologia.
Não só a sua aplicação, mas, já a própria técnica é dominação
metódica, científica, calculada e calculante (sobre a natureza e sobre
o homem). A técnica é, em cada caso, um projeto histórico-social;
nele se projeta o que uma sociedade e os interesses nela
dominantes pensam fazer com os homens e com as coisas
(HABERMAS, 2009, p. 46-47).
Como vimos anteriormente, a Arquivologia foi influenciada por correntes que
projetavam uma “dominação” estruturante nos seus princípios e fundamentos.
Ocorria um interesse dominante no qual os “arquivos serviam” para atender as
109
demandas imediatas das instituições, “as instituições encontram-se em uma
conexão funcional, se é que elas são demarcáveis como um sistema (com valores
de controle e condições internas), em relações às condições externas do meio”
(HABERMAS, 2009, p. 126). Assim, notamos que a racionalização mede-se por um
sistema que se legitima nas forças produtivas do operacionalismo tecnocrata.
A reflexão exigida tem que ir além da produção de saber técnico e
da clarificação hermenêutica das tradições; estende-se à introdução
de meios técnicos nas situações históricas, cujas condições objetivas
(potencial, instituições, interesses) se interpretam, respectivamente,
no enquadramento de uma autocompreensão determinada pela
tradição (HABERMAS, 2009, p. 96-97, grifo nosso).
Dessa maneira, a produção do saber técnico está imersa e coadunada nas
especificidades do saber arquivístico. Para Habermas (2009, p. 101), a técnica é: “a
disposição cientificamente racionalizada sobre processos objetivados; referimo-nos
assim ao sistema em que a investigação e a técnica se encontram com a economia
e a administração e são por elas retro-alimentadas”. Ademais, o processo da
produção do saber tecnicamente aproveitável se manufatura em uma troca de
valores sobre um controle das forças produtivas, “um tal saber reflexivo, que se
sintetiza na consciência hermenêutica, distingue-se evidentemente do saber-fazer
que caracteriza a compreensão e o próprio discurso disciplinado” (HABERMAS,
2009, p. 302).
Segundo Habermas (1987), a técnica servia para dispensar o sujeito de suas
próprias interpretações de interssubjetividade, porque era necessário explicar
narrativamente as dimensões de autocompreensão desse sujeito:
A interpretação urgente que se estende até a inserção de meios
técnicos no mundo da vida social precisa realizar as duas coisas ao
mesmo tempo: ela precisa analisar as condições objetivas de uma
situação, as, técnicas disponíveis e factíveis, assim como as
instituições existentes e os interesses efetivos, e, ao mesmo tempo,
interpretá-los no âmbito de uma autocompreensão de grupo sociais
determinada pela tradição. (HABERMAS, 2009, p. 37).
Por conseguinte, é necessário compreender que a “cientificação da técnica”
acarreta incertezas para o contexto da Arquivologia, porque os procedimentos
operatórios instrumentais definiram todo o “universo teórico” da área. Assim, tornase assaz que os teóricos na Arquivologia comecem a (re) pensar o campo para uma
110
ação autofundamentada em metodologias teóricas mais sólidas e que se distanciem
das cosmovisões tecnocratas/administrativas que encontramos na realidade da
Arquivologia.
111
6 TÉCNICA
OU
ARQUIVOLOGIA
CIÊNCIA?
A
CONFIGURAÇÃO
AXIOMÁTICA
NA
Por um lado, há os que continuam a ver a Arquivística
essencialmente confinada à problemática dos arquivos históricos,
considerando o records management como uma área distinta; por
outro, há os que, invocando a “era da informação”, se afastam dos
princípios estruturantes da disciplina e vêem a Arquivística como um
corpo de doutrinação empírica (ou somatório de técnicas), cujo único
objectivo é responder pragmaticamente às solicitações informativas
da sociedade; finalmente, ainda, surgem os defensores de uma nova
corrente que encontra na informação arquivística uma individualidade
própria, articulada com um modelo teórico preciso – é a defesa da
Arquivística como Ciência da Informação. (SILVA et al. 1999, p. 156).
A Arquivologia de um modo geral necessita de discussões acerca de seu
universo transcendental, de seu objeto, de sua metodologia e de sua “identidade”.
Ao longo do tempo, o campo do saber arquivístico sempre foi tido como coadjuvante
em um processo que o condicionou e o marcou com o adjetivo de “auxiliar”, desse
modo nunca apareceu de forma autônoma e independente. Diante disso, discutir
esse “vazio” epistemológico da Arquivologia, é acima de tudo, provocar a realidade
da área, principalmente por suas carências como campo do conhecimento
autônomo, e com forte indício do empirismo tradicional, que foi marcado pelo viés do
funcionalismo/pragmatismo no processo de historicidade.
Em meio a isso nos capítulos anteriores vimos o princípio da proveniência e o
da ordem interna ou original tidos como o arcabouço teórico da Arquivologia.
Todavia, o procedimento adotado através da técnica interna de organização dos
documentos ganhava cada vez mais instrumentos nessa elaboração organizativa.
De todo modo, é pertinente entendermos a racionalidade técnica58.
Em suma Brennand (1999, p. 78).
A racionalidade técnica sobrepô-se à ordem política, procurando
neutralizar o processo de inovação de qualquer ingerência de caráter
ideológico. Essa é uma posição obviamente ilusória, dado que a
técnica não é aplicada no vazio, mais num determinado contexto
histórico-econômico-político e no contexto da atividade humana,
58
Quando referimos à técnica estamos relacionando com os procedimentos adotados como
critério funcionalista de organização interna nos arquivos, ou seja, o do agir funcional
instrumental.
112
logo, sujeita a reformulações e a leitura subjetiva. A pretensa
neutralidade técnica busca camuflar, pela racionalidade das
decisões, o fortalecimento de estruturas de poder e subsidiar o
caráter dialético da participação social pela decisão de poucos. A
ingerência externa exacerbada assume a forma de um imperialismo
cultural que busca moldar, a cultura aos anseios da
internacionalização cultural e da indústria cultural.
A autora de forma articulada contextualiza os procedimentos técnicos a partir
do contexto histórico, econômico e político. Dessa forma, essa tríade encaixa-se
perfeitamente na realidade da Arquivologia no processo de organização documental
no espaço arquivo. As influências tecnicistas de organização documental, como
arranjo, descrição, classificação, instrumentos de pesquisa, dentre outros,
condicionaram o fazer técnico dentro da realidade dos arquivos. Para Medeiros
(2008, p. 93), “Habermas reconhece a técnica como produto e a ciência como
processo ideológico da racionalidade técnica que, por sua vez, manipula o
conhecimento através de interesses que servem aos fins de quem controla a própria
técnica”.
Todavia, a Arquivologia mergulha em princípios e fundamentos que se voltam
para a prática do saber-fazer da ordenação documental através de vários
instrumentos de organização.
Os primeiros documentos escritos surgiram não com a finalidade,
posteriormente, se fazer com eles a história, mas com objetivos
jurídicos, funcionais e administrativos, documentos, que o tempo
tornaria históricos. O desenvolvimento da vida econômica e social,
por sua vez, também originou os documentos necessários às
transações, e tudo isso veio a constituir fontes documentárias
custodiadas pelos arquivos. Estes são, assim, desde a Antiguidade,
“fonte direta, fundamental e indiscutível, à qual todo historiador deve
recorrer”. Os arquivos permanentes devem, pois, estar munidos de
um retrato credível de seu acervo, o que é conseguido através dos
respectivos meios de busca (BELLOTTO, 2006, p. 175, grifo nosso).
Bellotto (2006) aponta-nos algo que está diretamente relacionado com as
práticas operacionalizadoras nos arquivos, que foi o funcionalismo, através de vários
instrumentos, como a descrição documental, o arranjo, a classificação, e os métodos
de arquivamento que são veementemente tecnicistas. Segundo Bellotto (2006, p.
180) “o processo da descrição consiste na elaboração de instrumentos de pesquisa
que possibilitem a identificação, o rastreamento, a localização e a utilização de
113
dados”. Dessa forma, os meios de organização de documentos através dos modelos
organizativos tornaram a Arquivologia atada aos seus princípios e às instituições.
Nesse sentido, nas entrelinhas da Arquivologia percebemos que os procedimentos
técnicos condicionados por vários motivos que aqui já foram debatidos, deixam essa
“identidade” em uma situação complicada.
A rigor, os processos históricos relacionados à Arquivologia remetem a essa
“identidade”, e a uma possível soberania que esbarra nas suas próprias
construções, marcada por uma perversa condição de “auxílio” a diferentes
segmentos e áreas do conhecimento. Então, quando falamos em técnica na
Arquivologia remetemos aos procedimentos adotados na organização dos
documentos nos arquivos.
A técnica possui algumas características que a diferem da ciência. A
técnica utiliza o conhecimento científico para planejar suas ações. A
diferença é que o objetivo da pesquisa científica está destinada a
conhecer e explicar algumas questões, enquanto a técnica utiliza o
conhecimento científico, bem como outros tipos de conhecimento
para atuar em uma situação prática de algum grupo social.
(CARVALHO, 2011, p. 46).
Nesse sentido, percebemos que na Arquivologia alguns procedimentos
tecnicistas, eram tidos como respaldados em cientificidade, onde a “razão prática”
traria autonomia. Então, pensamos que a técnica, na Arquivologia, não faz da área
um campo com características científicas de forma independente, por vários motivos
que aqui já foram discutidos.
O pesquisador que trabalha com a ciência em sim pode formular e
reformular suas teorias e abordagens de pesquisa, de acordo com as
suas necessidades subjetivas, enquanto a técnica precisa primar
pelo problema imediato de uma determinada realidade (objeto) a
fim de estruturar as bases para desenvolver suas ações
(CARVALHO, 2011 p. 46, grifo nosso).
Por conseguinte, através dessa dicotomia ciência/técnica, visualizamos que a
Arquivologia e os arquivistas necessitam dessa discussão reflexiva, para assim
desenvolver suas ações e trilhar uma concepção teórica de fato.
114
6.1 O esforço da abordagem europeia: a perspectiva sistêmica dos arquivos
A ideia de sistema em arquivos, através dos processos informacionais, é
colocada de forma profícua por Silva et al (2009), visto que a dimensão de arquivo
não se resume apenas numa mera soma de fundos articulados entre si.
A figura mostra-nos os processos informacionais e as mudanças de paradigma
na Arquivologia. Diante disso, Silva et al (2009) fazem um panorama acerca dessa
realidade ao longo do processo histórico.
Figura 6: A evolução informacional ao longo da história
Fonte: Silva et al. (2009)
Para Silva et al. (2009, p.209), “o arquivo é um sistema de informação e sendoo, oferece-se como realidade concreta à construção de um conhecimento específico.
Por outras palavras, instaura-se como objeto cognoscível”. O autor de forma
específica contextualiza que o arquivo pode configurar-se como um sistema
interligado em sua realidade.
115
Nesse sentido, o arquivo, antes da Revolução Francesa, tinha sua
caracterização clássica, possuindo forte ligação com os meios institucionais e
funcionais, e com o documento em si. Na fase sincrética definida pelo autor
percebemos alguns vínculos que ainda estão presentes no cotidiano da Arquivologia
como o vínculo com a História.
Já no século XIX como exposto anteriormente, a Arquivologia era influenciada
por vários movimentos ocorridos no processo histórico, como o positivismo, o
historicismo, as revoluções industriais, políticas e sociais. No final do século XIX e
início do XX, surge a fase técnica custodial, principalmente pelas formas de
organização dos documentos, através dos arquivos históricos e administrativos,
ocorrendo uma reformulação de seus princípios como o fundo que era o grande
fundamento teórico da área.
No transcorrer do século XX a sociedade mundial sofre várias e densas
transformações, em diferentes segmentos sociais, em consequência do processo de
globalização e de industrialização ou da chamada “sociedade da informação”. Em
meio a essas mudanças de uma Arquivologia clássica, coadunada ao documento
em um sentido tradicional, há uma fase pós-custodial que aparecerá com o teor da
“informação arquivística” instigado pela tecnologia:
A partir dos anos 80, a nova revolução tecnológica e social, ilustrada
pela vertiginosa evolução em curso, sobretudo, no domínio do
audiovisual e da telemática forçou a emergência de uma situação
transitória, anunciadora de um novo ciclo, concretamente para as
disciplinas, como a Arquivística, relacionados com o fenômeno social
da informação (SILVA et al., 2009, p. 208).
Com isso, Silva et al. (2009) questionam-nos acerca de um método que seria
possível através de um sistema de arquivo, desvinculado daqueles traços dos
arquivos institucionais, administrativos e históricos.
A arquivística é uma Ciência da Informação social que estuda o
arquivo enquanto sistema (semi-)fechado, não através de um
dispositivo metodológico fragmentário virado só para a componente
funcional/serviço, isto é, transferência e recuperação da informação,
através de um dispositivo coeso, retrospectivo e prospectivo, capaz
de problematizar em torno de leis formais ou princípios gerais, a
atividade humana e social implicada no processo informacional
arquivístico (SILVA et al., 2009, p. 211).
116
Silva et al. (2009) problematizam que o arquivo deve ser pensado como um
sistema informacional, através da ruptura funcionalista com a realidade interna de
organização dos documentos, além disso, através de ampliação sistêmica o objeto
cognoscível será alargado. Assim sendo, para esses autores, o arquivo deve ser
pensado de forma mais ampla, não reduzida a uma mera soma de fundo, de
proveniência ou organicidade instrumental:
O arquivo não é uma mera soma de fundo (conjunto orgânico de
documentos [...], mas, serviço (instituição ou serviço responsável [...],
soma essa, aliás, negada pela simples observação empírica: as
partes assim somadas acabam, paradoxalmente, por constituir uma
perspectiva quase funcionalista, em que a componente serviço
exclui, na prática, a componente fundo (orgânica). Se o arquivo é
uma mera soma, pode e deve ser uma unidade integral e aberta aos
contextos dinâmicos e históricos que a substancializam. Entra,
assim, repleta de oportunidade a noção sistema, ajustada ao
fenômeno da informação social e definida, genericamente, como o
conjunto de elementos identificáveis, interdependentes por um feixe
de relações, e que se perfilam dentro de uma fronteira (SILVA et al.,
2009, p. 213, grifo nosso).
Com efeito, é necessário que o arquivo, em sua realidade interna, distancie-se
cada vez mais da forma empírica, ou seja, da prática do saber-fazer através dos
princípios de organização documental. Silva et al (2009) ao trazerem a realidade do
sistema, refletem que a Arquivologia teria sua “autonomia metodológica” a partir
dessa vertente, pois abandonaria o “vício” da organização administrativa
funcionalista que através do sistema de informação começaria a incorporar um perfil
científico.
Entendemos que enquanto o arquivo estiver condicionado ao processo
institucional de serviço e uso, estará sujeito às demandas administrativas. Já na
realidade defendida por Silva et al. (2009), o arquivo deve ter essa visão unilateral
entre as partes, pois o processo de informação teria uma maior fluidez caracterizada
principalmente pelo processo do sistema informacional.
Nessa articulação de sistema, a informação arquivística teria mais mobilidade e
diálogo, quebraria, então, os processos operacionalizadores de recuperação da
informação pragmática na realidade do arquivo. Além disso, Silva et al (2009) são
117
enfáticos ao afirmarem que o arquivo, como sistema (semi) fechado de informação,
assume duas configurações precisas:
Unicelular é todo o sistema que assenta numa estrutura
organizacional de reduzida dimensão, gerada por uma entidade
individual ou coletiva, sem divisões setoriais para assumir as
respectivas exigências administrativas. Note-se que este tipo de
sistema é permeável a uma forte pressão integradora, que leva à
constituição de sistemas patrimoniais complexos, onde a informação
arquivo se interliga com a informação biblioteconômica e com a
museológica. Pluricelular é todo o sistema que assenta uma média
ou grande estrutura organizacional, dividida em dois ou mais setores
funcionais, podendo mesmo atingir uma acentuada complexidade.
No caso de algumas entidades industriais, financeiras e
governamentais surgem subsistemas dotados de certa autonomia
orgânico-funcional, com reflexos no modo prático de gestão da
informação. Note-se, contudo, que se podem, também, formar
subsistemas, tendo por base estruturas unicelulares é o caso das
pessoas e de certas famílias (SILVA et al., 2009, 214-215, grifo
nosso).
Nessa dinâmica representada pelo sistema, o arquivo iria desempenhar
algumas funções, primeiro diferenciando-se das formalidades do arquivo clássico
custodiado e que tem uma finalidade bem determinada na realidade do arquivo.
Segundo, poderia ser pensado em metodologias no trajeto da Arquivologia e a sua
possível natureza científica:
Existem dois fatores que contextualizam e definem a formação dos
sistemas de arquivo: a estrutura orgânica e a funcionalidade do
serviço. Através da conjugação das diversas mobilidades de
estrutura e de serviço poderão originar-se quatro tipos fundamentais
de arquivo. (SILVA et al., 2009, p. 218).
Desse modo, ilustramos na figura uma concepção dinâmica do método
quadiprolar na Arquivologia, na qual essa ideia poderia ser utilizada para pensarmos
na condensação e formulação de uma dinamicidade teórica na Arquivologia através
da ligação morfológica, uma vez que esse conceito inaugura a denominada fase
pós-custodial e daria um passo aos aspectos de cientificidade na Arquivologia, ou
seja, com teorias e metodologias bem alinhavadas.
118
Figura 7: A dinamicidade quadripolar na Arquivologia
Fonte: Construção do autor com a utilização do software Cmaptools e com base em Silva et
al. (2009).
Percebemos que os autores estão chamando atenção para essa formação do
sistema de arquivo e do processo informacional que são inerentes à Arquivologia
através da magnitude do esboço quadripolar59, pois a representatividade teórica da
Arquivologia necessita dessa aplicação, “sistema de informação é uma entidade
complexa, organizada que capta, armazena, processa, fornece, usa e distribui
informação” (ROBREDO, 2003, p.110). Nessa linha de pensamento, Silva et al.
59
Para Robredo (2003, p. 136-137) “O método arquivístico é afirmado, desenvolvido,
consolidado e aperfeiçoado pela dinâmica de uma investigação quadripolar que se opera
e se repete continuamente no respectivo campo do conhecimento”. O método quadripolar
inclui quatro pólos de análise: o da forma (morfológico), o da abordagem operacional
(técnico), o dos princípios (teóricos) e o da problematização científica (epistemológico).
119
(2009) lançam a ideia de método arquivístico que estaria diretamente relacionado
com a investigação, em que esse processo indiciário passaria por quatro pólos de
análises, aos quais podemos comungar como um passo importante para a
configuração de um sentido científico na arquivística:
No pólo epistemológico, instância superior imbricada no aparato
teórico e institucional, a comunidade científica dos arquivísticas, as
suas escolas, institutos, locais de trabalho, com seus referentes
políticos, ideológicos e culturais. As crenças e os valores partilhados
por um grupo de investigadores, dos paradigmas e dos critérios de
cientificidade, objetividade, fidelidade e validade que norteiam o
processo de investigação. Pólo teórico manifesta-se a racionalidade
predominante do sujeito que conhece o objeto. Neste pólo à
investigação arquivística, emerge, como a racionalidade indutiva a
luz do paradigma de cientificidade. Pólo técnico o investigador toma
contato, por via instrumental com a realidade objetivada. No domínio
da arquivística descritiva, desenvolvida ao longo deste século,
acumularam-se procedimentos técnicos canalizados para a
representação formal da documentação arquivística, dita histórica.
Pólo morfológico aqui assume por inteiro a análise dos dados
recolhidos e se parte não apenas para a configuração do objeto
científico, mas também para a exposição de todo o processo que
permitiu a sua construção, relativamente à função comunicação
(SILVA et al., 2009, p 221-24).
A abordagem europeia de sistema teve aqui um papel crucial, principalmente
através da contribuição de Silva et al. (2009) que tecem a respeito dessa
dinamização informacional que a Arquivologia poderia desempenhar. No entanto,
para que isso aconteça de fato, a Arquivologia tem que se desprender dos formatos
descritivos de organização e da dicotomia serviço/uso:
Um sistema é um todo integrado cujas propriedades não podem ser
reduzidas às propriedades das partes, e as propriedades sistêmicas
são destruídas quando o sistema é dissecado. Entretanto, as
características de todo tendem a se manter, mesmo que haja
substituição de membros individuais. Os componentes não são
insubstituíveis. De acordo com essa noção de todo integrado, o
“comportamento de todo é mais complexo do que a soma dos
comportamentos das partes”, de modo que “os acontecimentos
parecem implicar mais que unicamente as decisões e ações
individuais”. As unidades individuais ou membros do sistema existem
em relações e o sistema impõe coerções sobre o comportamento das
partes: os graus de liberdade para o comportamento de cada
elemento são restringidos pelo fato de ele integrar um sistema.
Assim, um elemento não exibe todas as suas características em
todos os sistemas de que possa fazer parte e, então, nesse sentido,
120
costuma-se dizer que o todo é menos do que a soma das partes
(VASCONCELLOS, 2002, p. 200, grifo nosso).
Para Silva et al. (2009, p. 225) “à arquivística no seu ciclo paradigmático, a
possibilidade de desenvolver uma dinâmica de investigação quadripolar como, por
exemplo, a oposição quantitativo/qualitativo ou empirismo/cienticismo”. Os autores
compreendem que a Arquivologia começará a ter um constructo teórico quando
articular essa ação quadripolar representada por esses quatro polos em uma
circularidade interpretativa, ou seja, é necessário questionar o saber-fazer e partir
para autofundamentação exegética do conhecer.
Por conseguinte, fazer tais discussões acerca desse esforço é, sobretudo,
mostrar que estão surgindo novas possibilidades de se pensar a Arquivologia
através de sistema de informação arquivística que poderá ultrapassar as barreiras
de funcionalidades dos arquivos, porém, compreendemos que é necessário a
“autorreflexão” epistemológica, pois a abordagem sistêmica nos arquivos não traz
em si um componente autocompreensivo enquanto tal.
6.2 Os laços do pensamento funcional sob a formação pragmática
O funcionalismo desempenhou grande influência na Arquivologia, uma vez que
se aproxima do positivismo, ou seja, da realidade interna dos arquivos, de seus
princípios, métodos e das relações com o documento. O laço do funcionalismo fica
claro na Arquivologia através das instituições, e das estruturas burocráticas nas
fases de criação e circulação documental, bem como na criação de leis de arquivo,
como, por exemplo, no Brasil, a 8.159 de 199160.
Nesse sentido, o funcionalismo levou a Arquivologia a um “ritual” muito
complexo, que é a aproximação com os meios institucionalizadores, afetando a
organização documental e os próprios fundamentos arquivísticos através de seus
princípios, criados a partir de relações funcionais diretas com a burocracia
administrativa. Então, a função básica de organização de documentos interessa
diretamente às hierarquias administrativas.
60
Esta lei é muito comentada no cenário da Arquivologia brasileira. A lei dispõe sobre a
política Nacional de Arquivos públicos e privados.
121
Dessa maneira, a discussão sobre o funcionalismo, relacionando-o diretamente
com a Arquivologia, e sua relação com as partes administrativas, recebeu influência
direta do positivismo de uma “razão prática” muito acentuada.
Essa “razão prática” ganha força a partir dos meios de organização e
ordenação dos documentos, surgindo diversas formas de expressão da “razão
prática”, principalmente pelo sistema ou método de arquivamento, caracterizando
ainda mais essa simbiose pragmática.
Nesse aspecto, esses métodos de arquivamento são o exemplo claro dos
meios funcionais na realidade do arquivo. Então, os laços funcionais e pragmáticos
ainda deixados pela herança positivista se fazem presentes na realidade dos
arquivos nacionais ou internacionais, de modo os que países desempenham
maneiras e meios de organização documental com especificidades, porém, essa
funcionalidade parece que se impregna e transborda as barreiras de territorialidade.
Nessa discussão funcionalista na realidade da Arquivologia e posteriormente
dos arquivos, pontuamos que esses mesmos espaços estão ainda muito presos a
uma hierarquia administrativa, seja ela pública ou privada, através da qual a “razão
prática” e os tipos de arquivamento vieram de alguma forma ser o fio condutor entre
esses dois extremos, colocando ainda mais a organização documental nos arquivos
atrelada aos meios tecnicistas e empiristas.
Na literatura da Arquivologia brasileira, esses tipos de arquivamentos surgem
como facilitadores à vida dos profissionais da Arquivologia indissociáveis à gestão
documental acarretando o funcionalismo.
A tarefa de classificar documentos para um arquivo exige do
classificador conhecimentos não só da administração a que serve,
como da natureza dos documentos. Cada ramo de atividade exige
um método diferente, adequado às suas finalidades. O método de
arquivamento é determinado pela natureza dos documentos a serem
arquivados e pela estrutura da entidade (PAES, 2007, p. 60-61).
A autora define as etapas e os meios de organização dos documentos dentro
das instituições, através de padrões de organização que para nós estão
relacionados aos meios instrumentais e operacionais, colocando o laço funcional dos
arquivos a uma demanda de operações totalmente práticas.
122
É desse modo que as amarras pragmáticas se fazem presentes na realidade
dos arquivistas no Brasil, primeiro por sua formação, cujos os conteúdos curriculares
são desenvolvidos a partir de uma ligação funcional e prática. É necessário, pois,
que essa realidade comece a mudar, e para que isso aconteça os arquivos precisam
se desprender dessa herança positivista/funcionalista tornando-se pertinente que os
próprios arquivistas questionem e problematizem a natureza de sua profissão.
Portanto, os meios funcionais nos arquivos são representados por uma
natureza técnica que se correlaciona à Arquivologia através de princípios e
fundamentos que têm vertentes práticas, um saber-fazer advindo da lógica do
controle estabelecido pelas forças produtivas, pelos benefícios e pela funcionalidade
muito mais administrativa (razão do agir funcional instrumental) do que
epistemologicamente arquivística, no sentido de constituição de sua autonomia
científica.
6.3 A negação da autoimagem: os estilhaços da “ciência arquivística”
A Arquivologia e os arquivos assumiram um papel muito complexo no processo
histórico, e isso se deu por vários fatores: a) primeiro por essa raiz administrativa
que perverteu e condicionou seus próprios fundamentos e princípios a uma forma
empírica de organização documental, logo, ocorrendo uma “sujeição” acentuada por
parte das instituições, principalmente a partir das relações de poder (possuidores
dos arquivos, dos documentos, “das verdades”); b) Segundo, essa negação da
autoimagem acontece porque ainda faltam na Arquivologia metodologias e objetivos
claros, pois nos parece que as formas custodiadas de organização dos arquivos
estipularam processos descritivos dotados de práticas, por meio de uma
circularidade nos moldes de arquivamento de instâncias lineares que estão
imbricadas no processo do saber-fazer e das praticidades objetivadas.
Esses estilhaços pré-estabelecidos ocorrem por diferentes condições, um deles
tem sua grande contribuição através dos próprios profissionais da Arquivologia, que
são formatados pelo saber-fazer, condicionados a um modelo prático e técnico. É
inegável, pois que a Arquivologia está vinculada a padrões que não vão além do
modelo “imediatista” e pragmatista.
123
“A ciência arquivística” existe? Entendemos ser complexo afirmarmos que sim,
pois, há uma carência, não de princípios ou fundamentos, mas de axiomas (teorias
estruturadas) que consigam fundar um campo do conhecimento independente no
cenário da rigorosidade do campo científico.
Esses fragmentos precisam ser pensados e debatidos, de forma que seja
apontado um caminho que faça a Arquivologia trilhar o rumo da alta reflexão, da
emancipação e autofundamentação. Ora, essa negação se dá principalmente pela
formação técnica que o arquivista tem, tornando-se necessário despertar o
arquivista para um perfil indiciário, investigativo e reflexivo. Trazendo esses
estilhaços para a realidade da Arquivologia brasileira, pensamos que leis foram
criadas ao longo do tempo, como um sustentáculo inviolável da aplicação
prático/funcional do saber arquivístico. No entanto, é de se pensar que essas leis
ajudaram a estilhaçar ainda mais a Arquivologia, pelas formas funcionalistas e
positivistas de sua criação. É necessário que os arquivistas reflitam não apenas as
estruturas de imutabilidade e de veracidade das leis, mas, também sobre o jogo de
interesse do Estado que levou à criação dessas estruturas na Arquivologia em seu
“modelo prático” e funcional/pragmático do cotidiano administrativo das instituições.
Dessa forma, entendemos ser preciso ir além da dicotomia do serviço/uso e
sua aplicabilidade no cotidiano, porque a literatura da Arquivologia necessita de mais
discussões no seu entremeio, de forma que não venha apenas ensinar as
praticidades do saber-fazer, dos “modelos práticos” de organização documental;
para Habermas (2009, p. 135), “imperativos técnicos entram em cena na posição
lógica, assumida pelas máximas hipotéticas nas teorias do agir estratégico”. Nesse
sentido, o ato de compreensão na Arquivologia é retraduzido por esse canal
objetivado que é marcado por uma afeição elementar no interior de funcionalidade
da Arquivologia. Com isso, a atividade exegética da pesquisa pode ser ilustrada de
acordo com a figura.
124
Figura 8: A relação hermenêutica da pesquisa
Fonte: Construção do autor com a utilização do software Cmaptools.
Através da figura, percebemos que há uma necessidade de discutir na
literatura os formatos e as estruturas mais complexas da Arquivologia. Sendo assim,
enquanto ela através da organização interna nos arquivos for entendida apenas
como soma de fundos, será difícil fazer uma reconstrução de suas bases teóricometodológicas, haja vista que sua própria autoimagem foi negada ao longo do
processo histórico.
Nessa perspectiva, entendemos que a Arquivologia está “sufocada” por um
canal estreito que determina os moldes de organização a partir daquela instituição
que gera o documento, ou seja, quem administra. A priori, devemos pensar nos
125
fundamentos tidos como “verdade”. Desta feita, é necessário uma (re) construção
epistemológica, uma (re) formulação de seu status.
A autoimagem da Arquivologia é negada, principalmente por um passado
perverso, que deixou marcas profundas tanto na realidade do arquivo (lócus), como
na
Arquivologia.
Assim,
torna-se
crucial
que
os
profissionais
arquivistas
contemporâneos reconstruam os estilhaços deixados pelo agir funcional instrumental
(positivista, prática do saber-fazer, histórico-hermenêutica e empirista). Desse modo,
para que isso aconteça realmente esse profissional deve incorporar esse perfil de
pesquisador, de construtor de saberes, e não apenas ficar “acorrentado” a uma
hierarquia administrativa.
O caminho para (re)construir a “ciência arquivística” de seus próprios estilhaços
é árduo, porque as estruturas já estão edificadas e a autoimagem permanece
negada por questões socioeconômicas e culturais. A formação continuada através
de conteúdos curriculares dos cursos de Arquivologia no Brasil deve ser (re)pensada
e não apenas adequar-se às novas tendências e modelos advindos das tecnologias.
Isso implica dizer que a (re)formulação deve tratar do profissional como um indiciário
que questiona, reivindica e que necessita se desprender da operacionalização
contínua e uniforme. Por conseguinte, torna-se fundamental analisar os ditos, as
revelações auferidas na literatura da área de uma genealogia discursiva que é
marcada por uma suposta cientificidade.
126
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sujeito também precisa poder contar a sua própria história; pois o
estado final de um processo de formação não é alcançado antes que
o sujeito só lembre dos caminhos de identificações e alienações, nos
quais ele se constituiu. Em um processo de formação, nós só
aprendemos sobre o mundo aquilo que experimentamos ao
mesmo tempo em nós mesmos como sujeitos que aprendem
(HABERMAS, 2009, p. 283, grifo nosso).
Ao longo dessa pesquisa tentamos compreender a constituição de um possível
campo científico na Arquivologia, principalmente a partir da contribuição da Ciência
da Informação, acompanhando as principais discussões acerca desse pensamento,
suas diretrizes e desenvolvimento, buscando entender a partir dos princípios e
métodos da Arquivologia a sua possível (não) emancipação como saber autônomo,
“a Arquivologia não conseguiu desenvolver, ao longo dos anos, um corpo de
conhecimentos propriamente científico. O conhecimento produzido no âmbito da
Arquivologia era marcadamente tecnicista” (ARAÚJO, 2011, p. 8).
Para um melhor entendimento desses fenômenos se tornou imprescindível a
utilização das interpretações indiciárias e hermenêuticas, cujas reflexões fez-nos
pensar que um dos principais problemas da Arquivologia se relaciona aos moldes
tecnicistas e de respaldo positivista (funcional/pragmático) e hipercontrolado pelos
interesses de uma sociedade altamente administrativa:
A teoria arquivística evoluiu através de amplas fases da história
social e as refletiu: do positivismo europeu do século XIX ao
“administrativismo” do New Deal americano e, mais recentemente, do
macluhanismo centrado na mídia dos anos 1960 ao historicismo pósmoderno. Se reconhecida, essa natureza mutante da teoria
arquivística será sua força, e não sua fraqueza (COOK, 1997, p. 26).
Percebemos o quanto se faz necessário trazer para o cenário acadêmico tal
problematização, uma vez que a atividade do “saber-fazer” (razão prática)
condenou, de forma muito negativa, a Arquivologia no transcurso do seu próprio
processo histórico. Com isso, não é por acaso que os arquivos são os alvos diretos
da razão instrumental, já que os aspectos de funcionalidade são bem demarcados
nesses espaços, sendo o arquivista muito mais um artífice do que um partícipe,
integrado, mas não incluído, mandado muito mais do que agente. Logo, podemos
127
notar a interação do “saber-se” instrumental da Arquivologia, a partir de um saber
prático internalizado, caracterizado pelo procedimento operatório na realidade dos
arquivos, e um saber prático global que circunscreve todo esse procedimento
instrumental.
Figura 9: O “saber-se” instrumental na Arquivologia
Fonte: Construção do autor com a utilização do software Cmaptools.
Em razão disso, estamos convencidos, de acordo com a hipótese da pesquisa,
de que a Arquivologia ainda necessita de sinais metodológicos mais claros, para
assim poder se constituir como saber emancipado e estruturado enquanto tal.
Segundo Araújo (2011), devido à aproximação com a Ciência da Informação a
Arquivologia
teria
alastrado
seu
“corpus
científico”,
produzindo
assim,
conhecimentos que vão além da dimensão historicista e tecnicista que se impregnou
na Arquivologia no processo de historicização, “a Ciência da Informação ofereceu à
Arquivologia possibilidade de construção de conhecimentos propriamente científicos,
indo além da dimensão de produção de manuais de “como fazer” (ARAÚJO, 2011, p.
9). De todo modo, não concordamos com o autor, pois a Arquivologia, mesmo com
128
essa aproximação com a Ciência da Informação, ainda está ligada a um saber-fazer
instrumental. Logo, a Arquivologia se contorna como uma área que requer mais
discussões
internas,
tornando
essencial
que
se
distancie
das
querelas
administrativas como finalidade imediata e última.
Nessas conjunturas, chegamos a apontar através dos indícios da pesquisa
que para obter esse caráter de cientificidade a Arquivologia teria que definir os seus
próprios métodos, entendendo que os arquivos não são apenas espaços a serviço
das instituições que geram documentos, mas, o arquivo também deve ser
representado e pensado como uma entidade de responsabilidade social através do
componente “informação”.
As contribuições de Habermas foram cruciais para entendermos esses
procedimentos operacionais e tecnicistas que transformaram os arquivos ao longo
da história, justamente naquilo que se torna mais emblemático: lugar dos segredos e
não da memória. Segundo Medeiros (2008, p. 215), “Habermas acredita que as
dimensões históricas e utópicas da consciência caracterizaram o próprio espírito do
tempo”.
Apontar a necessidade de uma metodologia e de um objeto é trazer a reflexão
de que a Arquivologia tem que ser mais discutida pelos próprios arquivistas,
tornando primordial uma restauração dos estilhaços que foram quebrados por
diversas influências no relacionamento com os documentos no processo de
organização dos arquivos.
Percebemos que a “construção” de uma teoria e de uma metodologia mais
contextualizada poderá trazer “saídas” para as incertezas epistemológicas em que a
Arquivologia se insere hoje, e para que isso aconteça de fato deve ocorrer mais
aproximação entre os arquivistas, através da pesquisa e dos questionamentos que
são bases essenciais em qualquer área do conhecimento. Medeiros (2008, p. 218219) vem tecer um pouco sobre o exposto quando aponta: “quando os agentes da
interação tornam-se competentes, do ponto de vista comunicativo, a mobilização de
suas capacidades linguísticas nem sempre se deve ao potencial da racionalidade
embutida nos discursos formais, instituídos sobre o pensar e o agir”.
Nesse sentido, a Arquivologia sofreu a influência de várias correntes como o
positivismo, o pragmatismo, o funcionalismo que, de certa maneira, chegam à
129
realidade do arquivo de forma muito acentuada, impregnada ainda hoje na realidade
da Arquivologia internacional e nacional. Assim, é preciso que os arquivistas venham
discutir tais características, rompendo com as influências reducionistas que só fazem
ainda mais conferir o caráter tecnicista e funcional à Arquivologia.
É possível compreender que os procedimentos da razão técnica sobre os
arquivos, através dos princípios e fundamentos arquivísticos, condicionaram a
Arquivologia a uma ideologia do controle, ficando difícil de visualizá-la como uma
ciência independente e autônoma. Para Medeiros (2008, p. 220), “não há como a
emancipação desenvolver-se em um contexto dependente de um modo de pensar e
agir impregnado de racionalidades técnico-instrumentais”.
Em decorrência disso, as formas adotadas de organização documental nos
arquivos abarcam procedimentos técnicos, legitimados por princípios tidos como
base teórica da Arquivologia, como da proveniência e o da ordem interna ou original,
exemplos da técnica instrumentalizadora na Arquivologia. A ciência procura
entendimento e compreensão acerca dos fenômenos, primando por sinais de uma
reconstrução dos objetos investigativos.
Com isso, um ponto importante que percebemos ao longo da construção desse
trabalho é que há uma carência ainda na literatura, pois poucos autores adentram
nesse universo de cientificidade, e no caso do Brasil ainda é mais grave, pois quase
não há registro. Em razão disso, é oportuno fazer tais discussões, buscando
parâmetros como forma de esclarecer que há uma necessidade de pesquisas na
Arquivologia, possibilitando assim que vá mais além da ação operatória, adentrando
na premissa do conhecer.
Em vista disso, a Arquivologia foi atrofiada aos modelos da “razão prática” no
processo de organização de documentos. Nosso intuito, portanto, foi dimensionar a
carência epistemológica da Arquivologia em torno de uma cientificidade, apontando
seus limiares e destacando, principalmente, os aparatos tecnicistas inscritos em
suas bases.
Mesmo que a formação em Arquivologia no Brasil ainda mantenha suas
referências na pós-custodialidade, esta ainda não oferecerá o status de
cientificidade à área, haja vista que o modelo canadense (pós-custodial) se interessa
pelos aparatos da “tecnologia” e do novo na ligação com a pós-modernidade.
130
Porém, é de se pensar que o mecanismo desses “pós” esbarra nas necessidades e
na falta de um objeto visível e bem formulado.
A Arquivologia vai avançando ao longo do tempo, no sentido de novos meios,
novos suportes, no entanto, as práticas descritivas ainda são as mesmas. Torna-se
primordial na Arquivologia não pensar apenas nessas custodialidades e suas
ramificações, “tradicionais” e “pós-tradicionais”, é necessário entender a dinâmica
metodológica da própria área, a definição de seu objeto, o fortalecimento do
conhecimento (epistemologia) e seus interesses intrínsecos, e assim pensarmos em
uma metodologia de pesquisa em Arquivologia que supere essa ação da funcional
do agir instrumental em seus procedimentos e adquirir uma intelecção mais voltada
para o conhecimento axiomático.
A rigor, nesse cenário que se torna desafiador na e para a Arquivologia, discutir
seu status de cientificidade é provocar que esta deve ir além de normas, princípios e
fundamentos.
Devemos
pensar
na
criação
de
metodologias
e
objetos
epistemológicos mais coesos para a arquivística. É pertinente para que isso
aconteça ir além do rol de dependência e sujeição. Então, o “enforcamento” da
Arquivologia enquanto ciência caracteriza por esses traços burocráticos e
institucionalizadores impregnados pela “razão prática” e tecnicista ancorados pelo
pragmatismo e funcionalismo do Estado.
Ademais, a chama da esperança deve sempre estar acessa para que
possamos contribuir ainda mais para o avanço da Arquivologia brasileira. Então, que
sejamos propagadores e divulgadores de um futuro para a Arquivologia, que
depende de cada um de nós. Por conseguinte, sejamos anunciadores de uma
Arquivologia aos moldes como necessitamos, que “sirva” à administração e a
sociedade, ao privado e ao público, e ao contexto acadêmico e que, sobretudo,
possa (re)configurar sua própria autoimagem e se consolidar cada vez mais
epistemologicamente e indagar-se a si mesma.
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Ciência como técnica ou técnica como ciência: nas trilhas