ABUSO DO DIREITO NO DIREITO DE FAMÍLIA
Roberta Marcantônio
Resumo: Este trabalho trata sobre o abuso do direito no direito de família e
objetivou realizar uma revista da literatura, sobretudo nas obras editadas nos
últimos 15 anos.
Pôde-se verificar que o Direito de Família é um palco fértil para a aplicação da
teoria do abuso do direito, prevista no ordenamento jurídico brasileiro no artigo
187 do Código Civil, sendo constatadas situações de abuso do direito no
exercício do direito de guarda, no direito de visitas, no direto a alimentos, na
síndrome da alienação parental, entre outros casos onde é necessária a
intervenção estatal para punir aquele que se desvia de suas funções e
finalidades, aplicando-lhe as correspondentes sanções civis.
Palavras-chave: abuso do direito - direito de família
Abstract: The aim of this study was to review the literature, concerning law
abuse in family law, focusing on the papers published during the last 15 years.
It could be concluded that the Family Law is a potential area to apply the theory
of law abuse, which is a legal system found in the Brazilian Civil Code´s Article
187. The law abuse could be observed in the exercise of the custody right, the
visit right, the food right, the parental alienation syndrome, among other cases.
The state intervention is necessary to prevent the occurrence of law abuse and
if necessary, to punish one who has strayed from its functions and purposes,
applying the corresponding civil sanctions.
Keywords: law abuse - family Law
Sumário: Introdução; 1 - Conceito de abuso do direito; 2 - O abuso do
direito no ordenamento jurídico brasileiro; 3 - O abuso do direito no
Direito de Família; 3.1 Introdução; 3.2 O abuso do direito de guarda; 3.3 O
abuso do direito de visitas; 3.4 O abuso do direito nos alimentos; 3.5 A
fraude societária e a desconsideração da personalidade jurídica pelo
abuso do direito; 3.6 O abuso do direito e a síndrome da alienação
parental; 3.7 O abuso do direito de impedir o casamento dos filhos
menores; 4 - Conclusão; 5 - Referências.
1
Introdução
O Direito de Família é um palco fértil para a aplicação da teoria do
abuso do direito, porque envolve questões íntimas e carregadas de
sentimentos, onde os excessos são costumeiramente cometidos, sem olvidar
que o limite nessas situações, por ser imperiosamente tênue, é difícil de ser
percebido e mais ainda de não ser extrapolado.
Este trabalho tem a finalidade de identificar situações de abuso do
direito na esfera do Direito de Família, com destaque à análise da ocorrência
de abuso do direito no exercício do direito de guarda, no direito de visitas, no
direito a alimentos, na fraude societária e na desconsideração da
personalidade jurídica, na síndrome da alienação parental e no direito de
impedir o casamento de filhos menores, nos quais foi constatada a
necessidade da intervenção estatal para evitar a ocorrência do abuso do direito
e, se necessário, para punir aquele que se desvia de suas funções e
finalidades, aplicando-lhe as correspondentes sanções civis.
Com mais ênfase são destacados na doutrina os aspectos do abuso do
direito nas relações de trabalho, no Direito de Propriedade e nas relações de
vizinhança, sendo importante pesquisa do abuso do direito na esfera do Direito
de Família, haja vista a constatação das diversas situações suscetíveis de
cometimento de abusos neste campo.
O presente trabalho foi iniciado com a descrição de alguns conceitos de
abuso do direito, para a melhor compreensão do assunto, sendo que
posteriormente serão destacados casos de abuso do direito na esfera do
Direito de Família.
1 - Conceito de Abuso do Direito
Para a melhor compreensão do abuso do direito, imprescindível se
revela a apresentação de alguns conceitos preliminares, os quais serão
reunidos pela sua importância na introdução da teoria do abuso do direito no
ordenamento jurídico brasileiro, que já foi bastante questionada inclusive no
que se refere à expressão consagrada - abuso do direito ou abuso de direito -,
cujo termo, na atualidade, já não encontra mais obstáculos à sua utilização
É conhecido o problema da sistematização teórica do abuso do direito,
porquanto já foi ressaltada a dificuldade de definir a expressão atualmente
consolidada e, por esta razão, alguns autores, como Everardo da Cunha Luna
e Inácio de Carvalho Neto, apenas limitaram-se a enunciar um conceito
genérico acerca do assunto, o que enseja e permite uma compreensão própria
de cada indivíduo sobre o significado do termo abuso do direito.
2
Afirma Everardo da Cunha Luna, um dos pioneiros juristas brasileiros a
discorrer sobre o tema: “O abuso de direito é uma realidade jurídica; sobre sua
essência e conceito, porém, os campos estão abertos e as lutas do
pensamento continuam”1. Segundo Inácio de Carvalho Neto, “chama-se abuso
do direito ao exercício, pelo seu titular, de um direito subjetivo fora de seus
limites”2.
Assevera o jurista Rubens Limongi França que o abuso de direito é “um
ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida
regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito”3.
Assim também pensa Flávio Tartuce, para quem “o abuso do direito é
um ato lícito pelo conteúdo, ilícito pelas consequências, tendo natureza jurídica
mista - entre o ato jurídico e o ato ilícito -, situando-se no mundo dos fatos
jurídicos em sentido amplo”4.
Aduz Porcherot que: “Abusa-se do seu direito quando, permanecendo
nos seus limites, se visa a um fim diferente daquele que para ele teve em vista
o legislador”5.
Abuso do direito significa, portanto, exceder ou transcender os limites
propostos pelo direito que foi conferido ao indivíduo. Por outro lado, não é
equivalente a denegar o direito, pois apenas é possível abusar de um direito do
qual se possui, ou seja, o abuso do direito não é a negação do próprio direito,
como entendeu a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, em dois julgamentos acerca do tema investigação de paternidade, nos
quais o réu se negava a submeter-se ao exame de DNA6.
1
Luna, Everardo da Cunha. Abuso de direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p.43.
Carvalho Neto, Inácio de. Abuso do direito. 4.ed. Curitiba: Juruá, 2007, p.20.
3
Tartuce, Flávio. Considerações sobre o abuso de direito ou ato emulativo civil. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. 1.ed. São Paulo: Método, 2004, p.92. Apud França,
Rubens Limongi. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1997.
4
Tartuce, Flávio. Considerações sobre o abuso de direito ou ato emulativo civil. In: Questões
Controvertidas no novo Código Civil. 1.ed. São Paulo: Método, 2004, p.92.
5
Cf. Abreu, Jorge Manuel Coutinho de. Do abuso de direito. Coimbra: Almedina, 1983, p.17.
2
6
Ementa: “Investigação de Paternidade. Exame Genético. Recusa em Realizá-lo. Efeitos.
Negativa não motivada do investigado em submeter-se ao exame pericial hemato-genético
constitui abuso de direito e, portanto, a negação do próprio direito, eis que cerceia o direito
constitucional de prova do investigante. A impossibilidade de coagir-se fisicamente o recusante
não implica reconhecer legitimidade à recusa. Prova diferida. Prova testemunhal segura do
relacionamento sexual sério e duradouro. Paternidade comprovada. Fixação de alimentos”
(Apelação Cível nº 591043732, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Márcio
Oliveira Puggina, julgado em 07.11.1991).
Ementa: “Investigação de Paternidade. Negativa do Investigado em Submeter-Se ao Exame
Pericial Hemato-Genético. Constitui abuso de direito – e, portanto, a negação do próprio direito
– a negativa imotivada, eis que cerceia o direito constitucional de prova do investigante. A
impossibilidade de coagir-se fisicamente do recusante não implica reconhecer legitimidade à
recusa. Prova diferida. Agravo improvido” (Agravo de Instrumento nº 591058722, 8ª Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Márcio Oliveira Puggina, julgado em 19.09.1991).
3
Vale a pena transcrever o texto de Alaôr Eduardo Scisinio, expresso nos
seguintes termos:
“Longe de ser a negação do direito, como pareceu a alguns pelo fato singular
de situar-se ele acima da inteligência literal da norma, mas ao nível de sua
vontade máxima, o abuso do direito está intimamente, indissoluvelmente,
ligado à finalidade do direito e ao princípio da justiça.”7
Portanto, a locução abuso do direito pode ser muito mais relacionada a
usufrui-lo de maneira exacerbada, ou seja, ultrapassando os limites do objetivo
legal, do que à própria negação do direito, eis que não se pode olvidar que
para exceder o uso do direito é preciso, em primeiro lugar, possuir a
prerrogativa conferida pela lei, que não pode ter sido negada; e tendo esta
prerrogativa, não se pode desviar de sua finalidade, pois quando ocorre este
desvio é que nos deparamos com o abuso do direito.
2 - O Abuso do Direito no Ordenamento Jurídico Brasileiro
No Código Civil de 1916 não houve a previsão legal do abuso do direito;
contudo, a doutrina nacional e a estrangeira apontavam alguns artigos do
Código Civil de 1916 que aparentemente possuíam o cerne da teoria do abuso
do direito que hoje é concretizada, pois vedavam a abusividade no exercício
dos direitos subjetivos.
Entre tais artigos, é com mais frequência citado o disposto no art. 160
do Código Civil de 1916, especialmente o inciso I, que prescrevia: “não
constituem atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício
regular de um direito reconhecido”.
Em sentido oposto, portanto, poderia ser vislumbrada a ilicitude do ato
quando cometido no exercício irregular da prerrogativa conferida pela lei,
configurando, portanto, o abuso do direito.
Além deste, também são referidos os artigos de nºs 1008, 554, 564,
1.530 e 1.531 do Código Civil de 1916.
A teoria do abuso de direito surgiu explicitamente no ordenamento
jurídico brasileiro com o advento do Código Civil em vigor desde 2003, no Livro
III - Dos fatos jurídicos, Título III - Dos atos ilícitos, no artigo 187.
7
Carvalho Neto, Inácio de. Abuso do direito. 4.ed. Curitiba: Juruá, 2007, p.20. Apud Scisinio,
Alaôr Eduardo. As maiorias acionárias e o abuso do direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999, p.59.
8
Art. 100 do Código Civil: Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um
direito, nem o simples temor referencial.
4
O abuso do direito, nos termos do Código Civil, é considerado, portanto,
um ato ilícito, cometido pelo possuidor do direito que extrapola os parâmetros
estabelecidos pelo seu desígnio econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes; no entanto, ainda que a disciplina do abuso do direito tenha
sido inserida no Título III, correspondente aos atos ilícitos, os dois institutos
jurídicos não se confundem, porque o abuso do direito corresponde ao
exercício de um direito de maneira exacerbada e no ato ilícito o indivíduo
afronta diretamente um comando legal, praticando um ato contrário ao direito.
Feitos estes esclarecimentos, insta referir o que consta no artigo 187 do
Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercêlo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”9.
Convém lembrar os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil
(Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942): “Quando a lei for omissa, o
juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito”, e 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum” que servem de
embasamento ao dispositivo legal nº 187 do Código Civil e, consequentemente,
à teoria do abuso do direito.
3 - O Abuso do Direito de Família
3.1 Introdução
A teoria do abuso do direito possui diversos campos de atuação,
atingindo todos os ramos do ordenamento jurídico e sendo a teoria aplicável a
quaisquer espécies de direitos. Explana Lino Rodrigues Bustamante que se
deve à jurisprudência, principalmente, a preocupação por perfilar a teoria do
abuso do direito por meio de suas decisões, fazendo-a extensiva, tanto ao
domínio do direito civil - poder familiar, propriedade, contratos, exercício de
ações processuais - como ao direito público e administrativo - regulamentação
das liberdades individuais e corporativas - e, enfim, ao direito internacional
privado e público10.
A seguir será tratada a questão do abuso do direito na esfera do Direito
de Família, campo amplo para a aplicação da teoria do abuso do direito, repleto
9
Brasil. Código Civil. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
Rodriguez-Arias Bustamante. Lino. El abuso del derecho. 2.ed. Buenos Aires: EJEA, 1971,
p.10.
10
5
de casos em que os tênues limites não raramente são extrapolados, sendo que
estas situações devem ser identificadas e, se necessário, punidas, como forma
de refrear a prática do abuso do direito no âmbito do Direito de Família.
3.2 O Abuso do Direito de Guarda
Cada vez mais são denunciados abusos dos pais guardiões ou dos
genitores não guardiões, situação que acaba ensejando uma série de dúvidas
a respeito de qual seria a melhor maneira de punir o genitor que extrapola o
seu direito de guarda ou de visitas, sem que este castigo reflita na criança,
merecedora de proteção integral.
É que as medidas previstas, inclusive no artigo 1.638 do Código Civil,
sugerem a suspensão e a perda do poder familiar, não obstante devesse ser
incentivado o exercício da guarda como elemento do poder familiar, pois deve
ser privilegiado o melhor interesse da criança e do adolescente.
Os abusos praticados comprometem o convívio familiar e a estabilidade
psíquica da criança e do adolescente, que são, sobremodo, envolvidos e
atingidos pelos conflitos dos pais, razão pela qual devem ser envidados
esforços no sentido de resguardá-los e fazer com que sejam respeitados os
direitos fundamentais garantidos constitucionalmente às crianças e aos
adolescentes, a fim de que sejam resguardados das consequências dos atos
praticados por seus genitores.
É tênue a demarcação existente entre o regular desempenho da guarda
e o seu exercício abusivo, que é dificilmente detectado e raras vezes
comprovado e punido, eis que está abrigado em preceito legal, legitimador
absoluto de práticas que causam prejuízos irreparáveis à criança e ao
adolescente, cuja guarda se exerce sem que o seu interesse seja colocado em
primeiro lugar.
Neste capítulo será tratado exclusivamente o abuso de direito exercido
pelo genitor, ao qual foi conferida a guarda da criança ou do adolescente; no
entanto, será abordado no capítulo seguinte o problema do abuso do genitor
não guardião, ou seja, aquele que não detém a guarda e que possui o direito
ou o dever de visitas, e que, por isso, é responsável por parcela importante de
contribuição no desenvolvimento do filho, que muitas vezes é ignorado ou
usado como moeda de troca pelos pais.
A escolha do genitor guardião antigamente não deixava margem para
questionamentos, pois, maioria das vezes, a guarda dos filhos era destinada à
mãe, enquanto ao pai incumbia o dever de sustento dos filhos.
6
Hoje em dia, a questão da guarda é considerada no sentido de que seja
atendido o princípio do melhor interesse da criança. O guardião não é mais
exclusivamente a mãe, mas sim aquele que demonstrar ter melhores condições
de cuidar da criança e do adolescente, podendo a guarda, inclusive, ser
compartilhada, na qual os pais, em condições de plena igualdade, são
responsáveis pela criação e desenvolvimento dos filhos.
Reforça essa conclusão o artigo 1.584 do Código Civil, que dispõe ser
do juiz a tarefa de atribuir a guarda dos filhos ao cônjuge que revelar melhores
condições para exercê-la, quando não houver consenso entre os pais, sendo
importante ressaltar que, através da Lei nº 11.698, de 16 de junho de 2008,
recentemente sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com
vigência no sexagésimo dia de sua publicação, o referido artigo de lei terá a
sua redação modificada, para fins da aplicação preferencial da guarda
compartilhada quando não houver consenso entre os pais11.
Portanto, ao se atribuir o direito de guarda a um dos pais, é mister que
se tenha em vista essencialmente alcançar o melhor interesse da criança e do
adolescente, com base na doutrina da Proteção Integral, que garante normas
protetivas à criança e ao adolescente, nos termos do artigo 227 da Constituição
Federal, que prescreve: “É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão”12.
Neste sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe em seus
artigos 3º e 4º, seguindo as diretrizes constitucionais: “Art. 3º. A criança e o
adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando11
“Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso,
pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de
dissolução de união estável ou em medida cautelar; II – decretada pelo juiz, em atenção a
necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao
convívio deste com o pai e com a mãe. § 1º. Na audiência de conciliação, o juiz informará ao
pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e
direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas. § 2º.
Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada,
sempre que possível, a guarda compartilhada. § 3º. Para estabelecer as atribuições do pai e da
mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a
requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de
equipe interdisciplinar. § 4º. A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de
cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas
atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. §
5º. Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá
a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de
preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade” (NR).
12
Brasil. Constituição Federal. 5.ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p.133.
7
se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim
de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º. É dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos inerentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”13.
Acerca do melhor interesse da criança, aduz Suzana Borges Viegas de
Lima que: “Na prática, isso se traduz em cuidado contínuo, ensinamento de
valores e princípios, apoio emocional e demais atributos do instituto que se
desempenham visando a concretizar o bem-estar dos menores”14.
O genitor guardião deve proporcionar e incentivar o convívio do filho
com o genitor que não detém a guarda e também com os demais familiares,
avós, tios e primos; contudo, nos casos de abuso, este incentivo é negado e
muitas vezes as visitas não são permitidas, o que causa frustração e desgosto
à criança, que se sente rejeitada e desprezada, por acreditar que é o pai ou os
seus familiares que não buscam a sua companhia.
O direito de visitas aos avós, embora não esteja expresso no Código
Civil, vem sendo reconhecido através da jurisprudência, como ocorreu na
Apelação Cível nº 58303504, julgada pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, em que o então Desembargador Relator Galeno
Lacerda asseverou inexistir carência de ação em demanda proposta por avó
com o objetivo de reconhecer o seu direito de visitas ao neto, pois sempre que
o Direito puder socorrer valores morais, deverá fazê-lo.
Para Suzana Borges Viegas de Lima, a guarda única seria um cenário
comum para a ocorrência do abuso do direito, em razão do desequilíbrio entre
as prerrogativas destinadas ao guardião e ao não guardião, eis que nela “o
genitor guardião se sente inviolável, muitas vezes valendo-se de tal direito para
praticar atos que atentam flagrantemente contra a dignidade dos filhos,
mormente ao privá-los da convivência com o não guardião”15.
Os mais diversos casos de abuso do direito de guarda são denunciados
por pais que tentam de todas as maneiras reconquistar e restaurar a
convivência com seus filhos, inobstante as atitudes egoístas e repletas de
ressentimentos causadas pela separação ou pelo abandono, refletidas nos
filhos, que se tornam objetos de troca na disputa para ver quem tem mais
13
Brasil. Código Civil. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.1.151.
Lima, Suzana Borges Viegas de. O abuso do direito de guarda. In: Bastos, Eliene Ferreira;
Luz, Antonio Fernandes da (Coords.) Família e Jurisdição II. Belo Horizonte: Del Rey, 2008,
p.301.
15
Lima, Suzana Borges Viegas de. Op. cit., p.300.
14
8
poder, e desta insensata contenda, na verdade, os filhos é que sofrem os
maiores prejuízos.
Impedir as visitas dizendo que a criança está doente ou que foi ao
aniversário de alguma amiga ou simplesmente não quer ir com o pai (ou com a
mãe) são, possivelmente, as formas mais corriqueiras de abuso cometido pelo
guardião. Essas desculpas reiteradamente dadas aos pais não guardiões, que
muitas vezes chegam de outra cidade para visitar o filho, acabam cansando e
aborrecendo até os mais persistentes genitores, que, se não possuem muita
perseverança, acabam desistindo de conviver com o filho, ou então resolvem
buscar judicialmente o cumprimento do seu direito. Outra forma comum de
abuso ocorre quando está marcado para o pai (ou a mãe) buscar o filho na
escola para a visita e, quando ele chega no horário marcado, o filho não
aparece. Então, o pai, já apreensivo e angustiado, dirige-se à diretora da
escola para saber sobre o filho e ela lhe informa que a criança saiu um pouco
mais cedo, acompanhada pela mãe.
Conforme Rolf Madaleno: “Frustra as visitas de modo direto o guardião
que procura sair com o menor justamente no horário das visitas, ou que se
nega a entregar o filho sob as mais esfarrapadas desculpas”16.
Exemplos de desculpas dadas pelo guardião em dias de visitação
seriam dizer que a criança está dormindo ou que está adoentada, indisposta,
ou que tem amigos ou opções mais atraentes de programação, tudo com o
intuito de frustrar a visitação aguardada pela criança e pelo genitor.
Também acontece com frequência, ainda que demande mais trabalho, a
mudança de domicílio do genitor guardião, que assim procede visando única e
exclusivamente a impossibilitar o direito à convivência familiar, sendo que este
tipo de manobra já foi destacado no Projeto de Lei nº 6.937/06, de autoria do
Deputado Paulo Baltazar, conforme é depreendido da justificação que
acompanha o texto do referido projeto, que foi arquivado: “Entre os
comportamentos clássicos com relação à má guarda dos filhos está o
deliberado e desnecessário desaparecimento do detentor da guarda do filho do
lugar de domicílio usual para lugar incerto e não sabido, muitas vezes por
capricho ou vingança contra o ex-parceiro. Essa atitude pode trazer
sofrimentos e trauma irreparáveis aos filhos, além de desconforto ao outro
genitor que tem legalmente assegurado o direito de ver o filho e acompanhar o
seu desenvolvimento”17.
As pessoas podem alterar com liberdade os seus domicílios, seja em
razão da busca por melhores oportunidades de trabalho, por motivos de saúde,
para ficar mais próximo de outros familiares que necessitem de companhia em
16
Madaleno, Rolf. Repensando o Direito de Família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007,
p.121.
17
Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2008.
9
razão da idade avançada, entre outros diversos e justificados motivos para a
alteração do domicílio, desde que não procedam desta forma visando tão
somente a impossibilitar o direito do outro genitor que permanece na cidade de
origem a conviver com o filho18.
Se for constatado que a mudança de domicílio não preservou o melhor
interesse do filho, ou, de forma ainda mais grave, teve por finalidade impedir ou
dificultar o direito de visitas, pode ser determinado o desfazimento do ato, com
o restabelecimento do domicílio de origem, ou seja, a sanção direta do ato
abusivo.
Outras formas de punição do genitor que abusa do seu direito de
guarda vêm sendo aos poucos levantadas, e vale ressaltar que nos casos
concretos a reversão da guarda costuma ser a última opção dos magistrados.
Antes da medida extrema, é vista como uma alternativa a fixação de
multa para cada dia que a visita é impedida (astreintes), cuja sanção costuma
funcionar bem, mas apenas quando o guardião possui condições financeiras
para pagá-la; caso contrário, não será uma pena pecuniária que irá impedir
quem nada possui de descumprir a ordem judicial, pois não há meios para
cobrar o valor fixado19.
Outra maneira cogitada é a de modificar a guarda única para
compartilhada; contudo, depende de estudos sobre a condição do genitor não
guardião de assumir a responsabilidade a ele imposta, assim como não é
possível assegurar que o guardião irá passar a cumprir os compromissos e
horários combinados, eis que se já não o fazia apenas poucas vezes por mês,
que dirá em uma rotina mais intensiva de convívio com o genitor que antes não
detinha a guarda.
18
“Guarda de Filho. Pedido de Alteração. Genitora Que Se Muda Para Outro Estado Com as
Filhas. 1. As mudanças de guarda são sempre traumáticas e devem ser evitadas tanto quanto
possível, pois com ela mudam também todos os referenciais da criança, correndo-se o risco de
comprometer-lhe o equilíbrio emocional. 2. Não havendo superveniência de motivo grave para
determinar a alteração de guarda, devem as filhas permanecer sob a guarda materna, com
quem já residem. 3. O direito de guarda não impede a genitora-guardiã de deliberar acerca de
sua vida e buscar o seu espaço profissional onde melhor lhe aprouver, sendo que a mudança
de cidade, motivada por interesse profissional, não enseja a alteração de guarda. 4. Ausentes o
fumus boni juris e o periculum in mora, descabe conceder a tutela cautelar em sede de liminar.
Recurso desprovido” (Agravo de Instrumento nº 70015785090, da 7ª Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do RS, Relator Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em
23.08.2006).
19
Nesse sentido o acórdão nº 70011895190, da 7ª Câmara Cível do TJRS, julgado em 21 de
setembro de 2005, sendo relatora a Desembª Maria Berenice Dias, e assim ementado:
“Guarda. Reversão. Visitas. O eventual descumprimento do direito de visita, de modo a impedir
o seu exercício, não autoriza a reversão da guarda. Obstaculizada a visitação, melhor atende
ao interesse dos filhos a fixação de multa por visita frustrada. Afastadas as preliminares.
Agravo provido”.
10
Há ainda a opção de suspender o pagamento da verba alimentar,
enquanto o guardião não restabeleça as condições normais de visitação, como
maneira de forçá-lo a cumprir a ordem judicial.
Por fim, mas sem esgotar os meios de repreensão ao guardião que
abusa do seu direito, que estão sempre surgindo, é comumente utilizada pelo
Tribunal de Justiça gaúcho a determinação de busca e apreensão da criança,
que com isto sofre traumas e prejuízos incalculáveis, devendo, portanto, ser
este meio empregado apenas como derradeira alternativa, caso as outras
resultem infrutíferas.
Não se pode perder de vista que todas as medidas devem ser tomadas
sem desviar do objetivo de assegurar à criança a proteção integral, a fim de
que seja mantida a sua higidez física e psíquica, e garantir que ela fique
afastada, na medida do possível, desta disputa entre seus pais.
3.3 O Abuso do Direito de Visitas
Na mesma linha de tentativa de demonstração de forças e de poderes
que leva o guardião a abusar de seu direito de guarda, o não guardião também
comete atos que excedem as prerrogativas conferidas por seu direito de visitas,
tanto quando extrapola o seu direito retendo a criança por mais tempo do que o
acordado, como nos casos em que simplesmente resolve abandonar e ignorar
a criança, que cansa de esperá-lo no aguardado dia de visitação, que nunca
ocorre, porque o pai o esquece ou tem outros compromissos que o impedem
de cumprir o acordo de visitas.
No que se refere à primeira hipótese aventada, quando o genitor
extrapola o seu direito de visitas retendo a criança indevidamente, ele excede
os limites do seu direito, praticando um ato desleal e de má-fé, pois a guardiã
ou o guardião que entrega o filho ao visitante espera que ele lhe devolva a
criança na data e horário acordados ou estabelecidos conforme determinação
judicial; portanto, o genitor que não cumpre o esperado comete um ato em
desconformidade às exigências do bem comum.
Ao reter indevidamente a criança, o genitor visitante, além de abusar de
sua autoridade, compromete o bem-estar psíquico e o interesse do infante, que
na maioria dos casos é abruptamente afastado do convívio com a guardiã ou o
guardião e sofre uma repentina modificação em sua rotina.
A violação do acordo de visitas prejudica diretamente a criança, que
paga um alto preço pela irresponsabilidade do genitor visitante, ao colocar o
seu interesse acima do interesse da criança, por quem ele deveria estar
zelando.
11
Com relação ao abuso de autoridade parental, o artigo 1.637 do Código
Civil dispõe que: “Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos
deveres a ele inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz,
requerendo algum parente, ou ao Ministério Público, adotar a medida que lhe
pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo
o poder familiar, quando convenha”.
Em agravo de instrumento da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
RS foi determinada a busca e apreensão da criança, em razão do abuso do
direito de visitas do genitor visitante, que, ao buscar o filho no dia da visitação,
não mais devolveu a criança aos cuidados da genitora guardiã, no dia e horário
combinados20.
A medida da busca e apreensão também foi adotada pelo Tribunal de
Justiça gaúcho no Agravo de Instrumento de nº 70009442500, da 7ª Câmara
Cível, julgado em 06 de outubro de 2004, em razão do abuso do direito do
genitor visitante na sua recusa em restituir o filho à mãe, detentora da guarda
legal, tendo o Desembargador Relator Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chaves asseverado no aresto, para embasar o seu voto, que diante da
presença dos elementos determinantes da tutela cautelar, imperiosa a busca e
apreensão, uma vez que o fumus boni juris decorre de a guarda do filho ter
sido deferida à mãe, sendo indevida e imotivada a retenção da criança pelo
genitor; e o periculum in mora está em que a permanência dele na casa do
genitor enseja situação de risco, seja pela quebra da sua rotina de vida, seja
pela falta de imposição de limites ao menor, razões pelas quais foi concedido o
pedido liminar de busca e apreensão do infante.
Em que pese o procedimento de busca e apreensão da criança seja
eficaz e habitualmente adotado pelos julgadores, não deve ser olvidado que
esta medida deve ser tomada com cautela, diante dos prejuízos que pode
causar ao infante, sendo este meio notoriamente traumático para a criança,
merecedora de proteção integral.
Para impedir que o visitante subtraia ou sonegue o menor ao guardião,
sugere Fábio Bauab Boschi, como um meio excepcional de assegurar a
realização das visitas, que o encontro seja realizado no fórum: “Pode ser
determinada esta forma de visita quando há indícios de que o visitante possa
subtrair ou sonegar o visitado do poder do guardião, mantendo-o consigo além
do tempo que lhe é permitido ficar com ele. Nestas hipóteses, as visitas
deverão ser realizadas integralmente no recinto designado para elas, não
20
“Busca e Apreensão de Menor. Guarda Legal Deferida à Mãe. Acordo de Visitas Violado
Pelo Pai. A violação do acordo de visitas, com a retenção indevida ao menor, configura abuso
de direito por parte do pai, sanável pela via da busca e apreensão, permitindo seja restituído à
mãe, detentora da guarda legal. Deram provimento. Unânime” (Agravo de Instrumento nº
70008335481, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo Relator
o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 07.04.2004).
12
podendo o visitante retirar o menor daquele local, sejam quais forem os
motivos”21.
Outra medida indicada para compelir o genitor a devolver a criança,
sem causar tantos prejuízos e traumas ao menor, é a imposição de astreintes,
sendo que os valores devem ser fixados pelo juiz em quantia significativa por
cada dia excedido pelo pai, e os valores devem reverter para o filho, consoante
precedentes jurisprudenciais.
Leciona Raduan Miguel Filho, sobre as astreintes, como medida
coercitiva destinada a resguardar a autoridade das decisões judiciais e, por
consequência, a própria credibilidade do Poder Judiciário, que tem seus
comandos constantemente aviltados, em nome de um princípio, hoje, bastante
relativizado pelo Direito de Família, da inércia da jurisdição, previsto no art. 2º
do Código de Processo Civil22.
Para Rolf Madaleno, “a pena pecuniária serve como importante
desestímulo aos embaraços oriundos de ressentimentos e traumas ainda não
elaborados e que habitam o subconsciente daqueles pais que romperam a sua
primitiva relação”23.
Não deve se perder de vista que o interesse da criança deve ser
preservado, a fim de que as consequências emocionais sejam minimizadas e
não afetem o seu desenvolvimento físico e psíquico; portanto, havendo um
meio que não envolva a abrupta retirada da criança por um oficial de justiça,
este meio deve ser o escolhido para forçar a devolução do menor.
Por outro lado, o genitor visitante também abusa de seu direito quando
não visita os filhos, quando os faz esperar durante horas e não aparece para
buscá-los e quando ignora os seus clamores, eis que, como aponta Arnaldo
Rizzardo, os filhos têm direito à convivência com os pais, que devem
dispensar-lhes carinho, afeto, desvelo e amizade, sem descurar da autoridade
essencial ao seu normal crescimento24.
Para Rolf Madaleno, “age com abuso o visitante que não busca nem
devolve os filhos nos horários ajustados, ou que para o desespero da mãe
deixa a criança com terceiros que ela desconhece ou em quem não confia”25.
Conforme Cláudio Belluscio, abusa do direito de vistas o genitor que se
omite dos eventos escolares do filho; que expõe o menor a situações de risco e
21
Boschi, Fábio Bauab. Direito de visita. São Paulo: Saraiva, 2005, p.188.
Raduam, Miguel Filho. O direito/dever de visitas, convivência familiar e multas cominatórias.
Família e dignidade humana. In: Pereira, Rodrigo da Cunha (Coord.). V Congresso de Direito
de Família. Belo Horizonte: IBDAM, 2006, p.817.
23
Madaleno, Rolf. Repensando o Direito de Família, p.125.
24
Rizzardo, Arnaldo. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.692.
25
Madaleno, Rolf. Repensando o Direito de Família, p.122.
22
13
de contágio, como ao frio e à insolação; que não tem afeto pela prole nem lhe
proporciona proteção, vestuário e a alimentação adequada quando o rebento
está em sua companhia e sob a sua orientação26.
Nos casos de abuso do pai ou da mãe visitantes, podem ser
implementadas sanções não apenas no sentido de incentivar o pai a cumprir
satisfatoriamente as visitas, como também para obrigar o pai a reparar o afeto
que deixou de destinar aos filhos, não obstante haja entendimentos no sentido
de que pai condenado à pena pecuniária por sua ausência jamais irá se
aproximar do filho, em nada contribuindo pedagogicamente o pagamento da
indenização para restabelecer o amor, conforme refere a autora Maria Aracy
Menezes da Costa27.
Contudo, existindo a possibilidade de esta medida, ainda que
compulsória, surtir resultados positivos, como o restabelecimento do convívio
entre pais e filhos, não deve o Poder Judiciário se omitir de tentar, uma vez
que, consoante referiu o magistrado Fernando Mottola, em sentença proferida
em 09 de novembro de 1983, na ação de regulamentação de visitas de nº
8.930, “não se nega um direito porque duvidosa a sua execução”.
3.4 O Abuso do Direito nos Alimentos
Tal como nos casos de abuso do direito de guarda e de visitas, nos
quais os excessos podem partir tanto do guardião quanto do genitor visitante, o
abuso de direito nos alimentos pode ser cometido pelo alimentante ou pelo
alimentando, que podem, por exemplo, ser os filhos ou a ex-esposa.
A obrigação alimentar é estabelecida de maneira que, com o valor
alcançado mensalmente ao alimentando, ele possa suprir as suas
necessidades de modo geral, com alimentação, moradia, transporte, educação,
lazer, saúde, correspondendo ao conjunto de meios materiais necessários ao
seu sustento28.
Conforme Ênio Santarelli Zuliani: “Alimentar significa dar amparo,
fornecer proteção, prestar, de forma concreta, solidariedade ao parente ou à
26
Belluscio, Cláudio A. Derecho de daños, cuarta parte (B). In: Cúneo, Dario L. (Coord.).
Buenos Aires: Ediciones La Rocca, 2003, p.357. Apud Madaleno, Rolf. Op. cit., p.122.
27
Costa, Maria Aracy Menezes da. Responsabilidade civil no Direito de Família. XII Jornada de
Direito de Família. Rio de Janeiro: COAD, Edição especial, fev. 2005, p.42.
28
Wolf, Karin. Reconvenção e revisional de alimentos. In: Cunha, Rodrigo Pereira da;
Madaleno, Rolf. (Coords.). Direito de Família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p.83.
14
antiga companhia de relacionamento amoroso que passa por dificuldades
financeiras”29.
Abusa do seu direito o alimentante que atrasa o pagamento da pensão
alimentícia, causando toda a sorte de dificuldades aos alimentandos, que
precisam pagar as mensalidades escolares, o supermercado, as contas do
condomínio, da luz, do gás, dos medicamentos, do médico ou do dentista e de
cada um dos intermináveis vínculos de comércio, serviços e fornecimento de
bens e serviços tão indispensáveis ao corriqueiro estilo de vida e modo de viver
a que o alimentando foi habituado30.
Na maioria dos casos em que a obrigação alimentar não é cumprida em
dia, é necessário que o credor de alimentos ajuíze uma execução de alimentos,
que, embora devesse possuir um rápido deslinde, acaba sendo demorada e
causando verdadeira aflição ao alimentando, que ingressa em uma verdadeira
batalha contra a demora no pagamento de sua pensão.
Com relação à ação de execução de alimentos, diversas vezes o
devedor, na tentativa de postergar o cumprimento da obrigação alimentar,
comete verdadeiro abuso do seu direito de defesa ao opor resistência
injustificada ao andamento da execução, com argumentos descabidos e
meramente protelatórios, o que acaba reduzindo a prestação jurisdicional em
sede de alimentos atrasados e ferindo a dignidade do alimentando.
O abuso no exercício da demanda é vislumbrado tanto na propositura
de lides temerárias, como já dispunha o art. 3º do Código de Processo Civil de
1939, ao estabelecer que responderia por perdas e danos a parte que
intentasse demanda por espírito de emulação, mero capricho, ou erro
grosseiro, bem como na resistência injustificada oposta pelo réu ao
prosseguimento da demanda judicial, nos termos do parágrafo único do
referido artigo de lei, ao prescrever que o abuso de direito seria verificado, por
igual, no exercício dos meios de defesa, quando o réu opusesse,
maliciosamente, resistência injustificada ao andamento do processo31.
29
Zuliani, Ênio Santarelli. Alimentos para filhos maiores. In: Couto, Sérgio; Madaleno, Rolf;
Milhoranza, Mariângela (Coords.). Direito de Família e Sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez,
2007, p.133.
30
Madaleno, Rolf. Direito de Família em Pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004,
p.175.
31
Art. 16 do CPC/73. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor,
réu ou interveniente. Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou
defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III –
usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao
andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do
processo; VI – provocar incidentes manifestamente infundados. VII – interpuser recurso com
intuito manifestamente protelatório. Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento,
condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da
causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários
advocatícios e todas as despesas que efetuou.
15
Logo, para recorrer às instâncias judiciais, é mister ter um direito a
reintegrar, um interesse legítimo a proteger, ou ainda um motivo sério para
invocar a tutela jurídica, como se dá nas ações declaratórias.
Por estas razões, a parte que intenta ação vexatória incorre em
responsabilidade, porque excede os limites de seu direito, assim como,
reciprocamente, o réu que opuser, de má-fé, uma resistência injustificada à
demanda contra ele intentada está exposto a uma semelhante condenação32.
Acerca do abuso no processo executivo, é considerado ato atentatório à
dignidade da justiça o ato do devedor que frauda a execução, ou se opõe
maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos,
injustificadamente emprega resistência às ordens judiciais, ou não indica ao
juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução, conforme dispõe o artigo
600 do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, leciona Rolf Madaleno: “Verifica-se o abuso do direito de
defesa quando o executado opõe resistência injustificada ou maliciosa ao
andamento da execução, deduzindo pretensão com a qual ataca a causa que
enseja a execução, sem qualquer consistência fática ou jurídica, ou sugerindo
tese absolutamente insustentável, visando exclusivamente ao retardamento da
prestação jurisdicional. E reduzir a prestação jurisdicional em sede de
alimentos atrasados é ferir de morte órgão vital do exequente que luta com total
desespero contra a insuportável e nefasta demora no pagamento de sua
pensão alimentar”33.
Resta evidenciado, portanto, o abuso de direito do alimentante ao
frustrar o pagamento da pensão alimentícia e ainda se valer de tentativas de
defesa insustentáveis para procrastinar a cobrança dos alimentos devidos34.
A fim de punir o alimentante que excede o seu direito de defesa, pode
lhe ser imposto o pagamento de uma indenização pelos danos causados ao
credor de alimentos, que sofreu não somente prejuízos financeiros como
abalos psicológicos.
Rolf Madaleno destaca a viabilidade do ressarcimento do credor pela
procrastinação de seu crédito alimentar: “Permite a execução pela via da
dignidade da pessoa humana estabelecer uma fértil composição de expeditos e
32
Martins, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1997, p.71.
33
Madaleno, Rolf. Direito de Família em Pauta, p.174-175.
Nesse sentido, o acórdão nº 70020686382, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
RS, sendo Relatora a Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado em 24.07.2007 e assim
ementado: “Superada a fase de justificação, não se justifica a designação de nova audiência,
pois evidente as manobras procrastinatórias do devedor. Agravo provido”. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 4 maio 2008.
34
16
pontuais procedimentos processuais, todos eles ensaiados para conferir,
mesmo de ofício, dignidade à Justiça e ao credor da prestação alimentar,
valendo-se da possibilidade de ser moralmente ressarcido pela procrastinação
maliciosa de seu inquestionável crédito alimentar, pois importa, acima de tudo,
devolver ao processo de execução alimentar a velha crença de que a pensão
em atraso dá cadeia e gera outras eficazes soluções jurídicas de rápida
satisfação processual”35.
O que importa, nestes casos de abuso do direito do genitor alimentante,
é a busca de medidas para reduzir ou até mesmo abolir os atos
procrastinatórios do devedor, inclusive o que procura rediscutir as suas
possibilidades financeiras no processo de execução, que não é palco para este
tipo de debate, a fim de que a ação executiva cumpra seu objetivo de preservar
a dignidade do credor de alimentos, mediante a celeridade e a efetividade do
processo executivo.
Por outro lado, embora tenham sido estudados casos de abuso do
direito pelo alimentante e ventiladas hipóteses para conter estes abusos,
cumpre ressaltar que, pela via inversa, há casos em que os próprios
alimentandos abusam do seu direito de receber alimentos e protelam, neste
caso, não mais as ações de execução, como fazem os alimentantes, mas sim
as demandas exoneratórias de alimentos, causando severos prejuízos aos
devedores da pensão alimentícia, que já não tem mais razões de continuar
sendo alcançada.
Há casos em que os filhos maiores e capazes ou ex-cônjuges em novo
relacionamento não obstante exerçam atividade profissional remunerada e não
dependam mais da pensão alimentícia do pai ou da mãe, ou do ex-esposo,
continuam recebendo estes valores, causando imensos prejuízos ao
alimentante, que se vê obrigado a ingressar com demoradas demandas
exoneratórias, propositadamente postergadas pelo alimentando, beneficiado
pelo fato de os alimentos serem considerados irrestituíveis ou irrepetíveis.
A pensão alimentícia não serve como complementação de renda e
tampouco para equiparar riquezas, principalmente no caso dos alimentos para
filhos maiores e ex-cônjuge ou convivente, sendo que nestas duas últimas
situações o direito à pensão alimentícia é cada vez mais raro, “especialmente
em decorrência da propalada igualdade constitucional dos cônjuges e dos
gêneros sexuais, reservada a pensão para casos pontuais de real necessidade
de alimentos”36.
35
36
Madaleno, Rolf. Direito de Família em Pauta, p.177.
Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.712.
17
De qualquer modo, o artigo 1.694 do Código Civil permanece dispondo
acerca do direito a alimentos entre cônjuges e companheiros, e da mesma
forma o artigo 1.702 do referido diploma legal.
Acerca dos alimentos para filhos maiores e capazes, são devidos
quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo
seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode
fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento, nos termos do art.
1.695 do Código Civil.
Além disso, como consta no art. 1.696 do mesmo diploma legal, o
direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a
todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns
em falta de outros.
Ou seja, pais e filhos são sujeitos do direito a alimentos, em
lugar na ordem de vocação alimentar. Assim, em que pesem os
tenham completado 18 anos, ainda poderão pedir que os pais lhes
alimentos, se preencherem os requisitos para o reconhecimento do
prestação alimentar.
primeiro
filhos já
prestem
direito à
Refere Guilherme Calmon Nogueira da Gama que: “O dever de prestar
alimentos pelos pais permanecerá enquanto subsistirem as razões que
motivaram a própria aplicação da norma legal”37.
O recebimento de alimentos por filhos maiores, que necessitam da
verba alimentar para a conclusão de seus estudos universitários, tem sido
garantido pelos magistrados38, como aduz Ênio Zuliani: “Os filhos que atingem
a maioridade e que são perfeitamente aptos ao trabalho figuram entre os
credores de alimentos para a conclusão de cursos universitários ou
37
Gama, Guilherme Calmon Nogueira da. Alimentos entre parentes e Direito Processual Civil.
In: Cunha, Rodrigo Pereira da; Madaleno, Rolf. (Coords.). Direito de Família: processo, teoria e
prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.306.
38
Reiterada jurisprudência tem afirmado a não cessação da obrigação paterna diante da
simples maioridade do filho, determinando a manutenção do encargo até o limite de 24 anos
deste (limite este extraído da legislação sobre o Imposto de Renda), enquanto estiver cursando
escola superior, salvo se dispuser de meios próprios para a sua manutenção. Gontijo,
Segismundo. Alimentos, seleções jurídicas COAD, jun. 2003, p.33. Apud Zuliani. Ênio. Op. cit.,
p.142. Neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça gaúcho, assim ementado: “Alimentos.
Filhos Maiores Que Não Trabalham. Filho Estudante Universitário. Adequação do Quantum. 1.
Os alimentos devem se amoldar ao binômio necessidade e possibilidade. 2. É inequívoca a
necessidade dos filhos quando recentemente atingiram a maioridade civil e estão estudando
regularmente, um deles em estabelecimento de ensino superior, e se encontram
desempregados. 3. Como a alimentante mantém relação de emprego e tem ganhos salariais
fixos, os alimentos devem ser fixados em percentual sobre os seus ganhos, pois assegura o
equilíbrio no binômio possibilidade-necessidade, garante reajustes automáticos e evita mais
desgastes na relação pessoal entre mãe e filhos. Conclusão nº 47 do CETJRS. Recurso
provido em parte” (Agravo de Instrumento nº 70023292998, 7ª Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 16.07.2008).
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 02 ago. 2008.
18
profissionalizantes, um enunciado que se afirma sem base legislativa;
garantiram a eles esse direito os juízes, pela jurisprudência que criaram”39
Contudo, da mesma forma como é assegurado pela jurisprudência o
direito ao recebimento de alimentos por filhos maiores em curso superior até o
término de seus estudos universitários, é dever destes a comprovação de suas
condições de universitários dependentes da verba alimentar, provando as suas
frequências, assiduidade e bom aproveitamento das disciplinas cursadas nas
faculdades escolhidas; e caso seja comprovado o excesso de faltas ou
aproveitamento pífio dos estudantes, os alimentados não farão mais jus ao
alcance da verba alimentar excepcionalmente destinada após atingirem a
maioridade.
Isto porque a magnitude da obrigação alimentar não se coaduna com
abusos, como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação Cível nº
113.481-4/8, julgada em 28 de setembro de 1999, ao exonerar o genitor do
dever de prestar alimentos ao filho maior, estudante do curso noturno de
Direito, que, com mensalidades asseguradas pela pensão de avó materna, com
alimentação e vestuário garantidos pela genitora, exige do pai, sem demonstrar
disposição para o trabalho, um verba que emprego de meio período diurno
poderia proporcionar40.
Também foi motivo para exonerar o pai da prestação alimentar a
desídia da filha maior que pretendia auxílio paterno para continuar seus
estudos na Faculdade de Direito, pelo fato de ter sido verificada a sua
reprovação em 80% das matérias ministradas, além de cometer excessivo
número de faltas, comprobatórias de sua indisciplina e desleixo para com os
estudos41.
Logo, ao extinguirem-se os motivos que ensejaram a permanência da
prestação alimentícia aos filhos maiores e capazes, com efeito que deve ser
extinta a obrigação do alimentante, eis que os alimentos são para quem
definitivamente não possui condições de arcar com a sua mantença sem o
auxílio alimentar, porquanto o vínculo alimentar para os filhos maiores é
excepcional, exige transparência e equivalência de deveres e obrigações.
Nesse sentido, a lição do Desembargador Ênio Zuliani: “O mau uso da pensão
complementar é motivo para se dar como perdido o direito de exigir, do pai ou
avós, a complementação alimentar necessária para conclusão universitária, por
ser inadmissível financiar projetos inúteis ou devaneios de alunos medíocres”42.
39
Zuliani, Ênio Santarelli. Alimentos para filhos maiores. In: Couto, Sérgio; Madaleno, Rolf;
Milhoranza, Mariângela (Coords.). Direito de família e sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez,
2007, p.136.
40
Zuliani, Ênio. Op. cit., p.151.
41
Zuliani, Ênio. Op. cit., p.152.
42
Zuliani, Ênio. Op. cit., p.153.
19
Os filhos maiores que, embora estejam matriculados em uma
Universidade, não apresentam bons rendimentos ou são reprovados em
diversas cadeiras, assim como os alunos que não são assíduos e tampouco se
preocupam em concluir seus estudos no menor tempo possível, não são
merecedores da excepcional pensão alimentícia que lhes é destinada, ainda
mais quando a demora na conclusão de seus estudos ocorre de maneira
propositada, com o objetivo de prolongar o recebimento dos alimentos.
Também não se enquadram no rol de destinatários da extraordinária
verba aqueles que passaram a exercer atividade laboral remunerada,
terminaram seus estudos e a sua formação profissional ou, ainda, formaram
família e agora dependem do cônjuge, ou que já conquistaram rendas próprias
de onde possam tirar os seus sustentos.
Portanto, ao continuaremrecebendo mensalmente os desnecessários
alimentos, enriquecem ilicitamente, porquanto não há mais razão para a
mantença de seu crédito, pois já possuem condições de proverem seu sustento
independentemente dos valores alcançados pelos alimentantes.
Para Rolf Madaleno, estes alimentos deixam de ser irrepetíveis, porque
ingressaram em uma faixa de nebulosa licitude, suscitando, entre outros
efeitos, o da cessação instantânea da obrigação e a obrigação adicional de ter
de devolver os valores indevidamente recebidos43.
Acerca da possibilidade de devolução dos valores, embora imperasse o
entendimento de que, em nenhum caso, a verba alimentar poderia ser
restituída, em face do princípio da irrepetibilidade dos alimentos44, está
lentamente ocorrendo uma modificação da jurisprudência neste sentido, que
passou a analisar e redimensionar o princípio da irrepetibilidade conforme
critérios ético-jurídicos visando à concretização da justiça, através da eticidade
e da boa-fé objetiva, a fim de reprimir abusos de quaisquer direitos e vedando
atitudes que contrariam as premissas da ética e da boa-fé.
À vista da preservação dos valores éticos e de boa-fé, o Tribunal de
Justiça de Santa Catarina julgou parcialmente procedente a Apelação de nº
2004.034220-945, para declarar a inexistência do dever alimentar do autor,
retroativamente à data de 1º de setembro de 2000, condenando a ré à
devolução dos valores indevidamente recebidos a partir desta data, por
43
Madaleno, Rolf. Curso de direito de família, p.729.
Nesse sentido, o acórdão referente à Apelação Cível nº 2002.012347-7, julgada em
17.06.2003, pela 1ª Câmara de Direito Civil e assim ementado: Apelação Cível. Execução
provisória. Alimentos. Restituição dos valores pagos indevidamente. Impossibilidade. Princípio
da irrepetbilidade. Recurso Desprovido. Em sendo a pensão alimentícia destinada a fins
genéricos, de sustento e manutenção da vida do alimentado, não cabe a restituição dos valores
já pagos, em face do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Disponível em:
<http://www.tjsc.gov.br>.
45
Disponível em: <http://www.tjsc.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2008.
44
20
entender que cabia à requerida informar o seu ex-marido sobre a união estável
por ela formada, solicitando a imediata suspensão dos pagamentos da pensão
alimentícia.
E isto porque, a partir da união estável, os alimentos pagos, de boa-fé
pelo alimentante, deixaram de ser devidos pela má-fé da alimentanda. A
conduta exigível da credora dos alimentos era a de comunicar ao alimentante o
seu novo relacionamento, o que ocorreria conforme os valores éticos e de boafé; entretanto, preferiu continuar a receber a verba alimentar sem causa jurídica
que a amparasse desde o ano de 2000, em que se iniciou a união estável.
A devolução de recursos se justificaria porque a atitude esperada do
alimentando se agisse com boa-fé era a de denunciar o fim de sua
dependência alimentar e interromper o recebimento da sua pensão alimentícia
No entanto, muitos alimentandos preferem ocultar a sua nova situação
de independência financeira e, sabedores da lentidão do Judiciário, preferem
aguardar o alimentante ingressar com a ação exoneratória de alimentos, que
pode levar anos para chegar ao fim e, enquanto não transita em julgado a
sentença de procedência da exoneração dos alimentos, continuam recebendo
a confortável pensão alimentícia.
O mesmo ocorre com o ex-cônjuge que continua recebendo alimentos
quando já conseguiu meios próprios para arcar com o seu sustento, seja
através de seu reingresso no mercado de trabalho, ou mesmo por ter recasado,
recebido uma herança ou qualquer outra fonte de rendimentos que lhe
proporcione viver sem a pensão alimentícia que outrora necessitava.
Importante destacar que, não obstante a atitude mais correta fosse a do
alimentando denunciar a sua independência financeira e, com isso, a extinção
de sua necessidade alimentar, é raro o alimentando declarar este fato, o que
acaba convertendo os alimentos em uma renda extra, a qual, como dito,
praticamente nunca é dispensada por livre e espontânea vontade.
Portanto, a fim de evitar o prejuízo ainda maior do alimentante em face
do abuso do direito do alimentando, é mister o deferimento da exoneração de
alimentos em tutela antecipada nos casos de flagrante desnecessidade do
recebimento da verba alimentar, para evitar que o alimentando continue credor
de alimentos durante o trâmite da ação exoneratória, sem olvidar a afronta à
moral jurídica que seria permitir o enriquecimento indevido do alimentando,
diante da expressa proibição do artigo 884 do Código Civil46.
46
Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família, p.730.
21
3.5 A Fraude Societária e a Desconsideração da Personalidade Jurídica
Pelo Abuso do Direito
A desconsideração da personalidade jurídica se trata da superação
desta personalidade jurídica, e tendo em vista que pessoa jurídica e sócio
possuem autonomia patrimonial, esta superação somente deve ocorrer quando
restar provado que o dano ao credor ocorreu de uso fraudulento ou abusivo da
autonomia patrimonial47.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica tem por fim a
permissão de se penetrar no âmago da personalidade constituída por
concessão legislativa a um ente jurídico, permitindo que se encontre seus
administradores a fim de responsabilizá-los por atos praticados através do uso
da pessoa jurídica48.
Conforme Rolf Madaleno: “A desconsideração visa a preservar e a
aprimorar a disciplina da pessoa jurídica, ao coibir o recurso da fraude e do
abuso que podem ser praticados através dela”49.
Convém ter presente que desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade somente pode ser concedida em casos excepcionais, tais como
fraude a execução, fraude à credores, dissolução irregular da sociedade,
violação da lei, excesso de poder, violação dos estatutos da sociedade, assim
como nos casos em que restar evidenciada a ocorrência de abuso do direito.
Aduz Luciano Dequech que: “A organização mercantil sob a forma de
sociedade permite que seus sócios, imbuídos de má-fé, com o intuito de
fraudar ou de limitar indevidamente sua responsabilidade patrimonial, utilizemse em prejuízo de terceiros do ‘escudo’ criado pela separação entre a sua
personalidade e a personalidade jurídica de sua sociedade”50.
Além do constante emprego da desconsideração da pessoa jurídica nas
relações de Direito de Trabalho e do Consumidor, ocorre no Direito de Família
brasileiro a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica quando o
sócio cônjuge ou convivente, através do abuso da sociedade conjugal, pela via
da simulação ou da fraude, desviar bens particulares, pertencentes à
sociedade afetiva e agrupá-los sob o manto de uma estrutura societária já
existente ou criada com o único propósito de fraudar a meação do cônjuge ou
do convivente ou para sonegar alimentos.
47
Madaleno, Rolf. Direito de Família em Pauta, p.134.
Nahas, Thereza Christina. Desconsideração da pessoa jurídica: reflexos civis e empresariais
no direito do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p.94.
49
Madaleno, Rolf. Direito de Família em Pauta, p.134.
50
Dequech, Luciano. A desconsideração da personalidade jurídica. In: Delgado, Mário Luiz;
Alves, Jones Figueiredo. Questões controvertidas. Parte Geral do Código Civil. Método: São
Paulo, p.251.
48
22
Para a utilização do instituto da desconsideração da personalidade
jurídica, agregada a esses requisitos mencionados, deve estar caracterizada
flagrante injustiça.
Dispõe o artigo 50 do Código Civil de 2002: “Em caso de abuso da
personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Cabe ao Juízo verificar se o uso da personalidade jurídica causa abuso
do direito ou fraude, para, através da análise destas circunstâncias, utilizar o
instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Esse tema é muito bem analisado pela Desembargadora Rejane Maria
Dias de Castro Bins, Relatora do acórdão relativo à Apelação Cível de nº
70005407044, julgada pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, ao referir que: “A aplicação da disregard doctrine
objetiva justamente desvendar a realidade que se oculta sob os véus do
formalismo jurídico, para que este não prevaleça em detrimento dos credores e
de terceiros de boa-fé”51.
A fim de ser determinada a medida invasora da seara da personalidade
jurídica, são necessárias a arguição de desvio de finalidade, dissolução
irregular da sociedade e confusão patrimonial, sendo que, no âmbito do Direito
de Família, a ocultação do patrimônio conjugal sob o manto da personalidade
jurídica se presta tanto para evitar a partilha deste patrimônio como para
ocultar os verdadeiros recursos e a efetiva condição social do cônjuge sócio, no
referente à fixação da pensão alimentícia aos seus dependentes.
Importante ressaltar que a medida da desconsideração da
personalidade jurídica serve como uma maneira mais eficaz de buscar os atos
abusivos do sócio que através do uso fraudulento e abusivo da personalidade
jurídica causou prejuízo a terceiro, seu credor. Nesse sentido a lição de Rolf
Madaleno: “Desimportam as atividades licitamente realizadas pela sociedade,
mas cabe buscar os atos abusivos daquele sócio que se escondeu sob a
máscara jurídica para causar dano a terceiro que é seu credor, sem que este
precise recorrer às vias jurídicas da simulação, revogação e outras tantas
complicadas ações de nulidade e anulação de atos jurídicos decorrentes do
uso abusivo do meio técnico da personalidade jurídica”52.
Acerca dos estratagemas efetivados por empresários que desviam
todos os seus bens para a empresa para prejudicar o cônjuge no momento da
51
52
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 4 maio 2008.
Madaleno, Rolf. Direito de Família em Pauta, p.139.
23
partilha, o Tribunal de Justiça gaúcho tem deferido a produção de provas nos
processos de separação judicial ou de alimentos, por exemplo, para a
comprovação do desvio de bens do casal para o nome da empresa, tal como
procedeu a 7ª Câmara Cível, através do acolhimento unânime do voto do
Relator, Desemb. Luiz Felipe Brasil Santos, no Agravo de Instrumento nº
70016600454, de que embora seja notório que a pessoa jurídica não se pode
confundir com a pessoa física de seu titular, tem merecido crescente prestígio
na jurisprudência e na doutrina especializada a disregard doctrine, aplicada ao
Direito de Família, de modo justamente a evitar conhecidas estratégias
praticadas por empresários que desviam todo o seu patrimônio para a
empresa, de forma a lesar o cônjuge no momento da partilha.
Aduz Rolf Madaleno que “a exegese da disregard não busca negar a
pessoa jurídica, mas, antes, até visa a resguardá-la, como instituição de direito,
ao desconsiderá-la excepcionalmente, uma vez apurada a utilização intencional
da fraude ou do abuso de direito”53.
Muitas vezes o automóvel do cônjuge sócio e o da sua esposa são
colocados em nome da empresa, assim como o imóvel da praia ou até mesmo
a residência do casal são postos em nome da empresa do cônjuge e, além
disso, costuma ocorrer o emprego de recursos do casal na constituição da
empresa, sendo que esta confusão no patrimônio conjugal e empresarial acaba
ensejando o pedido de desconstituição da personalidade jurídica da empresa,
como ocorreu no julgamento do Agravo de Instrumento de nº 70022663454,
que tramitou perante a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, sendo Relator o Desembargador Alzir Felippe Schmitz,
julgado em 10 de abril de 2008 e assim ementado: “Agravo de instrumento.
Separação litigiosa. Alimentos. Presente a verossimilhança das alegações de
mau uso da personalidade jurídica para a ocultação de bens e rendas, não há
falar em impossibilidade do requerimento de demonstração dos extratos
referentes às movimentações da pessoa jurídica. Negaram provimento.
Unânime”54.
Ainda no pertinente à aplicação do instituto da disregard, também pode
ser empregado quando for verificado que um dos cônjuges abusou de sua
condição de sócio de empresa e alienou fraudulentamente as cotas sociais da
empresa conjugal ainda na vigência do casamento, quando devidamente
comprovado que a alienação das cotas sociais ainda durante o matrimônio foi
efetivada tão somente com o intuito de fraudar a meação do outro cônjuge, pois
53
Madaleno, Rolf. A desconsideração da personalidade jurídica na sucessão legítima. In:
Delgado, Mário Luiz; Alves, Jones Figueiredo. Questões Controvertidas. Parte Geral do Código
Civil. Método: São Paulo, p.278.
54
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 4 maio 2008.
24
esquematizada sem a existência de qualquer dificuldade econômica ou em
período próximo à efetivação da separação do casal55.
Tem sido ampla e eficaz a jurisprudência que aplica a desconsideração
da personalidade jurídica sempre que houver incompatibilidade entre o
ordenamento jurídico e o resultado a que se atingiria, no caso concreto, através
da utilização da pessoa jurídica, tal como procedeu a 7ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do RS, ao improver o Recurso de nº 594069379, através do
acolhimento unânime do voto do Relator, Desemb. Paulo Heerdt, ao referir que
deveria ser desconsiderada a personalidade jurídica de sociedade por cotas
formada por dois sócios, concubinos casados pelo religioso, rejeitando-se
pedido de liminar em embargos de terceiro promovidos pela sociedade,
visando a obstar ao arrolamento de bens promovido pela mulher. Possibilidade
de fraude do varão, ocultando sob o manto da pessoa jurídica, que, em
realidade, estava agindo em nome próprio e não da sociedade56.
Assevera Jones Figueiredo Alves57 que é preciso ter em conta que o
abuso de direito no contexto societário conjugal reflete de forma mais incisiva
um dano patrimonial impregnado da conduta culposa do respeito ao outro
cônjuge, em prejuízo dos direitos daquele consorte, tornando possível, por
exemplo, compreender com Rolf Madaleno uma diuturna constatação do mau
uso da pessoa jurídica, pelo cônjuge empresário, para a qual faz despejar,
senão todo, ao menos o rol mais significativo dos bens comuns, como anteparo
da fraude à meação.
É aplicada a desconsideração da personalidade jurídica também nos
casos em que se verifica a fraude à sucessão legítima, sendo exemplo comum
desta fraude quando um pai constituiu sociedade empresarial com somente
dois filhos, excluindo o terceiro, e somente o genitor realiza os aportes reais do
patrimônio da sociedade, que consistem da maioria ou da totalidade de seus
bens pessoais, sendo que, ao falecer, todos os seus filhos herdarão suas
55
Neste sentido, o acórdão nº 70016529604, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, sendo relatora a Desembargadora Maria Berenice Dias, julgado
em 20 de dezembro de 2006 e assim ementado: “Apelação. Juntada de Documentos. Não se
conhece dos documentos juntados com o apelo em inobservância à previsão contida no art.
397 do diploma processual civil, mormente quando a análise de tal documentação implicaria
supressão de um grau de jurisdição. Partilha de bens. Disregard. Demonstrada nos autos a
alienação fraudulenta de cotas sociais na vigência do casamento, é de ser aplicado o instituto
da disregard, a fim de salvaguardar a meação do consorte prejudicado. Alimentos devidos à
ex-cônjuge. Evidenciada a capacidade financeira do varão, que durante todo o processo
manteve atitude dissimulada quanto às suas reais possibilidades, mostra-se impositiva a
manutenção do quantum alimentar fixado na sentença. Ônus sucumbenciais. Impõe-se o
redimensionamento dos encargos de sucumbência estabelecidos em primeira instância em
desconfomidade com o art. 21 do Código de Processo Civil. Apelos providos em parte.”
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 4 maio 2008.
56
Madaleno, Rolf. A desconsideração da personalidade jurídica na sucessão legítima. Op. cit.,
p. 279.
57
Alves, Jones Figueiredo. Abuso de Direito no Direito de Família. Anais V Congresso
Brasileiro de Direito de Família, 2006, p.487-488.
25
quotas sociais; contudo, o filho que foi excluído da sociedade quando de sua
constituição será apenas um sócio minoritário, enquanto os demais irmãos
formarão o grupo majoritário daquela empresa58.
A disregard doctrine também vem sendo aplicada nas execuções de
alimentos, nos casos em que o devedor, ostentando bom padrão de vida e
possuindo rentável empresa, não possui bens em seu nome, escondendo-se
no manto da pessoa jurídica para manter-se inadimplente, tal como procedeu a
7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar o
Agravo de Instrumento nº 70012013504, decidindo aplicar a teoria da
desconsideração da pessoa jurídica nos autos da execução de alimentos, em
face da dívida alimentar que se avolumava, enquanto o devedor não possuía
bens em seu nome, passíveis de penhora, porque havia tratado de transferi-los
para a sua empresa, com bons rendimentos, a proporcionar ao devedor um
diferenciado padrão de vida.
Conforme Rolf Madaleno, “são ricas e pródigas as condutas societárias
que procuram impedir o cumprimento de um acordo ou de uma sentença
alimentar judicial, diminuindo ou desaparecendo, com o recurso da
personalidade jurídica, o lastro patrimonial”59.
Portanto, nos casos em que restarem configurados fortes indícios de
abuso do direito do cônjuge ao desviar bens da sociedade conjugal para
empresa constituída em nome de terceiros, alienar as cotas sociais da empresa
do casal de forma dolosa, com a intenção de fraudar a meação do outro
cônjuge, obstaculizar a cobrança de alimentos ou, ainda, fraudar a sucessão
legítima, é imperiosa a aplicação do instituto da disregard, para que o
verdadeiro patrimônio conjugal seja apurado, inclusive mediante prova pericial,
caso necessário, para que seja reposto o patrimônio desviado e partilhado de
forma correta entre o casal, entre os filhos ou para que sejam estabelecidos os
alimentos e o valor condizente com as reais possibilidades do alimentante.
Importante ressaltar ainda que nas demandas de Direito de Família
também são verificadas situações de verdadeira fraude através da utilização de
pessoas físicas, cujos nomes são emprestados para a colocação de bens, para
desviá-los do patrimônio do casal ou para ocultar a verdadeira situação
financeira do fraudador.
Neste sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, no Agravo de Instrumento nº 7001743183460, julgado em 30 de novembro
de 2006, através do qual foi mantida a decisão que advertiu o devedor de
alimentos que a sua conduta processual constituiu ato atentatório à dignidade
58
Madaleno. Rolf. A desconsideração da personalidade jurídica na sucessão legítima. Op.cit.,
p.281.
59
Madaleno, Rolf. Direito de Família em Pauta, p.137.
60
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 20 jul. 2008.
26
da justiça, e lhe aplicou a multa prevista no artigo 601 do Código de Processo
Civil, diante do fato de que, além de estar retardando o cumprimento da
execução, estava ocultando o seu real patrimônio, registrado em nome de sua
genitora.
Neste mesmo aresto, também restou confirmada a decisão que
determinou a penhora sobre o imóvel que, embora não tivesse registrado em
nome do devedor, mas em nome de sua genitora, ele próprio se intitula o
proprietário, o que foi constatado em reportagem publicitária sobre o imóvel, na
qual o executado declarou que ele mesmo havia adquirido o imóvel na planta e
contratado arquiteta para decorá-lo conforme as suas necessidades.
As situações de utilização de nome de terceiros como maneira de
fraude podem ser verificadas através uma série de indícios e evidências, tais
como a utilização de pessoas próximas ao fraudador, por exemplo
ascendentes, descendentes, irmãos, cônjuge ou companheiro, empregados,
etc.
Há indícios de fraude também quando o fraudador, às vésperas da
separação do casal, promove sem necessidade a venda de bens que geravam
renda, sem que houvesse dívidas ou quaisquer motivos para a alienação do
patrimônio, assim como é suspeita a alienação de bens quando realizada por
preço vil ou, quando efetivada pelo valor de mercado, aquele que comprou os
bens não tinha origem para a aquisição.
Ainda que tivesse origem, para o afastamento dos indícios de fraude é
mister a comprovação de que o dinheiro para a aquisição do bem realmente
saiu da conta do comprador, assim como se o adquirente efetivamente tomou
posse do bem, além de verificar se a pessoa que comprou tinha vínculos de
amizade com o vendedor, se os contratos de compra e venda possuem firma
reconhecida E, por fim, há indícios de fraude quando são utilizados
tabelionatos de outras cidades para firmar as escrituras de compra e venda.
São presumidas pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes,
os irmãos e o cônjuge ou companheiro, como prevê o parágrafo único do artigo
1.802 do Código Civil, que dispõe serem nulas as disposições testamentárias
em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a
forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Dispõe o artigo 166, inciso VI, do Código Civil que é nulo o negócio
jurídico que tiver por objetivo fraudar lei imperativa, sendo que, com base em
indícios de fraude, o magistrado poderá formar seu convencimento, nos termos
do inciso IV do artigo 334, conforme o qual não dependem de provas os fatos
em cujo favor milita a presunção legal de existência ou veracidade.
27
Assevera Rolf Madaleno que, ao ser configurada a fraude, o magistrado
deve declarar episodicamente, no ventre da separação judicial, da ação de
partilha ou da execução alimentar, a manutenção do bem na composição do
acervo conjugal ou ordenar a sua devida compensação, não havendo a
necessidade de a parte interessada promover demorada ação judicial para
desfazer a fraude e interpelar a interposta pessoa: “Descoberta a fraude,
voltam as coisas ao real estado jurídico ocultado pela falsa aparência
contratada com o conivente auxílio de interposta pessoa, sem necessidade de
nova escrituração, pois a sentença judicial discorreu o véu do contrato
clandestino realizado para enganar o cônjuge, convivente ou alimentário61.
3.6 O Abuso do Direito e a Síndrome da Alienação Parental
A Síndrome da Alienação Parental pode ser definida como um
transtorno psicológico caracterizado por sintomas pelos quais um dos pais age
com o intuito de transformar a consciência de seu filho, através de diferentes
formas de atuação, se valendo da confiança e da dependência da criança, com
a finalidade de prejudicar ou até mesmo extinguir seus vínculos e
relacionamento com o outro genitor, sem a existência de qualquer justificativa
para estas atitudes.
A criança, mediante a influência e a argumentação do genitor com quem
convive diariamente, passa a nutrir profunda aversão ao genitor visitante, o que
pode ocorrer também no sentido inverso, quando a criança passa a repelir o
genitor guardião através do mando do visitador; contudo, a última situação
relatada é menos provável de acontecer, haja vista a alienação ser processo
normalmente lento e dependente da recorrente implantação de avaliações
prejudiciais, negativas, desqualificadoras, injuriosas e humilhantes em relação
ao outro genitor.
Para Jorge Trindade: “A SAP manifesta-se principalmente no ambiente
da mãe, devido à tradição de que a mulher é mais indicada para exercer a
guarda dos filhos, notadamente quando ainda pequenos. Entretanto, ela pode
incidir em qualquer um dos genitores, pai ou mãe”62.
A implantação das avaliações depreciativas acerca do outro genitor
ocorre das mais diversas e ardilosas maneiras; por exemplo, através de falsas
denúncias de maus-tratos ou de abuso sexual, mediante a inserção de
memórias falsas na criança, “invocadas para impedir o contato dos filhos com o
61
Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família. Op. cit., p.618.
Trindade, Jorge. Síndrome da alienação parental. In: Dias, Maria Berenice (Coord.). Incesto
e a alienação parental: realidades que a Justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p.103.
62
28
genitor odiado, programando o filho de forma contudente até que passe a
acreditar que o fato narrado realmente aconteceu”63
Conforme Elisabeth Schreiber, “o abuso emocional trata-se de uma
forma de maltrato infantil difícil de ser diagnosticada justamente por não deixar
nenhum sinal visível”64.
Segundo Joelza Mesquita Pires, algumas das formas de abuso
emocional são “corrupção que leva a criança a modelos de condutas não
aceitáveis pela sociedade, rejeição, degradação, exploração, isolamento,
terrorismo e indisponibilidade emocional”65.
A Síndrome da Alienação Parental é identificada como uma forma
gravíssima de abuso contra a criança, fragilizada pelo conflito existente entre
seus pais e absolutamente suscetível à influência de um deles.
O genitor ou genitora, ao ardilosamente exceder seus direitos de
guardião para manipular a criança, vista como um objeto e um sujeito de suas
vontades para atingir o outro genitor, em razão de mágoas e ressentimentos
causados por um difícil desenlace conjugal, ou até mesmo por incapacidade de
lidar com a entrega do filho no momento das visitas ou das férias, quando o
guardião com problemas psicológicos sente-se abandonado e descartado, opta
por medidas desastrosas para encontrar uma forma de acabar com esta
situação, olvidando-se dos incontáveis prejuízos sofridos pela criança, ao ver
destruídos os seus sonhos e no mais das vezes ao ter que carregar para o
resto de sua vida as lembranças implantadas de situações jamais ocorridas.
Para Maria Berenice Dias, na síndrome da alienação parental “o filho é
utilizado como instrumento da agressividade - é induzido a odiar o outro
genitor. Trata-se de verdadeira campanha de desmoralização. A criança é
induzida a afastar-se de quem ama e de quem a ama”66.
E são tantas as argumentações utilizadas pelo alienador, desde as mais
sutis, que passariam despercebidas se não fossem empregadas no momento
certo, até as mais explícitas, que o filho acaba se convencendo de que os atos
relatados pelo guardião realmente aconteceram.
63
Trindade, Jorge. Síndrome da alienação parental (SAP). In: DIAS, Maria Berenice (Coord.).
Incesto e alienação parental: realidades que a Justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007, p.103.
64
Schreiber, Elisabeth. Os direitos fundamentas da criança na violência intrafamiliar. Porto
Alegre: Ricardo Lenz, 2001, p.100.
65
Pires. Joelza Mesquita A. Violência na infância. Aspectos clínicos. In: Violência doméstica.
Porto Alegre: Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho – AMENCAR, 1998, p.67. Apud Schreiber,
Elisabeth. Os direitos fundamentas da criança na violência intrafamiliar. Porto Alegre: Ricardo
Lenz, 2001, p.100.
66
Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p.409.
29
Aduz Maria Berenice Dias que: “Com o tempo, nem o alienador
distingue mais a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser
verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência,
implantando-se, assim, falsas memórias”67.
Uma das formas de tentativa de o guardião romper os vínculos da
criança com o outro genitor através da alienação parental decorre de falsas
denúncias de abuso sexual contra a criança, porquanto a prova desta prática é
limitada, muitas vezes, ao confronto da palavra de um adulto com a de uma
criança. “Todas estas dificuldades probatórias acabam estimulando falsas
denúncias de abuso sexual, com a só finalidade vingativa, principalmente em
processo de separação. A tentativa do guardião é romper o vínculo de convívio
paterno-filial com o outro genitor. É o que vem sendo chamado de implantação
de falsas memórias. Desde que este tema passou a receber uma maior
atenção, começou a haver um maior número de denúncias de ocorrência de
incesto, principalmente em ações de disputa e regulamentação de visitas”68
Conforme Rolf Madaleno, ao se valerem da Síndrome da Alienação
Parental, “adultos corrompem covardemente a inocência das crianças, com o
uso de chantagens de extrema violência mental, sem nenhuma chance de
defesa da criança, que acredita piamente que o visitante não lhe faz bem, e o
menor expressa isso de forma exagerada e injustificada para rejeitar o contato.
Isso quando nos casos mais severos de alienação um genitor fanático não
acrescenta uma acusação de agressão ou de abuso sexual”69.
As características do alienador são identificadas como dependência,
baixa autoestima, condutas de não respeitar as regras, hábito contumaz de
atacar decisões judiciais, litigância como forma de manter aceso o conflito
familiar e de negar a perda, sedução ou manipulação, dominância e imposição,
queixumes, histórias de desamparo ou, ao contrário, de vitórias afetivas;
resistência a ser avaliado, resistência, recusa ou falso interesse pelo
tratamento70.
A alienação parental vem sendo analisada pelos Tribunais, como
ocorreu no julgamento do Agravo de Instrumento nº 70023376330, da 7ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgada em 18 de
junho de 2008, sendo Relator o Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, em
67
Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4.ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p.410.
68
Dias, Maria Berenice. Incesto e o mito da família feliz. In: Dias, Maria Berenice (Coord.).
Incesto e a alienação parental: realidades que a Justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007, p.35.
69
Madaleno, Rolf. Inocência corrompida. Disponível em: <http://www.jusnews.com.br>. Acesso
em: 08 ago. 2008.
70
Trindade, Jorge. Síndrome da alienação parental (SAP). In: Dias, Maria Berenice (Coord.).
Incesto e alienação parental: realidades que a Justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007, p.103.
30
que foi mantida a imposição da genitora guardiã de conduzir o filho à visitação
paterna, sob pena de multa diária, tendo sido configurados indícios de
síndrome da alienação parental por parte da mãe, a respaldarem a penalidade
imposta.
Também foi analisada a Síndrome da Alienação Parental no acórdão de
nº 70017390972, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, sendo Relator o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos e julgado em 13
de junho de 2007, no qual, havendo disputa de guarda de criança cuja mãe
falecera entre o pai e os avós maternos, a guarda foi mantida com o genitor,
que demonstrou reunir todas as condições necessárias para proporcionar à
filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável
crescimento, tendo sido ressaltado que as visitas aos avós maternos poderiam
inclusive ser suspensas, em face da constatação de que os avós desmereciam
a figura paterna, como ocorre na Síndrome da Alienação Parental: “A tentativa
de invalidar a figura paterna, através da síndrome de alienação parental, só
milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das
visitas ao avós, a ser postulada em processo próprio”71.
Portanto, situações de verdadeiros excessos aos limites do poder
familiar, mediante a configuração da Síndrome da Alienação Parental, vêm
sendo consideradas e analisadas pelos Julgadores, os quais possuem grande
responsabilidade de verificar as situações vivenciadas pelas crianças e que
para isso contam com o auxílio de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais,
os quais conseguem distinguir verdadeiras situações de maus-tratos físicos ou
psicológicos e emocionais de situações existentes apenas na imaginação da
criança, implantadas na sua memória por um de seus genitores.
Foram constatadas, portanto, aplicações de medidas para impedir que
ocorram situações de abuso do direito pela Síndrome da Alienação Parental,
quais sejam a aplicação de astreintes ao genitor que tenta impedir o convívio
da criança com o outro genitor; a ameaça da suspensão das visitas ao pai ou à
mãe que tenta invalidar a figura do outro; ou, ainda, a obrigatoriedade de
realização das visitas junto a serviço especializado, quando houver denúncia,
não comprovada, ainda em fase de investigação, de abuso sexual.
Não obstante a dificuldade no enfrentamento destas questões que
envolvem crianças absolutamente vulneráveis e dependentes dos seus
genitores, nos quais tanto confiam e que tanto amam, cumpre ressaltar que,
71
Nesse sentido, também, o acórdão nº 70015224140, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do RS, sendo Relatora a Desembargadora. Maria Berenice Dias, julgado em 12.07.2006 e
assim ementado: Destituição do poder familiar. Abuso sexual. Síndrome da alienação parental.
Estando as visitas do genitor à filha sendo realizadas junto a serviço especializado, não há
justificativa para que se proceda à destituição do poder familiar. A denúncia de abuso sexual
levada a efeito pela genitora não está evidenciada, havendo a possibilidade de se estar frente à
hipótese da chamada síndrome da alienação parental. Negado provimento.
31
embora as medidas adotadas pelos julgadores sejam adequadas na tentativa
de compelir os casos de abuso do direito na Síndrome da Alienação Parental, é
possível sugerir que a partir da suspeita de abuso do direito pela ocorrência da
Síndrome da Alienação Parental seja ordenado o acompanhamento psicológico
e/ou psiquiátrico da criança e do genitor, neste caso sob pena de alteração da
guarda diante da desobediência da ordem judicial, por entendermos que, ainda
que as visitas passem a ser cumpridas e respeitadas, é mister que o genitor
responsável pela instauração da Síndrome e a criança ou adolescente possam
ter o acompanhamento de um terapeuta, a fim de que os prejuízos psicológicos
sofridos sejam minimizados e para que, com o devido tratamento, não voltem a
ocorrer casos de abuso72.
3.7 O Abuso do Direito de Impedir o Casamento dos Filhos Menores
Prevê o artigo 1.517 do Código Civil a necessidade de autorização de
ambos os pais ou representantes legais para pessoas com 16 anos casaremse, sendo que, no caso de divergência entre os pais quanto à autorização para
o filho casar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do
desacordo, conforme dispõe o parágrafo único do artigo 1.631 do Código Civil.
Nos casos em que a recusa dos genitores em conceder a autorização
para que o filho menor convole núpcias for considerada injusta, o juiz tem o
poder de suprir a denegação do consentimento, conferido pelo artigo 1.519 do
Código Civil, sendo competente para suprir a capacidade ou consentimento
dos pais para o casamento a Justiça da Infância e da Juventude, conforme o
parágrafo único, alínea c, do artigo 148 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei 8.096/90.
Conforme a lei, a revogação da autorização concedida pode ser
efetivada até a celebração do casamento, sendo possível imaginar a frustração
dos jovens nubentes, que pouco antes das cerimônias religiosa e cível, e dos
exaustivamente planejados festejos, recebem a notícia de que a autorização
72
Alteração na Regulamentação de Visitas. Pedido Liminar de Suspensão das Visitas.
Cabimento. Hipótese do Art. 273 do CPC. 1. Mesmo que o sistema de visitas tenha sido
acordado e devidamente homologado judicialmente, visando a assegurar a convivência entre
os avós biológicos e os netos, é cabível a redefinição das visitas quando existe elemento de
convicção novo nos autos evidenciando que a forma estabelecida vem se mostrando prejudicial
aos infantes. Incidência do art. 273 do CPC. 2. Diante das peculiaridades do caso dos autos,
mostra-se recomendável a aplicação de medida de proteção às crianças, devendo estas e
também a avó receberem acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, sendo que as visitas
deverão se dar ao menos uma vez por mês, com acompanhamento de terapeuta e em
ambiente terapêutico, cabendo a este profissional monitorar o relacionamento e propor ao
julgador a quo as providências que entender adequadas acerca da visitação, cabendo ao
magistrado deliberar acerca da ampliação, redução ou suspensão das visitas, conforme se
mostre mais adequado aos interesses dos infantes. Recursos providos em parte (Agravo de
Instrumento nº 70020455028, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Relator
Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 26.09.2007).
32
que haviam recebido foi sumariamente revogada, estando eles impedidos de
casar.
Isto porque o artigo 1.518 permite a qualquer um dos genitores que se
retrate a qualquer tempo, até o casamento.
Acerca desta revogação, destacou Inácio de Carvalho Neto que pode
haver lugar para indenização pelo abuso: “Imagine-se a hipótese do genitor
que consente no casamento do filho menor e, valendo-se da faculdade do art.
1.518 do Código Civil, revoga tal consentimento no momento da celebração do
casamento. Tal ato, se cometido abusivamente, pode dar margem à obrigação
de indenizar”73.
Nas hipóteses em que a revogação da autorização para o casamento
ocorrer às vésperas da celebração, quando não houver mais tempo para
cancelar os serviços contratados para as festividades, por exemplo a
decoração da igreja e do salão de festas, o buffet que seria servido aos
convidados, sem falar no vestido da noiva, feito com meses de antecedência
para a aguardada ocasião, entre outras diversas despesas contraídas pelos
nubentes que não serão ressarcidas, em face do tardio anúncio de que não
poderiam mais se casar, inclusive em relação às despesas relativas às
reservas de passagens aéreas e hotéis onde passariam a lua de mel,
contratados com bastante antecedência, é possível que, quando a denegação
do consentimento se der de forma injusta, por abuso do direito dos pais, que
eles sejam obrigados a reparar os danos sofridos pelos nubentes, nas esferas
moral e material.
Poderia ser dito que a obrigação de reparar não persistiria, porquanto
prevê a lei que o magistrado está autorizado a suprir o consentimento
denegado de maneira censurável; contudo, tendo em vista ser permitido que
até a celebração propriamente dita do casamento os pais podem revogar a
autorização e considerando que até os nubentes conseguirem o suprimento
judicial da outorga já tenha transcorrido a data marcada para a cerimônia, os
pais podem ser compelidos a reparar os prejuízos dos nubentes, por terem
abusado do seu direito ao revogar a autorização concedida para que seus
filhos casassem, sem que houvesse qualquer razão plausível para tal conduta,
inesperada e causadora de profundos danos aos filhos.
Portanto, para evitar o abuso do direito dos pais na revogação da
autorização para o casamento dos filhos, sugerimos uma modificação do artigo
1.518 do Código Civil, para que, uma vez consentida a autorização, não possa
ser retratada.
73
Carvalho Neto, Inácio de. Abuso do Direito. Op. cit., p.232.
33
4 - Conclusão
Concluímos através deste estudo que são abundantes as situações na
esfera do Direito de Família em que ocorrem verdadeiros abusos do direito.
Embora na doutrina a teoria do abuso do direito não tenha sido muito
explorada na esfera familiar, o tema é farto na jurisprudência, sendo que as
situações de abuso do direito nas relações familiares e afetivas vêm sendo
frequentemente constatadas, o que enseja o enfretamento destas questões,
havendo uma construção jurisprudencial sobre o abuso do direito na área do
Direito de Família.
Foi possível constatar que, ao ser invocada a teoria do abuso do direito
nas situações que envolvem o Direito de Família, as medidas para conter a
prática do abuso ou para repreender aquele que exerce um direito subjetivo
fora de seus limites são tomadas de forma bastante singular e após minuciosa
análise dos casos concretos, porquanto não há uma única medida a ser
adotada para todos os casos, mas, ao contrário, existem diversos
procedimentos que devem ser tomados, para cada uma das particulares
situações, algumas vezes com redobrada cautela, quando envolvem, por
exemplo, questões de guarda de crianças e adolescentes, outras vezes com
especial rigidez, necessária ao tratar de pensões alimentícias em atraso e do
respectivo processo de execução.
Verificamos, portanto, que a prática do abuso do direito na esfera das
relações familiares vem sendo refreada através da aplicação de algumas
medidas imputadas aos causadores dos danos, com o intuito de evitar que os
abusos se propaguem, causando infinitos danos às vítimas destas situações.
Através desta pesquisa, constatamos que nas ações de guarda de
crianças e adolescentes são configurados casos de abusos tanto do genitor
guardião quanto do genitor que não possui a guarda, sendo que o guardião
abusa do seu direito de guarda ao negar-se a entregar o filho ao visitante sob
as mais inconsistentes desculpas, assim como ao trocar de domicílio única e
exclusivamente para impossibilitar o direito à convivência familiar; e por outro
lado, o genitor visitante abusa do seu direito de visitas ao não buscar e não
devolver os filhos no dia e horário combinados, ou, então, quando busca a
criança, não a trata com consideração e afeto, e também quando deixa a
criança com pessoas estranhas, quando na realidade o momento da visita deve
ser desfrutado pela criança em companhia do próprio genitor e não de
terceiros, sendo estes meros exemplos da diversidade de situações de abusos
do direito que ocorrem nos casos de guarda.
No pertinente ao abuso do direito nos alimentos, foram verificadas
situações de abuso do direito do alimentando e do alimentante. O primeiro,
quando continua recebendo alimentos após a extinção de suas efetivas
34
necessidades, ou quando posterga a conclusão de seus estudos universitários,
para dar prosseguimento à obtenção do benefício e até executa, sob pena de
prisão, o crédito alimentar que não é mais merecido, ao mesmo tempo em que
frustra a ação exoneratória já ajuizada pelo devedor, ocultando-se dos oficiais
de justiça para não ser citado e, neste compasso, continuar credor da pensão
alimentícia paga injustamente. E o segundo, ao causar toda a sorte de
prejuízos aos beneficiários do crédito alimentar, quando, embora possua
exemplar condição financeira, não paga as pensões alimentícias, ou, ainda,
quando protela o pagamento mediante o uso de resistência injustificada ao
andamento da ação executiva de alimentos.
Sobre a questão da desconsideração da personalidade jurídica,
constatamos ser imperiosa a aplicação do instituto da disregard nos casos em
que restarem configurados fortes indícios de abuso do direito do cônjuge ao
desviar bens da sociedade conjugal para a empresa constituída em nome de
terceiros, alienar as quotas sociais da empresa do casal de forma dolosa, com
a intenção de fraudar a meação do outro cônjuge, obstaculizar a cobrança de
alimentos, ou fraudar as sucessões legítimas, sendo esses alguns exemplos
das formas de abuso verificados.
Outra situação de abuso do direito na esfera familiar analisada foi
acerca da Síndrome da Alienação Parental, que ocorre quando um dos
genitores, que deveria zelar pela criança e preservá-la, resguardando a sua
integralidade psíquica e garantindo ao filho um desenvolvimento saudável,
abusa do direito ao implantar na criança avaliações depreciativas invocadas
para impedir o contato do filho com o outro genitor.
Por fim, foram verificadas situações de abuso do direito do genitor ou
representante legal que, após conceder a autorização para o casamento de
seu filho de 16 anos, revoga esta autorização de forma injusta e às vésperas
da data marcada para o casamento, causando enorme frustração ao filho que
poucos momentos antes da realização da cerimônia receber a notícia de que a
autorização que havia recebido foi revogada, isto porque o artigo 1.518 do
Código Civil permite a qualquer um dos genitores que se retrate a qualquer
tempo, até a data do casamento.
Através desta pesquisa verificamos que existem diversas formas para
refrear o abuso do direito, que variam de acordo com a análise de cada caso
concreto, sendo exemplos das medidas a alteração da guarda, a realização de
visitas no foro, a suspensão da pensão alimentícia, a fixação de astreintes, a
indenização, o acompanhamento psicológico e psiquiátrico, entre inúmeras
alternativas existentes e que devem ser utilizadas para conter o abuso do
direito e, se necessário, para punir aquele que se desvia de suas funções e
finalidades.
35
Pode ser verificado que é na jurisprudência que a discussão sobre o
abuso no Direito de Família tem recebido maior destaque, razão da importância
da abordagem deste tema, sendo que, da mesma forma que a sociedade está
sempre em transformação, o Poder Judiciário deve acompanhar as
modificações e, na medida do possível, suprir as inúmeras carências
legislativas existentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Foi constatado que “deixou a família de ser imune ao direito de danos,
encontrando no pedido de indenização o seu fundamento não exatamente no
ato ilícito, mas no abuso de direito previsto no artigo 187 do Código Civil, ainda
que exclusivamente moral”74.
Para conter o abuso do direito, portanto, existem diversos expedientes
na tão variada esfera do Direito de Família, que podem e devem ser utilizados,
seja pela provocação do causídico, seja por iniciativa do magistrado.
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ABUSO DO DIREITO NO DIREITO DE FAMÍLIA