Sistema Cardiovascular
Reologia e Mecanismos de Edema
Reologia e Mecanismos de Edema
Conceitos
Reologia é o estudo do fluxo. Um aspecto importante a ser considerado é a
viscosidade sanguínea, que diz respeito à maior ou menor facilidade de fluxo, maior ou
menor atrito durante o fluxo sanguíneo.
O sangue é muito mais parecido com um tecido do que com um líquido, por ser
um conjunto de células que exercem funções correlatas. E é fundamental, para que o
sangue mantenha a sua característica física circulatória, que exista movimento, que a
circulação esteja acontecendo de maneira continuada. Toda vez que acontecer uma
relativa estase sanguínea (estase: parada do sangue, diminuição da velocidade), há um
aumento na probabilidade de desencadeamento da cascata da coagulação e risco de
comprometimento da função básica do sistema circulatório: comunicar e distribuir o
sangue, que contêm nutrientes e oxigênio.
O sangue parece muito mais com um colóide do que com um líquido; portanto,
ele possui certa viscosidade, que pode estar muito aumentada em alguns casos de
hipercoagulabilidade, como em situações de doenças inflamatórias, ou auto-imunes, em
que o sistema imunológico passa a agredir células do próprio corpo, como ocorre no
lúpus eritematoso.
As doenças crônico-degenerativas
Existem basicamente três grandes grupos de doenças: doenças infecciosas,
doenças inflamatórias e doenças crônico-degenerativas.
As doenças crônico-degenerativas, como a aterosclerose, caracterizam-se por um
processo crônico que começa com uma disfunção endotelial. As capacidades de
vasodilatação, de inibição de agregação plaquetária, e da própria inflamação vão
diminuindo. Portanto, há um processo inflamatório mínimo, subliminar, sistêmico, de
ativação de células e mediadores inflamatórios do organismo como um todo.
Mas, aparentemente, esse processo inflamatório sistêmico é subjacente a várias
doenças crônicas. Sabe-se da importância de processos inflamatórios de doenças
crônico-degenerativas como a arterosclerose: dois pacientes que tenham as
características, por exemplo, tamanho da obstrução da artéria e mesma proporção,
aquele que tem mais inflamação sistêmica, uma inflamação mínima, que pode ser
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detectada por alteração nos mediadores plasmáticos como a proteína C-reativa, que é
uma proteína que o fígado libera em resposta a uma inflamação sistêmica, esses
pacientes têm risco maior de apresentar um infarto. Sabe-se que a inflamação sistêmica
é um processo importante; observe a interação com o endotélio: ele tem papel
antiinflamatório, e, se está lesado, inibe menos a inflamação.
Anemia
A anemia é uma diminuição do número de hemácias e hemoglobinas
circulantes, podendo estar relacionada a vários tipos de doença. A vida média de
uma hemácia é de 120 dias. A causa da redução na quantidade dessas hemácias pode ser
por perda demasiadamente rápida ou por produção excessivamente lenta das mesmas.
Em alguns casos de anemia, pode haver a presença de reticulócitos na circulação, que
são células nucleadas precursoras da hemácia, o que não ocorre em um indivíduo
normal. A anemia aplástica indica que a medula óssea não está funcionando, está em
aplasia.
Dessa forma, uma análise de hemograma de um paciente anêmico, com presença
de reticulócitos demonstra que essa anemia já se manifesta há algum tempo, e que,
provavelmente, sua medula óssea está íntegra, sendo capaz de produzir células
corretamente. Então, não se pode considerar a incapacidade da medula óssea como
causa da anemia; outros fatores deverão ser avaliados: os órgãos responsáveis pela
destruição das hemácias (fígado e baço); no caso de mulheres, se há presença de
hipermenorréia (fluxo menstrual abundante); se há sangramento intestinal ou vômito, se
as fezes estão escuras (melena), se há perda de peso, dentre outros.
Os mecanismos de controle
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O mecanismo miogênico
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O mecanismo metabólico
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O mecanismo neural
O mecanismo miogênico
Um dos mecanismos básicos que determinam a maior ou menor contração
muscular lisa das arteríolas é o chamado miogênico, com origem no próprio músculo.
Ele se caracteriza pela capacidade desse músculo reagir a uma força física que o
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distende. Se a pressão interna aumenta, a tendência física é aumentar o diâmetro desse
vaso. Teoricamente, esse mecanismo seria capaz de auto-regular o fluxo. Isso é verdade
para um segmento vascular numa cuba em laboratório e, de fato, o vaso apresenta essa
capacidade de reação. Acredita-se que boa parte do mecanismo que evita grande
acúmulo de sangue nas veias quando ficamos de pé por muito tempo é o mecanismo
miogênico, tanto arteriolar quanto venular. Se não existisse nenhum mecanismo de
controle, a permanência prolongada na posição ortostática seria maléfica, causando
acúmulo de sangue e menor retorno venoso ao coração, ocasionando baixa no débito
cardíaco, o que de fato acontece com pessoas que possuem vertigem.
O mecanismo miogênico participa de muitos mecanismos fisiológicos, mas, na
maioria das vezes, não é o responsável pelo controle do fluxo sanguíneo regional, pois
está subjacente a dois outros mecanismos muito mais importantes: o mecanismo
metabólico e o neural (autonômico). Esses são os dois principais mecanismos de
controle do fluxo sanguíneo regional.
O mecanismo metabólico
O funcionamento do mecanismo metabólico é decorrente do aumento do
metabolismo da célula. Por exemplo, no músculo esquelético contraído, há a aumento
da pressão parcial de CO2; liberação de adenosina – que vem da quebra do ATP e é um
importante vasodilatador, particularmente no miocárdio; aumento de potássio no
interstício, que sai das células na propagação do potencial de ação; liberação de H+
(metabolismo anaeróbico também existente), ficando o interstício acidótico. Todos
esses mecanismos juntos atuam sobre a musculatura lisa do esfíncter pré-capilar da
arteríola, relaxando-o, fazendo com que se aumente o fluxo sanguíneo.
Dessa forma, quando há o aumento da taxa metabólica de uma região, os
mediadores químicos têm ação direta na musculatura lisa do esfíncter pré-capilar,
dilatando-o, logo, aumentando o fluxo sanguíneo, normalmente em proporção próxima
ao aumento da taxa metabólica. Ao se interromper a contração da musculatura, diminuise o consumo de oxigênio, a pCO2, a concentração de H+, o efeito vasodilatador e o
vaso tende a contrair, reequilibrando o fluxo novamente. Todo esse mecanismo
metabólico de controle do fluxo sanguíneo regional é chamado de mecanismo de autoregulação do fluxo sanguíneo.
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A demanda metabólica periférica é a responsável pela intensidade da atividade
cardíaca. Fazendo uma analogia, o coração não é o “senhor” da circulação, mas sim o
“escravo”, respondendo ao que o mecanismo metabólico pedir.
O mecanismo neural
O mecanismo neural de controle do fluxo sanguíneo caracteriza-se pelo efeito da
liberação de neurotransmissores das fibras do sistema nervoso autônomo nos vasos
sanguíneos. Alguns leitos vasculares sofrem influência de fibras do tipo colinérgicas, ou
seja, do sistema parassimpático que libera acetilcolina no órgão-alvo, particularmente
leitos vasculares viscerais (como bexiga) e região perineal (órgãos sexuais). A atividade
sexual tem vasodilatação mediada por acetilcolina.
Mas a grande maioria dos vasos sanguíneos que têm grande impacto na
resistência muscular periférica – musculatura esquelética - recebem apenas fibras
adrenérgicas, portanto, liberam noradrenalina e produzem vasoconstrição. Para que haja
a vasodilatação desse músculo esquelético, através do mecanismo neural, é necessária a
diminuição do tônus – grau de atividade espontânea, que existe mesmo na situação de
repouso. Quando se diminui o mecanismo vasoconstritor, permite-se dilatar o vaso.
No repouso, sem nenhuma ativação reflexa, existe algum grau de contração, que
faz com que o fluxo esteja entre a situação de ausência da atividade neural, e a máxima
atividade neural. Nesse caso, a musculatura está auto-contraída, por causa do tônus
adrenérgico. Na diminuição desse tônus, há o aumento do fluxo sanguíneo, resultando
em diminuição da pressão arterial (para o mesmo débito cardíaco), que é o resultado do
produto do débito cardíaco pela resistência vascular periférica. No exercício físico, há
vasodilatação, mas, ainda sim, há um aumento de pressão, que pode ser explicado pelo
crescimento proporcionalmente maior do débito, em relação à diminuição da resistência.
Se um indivíduo sofre um sangramento, há uma grande descarga adrenérgica,
com grande atividade simpática; ocorre vasoconstrição e a pressão tende a voltar ao
normal. Então, o mecanismo neural tem um efeito direto sobre o fluxo sanguíneo
regional, mas a sua ação tem uma conseqüência muito mais importante na
manutenção da pressão arterial, enquanto que a auto-regulação pelo mecanismo
metabólico tem uma função de regulação do fluxo de acordo com o metabolismo
regional.
A distribuição de sangue de uma região pra outra é feita pelo esfíncter précapilar com as arteríolas. O esfíncter é uma área de grande desenvolvimento da
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musculatura lisa que circunda uma víscera oca, capaz de modificar a resistência da
passagem do sangue por aquela região, e determinar um maior ou menor fluxo de
sangue.
Durante o exercício, há o aumento da atividade simpática generalizada, então há
liberação de noradrenalina em todos os leitos vasculares e a tendência seria fazer
vasoconstrição em todos os leitos. Isso, de fato, ocorre, exceto onde a taxa metabólica
estiver aumentada, porque no local, a musculatura lisa do esfíncter pré-capilar não
consegue contrair tanto na situação de baixa pO2, aumento de pCO2, aumento da acidez
e aumento da adenosina. A combinação dos dois mecanismos faz com que aconteça um
desvio de sangue de todos os leitos vasculares para aquele que está com a taxa
metabólica aumentada.
A distribuição sangüínea
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As pressões hidrostática e coloidosmótica do capilar
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As pressões hidrostática e coloidosmótica do interstício
As pressões hidrostática e coloidosmótica do capilar
Na microcirculação, existe um grande conjunto de forças que tende a promover a
passagem de líquido da luz do vaso para o interstício, e do interstício de volta para a luz
do vaso. A primeira é a pressão hidrostática, que é a pressão exercida pela presença
física do líquido, de sangue, e se encontra maior na luz do vaso.
Se houvesse apenas a presença da pressão hidrostática, haveria um grande
edema contínuo, com perda constante de líquido para o interstício. Curiosamente, à
medida que há extravasamento de líquido (plasma) de dentro do vaso, as proteínas do
sangue aumentam, proporcionalmente. As proteínas exercem uma força, a pressão
coloidosmótica, que é a força de atração de água exercida pelas proteínas. Na medida
em que o sangue chega à porção arteriolar do capilar, a pressão hidrostática do
vaso é superior à pressão coloidosmótica, de forma que contribui para o
extravasamento de líquido para o interstício.
Quando se caminha para o lado venoso do capilar, a pressão hidrostática diminui
muito, pois boa parte do líquido já saiu, e a coloidosmótica aumenta muito. Mesmo sem
considerar outras forças, esse equilíbrio tende a fazer com que não ocorra acúmulo
de líquido no interstício. Um pequeno acúmulo, feito ao longo do tempo, é reabsorvido
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pelos vasos linfáticos, que são como dedos de luva, com ponta cega, que mergulham no
interstício, possuem válvulas e têm capacidade de drenagem muito grande, possuindo
grandes poros nos endotélios; absorvem não somente líquido, mas também restos
celulares, proteínas e solutos que existem no interstício. Portanto, o conteúdo dos vasos
linfáticos não é plasmático, mas leitoso, rico em solutos protéicos e lipídicos.
PC = pressão capilar
POF = pressão oncótica do fluido intersticial
POP = pressão oncótica do fluido capilar
PF = pressão fluido intersticial
As pressões hidrostática e coloidosmótica do interstício
A pressão hidrostática do interstício tende a empurrar líquido de volta para o
vaso. A pressão coloidosmótica do interstício tende a atrair líquido para o interstício.
Existe uma correlação muito dinâmica de líquidos que entram e saem do interstício.
Numa situação fisiológica, considerando que a permeabilidade vascular não está
alterada, não há acúmulo de líquido no interstício, pois o mesmo é drenado para os
vasos linfáticos.
Edema
O edema é uma manifestação fisiopatológica clínica. Assim como o processo de
inflamação e analogamente à anemia, é uma manifestação de alguma alteração no
organismo, não sendo sinônimo de doença.
O edema refere-se à presença de líquido em excesso nos tecidos corporais.
Suas causas podem ser variadas: alteração da pressão hidrostática do capilar, da pressão
coloidosmótica do capilar, da pressão coloidosmótica do interstício, pressão hidrostática
do interstício e da permeabilidade do vaso. Se existe alguma condição que altere essa
correlação de forças e o fator que é a permeabilidade, pode ocorrer o edema.
Se um sujeito faz um trauma local, há a ruptura de células que coordenam a
liberação de mediadores inflamatórios, e uma grande vasodilatação do esfíncter précapilar, no processo inflamatório. A pressão hidrostática do capilar aumenta muito,
ocorrendo o extravasamento, o edema. A causa do edema, neste caso, foi o aumento da
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pressão hidrostática do capilar, e o aumento da permeabilidade do vaso pelos
mediadores inflamatórios.
Caso o indivíduo possua uma disfunção no ventrículo, com baixa força de
contração, sua capacidade de impulsionar o sangue será dificultada. Haverá um
represamento desse sangue e, retrogradamente, a pressão hidrostática vai aumentando,
inclusive a pressão hidrostática venular, o que acaba fazendo com que a pressão
hidrostática capilar também aumente, por uma dificuldade de drenagem venosa, por
uma pressão retrógrada aumentada. Pode, então, ocorrer edema no fígado, provocando
hepatomegalia, ou mesmo, transudar e cair no abdome, causando ascite.
Quando o sujeito possui insuficiência renal, como uma glomerulopatia, a
permeabilidade do glomérulo aumenta muito, devido a um processo inflamatório,
diabetes, ou qualquer outro fator que dificulte o processo de filtração glomerular. Então,
neste caso, há a possibilidade de passagem de proteínas para a urina, causando
proteinúria. Se há eliminação de proteína na urina, significa que está sendo diminuída
a quantidade de proteína circulante, desenvolvendo uma hipoproteinemia.
Dessa
forma, haverá diminuição da pressão coloidosmótica do capilar, permitindo
extravasamento de líquido do vaso, e causando edema. É um edema mais generalizado,
com repercussões no rosto, nos olhos, com hipoproteinemia constante, diferente do
paciente com insuficiência cardíaca, que melhora na posição em decúbito, pela maior
facilidade de retorno venoso.
Um indivíduo que faz uso de corticóide sistêmico, injetável ou oral, muito
prolongadamente, pode sofrer com vários efeitos. Além do efeito imunossupressor, há o
efeito mineralocorticóide, semelhante à aldosterona, tendendo a aumento da retenção
líquida, causando edema.
Outra causa de edema importante, e também de
hipoproteinemia, é por desnutrição protéica, como ocorre
em uma doença chamada Kwashiorkor, na qual a criança
desnutrida fica edemaciada.
Pode-se ter hipoproteinemia mesmo comendo-se
proteína em quantidade adequada, como no caso de
insuficiência hepática; não ocorre síntese porque o fígado
está prejudicado.
A hipoproteinemia é, portanto, um mecanismo importante de edema, podendo
ter as seguintes causas: excesso de perda, falta de substrato ou ineficiência do fígado.
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Um outro tipo de edema importante é o chamado edema duro, que pode ser
diferenciado do edema mole. A principal característica do edema mole é a depressão
(cacifo) da região comprimida, que volta à posição original em, aproximadamente, 30
segundos a 1 minuto; sua constituição do interstício é líquida. Já o edema duro não
apresenta esse cacifo, uma vez que seu interstício não está preenchido apenas de
líquido, mas também de restos celulares e proteínas.
Um dos processos que podem levar ao acúmulo da quantidade de proteínas do
interstício, sem que essas possam ser fisiologicamente removidas, é uma lesão dos
vasos linfáticos, responsáveis pela remoção das proteínas do interstício. Um exemplo
ocorre na manifestação da filariose (elefantíase), onde as larvas acabam por afetar esses
vasos linfáticos, impedindo o desempenho adequado da sua função.
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FISIOLOGIA – Aula transcrita do dia 09