Modelagem Matemática, dificuldades de seu uso em ambiente escolar Daniela Cristina Schossler ([email protected]) Claus Haetinger ([email protected]) Maria Madalena Dullius ([email protected]) UNIVATES (Centro Universitário) Rua Avelino Tallini, 171 | Bairro Universitário | CEP 95900-000 Lajeado | RS | Brasil Telefone: (51) 3714.7000 Linha direta: 0800.7070809 EIXO TEMÁTICO : FORMAÇÃO DE EDUCADORES Modelagem Matemática, dificuldades de seu uso em ambiente escolar Resumo A pesquisa Metodologias no Ensino de Ciências Exatas, objetiva investigar o uso de diferentes metodologias no processo de ensino-aprendizagem de Ciências Exatas. Um dos focos é o estudo de dificuldades que surgem ao se buscar implementar umas dessas metodologias, a de Modelagem Matemática, em disciplinas de conteúdos específicos. Com esta pesquisa buscamos responder as seguintes questões: Quais razões levam os estudantes a resistirem inicialmente ao ambiente de modelagem? Como podemos compreender o baixo interesse de alguns professores em inovar as aulas com metodologias diferenciadas? Em vista disto, observamos que o contexto em que o ambiente de modelagem é desenvolvido, as experiências prévias e os interesses dos estudantes, interferem de alguma maneira na prática dos mesmos no ambiente escolar (SKOVSMOSE, 2007). Os estudantes demoram a perceber a relação da Matemática com situações reais do dia-a-dia, sendo esta forma de resistência semelhante à apresentada no estudo de Almeida e Fidelis (2004). Desse modo, a modelagem se constituiu como um ambiente atípico, levando-os a estranhá-lo e desenvolverem ações de resistência no seu desenvolvimento. Como sugerido em Silva, Santana e Barbosa (2007), o professor pode acompanhar os estudantes mais de perto, oferecendo suporte para que possam melhor compreender o funcionamento do ambiente de modelagem. Vamos descrever ao longo deste trabalho as dificuldades encontradas pelos estudantes que entram em contato com a metodologia Modelagem Matemática, estas dificuldades foram analisadas frente à pesquisa bibliográfica, relatos dos mestrandos e analise de filmagens envolvendo miniaulas que se apoiaram nesta metodologia. Palavras chaves: Dificuldades. Modelagem matemática; Estudantes; Ensino-Aprendizagem; Introdução Cada vez mais, percebe-se a necessidade do uso de diferentes metodologias para proporcionar novas alternativas de aprendizagem. Com técnicas diferenciadas, é possível fazer com que os alunos se envolvam mais nas aulas e aprendam de forma mais significativa. De acordo com isso, Masetto(2007) afirma que: “Novas técnicas desenvolvem a curiosidade dos alunos e os instigam a buscarem, por iniciativa própria, as informações de que precisam para resolver problemas ou explicar fenômenos que fazem parte de sua vida profissional”. E de encontro a essa proposta podemos destacar a metodologia Modelagem Matemática que contempla estes quesitos. Esta metodologia contribui com o processo de ensino aprendizagem, de forma que, ao utiliza - lá o professor faz com que suas aulas se tornem mais atrativas, fazendo com que os alunos se sintam mais motivados a participar na construção do conhecimento. Segundo Masetto(2007): “A diferenciação e a variedade de técnicas quebram a rotina das aulas e assim os alunos se sentem mais animados em frequentá-las. Além disso, facilitam a participação e incentivam as atividades dinâmicas durante o período das aulas, levando os aprendizes a saírem da situação passiva de espectadores da ação individual do professor.” Novas técnicas fazem com que o alunos desenvolvam sua curiosidade e busquem as informações necessárias para responder a determinadas questões e resolver os problemas à que são submetidos. Aulas preparadas com auxilio da Modelagem Matemática tem a característica de utilizar atividades que devem ser desenvolvidas a partir de situações concretas. São aulas onde o professor deve buscar relacionar os conteúdos com a realidade dos alunos em questão, criando situações onde o aluno possa produzir e criar sem pensar logo em cálculos e fórmulas prontas, segundo Bassanesi (2002): “A modelagem matemática consiste essencialmente na arte de transformar problemas da realidade e resolvê-los, interpretando suas soluções na linguagem do mundo real.” Já para D’Ambrósio (1986): “Modelagem é um processo muito rico de encarar situações e culmina com a solução efetiva do problema real e não com a simples resolução formal de um problema artificial.” Ao se deparar com aulas baseadas na sua realidade ou ligação com o cotidiano, o professor deixa de ser o “dono do conhecimento” e passa a ser um mediador, de acordo com Biembengut (1999): “Pode ser considerado um processo artístico, visto que, para se elaborar um modelo, além de conhecimento de matemática, o modelador, precisa ter uma dose significativa de intuição e criatividade para interpretar o contexto, saber discernir que conteúdo matemático melhor se adapta e também ter senso lúdico para jogar com as variáveis envolvidas.” Os alunos deixam de apenas fixar os conteúdos passando a produzir seu próprio conhecimento de acordo com o que lhes é proposto em sala de aula. Quando um aluno se depara com situações do seu cotidiano, os conteúdos abordados nessas situações fazem com que o seu aprendizado se torne mais útil e faça mais sentido. Assim sendo, esses conteúdos serão aprendidos, e não apenas decorados. A Modelagem Matemática tem se mostrado muito eficaz no processo de ensinoaprendizagem, mas, é possível observar determinadas dificuldades quando se pretende desenvolvê-la. Para tanto, pretendemos investigar as dificuldades encontradas pelos professores que iram aplica - lá, que são estudadas no projeto de pesquisa: Diferentes Metodologias para o ensino de Ciências Exatas com enfoque em Modelagem Matemática que oferece uma disciplina sobre esta metodologia no mestrado em Ciências Exatas da UNIVATES. Na disciplina de Modelagem matemática do PPGECE da UNIVATES alguns dos objetivos foram verificar o efetivo conhecimento desta metodologia pelos mestrandos, observar as dificuldades dos mesmos em aplica - lá e se será bem aceita por eles para futura aplicação nas suas didáticas em sala de aula. Metodologia Inicialmente fizemos observações de todas as aulas da disciplina do mestrado, fazendo anotações para posterior discussão. Filmagem das apresentações das miniaulas elaboradas pelos mestrandos usando Modelagem Matemática. Analise de questionário aplicado aos mestrandos. Reuniões sobre as observações feitas pelos bolsistas que assistiram as aulas da disciplina, transcrição das filmagens para analise das mini-aulas apresentadas pelos mestrandos fazendo o uso da metodologia Modelagem Matemática. Pesquisa bibliográfica em artigos e livros que abordam dificuldades em aplicar novas tecnologias. Constatações Discutimos e podemos verificar que há dificuldades no emprego e na socialização dessa metodologia, um dos motivos poderia ser a falta de efetivo conhecimento da maioria dos mestrandos sobre esta metodologia, constatada na primeira aula, onde a maioria dos mestrandos afirmou não ter nenhum conhecimento sobre esta metodologia. Observou-se certa resistência de colegas e tensão sobre algumas praticas das mini-aulas elaboradas pelos mestrandos, estavam aguardando orientações para seguirem as atividades, não correspondendo satisfatoriamente ao ambiente proposto pela Modelagem Matemática, pois se encontravam enraizados nas aulas tradicionais. Esta resistência pode ter relação com a falta de interesse dos alunos com o conteúdo ou a metodologia que não ficou bem clara, seguindo este pensamento, entendemos que a palavra interesse significa “estar entre”. John Dewey trata deste assunto em seu livro Vida e Educação (1978) e afirma que existem alguns aspectos ligados à palavra interesse, como algo dinâmico, objetivo e pessoal. Traz a idéia de que se estamos interessados em algo, então nos sentimos fascinados, empenhados, completamente absorvidos por esta proposta, que tem algum mérito para nós. Para quebrarmos esta resistência inicial devemos tornar a proposta mais dinâmica, objetiva e pessoal para os estudantes, o que a Modelagem Matemática pode facilitar. Segundo Dewey (1978), algo dinâmico, quer dizer que todo organismo vivo está sempre caminhando para alguma direção e não é passivo. Há sempre uma atividade que possui uma tendência ou direção própria. Diz ainda que o interesse como impulso não é algo que se espera que acorde e seja excitado de fora. Quando há esse impulso, se estamos acordados, estamos interessados em uma determinada direção e não em outra. Cabe ao professor se apropriar de metodologias para facilitar e descobrir e tentar fazer suas aulas mais dinâmicas e interessantes. O aspecto objetivo do interesse diz que todo interesse está intimamente ligado à um objetivo. Dewey (1978) dá o exemplo de um pintor, que está interessado em seus pincéis, suas cores, suas técnicas com o objetivo de criar um quadro. Se o objetivo dele for retirado, então o que antes eram coisas de seu interesse transforma-se em algo vazio e inútil. O aspecto pessoal do interesse está relacionado com a valoração de um objeto, que tem seus aspectos objetivos e subjetivos. Se olharmos por um lado, pensamos na coisa que se diz ter valor e então temos aspectos objetivos como idéias, objetos e etc; se olharmos por outro lado, focamos na apreciação desse valor e neste caso entra o lado emocional ou pessoal, pois o “eu” toma parte em sua expressão. Portanto, o interesse deve ser concebido como “uma atividade em marcha dentro de cada um de nós, a fim de atingir um objeto, no seu julgamento de valor”.(DEWEY, 1978, p.73) Por exemplo, um aluno trabalhando com Modelagem que decide pesquisar determinado tema, inicialmente pensando em agradar o professor, pode perceber que tem muito prazer e interesse em estudar aquele assunto, voltando sua atenção totalmente para o trabalho e não mais para o professor. Mas para cativarmos nossos alunos, ou seja fazer com que eles se interessem, precisamos levar em conta seus conhecimentos prévios e sua realidade, o que facilita ainda mais a aplicação da metodologia Modelagem Matemática. Algumas vezes, as ações dos alunos, no ambiente de modelagem, podem ser identificadas como de resistência ao mesmo. Essas ações podem estar fortemente ligadas aos discursos anteriores e aos contextos que participam, que são carregados de experiências, interesses e expectativas desses alunos. Assim, buscar compreender e analisar esses contextos através dos conhecimentos prévios dos alunos pode se apresentar como uma forma de desenvolver estratégias para enfraquecer a resistência. Estudos, apesar de não focarem nas dificuldades de integração da modelagem em aulas de matemática, têm relatado sucintamente razões pelas quais os alunos resistem inicialmente ao ambiente de modelagem (ALMEIDA e FIDELIS, 2004; FERREIRA e WODEWOTZKI, 2007). Na pesquisa de Almeida e Fidelis (2004), as autoras relataram que a maior dificuldade encontrada pelos alunos foi a identificação de qual conteúdo matemático utilizar, pois, estavam habituados a tarefas escolares que apenas exigiam os conteúdos vistos anteriormente, como nas aulas tradicionais com exercícios mecânicos e não a problemas, como é proposto no ambiente de modelagem. Um relato sobre as ações dos alunos está presente no estudo de Ferreira e Wodewotzki (2007), que, ao relacionarem modelagem às questões ambientais, discutiram as dificuldades iniciais dos alunos na proposição de problemas. De acordo com as autoras, essas dificuldades devem-se ao fato, em geral, dos alunos estarem familiarizados a receber tarefas prontas e não a questionar a realidade. Na maioria das situações vistas acima podemos constatar a presença de aulas tradicionais elaboradas com exercícios mecânicos que não fazem o aluno pensar e elaborar estratégias para resolver situações do cotidiano. As aulas devem ser elaboradas baseadas nos conhecimentos prévios dos alunos e devem ser analisados com atenção, pois, de alguma forma, configuram os diferentes discursos dos alunos, o que levará a diferentes ações, entre elas a diminuição da resistência, o estranhamento ao ambiente de modelagem, a dependência da orientação do professor para cada tarefa, etc. Em vista disto, observamos que o contexto em que o ambiente de modelagem foi desenvolvido, as experiências prévias e os interesses dos alunos, interferem de alguma maneira na prática dos alunos no ambiente escolar (SKOVSMOSE, 2007). Com isto, podemos então hipotetizar que o modo como os alunos compreendem as tarefas de modelagem muitas vezes pode estar ligados à tradição estabelecida no contexto escolar. Esta constatação foi possível pelas observações das prática realizadas pelos mestrandos. A turma havia tido pouca experiência com a modelagem, e isso pode ter interferido em suas ações em sala de aula ao desenvolverem as mini-aulas com base nesta metodologia. Os mestrandos queriam mais orientações dos colegas se mostrando estreitamente ligados ao perfil traçado no trabalho de Kaiser e Maaβ (2007), como realitydistant modeller (modelador distante da realidade). Segundo a autora, este modelador tem dificuldade em transitar entre a matemática e a realidade, já que tem uma boa relação com a matemática, porém tem atitudes negativas em relação à realidade, não deixando de explicitar que estes termos não são disjuntos, mas sim que a matemática faz parte da realidade. Os mestrandos mostraram ter uma boa relação com a matemática em si, contudo alguns apresentaram rejeição em trabalhar com uma situação cotidiana ao relatar em seu discurso não ver relação entre a tarefa proposta e a Matemática. Esta forma de resistência é comum à apresentada pelos alunos no estudo de Almeida e Fidelis (2004). Neste trabalho, os autores discutiram que a maior dificuldade encontrada pelos alunos foi à identificação de qual conteúdo matemático utilizar. Eles estavam acostumados a resolver problemas usando sempre conteúdos vistos anteriormente, e não problemas que envolvem a realidade e necessitam que seja feita uma conexão entre conteúdos matemáticos e questões do cotidiano. As ações de resistência dos alunos, podem ser ilustradas através do trabalho de Burak e Soistak (2004). Neste estudo, os autores apresentaram uma situação na qual inicialmente foi proposto que os alunos escolhessem algum tema de interesse comum e fossem atrativos para eles. Em seguida, a partir do mesmo tema, estudariam os conteúdos matemáticos. Diante da proposta levantada, os alunos não sabiam como participar ou propor algum assunto alegando que a responsabilidade do que aprenderiam seria da professora que deveria escolher e ensinar o conteúdo. Em vista disto, podemos observar novamente que as ações de resistência dos alunos com relação à modelagem podem estar condicionadas à falta de experiências anteriores com tarefas desta natureza. Desse modo, a modelagem se constituiu como um ambiente atípico para os alunos, levando-os a estranhá-lo e desenvolverem ações de resistência no seu desenvolvimento. Considerações Finais Neste artigo, focalizamos a resistência dos alunos ao desenvolvimento, pela primeira vez, do ambiente de Modelagem Matemática. A resistência dos alunos parece relacionada à tradição da matemática escolar (ALRØ e SKOVSMOSE, 2006). Conforme a análise desenvolvida neste artigo. Uma conseqüência imediata destas conclusões é que os professores precisam desenvolver estratégias para desafiar a resistência dos alunos, permitindo, assim, que esses últimos se envolvam no ambiente de modelagem e tornem-se familiar a ele. Como sugerido em Silva, Santana e Barbosa (2007), o professor pode acompanhar os alunos mais de perto, oferecendo suporte para que possam melhor compreender o funcionamento do ambiente de modelagem. Acreditamos que a disciplina Modelagem Matemática contribuiu para a divulgação desta metodologia que será utilizada pelos mestrandos na sua profissão como educadores, assim relatada por eles nos questionários, contribuindo no processo de Aprendizagem Significativa. Referências ALMEIDA, L. M. W.; FIDELIS, R. Modelagem Matemática em sala de aula: um estudo. In: ENCONTRO PARANAENSE DE MODELAGEM EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 1., 2004, Londrina. Anais... Paraná, 2004. 1 CD-ROM. ALRØ, H.; SKOVSMOSE, O. Diálogo e aprendizagem em educação Matemática. 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