Chá Das Cinco Com
Sherlock Holmes
"Mais um dia cinzento... é a Londres de sempre...". Este era o pensamento
de Sherlock Holmes enquanto desfazia suas malas. Foi uma viajem
cansativa. Mais um caso resolvido: Um octagenário rico assassinado sem
pistas aparentes. Toda polícia estava preocupada em encontrar provas que
incriminassem os beneficiados pelo testamento. Mas Holmes, com seu
incrível poder de dedução, pôde demonstrar a todos (família e polícia) que,
na verdade, a motivação do crime foi passional e apresentou a verdadeira
assassina para todos. A criminosa, tão surpresa quanto os demais na casa,
sequer esboçou reação e foi presa imediatamente. Mas o que realmente
tornou a viajem cansativa, e Holmes não queria admitir, foi a ausência de
Watson. Um forte resfriado obrigou seu fiel amigo a ficar em Londres e
Holmes, solitário numa distante Eastborn, não tinha com quem
compartilhar sua capacidade superior de raciocínio, enquanto desvendava
o crime.
De volta ao lar, Holmes já estava acendendo o seu cachimbo
caminhando para a cozinha. Estava esperançoso de que houvesse
alguma coisa comestível na despensa. Foi neste momento que ele
escutou alguém entrando em sua casa.
"Holmes! Que bom que voltou logo!". Watson estava realmente
contente. Talvez até um pouco além do normal. "Desculpe ter usado
as chaves... eu não percebi que você já havia chegado".
Holmes observou seu colega com um ar de espanto. Aparentemente
Watson já se achava bom o suficiente para sair por aí apesar das
recomendações em contrário (Watson pode ser um bom médico mas é
um péssimo paciente). "Watson, você não tem do que se desculpar!
Você sabe que tem minha inteira permissão". Watson estava intrigado
com a expressão no rosto do detetive mais famoso do mundo. O que
antes parecia ser um ar de espanto (com um leve toque de deboche)
agora era um rosto sério, talvez até irritado. Holmes olhava fixamente
para o interior do armário da despensa. Diante daquele momentâneo
silêncio que se instalou, o detetive fez um rosto mais ameno e voltou a
falar: "Não Watson! Eu não tenho 12 libras comigo! Você terá de se
arranjar sozinho!".
Watson só faltou cair pra trás: "Holmes, eu sempre soube que você é
o melhor detetive do mundo! Mas eu nunca soube que você podia ler
pensamentos! Como soube que eu iria lhe pedir 12 libras?"
Holmes queria, inconscientemente, se vingar da ausência do amigo
naqueles últimos dias e, por isso, foi o mais rude possível. "Eu não sei
ler pensamentos! De onde você tirou essa idéia? Qualquer um poderia
deduzir que você iria me pedir este dinheiro. Não é muito, eu sei. Porém
eu não o tenho, caso contrário o daria."
- Esqueça o dinheiro. Eu quero saber como você pode ter deduzido uma
coisa destas? Isso é impossível!
- Talvez seja impossível para você, meu amigo. Mas para mim é óbvio!
- Holmes, eu mal pus os pés nesta casa e você não me vê há três dias.
A primeira coisa que você diz quando me vê é que não tem 12 libras.
Você só pode ter lido meu pensamento pois eu estava justamente
pensando em como lhe pedir as malditas 12 libras.
- Você tem razão, Watson. Eu não o vejo há três dias. Aliás foram três
dias muito produtivos. Contudo, eu não preciso vê-lo (e nem tão pouco
ler seus pensamentos) para saber o que aconteceu aqui em minha
ausência.
- Mas Holmes, tudo está no lugar. Eu mesmo vim aqui inspecionar o trabalho de
limpeza da Sra. Simpson. Você sabe... ela é muito boa, muito prestativa, etc, mas
só quando tem alguém fiscalizando... Ah! Já sei! Ela deixou algum bilhete. Aquela
danada...
- Meu amigo, realmente não existe ninguém como você. Que eu me lembre, você
havia receitado repouso a si próprio e, ranzinza como sempre, desobedeceu a si
mesmo! E para quê? Para fiscalizar a faxineira. Como se fosse necessário...
- O que ela disse no bilhete, Holmes?
- Watson, ela não deixou nenhum bilhete e ela também não falou comigo. Estou
chegando de viajem neste momento. Pensei que iria encontra-lo em repouso
mas, pelo visto, não há nada neste mundo que o faça ter bom senso. Vejo,
inclusive, que jogaram xadrez...
- Oh sim. Eu estava muito entediado... Vim abrir a casa para a Sra. Simpson e
acabamos nos distraindo com uma partida de xadrez na hora do chá...
- Eu sei Watson. Aliás, chamou-me a atenção o fato da mesa não ter sido
arrumada após o jogo. As peças ainda ocupam seus lugares de quando a partida
terminou e, a não ser que você tenha passado a usar batom, vejo que a xícara da
Sra. Simpson está virada sobre a mesa...
- Bem... sim, aconteceu um acidente. Como estávamos nas
dependências dos empregados, achei que poderia deixar a Sra.
Simpson arrumar hoje... Não esperávamos você tão cedo...
- Não se preocupe Watson... Pelo visto você jogou com as peças
brancas... pelo menos a sua xícara está deste lado da mesa.
- Tem razão Holmes. Eu ofereci as brancas pois sou um
cavalheiro... Mas a Sra. Simpson lembrou-me de que eu havia
jogado com as pretas da última vez, então...
- Ora, meu amigo, eu não quis insinuar isso. Estou apenas tentando
mostrar-lhe como deduzi sua necessidade urgente de dinheiro. Por
exemplo: A mesa ainda está manchada com o chá que estava na
xícara da Sra. Simpson. A mancha vai até a beirada da mesa porém
não há manchas no chão ou na poltrona. Deduzi que algo
interrompeu o caminho natural do líquido até o chão. Com certeza o
chá virou sobre a Sra. Simpson.
- Holmes, você falando assim realmente parece tão simples... Mas
ainda não entendi onde você quer chegar...
- Muito simples, meu amigo. Observando a posição das peças no tabuleiro, vemos
que as negras vão dar mate no próximo lance. Como eu o conheço muito bem, sei
que você tem o hábito de se levantar abruptamente da mesa sempre que está
diante de uma derrota iminente. Com o joelho devidamente flexionado, você joga a
mesa para o alto de forma que não reste uma peça sobre o tabuleiro, pede
desculpas oito vezes e faz o oponente (muitas vezes eu mesmo) ajuda-lo a catar
as pedras no chão. Desta vez, porém, o ardil não funcionou. As peças ficaram
intactas e o que virou foi a xícara da Sra. Simpson. Como se não bastasse, todo o
chá entornou sobre a pobre moça que estava usando um casaco de pele sintética
branca (muito ecológico por sinal).
- Como sabe que ela estava de casaco?
- Os pelos estão espalhados pelo chão e estão mais concentrados aqui junto à
poltrona que a Sra. Simpson usou para sentar-se à mesa. É óbvio que ela
esfregou bastante o casaco. Eu diria até que ela estava com raiva.
- Tem razão Holmes. Ela esfregou um bocado mas a mancha não saiu. Ela ficou
com raiva porquê o casaco era novo.
- Eu sei Watson! É a última moda. Ele está em todas as vitrines desde
Eastborn até Londres, com um cartaz anunciando "em oferta por 12
libras". Este, por sinal, é o dinheiro que ela está lhe cobrando por
danos materiais o que, aliás, acho muito justo pois não há produto que
devolva a uma pele sintética branca seu aspecto impecável anterior à
mancha de chá.
- Você está do lado dela? Foi um acidente, eu já disse. Vou pagar
porquê sou um cavalheiro!
- Mas é claro Watson. Posso imaginar sua aflição: em poucas horas a
Sra. Simpson virá (provavelmente com frio) para terminar a faxina.
Justo hoje que os bancos não abrem e você está desprevenido. Sim,
pois estes mantimentos na despensa certamente não foram pagos
pela pobre Sra. Simpson... Eu sei que tanto o banco quanto o mercado
fecham antes da hora do chá e você não podia prever que iria precisar
de 12 libras. Isso para não dizer que você exagerou nas compras...
- Ora Holmes, seu poder de dedução realmente é extraordinário mas,
desta vez, existe uma falha em seu raciocínio.
- É mesmo, Watson? E qual é?
- Toda a sua dedução baseou-se no fato de que as brancas vão tomar mate no
próximo lance e que eu, por isso, tentei derrubar a mesa. Desta forma eu seria
o culpado pela mancha no casaco e estaria sendo cobrado por isso. Mas, se
você olhar bem o tabuleiro, verá que as brancas também irão dar mate no
próximo lance. Portanto, é possível que a própria Sra. Simpson, diante de uma
derrota inevitável, tenha virado a xícara de chá para, da mesma forma,
interromper a partida.
- Bela tentativa Watson, mas, para seu azar, observando a posição das peças
no tabuleiro, eu também posso afirmar que é impossível as brancas darem
mate no próximo lance!
- Como impossível? É um mate muito simples!
- Seria muito simples se fosse a vez das brancas jogarem. Contudo, eu posso
provar que a vez é das negras!
- Holmes, se você me provar que as
brancas não podem dar mate, eu juro que escreverei um livro
sobre você.
- Neste caso pode mandar lubrificar aquela sua velha máquina de
escrever. Você ficará surpreso de como o passado pode ser
desvendado e, ao mesmo tempo, ter influência decisiva sobre o
futuro.
- Eu entendo que a cena de um crime pode deixar pistas sobre o
passado e que, nestes casos, o futuro pode representar a cadeia
para um assassino. Mas estamos falando de um joguinho de
xadrez.
- Não, Watson! Não estamos falando de um joguinho. Estamos
falando de um crime contra a propriedade.
- Ora Holmes, você vai querer me prender? Eu acho que você está me enrolando.
O suspense já não foi suficiente para satisfazer a sua vaidade?
- Não fique ansioso, Watson. Você verá que é tudo muito simples. O segredo é
seguir uma linha de raciocínio que permitirá a solução do problema com a máxima
clareza.
- Muito bem, muito bem... Por onde começamos?
- Observe o tabuleiro, Watson, e me diga quantas peças negras você vê?
- Dezesseis. Todas as peças negras estão no tabuleiro.
- E o que isso significa?
- Como assim? Eu já disse. Todas as peças negras estão no tabuleiro.
- Por isso que eu sou detetive e você não. Você me disse exatamente o que você
viu, mas eu estou lhe perguntando o significado disso!
- Isso significa que joguei tão mal que sequer comi uma peça da Sra. Simpson!
- Voilà! Você tem salvação, Watson! As brancas não fizeram nenhuma captura
durante a partida. Isso é importantíssimo. Agora me diga: Quantas peças brancas
estão sobre o tabuleiro?
- Já sei, Holmes. Onze. Isso significa que as pretas fizeram cinco capturas.
- Muito bem! Você aprende rápido. Vamos então continuar com perguntas mais
difíceis: Observe a estrutura de peões negros. Quantas capturas foram
necessárias para que ela fosse possível?
- Bem, vejamos: Os peões em b7 e c7 jamais se moveram; O peão em c6 só pode
ter vindo de d7. Isso implica em uma captura; Um dos peões na coluna g veio da
coluna h. Isso implica em outra captura.
- Já temos duas capturas, Watson. Lembre-se de que poderão ser no máximo
cinco...
- Sim. Neste caso o peão em d2 veio de e7 fazendo uma captura também. As
últimas duas capturas foram feitas pelo peão em c2 pois ele veio de a7.
- Magnífico! Chegamos sem problemas até aqui! Confesso que não esperava
tanto, Watson.
- Eu só estou tolerando todo esse deboche porquê estou duvidando que você
consiga provar quem pode dar mate no próximo lance.
- Não estou debochando de você, meu amigo: estou surpreso de fato!
Estamos seguindo por trilhas sinuosas e qualquer dasatenção porá tudo a
perder. Veja: já concordamos que os peões negros fizeram cinco capturas.
Pois bem: Quais peças brancas foram capturadas?
- Essa é fácil! Uma dama, uma torre, um bispo, um cavalo e um peão.
- Você está muito confiante, Watson. Então me diga qual peão negro capturou
o peão branco da coluna h?
- Pode ter sido o peão negro da coluna g. Depois ele voltou para sua própria
coluna.
- Impossível. Isto implica em pelo menos mais duas capturas além das cinco a
que temos direito.
- Neste caso, pode ser que o peão branco tenha ido para a coluna g e, depois,
foi capturado pelo peão negro da coluna h.
- Impossível, pois as brancas não fizeram capturas. Portanto o peão branco não
pode ter mudado de coluna.
- Neste caso a posição é impossível! Mas eu tenho certeza de que joguei dentro
das regras. A Sra. Simpson também.
- Watson, você continua com essa mania de ver apenas o que os olhos lhe
mostram. Você tem que buscar o significado do que você vê.
- Está bem, Holmes: Isto significa que a posição é impossível!
- Agora é você quem está debochando. Mas, mesmo assim, vou ajudar-lhe: A
única possibilidade das negras terem feito cinco capturas de peões sem
tornarem a posição ilegal, é a de que o peão branco da coluna h tenha
promovido! Só assim ele, mais tarde, pôde ser capturado por um dos peões
negros ou mesmo ainda estar no tabuleiro travestido numa outra peça
substituindo a original que foi capturada.
- Meu Deus! Como você consegue descobrir esses "significados"? Eu mesmo
não me lembro mais nada da partida que joguei ontem.
- Mas não há necessidade de lembrar. Foi isso o que aconteceu pois, de
qualquer outra forma, a posição seria ilegal.
- Bem, e o que isso "significa", Holmes?
- Isto significa que a solução do nosso problema está em descobrir como esta
partida pôde chegar nesta posição assumindo que ela obedece todas as regras
do jogo de xadrez. Significa que deveremos aprender a jogar "para trás", quero
dizer, retroagir lance por lance até descobrir-mos como vocês conseguiram
chegar nessa posição apresentada no tabuleiro.
- Significa que vamos passar uma noite em claro...
- Watson, não desanime agora! Temos ainda um longo caminho e, como já
disse, qualquer desatenção porá tudo a perder. Não me obrigue a começar
tudo novamente desde o início!
- Pelo amor de Deus, Holmes! Não. Vá em frente. Ainda estou conseguindo
acompanhar você.
- Este momento é importantíssimo. Sempre estivemos habituados a jogar
xadrez "para frente" e agora teremos de aprender a jogar xadrez "para trás",
quero dizer, os peões passarão a andar para trás, devolta às suas posições
iniciais. As peças, ao invés de "comer", passarão a "vomitar" permitindo que
peças fora do tabuleiro retornem à partida. Ao invés de se defender dos
xeques, os Reis se "colocarão" em xeque obrigando o adversário a retirar o
xeque no lance seguinte, quero dizer, no anterior.
- Holmes, você quer que eu acredite que cacos de vidro espalhados no chão
podem voar sozinhos de volta à prateleira e formar um copo novinho? Isso é
impossível!
- Não no xadrez! Aqui tudo é possível. Por exemplo: Qual pode ter sido
o último lance das negras?
- Qualquer um, Holmes. Como vou saber?
- Bem, vamos por partes. O cavalo negro em a8 não pôde ter feito a
última jogada das negras pelo simples fato de que ele não pôde ter
vindo de lugar algum (as casas b6 e c7 estão ocupadas, portanto o
cavalo não pôde ter vindo de nenhuma delas). Pelo mesmo motivo, os
dois bispos e as duas torres negras também estão fora de cogitação.
- Que coisa curiosa, Holmes... Agora percebo, por exemplo, que a dama
negra também não pôde ter vindo de a2 ou a3 ou a4 pois estaria
"tirando" o rei branco de xeque.
- Fantástico, Watson! Você está entendendo o espírito da coisa. Talvez
agora você compreenda que o rei negro também não pôde ter vindo das
casas a4 e c4 pois isso implicaria que ambos os reis ficaram lado a lado
na partida (o que é impossível).
- Sim, mas ele pode ter vindo de c5...
- Mas, neste caso, como as brancas puderam dar xeque com o peão em
b4? Lembre-se de que as brancas não fizeram capturas...
- Bem, neste caso, o rei negro também não pôde ter feito o último lance
das negras...
- Exato. Agora vamos ver os peões negros. Os que estão em b7 e c7
jamais se moveram...
- O peão em c6 pode ter vindo de d7.
- Certamente que sim, mas não agora pois, neste caso, o bispo negro de
casas brancas jamais teria saído de c8...
- Minha nossa, Holmes. Isso está começando a ficar complicado. São
muitos detalhes...
- É verdade. Por isso é que adoro desvendar crimes. Dar o devido valor
aos detalhes é uma arte...
- Deixe-me ver se ainda estou entendendo... O peão negro em c2 não
pôde ter vindo de lugar algum e o de d2 não pôde ter vindo de e3 agora
pois o peão branco em e7 ainda não voltou...
- Bravo! Bravíssimo! Agora me lembro porquê gosto tanto de você,
Watson! Estes momentos me dão muita alegria... Repare que, pelo
mesmo motivo, o peão negro em g6 não pôde ter vindo de h7 agora pois
o peão branco que promoveu na coluna h ainda não voltou.
- Até aqui ainda estou entendendo. Restaram apenas os peões em f3 e
g4...
- Sim, e o cavalo negro em g7. Aparentemente qualquer uma dessas três
peças podem ter feito o último lance das negras. Sendo assim, vamos
nos dar por satisfeitos por enquanto e inverter a situação: Qual pode ter
sido o último lance das Brancas?
- Eu acho que consigo responder, Holmes. Estou começando a
gostar disso. Bem, a torre e o bispo brancos não puderam vir
de lugar algum. O cavalo branco também não pôde ter vindo de
lugar algum pois, neste caso, as pretas não teriam como ter
dado o xeque com a torre.
- Muito bem, Watson. Você realmente entendeu. O rei branco
também não pôde ter vindo de a2 ou a3 pois, neste caso, as
pretas não teriam como ter dado o xeque com a dama.
- Eu sei, eu sei, Holmes, deixe eu continuar... O rei branco
também não pôde ter vindo das casas a4 e c4. Assim
eliminamos todas as possibilidades de o rei ter feito o último
lance das brancas.
- Finalmente, restaram os peões brancos...
- Os de f2 e g2 jamais moveram. O de a5 não pôde ter vindo
de a4 pois estaria "tirando" o rei negro de xeque. Os peões em
b4, c3 e d3 não podem voltar pois estão "bloqueados". Restou
apenas o peão em e7. Forçosamente foi ele quem realizou o
último lance das brancas...
- Estupendo! As brancas estão "atadas" e podem apenas voltar
lances com o peão que está em e7. Quantos lances as brancas
conseguirão voltar com este peão antes de ficarem
completamente paralisadas (o que tornaria a posição ilegal)?
- Bem, vejamos, o peão pode voltar para e6, depois para e5,
e4, e3 e e2: cinco lances ao todo.
- Errado, Watson. O peão branco não pode voltar para e2 antes do bispo branco
de casas brancas voltar para f1. Lembre-se de que este bispo, obrigatoriamente,
foi capturado por um peão negro, portanto teve de sair de suas fronteiras...
- Sendo assim, restam quatro movidas antes que a posição se torne ilegal.
- Precisamente! E o que isso significa?
- Significa que as negras tem de "salvar" a situação em, no máximo, quatro retromovidas...
- Muito bem! Eu pensei que teria muito mais dificuldades com você mas, pelo
visto, este resfriado lhe fez muito bem...
- Quer um pouco?!
- Não, obrigado, Watson. Prometo que não farei mais comentários... Vou me
concentrar na solução do problema. As negras precisam "libertar" alguma peça
branca para que elas possam voltar mais lances após terem se esgotado os
retro-lances do peão em e7. A torre branca, por exemplo, só sai quando o bispo
negro em a6 sair. Este, por sua, vez só sai quando o rei negro sair que, por sua
vez, só sai quando o rei branco sair...
- Pára, pára, pára... O rei negro pode sair depois que o peão em c6 voltar para
d7...
- Mas para isso ser possível, o bispo negro de casas brancas,
devidamente bloqueado neste momento em a6, deveria já estar
em c8...
- Eu esqueci, Holmes, desculpe-me... Estamos diante de um
gato caçando o próprio rabo...
- Onde eu parei mesmo? Ah, sim! O rei branco só sai se a
dama negra sair, que só sai se a torre em b1 sair, que só sai se
o bispo branco sair, que só sai se o cavalo branco sair, que só
sai quando as negras puderem justificar o xeque de torre.
- O que significa "justificar" um xeque?
- Neste momento o cavalo branco não pode sair pois as negras
não teriam como explicar o xeque de torre. Mas ele poderia ser
explicado se houvesse uma peça negra em b2 permitindo dar
xeque com a torre "a descoberto".
- O que é xeque "a descoberto"?
- As negras dariam xeque tirando uma peça que estaria em b2,
entre o rei branco e a torre preta.
- As vezes eu dou xeque "sem querer" exatamente assim...
- Bem... Watson... eu acho que você entendeu. Por outro lado,
a única peça negra disponível para realizar um xeque "a
descoberto" em b2 é o cavalo em g7. Ele precisa estar pronto
para entrar em b2 quando as brancas não tiverem mais retrolances de peão a fazer.
- Isso é fácil! O caminho mais rápido para o cavalo em g7 chegar
em b2 é passando pelas casas f5, e3 e d1. Isso nos dá tempo
suficiente para "salvar" a posição.
- Pois bem. Vamos por a mão na massa e voltar os lances...
4 - ... Cf5-g7; 3 - Pe6-e7, Ce3-f5; 2 - Pe5-e6, Cd1-e3; 1 - Cc4-b2,
Cb2-d1
Holmes sentou-se à mesa e começou a mover as pedras diante
de um olhar atento de Watson. Quando o detetive parou, o
tabuleiro ficou na posição representada ao lado. Diante da
impassividade do amigo, Holmes tomou a iniciativa mais uma
vez...
- A situação agora é exatamente inversa do que tínhamos antes,
quer dizer, as negras estão atadas e possuem apenas os peões
de f3, g4 e g6 para fazer retro-lances.
- Já sei, Holmes. Isso significa que asbrancas terão de "salvar" a
posição.
- Exatamente. O nosso objetivo agora é libertar o bispo branco
em c1 para que a torre e a dama possam sair e todas as peças,
então, serem "libertadas". Para isso precisamos que o peão
negro em d2 saia de onde está.
- Mas Holmes, o peão em d2 só pode voltar "descapturando" alguma peça
branca (pois ele veio da coluna e) e ele só pode fazer isso depois do peão
branco em e5 ter voltado para e2 que, por sua vez, só pode voltar para e2
quando o bispo branco de casas brancas voltar para f1.
- Você está certo, Watson. E teremos de fazer tudo isso antes que se acabem
os retro-lances de peões negros.
- Deixe-me ver: As negras podem voltar quatro lances com o peão de f3.
- Muito bem. Além disso teremos mais um lance onde um dos peões negros da
coluna g "descapturará" o bispo branco em casa branca para que ele possa
voltar à casa f1. Depois disso ainda restarão três retro-lances até que as
negras fiquem completamente "atadas". Isso nos dá um limite de oito retrolances para as brancas "salvarem" a posição.
- Bem, Holmes, pelo que você disse, eu entendi que as brancas terão de levar
o cavalo até a casa h8 para que o peão branco possa "despromovê-lo". Este
mesmo peão, em seguida, retornará pela coluna h de sorte a permitir que o
peão negro descapture o bispo branco de casas brancas. O bispo, por sua vez,
deverá retornar para sua casa original em f1 e a posição estará "salva".
- Quanto otimismo, Watson. E em quantos lances as brancas podem fazer tudo
isso?
- O caminho mais curto para que o cavalo branco em c4 chegue em h8 é
passando pelas casas e5, f7, h8 (três lances). Depois disso o peão branco
"despromoverá" voltando para h7 e depois para h6 permitindo que o peão
negro em g6 descapture o bispo branco.
- Não pretendo lhe ensinar matemática, Watson, mas já chegamos a cinco
lances. Restam apenas três.
- Eu sei, não me afobe. O bispo chegará em f1 passando pelas casas h5, e2 e
f1. São os exatos três lances que eu preciso.
- Seria perfeito se não houvesse uma falha em sua dedução...
- Você é mesmo vingativo, hem Holmes? Qual é a falha?
- O cavalo não pode usar o caminho mais curto pois o peão branco em e5 está
lhe bloqueando.
- Eu posso voltar por d6. Dá na mesma.
- Claro que não. Se o cavalo branco veio de d6 ele estaria "tirando" o rei negro
de xeque. Isso não seria um lance válido.
- Então, como eu posso tirar o peão branco de e5 sem gastar retro-lances?
- Elementar, meu caro Watson! A única maneira de fazer isso é
voltando à posição inicial do problema e, ao invés das negras
voltarem primeiro (lembra? Cf5-g7), as brancas é que voltam
primeiro.
Holmes arrumou rapidamente o tabuleiro colocando as peças como
elas estavam no início e depois voltou lance por lance começando
pelas brancas.
4 - e6-e7, Cf5-g7; 3 - e5-e6, Ce3-f5; 2 - e4-e5, Cd1-e3; 1 - Cc4-b2,
Cb2-d1
Quando Holmes terminou, Watson deu um sorriso e não pôde conter
a admiração...
- Holmes, estamos na mesma posição do segundo diagrama só que
com o peão branco em e4. Agora o cavalo pode passar por e5 e
voltar rapidamente até h8. Você é um gênio!
- Sou sim, admito. Como vê, o problema está resolvido. Deixe-lhe
mostrar até onde eu analisei quando cheguei de viajem e vi o
tabuleiro sobre a mesa...
E Holmes mostrou a sequência completa de retro-lances
necessários para desatar a posição.
15 - Pe6-e7, Cf5-g7; 14 - Pe5-e6, Ce3-f5; 13 - Pe4-e5, Cd1-e3; 12 - Cc4-b2, Cb2d1; 11 - Ce5-c4, Pf4-f3; 10 - Cf7-e5, f5-f4; 9 - Ch8-f7, f6-f5; 8 - h7-h8=C, f7-f6; 7 h6-h7, h7xBg6; 6 - Bh5-g6, g5-g4; 5 - Be2-h5, g6-g5; 4 - Bf1-e2, g7-g6; 3 - e2-e4,
e3xCd2; 2 - Cf3-d2, e4-e3; 1 - Bg5-c1, Te1-b1; 0 - etc...
- Está provado que o último lance da partida foi das brancas (e7) e, portanto, a
próxima jogada é das negras. O mate é Da4++ - disse Holmes.
- Como eu pude duvidar de você. Desta vez você se superou.
- Você também se superou, meu amigo. Está de parabéns...
- Bem, Holmes, toda essa conversa me deixou com fome. Você não quer comer
algo também?
-Não, não Watson! Não me fale em comida. Me fizeram comer tanto no trem que
eu só me aproximaria de um armário de despensa se este fosse o preço a pagar
pela solução de mais um caso...
Autor: Leo Mano (www.problemasdexadrexdrez.cjb.net)
Edição no Power Point de Fabiano Ubirajara de Pontes, Registro-SP
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