Texto da UNEGRO para III Conferência de Igualdade Racial
A UNEGRO foi criada em 1988, na esteira de um intenso processo de luta por uma
Constituição mais democrática e capaz de assegurar os direitos de todo o povo. A Carta
Constitucional, que resultou de um amplo processo de mobilização dos movimentos sociais,
proclamou a igualdade formal de direitos e, finalmente, tirou o racismo da condição de
contravenção penal e o qualificou de crime inafiançável e imprescritível. Também 1988 foi o
ano do centenário da abolição da escravatura e o exercício da crítica foi a marca da militância
fundadora da entidade, que, junto às demais entidades negras de todo o país, punha abaixo a
falsa ideia de democracia racial brasileira, além de denunciar o abismo que separava, e ainda
persiste, negros e brancos na estrutura econômica e social. A trajetória da UNEGRO, portanto,
tem raízes em um profundo desejo de justiça social que nos levou às ruas construindo e
participando das grandes manifestações convocadas por todo o movimento negro e pelos
diferentes movimentos sociais, no âmbito local e nacional, sempre empunhando a bandeira da
igualdade e da superação do racismo.
Estão ocorrendo movimentações de organismos governamentais de igualdade racial e
do movimento negro em todos estados do país, com vista à organização da III Conferência
Nacional de Políticas de Igualdade Racial – III CONAPIR. Devido à ausência de um documento
que oriente a discussão, percebemos certa dificuldade da militância para abordar o tema por
dois motivos essenciais: 1) democracia e desenvolvimento são temas novos para o movimento
negro, a tradição é discutir o significado do racismo, seus agravos e formas de superação.
Poder e economia são questões intrinsecamente relacionadas com o temário, no entanto,
esses assuntos são pouco visitados; 2) não está superada a pauta política da luta antirracismo
em curso, ou seja, a população negra brasileira ainda tem problemas com a questão
quilombola, com a implantação da Lei 10.639/03, tem salários mais baixos em funções
semelhantes, não conseguiu políticas de proteção para as comunidades tradicionais de
terreiros, a juventude continua vitimada pela violência, o Estatuto da Igualdade Racial ainda
não saiu do papel, e daí por diante, de modo que a III CONAPIR coloca Estado e sociedade civil
diante de um inusitado paradoxo: mudar uma pauta de reivindicação política antes de superála.
A UNEGRO compreende que o alto brado das ruas continua sendo o mais eficaz
instrumento que o movimento social pode lançar mãos para transformar sua realidade. As
recentes manifestações sociais iniciadas em junho de 2013, protagonizadas pela juventude e
setores médios da sociedade, pautaram a nação exigindo mais e melhores serviços públicos,
novos padrões éticos políticos, questionaram os partidos e as instituições, no fundo exigiam
mais seriedade e respeito dos políticos e uma vida melhor para o povo. Esse inesperado
fenômeno embaralhou o cenário político nacional, preocupou governantes, partidos,
movimentos sociais organizados e demonstrou a força do povo nas ruas. Assim tem sido desde
a Revolução Francesa, quando a massa de camponeses e pequenos burgueses derrubou o
antigo regime. É infalível: democracia se garante nas ruas, lutando. Quando não há povo
pressionando as oligarquias e os governantes, as mudanças, quando ocorrem, são lentas e
quase sempre em conformidade com a classe dominante.
Devemos medir nossas expectativas sobre as conferências. Elas têm claros limites
políticos e institucionais, por ser um espaço formal de diálogo entre Estado e sociedade civil,
ter caráter consultivo, temas para discussão, números de participantes e regras definidas a
partir dos interesses e chamado do poder público. No entanto, não devemos desconsiderar
sua importância tática aos movimentos sociais. Pois, além de ajudar direta e indiretamente
com a auto-organização da sociedade civil, as conferências contribuem com o
aperfeiçoamento da participação popular e, com a democracia, elimina o descompasso entre a
formulação e oferecimento das políticas públicas e as demandas dos públicos beneficiários algo comum na época em que os burocratas nas confortáveis cadeiras do planalto
estabeleciam unilateralmente a política, inspirados por inúmeras ideias brilhantes, sem lastro,
sem eficácia e sem foco.
Nos últimos 10 anos, intensificaram-se as conferências no Brasil. Segundo a Secretaria
Geral da Presidência da República, entre 2003 e 2012 ocorreram 86 conferências nacionais das
129 realizadas nos últimos 500 anos. Essas mobilizaram sete milhões de pessoas para debater
políticas públicas sobre 40 áreas temáticas. Com isso, as conferências se consolidam como
principal espaço de articulação e debate de políticas públicas que envolvem alguns
movimentos sociais, de modo que o movimento negro está desafiado a – sem abandonar as
ruas, palco prioritário dos movimentos sociais e sem criar expectativas que ultrapassa a
capacidade política e institucional da conferência – estabelecer táticas que impulsionem a
pauta. Nesse caso, as conferências, especialmente a CONAPIR, não podem ser ignoradas na
construção desse caminho.
Terreno infértil para a semente da igualdade racial
O Estado brasileiro e as oligarquias que governaram o país desde a
desinstitucionalização da escravidão têm histórico de subtração e negação dos direitos
políticos e sociais da população negra e pobre. A abismal desigualdade socioeconômica que
caracteriza a sociedade brasileira é resultado de uma perversa engenharia política destinada a
concentrar poder e riqueza nas mãos de uma minoria que sempre se locupletou do trabalho
escravo e, posteriormente, dos trabalhadores livres nacionais e recém-imigrados.
O Estado foi mantenedor permanente da arquitetura da exclusão, aderindo às
ideologias dominantes do racismo científico e do mito da democracia racial, dando
legitimidade ao aprovar leis como a que impedia a imigração de africanos ao Brasil e a Lei da
Vadiagem, aprovada no início da República, usando a truculência e a força da polícia para
controlar as iniciativas políticas populares, proibindo manifestações pacíficas e criminalizando
os movimentos sociais, financiando as políticas e avalizando os projetos da classe dominante.
Até 1930, a política externa brasileira em matéria comercial tinha como objetivo prioritário
melhorar as relações com países importadores com vista à venda do café nacional nos
mercados internacionais. Essa era uma forma indireta de indenizar os grandes cafeicultores
que perderam seus escravos com a Lei Áurea.
Mulheres e homens negros, índios, trabalhadores e pobres sempre foram
desamparados, tratados como problema e caso de polícia. Passamos a conhecer políticas e
legislações sociais a partir dos anos 40 do século passado, ainda assim, com caráter populista,
paternalista e com um universalismo hipócrita, ou seja, que atende poucos e mantém negros e
pobres analfabetos nas favelas, em filas de hospitais ou morrendo vitimados por doenças
evitáveis.
Apesar de algumas iniciativas e ação governamental em matéria de reconhecimento
sobre a incidência do racismo, como a instituição da Fundação Cultural Palmares no governo
Sarney, em 1988, por ocasião do Centenário da Abolição, e a instituição no governo FHC do
GTI – Grupo de Trabalho Interministerial para o Desenvolvimento da População Negra, após
pressão do movimento negro na realização da Marcha Zumbi dos Palmares Pela Cidadania e a
Vida, realizada em 1995, ano do tricentenário da imortalidade de Zumbi, o que prevaleceu
foram às heranças nefastas e um Estado estruturalmente excludente, violador de direito e
liberal, terreno em que as sementes das políticas de igualdade racial foram lançadas.
CONAPIR anteriores:
A I CONAPIR ocorreu em 2005, o tema foi “Estado e sociedade promovendo a
igualdade racial” e o objetivo era elaborar o Plano Nacional de Igualdade Racial - PLANAPIR. Na
ocasião, a produção governamental sobre igualdade racial era incipiente, o Estado não tinha
diagnóstico confiável sobre a situação da população negra brasileira em vários campos, a
Secretaria Nacional de Igualdade Racial - SEPPIR era um órgão em constituição, os parâmetros
para constituição do PLANAPIR eram escassos, a principal referência era a Declaração e o
Plano de Ação de Durban, aprovados na III Conferência Mundial Contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, organizada pela Organização das
Nações Unidas – ONU, em 2001, além do acúmulo do movimento negro. Para salvaguardar o
respeito do governo ao processo democrático, foi necessário chamar a sociedade civil para
opinar na elaboração do Plano.
O resultado da I CONAPIR foi a aprovação de insumos que organizaram o PLANAPIR
com objetivos em 12 eixos temáticos: Trabalho e Desenvolvimento Econômico, Educação,
Saúde, Diversidade Cultural, Direitos Humanos e Segurança Pública, Comunidades
Remanescentes de Quilombos, Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais de Terreiro,
Política Internacional, Desenvolvimento Social e Segurança Alimentar, Infraestrutura e
Juventude. O PLANAPIR foi avaliado e repactuado na II CONAPIR, realizada em 2009, e hoje
tem condições de nuclear as políticas de igualdade racial no governo federal, embora a
participação do movimento negro em outras conferências temáticas tenha contribuído para
aprofundar objetivos e ajustar políticas para além do PLANAPIR.
III CONAPIR
O tema da III CONAPIR é “Democracia e Desenvolvimento sem Racismo: Por um Brasil
Afirmativo”. A conferência será realizada em Brasília, entre os dias 5 e 7 de novembro deste
ano. Devido à magnitude do assunto que será abordado para organização da sociedade
brasileira, será uma conferência diferente, pois exigirá que o movimento negro se posicione
diante de temas que tradicionalmente tem discutido muito pouco. Os (as) conferencistas e as
organizações do movimento negro estão desafiadas a propor medidas que incidam
positivamente sobre a democracia e desenvolvimento nacional com vista à promoção social da
população negra. O temário vai ser abordado a partir de quatro subtemas:
a) Estratégias para o desenvolvimento e o enfrentamento ao racismo:
“A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer dinheiro
E felicidade
A gente não quer
Só dinheiro
A gente quer inteiro
E não pela metade...”
Titãs
Para UNEGRO, a definição do que significa desenvolvimento não é isento de ideologia.
Por isso, nem sempre falamos a mesma coisa quando usamos o mesmo vocábulo.
Consideramos desenvolvimento o progresso das forças produtivas com vista à satisfação das
necessidades humanas e elevação da qualidade de vida, assegurando o bem comum e a
segurança das gerações futuras. Diferentemente de crescimento econômico que não tem o
elemento humano no centro.
Trabalhamos com o conceito “desenvolvimento sustentável soberano”, considerando a
necessidade de progredir, preservando os recursos naturais e o meio ambiente, sem
ingerência externa e tendo o povo a razão do progresso. Nesse subtema, sem prejuízo das
propostas no campo econômico real que serão apresentadas, a UNEGRO priorizará a luta no
campo das ideias com o Estado e a sociedade sobre o modelo de desenvolvimento mais
adequado ao combate ao racismo e a justiça social no país, assim daremos nossa contribuição
sobre que Brasil o movimento negro e antirracismo desejam construir.
Os impulsos nacional-desenvolvimentistas protagonizados pelo Estado na Era Vargas,
Planos de Metas de Juscelino Kubistchek e na fase do Milagre Econômico durante o governo
militar aceleraram o crescimento das forças produtivas; estruturaram infraestruturas viárias,
aeroportuárias e portuárias que permitiram maior escoamento de mercadorias; construíram
grandes usinas hidrelétricas e nucleares, poderosas estatais nas áreas petrolíferas,
mineradora, telefônica, elétrica, financeira; atraíram investimentos estrangeiros, indústrias
modernas em vários setores, como automobilístico, químico, farmacêutico, tecnologia de
ponta, dentre outros.
Todo esse crescimento econômico, média de 10% ao ano, transformou o Brasil na
quinta maior potência econômica e industrial do planeta. No entanto, aprofundaram a
clivagem socioeconômica entre o norte e o sul, ricos e pobres, mulheres e homens, negros e
brancos. O Brasil cresceu economicamente, mas não se desenvolveu, pois não foi capaz de
incorporar a dimensão humana, não se pode falar em desenvolvimento sem gente. Há mais
problemas nesse dito modelo de desenvolvimento: grande dependência econômica e
tecnológica dos países ricos e desenvolvidos e relação insustentável com a natureza.
Nas décadas de 80, conhecida como década perdida, e 90, os ideários neoliberais
hegemonizam os planos de desenvolvimento, estabelecem o caos na economia nacional e nos
direitos do povo. Subordinam a economia nacional ao imperialismo, obedecem ao FMI com
fidelidade canina, entregam a pátria aos capitais estrangeiros. Se anteriormente, com a
doutrina nacional-desenvolvimentista o país enriquecia e não incorporava a população negra e
pobre, durante o neoliberalismo o rentismo lucra, o Brasil empobrece e aprofunda as
desigualdades sociais e econômicas, os pobres atacados pela subtração de direitos, arrocho
salarial e desemprego ficam mais pobres e os ricos mais ricos. A tese do estado mínimo, da
autorregulação do mercado, da riqueza pessoal como fruto da competência, mérito e sucesso
do indivíduo são falácias neoliberais que o movimento negro deve denunciar e combater, pois
qualquer proposta de desenvolvimento com essas premissas resultam em fome,
recrudescimento do racismo e violência.
Para UNEGRO, apesar das diferenças explicitadas, as experiências de implantação das
duas doutrinas no desenvolvimento nacional falharam em matéria de justiça social, por
considerarem negros, pobres e comunidades tradicionais obstáculos para o desenvolvimento.
Concebemos que o desenvolvimento tem que incorporar a dimensão humana em sua
complexidade e diversidade, não pode ser confundido exclusivamente com acesso ao
consumo, às tecnologias e ao conforto. Qualquer proposta economicista e produtivista não se
sustenta. Devemos diferenciar crescimento econômico de desenvolvimento, pois acreditamos
que a questão social deve ser considera.
Interessa ao movimento negro e à luta contra o racismo no Brasil que essa conferência,
para além das propostas pontuais no campo do trabalho, renda e empreendedorismo, firme
posição em defesa de um modelo de desenvolvimento sem racismo, com sustentabilidade e
soberania nacional, distribuição de renda e igualdade de oportunidade, valorização do
trabalho, forte presença do Estado na regulação e fomento à economia, que combata as
desigualdades regionais, de classe, gênero e raça, que compreenda o ser humano como a
razão para desenvolver-se, e não o mercado. Não podemos subestimar essa compreensão,
pois dela se planeja o investimento e a ação da Nação.
b) Arranjos institucionais para assegurar a sustentabilidade das políticas de igualdade
racial
A Declaração da III Conferência Mundial contra o racismo considerou a escravidão e o
tráfico de escravos crimes contra a humanidade: “Horríveis tragédias na história da
humanidade, não apenas por causa do seu terrível barbarismo, mas também pela sua
magnitude, natureza organizada e especialmente sua negação da essência das vítimas”.
Durban reconheceu também que: “Os Africanos e Afrodescendentes foram vítimas destes atos
e continuam a serem vítimas das suas consequências”.
O Sistema Nacional de Políticas de Igualdade Racial – SINAPIR, previsto no artigo 5º e
relativamente desenvolvido no Título III do Estatuto da Igualdade Racial, é uma determinação
legal. Portanto, cabe ao poder público instituí-lo. Sua concepção tem base na experiência
institucional iniciada com a implantação da SEPPIR, em 2003. O sentido precípuo do SINAPIR é
de estabelecer os arranjos institucionais para operacionalizar a política de igualdade racial,
estabelecer uma estrutura coerente capaz de contribuir para que as políticas cheguem aos
beneficiários.
Dadas a complexidade de seus objetivos, organização e competência, verificou-se a
necessidade de regulamentação, na III CONAPIR a SEPPIR receberá propostas mais elaboradas
para regulamentar o SINAPIR, assim como a II CONAPIR buscou e aprovou apoio para
aprovação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso Nacional. Consideramos que as
conferências também são espaços corretos para buscar legitimidade em temas sensíveis e
complexos.
O SINAPIR é algo novo, sem paralelo, embora tenha o Sistema Único de Saúde – SUS, que
pode inspirar boas alternativas ao SINAPIR. Consolidar uma proposta que dê forma ao Sistema
Nacional de Igualdade Racial exigirá criatividade e criteriosa avaliação das estruturas formais
de igualdade racial (órgãos de promoção da igualdade racial, fórum de gestores, conselhos e
ouvidorias). Estas serão a base na qual se assentará o SINAPIR. Algumas diretrizes são possíveis
adiantar:
1) Defender a criação de fundos municipais, estaduais e nacional de igualdade racial para
dar sustentação ao sistema – a PEC 02/2006 do Senador Paulo Paim institui o Fundo
Nacional, proposta tramitando no Senado;
2) Defender o não contingenciamento às previsões orçamentárias da política de
igualdade racial;
3) Instituir competências comuns, mas diferenciadas aos entes federativos, considerando
maior ônus na implantação da política de igualdade racial a seguinte ordem: União,
estados e municípios;
4) Defender a instituição de organismo de igualdade racial em todos médios e grandes
municípios e em todos estados, com suporte técnico e orçamentário adequado;
5) Transformar as conferências e conselhos de políticas públicas em instâncias
deliberativas;
6) Fortalecer o FIPPIR (composto por gestores estaduais e municipais, sob a coordenação
da SEPPIR) e os fóruns de gestores como instâncias de pactuação e deliberação de
metas comuns, com previsão de sanção ao não cumprimento de metas.
c) Políticas de igualdade racial: avanços e desafios:
Além do grande arsenal institucional implantado (secretarias, coordenadorias e conselhos)
e do aperfeiçoamento do ordenamento jurídico para igualdade racial (lei 10.639/03, Estatuto
da Igualdade Racial, Lei das Cotas e Decreto 4887/03), os programas sociais de transferência
de renda; o direito de aposentadoria aos trabalhadores rurais sem necessidade de comprovar
30 de contribuição à previdência; os mecanismos de acesso as universidades que juntos
(PROUNI, FIES e as cotas nas universidades federais públicas) permitiram a inclusão de
aproximadamente 1.3 milhões de negros por ano no ensino superior; a política de
fortalecimento do salário mínimo; a aprovação dos direitos trabalhistas para as empregadas
domésticas, revogando o mais acentuado resquício da casa grande; o programa Brasil
Quilombola, Minha Casa Minha Vida, Luz Para Todos, são políticas universais e de ações
afirmativas que contribuíram para elevar o padrão de vida da população negra brasileira.
A UNEGRO compreende que os registros positivos de avanços na política de igualdade
racial nos últimos anos devem ser reconhecidos. Não podemos trabalhar com a perspectiva de
que apenas acumulamos derrotas, que todos os esforços realizados na luta contra o racismo
têm sido em vão, que negras e negros não têm capacidade de galgar vitórias e que o povo
brasileiro é visceralmente insensível à luta do movimento social negro. Se não formos capazes
de registrar as conquistas, não seremos capazes de estabelecer estratégias oportunas para a
luta do movimento negro.
No entanto, as graves assimetrias socioeconômicas entre negros e brancos se mantêm. O
Brasil continua profundamente desigual, a população negra ainda acumula desvantagens no
campo econômico, social, político e cultural. Apesar de registrarmos avanços, há contradições.
A SEPPIR continua frágil técnica e institucionalmente; as políticas de igualdade racial têm
baixíssima execução e altíssimo contingenciamento; as metas do PLANAPIR não saíram do
papel, bem como não há conhecimento de seu conteúdo pela máquina administrativa; as
diretrizes e políticas públicas impostas pelo Estatuto da Igualdade Racial precisam de
observância pelo poder público; a Lei 10.639/03 não foi incluída no sistema de educacional,
ainda está sob dependência da sensibilidade de alguns profissionais; a regularização das terras
quilombolas estagnou, o INCRA tem se mostrado incompetente nessa matéria e a AGU não
tem apresentado soluções técnicas jurídicas que evitem a enorme judicialização dos direitos
quilombolas; mesmo tendo aumentado a escolaridade as mulheres negras continuam na base
da pirâmide socioeconômica. Apesar de esse diagnóstico ser antigo, pouco foi feito. O Estado
mantém-se insensível e omisso; a juventude sofre um período de recrudescimento da
violência, atualizando a denúncia do “Extermínio Programado da População Negra”, levada ao
público pela UNEGRO, em 1991 no I Encontro Nacional de Entidades Negras – ENEN.
Compreendemos que as poucas conquistas desses 10 anos já foram assimiladas pela
sociedade, tornaram-se direitos. O povo não aceitará retrocesso. Em junho, as grandes
mobilizações da massa nas ruas disseram isso: querem mais. Há uma geração que não viveu os
impactos do neoliberalismo hegemônico. Os impasses são outros e precisamos avançar. Diante
disso, a sociedade civil deverá ser bastante crítica na conferência, denunciar a letargia na
implantação das políticas de igualdade racial e exigir gestos concretos do poder público. Não
podemos propor e reiterar propostas infinitamente, precisamos obter resultados práticos.
d) Participação política e controle social: igualdade racial nos espaços de decisão
A UNEGRO estabeleceu como objetivo principal de sua atuação na conjuntura atual a luta
para a população negra ascender e compartilhar espaços de poder. Consideramos que sem
força política real não conseguiremos dar o ritmo adequado à pauta da população negra. O
processo político que encerrou com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei de
Cota nas universidades públicas federais no Congresso Nacional, explicitou o tamanho da
resistência as políticas de igualdade racial no Brasil. Enfrentamos as principais empresas e
meios de comunicações (Globo, Estadão, Veja, Folha de São Paulo, etc.) e sua bancada
parlamentar; bancada ruralista, composta por aproximadamente 120 parlamentares; bancada
evangélica, com 56 parlamentares; o Partido dos Democratas – DEM, PSDB e PPS; setores da
intelectualidade, dentre outros. A vitória aponta para força a política da população negra e
para a necessidade dessa força ocupar espaços reias de poder.
Esse subtema tem importância estratégica, pois aborda um elemento sensível no processo
de marginalização da população negra brasileira: nossa defeituosa democracia. Democracia
significa “governo do povo, sistema em que cada cidadão participa do governo”. Desde seu
nascedouro, há 2.500 anos, na Grécia Antiga, que o conceito foi cunhado e se mantém intacto.
Não existem no tempo ou espaços definições divergentes. Há duas formas de exercer a
democracia: participativa e representativa. A III CONAPIR será um momento em que o campo
da igualdade racial aprofundará o debate sobre a participação e representação negra e
popular no governo, ou seja, no destino dos municípios, dos estados, da nação.
Em matéria de representação popular, precisamos exigir maior valorização dos
instrumentos de consulta popular como os plebiscitos e referendos; diminuir as exigências
draconianas para projetos de leis de iniciativas populares; exigir consulta à população em
matérias polêmicas (como a divisão dos royalties do petróleo, 10% do PIB para educação e
código florestal); instituir caráter deliberativo aos conselhos e as conferências, como dito
anteriormente.
A participação de negros (as) comprometidos com o povo e com a nação nos espaços de
poder é o impasse mais sensível da democracia brasileira e o mais visceral desafio do
movimento negro. Uma democracia que não incorpora 50,06% da população é questionável.
Não podemos aceitar a profunda sub-representação da população negra no Congresso
Nacional, nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas, Prefeituras e Governos
estaduais.
Além da contundente denúncia ao racismo que normaliza a desigualdade, devemos
defender uma reforma política que corrija essa e outras graves injustiças, a UNEGRO defende
uma reforma política (não apenas eleitoral) com as seguintes diretrizes: aumente a
participação popular; com financiamento público exclusivo com vista a combater a influência
do poder econômico sobre o resultado eleitoral; fortalecimento dos partidos e contra o
princípio da soberania individual dos mandatos; lista partidária com paridade de gênero e
raça/cor; percentual mínimo de negros e mulheres nas direções partidárias e nos primeiros
escalões de governos.
Temos consciência que ainda há muito para avançar. Em decorrência dos agravos do
racismo, a população negra acumula desvantagens econômicas, políticas e sociais. Por isso,
nosso principal desafio será tirar do papel as conquistas estabelecidas em lei e as pactuadas
nos processos de diálogo entre poder público e sociedade civil. Para isso, será necessária uma
grande união do movimento negro em torno da luta pela maior presença de negros nos
espaços de poder.
Em 14 de julho de 1988, a UNEGRO completou 25 anos ininterruptos de luta política
contra o racismo. Temos muito a comemorar, porque somos artífices das vitórias do
movimento negro brasileiro e porque obra que não presta tem grande possibilidade de não
sobreviver 25 anos, ou seja, a matéria-prima que gerou a UNEGRO é de boa qualidade.
Nossa matéria-prima são compreensões de como se estrutura a dominação: convicção que
o racismo é um fenômeno que deve ser superado, pois não beneficia a humanidade, ao
contrário, aprisiona, gera conflitos, divide e vitimiza; consciência que a luta de classe e a luta
contra a dominação de gênero compõe o triple da luta emancipatória da população negra e do
povo brasileiro; determinação em não se adaptar ao racismo, ir à luta para sua superação.
Assim, a UNEGRO tem enfrentado nesse quarto de século as vicissitudes da luta contra o
racismo. Apesar de o paradoxo da nossa existência ser a luta para a nossa inexistência,
fazemos votos de sucesso e longa vida para a entidade.
Parabéns à UNEGRO!
Parabéns aos unegrinos e unegrinas!
Parabéns ao movimento negro brasileiro!
REBELE-SE CONTRA O RACISMO!
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