ATIVIDADES E ATOS ADMINISTRATIVOS
AULA 8: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA: O REGIME
JURÍDICO DAS AUTARQUIAS E DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS
OBJETIVO
Discutir as possibilidades de descentralização das atividades administrativas em entidades personificadas, com ênfase nas autarquias, instituto cuja
importância foi novamente posta em destaque a partir dos anos 90, com a
instituição das agências reguladoras.
INTRODUÇÃO
A Administração Pública centralizada ou direta é aquela exercida diretamente pela União, Estados e Municípios que, para tal fim, utiliza-se de
ministérios, secretarias, departamentos e outros órgãos, apresentando, assim,
uma estrutura eminentemente piramidal.
Por outro lado, a Administração Pública descentralizada ou indireta é exercida por outras pessoas jurídicas que não se confundem com os entes federados, criadas pelos mesmos, a saber: autarquias, fundações públicas, empresas
públicas, sociedades de economia mista, associações públicas. Para o objeto
da nossa aula, vamos examinar os seguintes entes da administração indireta:
as autarquias e as fundações públicas.
Autarquia
O termo autarquia surgiu na Itália em 1897 quando Santi Romano discorria sobre o tema “decentramento amministrativo”, referindo-se às comunas,
províncias e outros entes públicos existentes nos Estados unitários.128
No direito positivo brasileiro, as autarquias surgiram no Decreto-lei no
6.016, de 22 de novembro de 1943, como sendo o serviço estatal descentralizado com personalidade de direito público, explícita ou implicitamente
reconhecida por lei.
Em 1949, a Lei no 830, de 23 de setembro, que reorganizou o Tribunal de
Contas da União, regulamentando o artigo 97 da Constituição Federal então
vigente, definiu em seu artigo 139 as entidades autárquicas como sendo: (i)
o serviço estatal, descentralizado, com personalidade jurídica, custeado mediante orçamento próprio, independente do orçamento geral; e (ii) as demais
pessoas jurídicas especialmente instituídas por lei para execução de serviço de
interesse público ou social, custeadas por tributos de qualquer natureza ou
por outros recursos oriundos do Tesouro.
128
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14a ed. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 366
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Por sua vez, o Decreto-lei no 200, de 25-02-1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal e estabeleceu diretrizes para a Reforma
Administrativa à época, definiu autarquia como sendo:
o serviço autônomo criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio
e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública que
requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira
descentralizada.
A definição trazida pelo decreto-lei no 200/67 deixa extreme de dúvidas
que as autarquias exercem funções administrativas – “atividades típicas da
administração pública”, sendo, por conseguinte, pessoas jurídicas de direito
público. As autarquias possuem determinado grau de autonomia face à Administração Pública Direta, uma vez que lhe são inerentes as características de
personalidade jurídica própria, bem como patrimônio e receitas próprios.
As autarquias, sendo pessoas jurídicas de direito público interno, são instituídas por lei em sentido estrito, nos termos do art. 37, XIX, da Constituição
Federal de 1988:
Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à
lei complementar, neste último caso, definir as áreas de atuação.
Sendo parte da Administração pública, o anteprojeto de lei que as institua
será de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, a teor do art. art.
61, §1o, II, ‘e’, CF/88:
Art. 61. (...)
“§1o. São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...)
II –
disponham sobre: (...)
e)
Criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;”
Com a reforma do Estado empreendida ao longo da década de 90, o instituto da autarquia foi revisitado, com a criação das agências reguladoras, as
quais possuem natureza jurídica de autarquias em regime especial. As características que tornam as agências reguladoras autarquias “especiais” serão objeto
de estudo no próximo semestre.
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Fundação pública
Nos termos do decreto-lei 200/67129, fundação pública é “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada
em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades
que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com
autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras
fontes”.
Entretanto, algumas fundações públicas desempenham atividades que as
aproximam de verdadeiras autarquias, o que as leva a ter um regime jurídico
de direito público.
Por essa razão, a doutrina esclarece que, em realidade, as fundações criadas
pelo poder público podem ser de direito público ou de direito privado. Nas
palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro:
De todas as entidades da Administração Indireta, a fundação é, sem dúvida
alguma, a que tem provocado maiores divergências doutrinárias no que diz respeito à sua natureza jurídica e às consequências que daí decorrem.
Formaram-se, basicamente, duas correntes: de um lado, a que defende a
natureza privatística de todas as fundações instituídas pelo poder público, e,
de outro, a que entende possível a existência de fundações com personalidade
pública ou privada, a primeira das quais como modalidade de autarquia. Após a
Constituição de 1988, há quem entenda que todas as fundações governamentais
são pessoas jurídicas de direito público.
Colocamo-nos entre os que defendem a possibilidade de o poder público,
ao instituir fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direito privado. Isto porque nos parece incontestável a viabilidade de aplicar-se, no
direito público, a distinção que o Código Civil de 1916 continha entre as duas
modalidades de pessoas jurídicas privadas: associação e sociedade, de um lado, e
fundação, de outro; a distinção se mantém no novo Código Civil.
(...)
Quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode
atribuir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições que lhe são próprias, ou subordiná-la ao Código Civil, neste último caso,
com derrogações por normas de direito público. Em um e outro caso se enquadram na noção categorial do instituto da fundação (...)130
De acordo com Alexandre Aragão, “o novo Código Civil não resolveu a
confusão existente em relação à natureza jurídica das fundações públicas, acabando, outrossim, por aumentá-la ainda mais, diante da omissão em incluir
as fundações públicas no rol das pessoas jurídicas de Direito Público (art.
129
Incluído pela Lei nº 7.596, de 1987.
130
ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 21ª ed. São Paulo:
Atlas, 2008, pp. 412 e 413.
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41) e da inclusão das fundações em geral no elenco das pessoas jurídicas de
Direito Privado (art. 44)”.131
As fundações de direito público ficaram conhecidas como “fundações autárquicas”, terminologia, entretanto, objeto de crítica da doutrina, pelas confusões que propicia aos estudiosos.132
LEITURA OBRIGATÓRIA
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.
Rio de Janeiro: Lumen Iuris, itens:
• Administração direta e indireta: notas introdutórias
• Administração direta
• Administração indireta
• Autarquias
• Fundações públicas
CASO GERADOR
Neste módulo os casos geradores serão propostos ao final, tendo em vista
a necessidade de que o aluno conheça todas as entidades que compõem a
Administração antes de discuti-los.
LEITURA COMPLEMENTAR
ARAGÃO, Alexandre Santos de. As fundações públicas e o novo Código
Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 815.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 243 a 261;
ZANELLA DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo:
Atlas, item 10.4 (“Fundação”).
131
ARAGÃO, Alexandre Santos de. As
fundações públicas e o novo Código
Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo:
RT, v. 815, p. 751.
132
Nesse sentido, Diogo de Figueiredo
Moreira Neto: “A denominação fundações autárquicas vale para acentuar a
distinção dessa esdruxularia em face
das tradicionais e autênticas fundações
públicas com personalidade de direito
privado, que (...) são espécies de paraestatais”. Curso de direito administrativo.
14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 256.
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