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Processo nº: 502/2010
Data: 2013-02-25
SUMÁRIO:
I – A exposição dos factos que se faça na petição inicial deve ser clara e contundente; não
comportando nenhum efeito jurídico a sua invocação meramente incerta ou hipotética;
II – A essa exposição, enquanto acto enunciativo, são aplicáveis as regras de interpretação
que, no Código Civil, se acham estabelecidas para as declarações nos negócios jurídicos
(artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1);
III – As mesmas regras interpretativas são transponíveis para a narrativa dos factos provados,
dali obtidos e contidos na sentença;
IV – É permitido ao tribunal, mesmo ao de recurso, formular as ilações razoáveis e inferir os
factos que, com toda a probabilidade, assim se indiciem (artigos 349º, 351º, do Código Civil,
713º, nº 2, final, e 659º, nº 3, final, do Código de Processo Civil).
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. A instância da acção.
1
1.1. A(…) propôs acção declarativa, em forma ordinária, contra (1.º) F(…) e (2.º)
Banco (…) SA, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de
31.601,00 €, “correspondente ao resultado obtido com a venda das 248 acções da Portugal
Telecom SGPS e das 2575 acções da EDP Energias de Portugal e com o resgate das
unidades de participação”, acrescida de juros, “desde a data da … apropriação”, sendo os já
vencidos a 3 Fev 2010 na importância de 3.169,71 €.
O que, em síntese, diz é que era dono das acções mencionadas, adquiridas entre
1998 e 2000, registadas em seu nome e depositadas em conta bancária que possuía com o coréu singular junto do banco, também réu; ora, em Jan 2008 soube que todas essas acções
haviam sido vendidas; havendo-o sido por ordens de venda efectuadas pelo co-réu singular,
sem que lhe pertencessem. Dessa forma, obteve este réu 25.876,00 €, resultado de operações
de venda tidas lugar no dia 2 Ago 2007; quantia que levantou, mediante cheque. Acresce que,
em 6 Ago 2007, o mesmo co-réu deu ordem de resgate de unidades de participação em Fundos de Investimento B...al, pertença sua, do autor; e, uma vez depositado o resultado do
resgate, de 5.725,00 €, procedeu, por cheque, ao seu levantamento.
1
A acção foi apresentada no dia 11 de Fevereiro de 2010 (v fls. 17).
A isto acresce, ainda, que logo que soube de tais factos procurou inteirar-se de
qual o regime em vigor para a conta bancária em questão; recusando-o o banco; razão porque
“desconhece … se a conta em causa se trata de uma conta conjunta, mista ou solidária”
(artigo 17º petição); “é que, enquanto que na conta solidária qualquer um dos titulares pode
movimentar os instrumentos financeiros inscritos ou depositados, sem carecer de autorização
ou intervenção dos restantes ainda que esses instrumentos sejam propriedade de apenas um
dos titulares, na conta mista os instrumentos financeiros apenas podem ser movimenta-dos por
quem tenha poderes de movimentação e na conta conjunta os instrumentos financeiros apenas
podem ser movimentados pelos respectivos titulares (cláusulas 5 e 6 das condições gerais do
BPI)” (artigo 18º petição); “logo, se se tratar efectivamente de uma conta conjunta ou até
mista, no que à venda das a-cções se reporta, nunca estas poderiam ter sido vendidas sem a
intervenção ou autorização do autor, motivo pelo qual, a actuação do réu banco se teria pautado por uma violação grave das obrigações contratuais, incorrendo deste modo em
responsabilidade contratual, que expressamente se invoca” (artigo 19º peti-ção). É que, as
acções nominativas, sua propriedade, foram vendidas por ordens de venda assinadas, não
pelo seu titular; mas pelo co-réu singular.
Já quanto ao resgate das unidades de participação, “o réu banco é responsável
independentemente do regime que vigorar para aquela conta bancária”, por aquele só poder
ser solicitado pelo titular da conta em nome do qual houver inscrição; evidenciando-se
subvertida esta orientação, que apenas a si, o autor, seu titular, permitia assinar a ordem de
resgate.
O banco agiu com falta de zelo e desleixo em relação ao cuidado médio que se
impõe na realização das operações financeiras; e é, por isso, responsável solidário pelo
pagamento do valor obtido com o resgate das unidades de participção; e daquele obtido com a
venda das acções, “caso se verifique que a conta bancária em causa constitui uma conta mista
ou conjunta” (artigo 25º pe-tição), com acréscimo de juros.
1.2. O réu F(…) contestou; no essencial, a pugnar pela improcedência da acção.
As acções haviam sido adquiridas com lucros de sociedade comercial de que, com o autor,
eram únicos sócios; em 17 Set 2007, o autor cedeu à sua esposa a quota social, por 60.000,00
€; no acordo estabelecido, o saldo da conta solidária e as acções depositadas passavam
exclusivamente a pertencer-lhe; e por isso este, o réu, e esposa, pagaram àquele, ao autor,
além do mais, também o valor referente às acções; tudo a significar que as acções passaram a
ser suas. Aliás, a venda delas, em tempo anterior ao da cessão da quota, teve o objectivo de
permitir incorporar no valor total a pagar, também, as quantias resultado dessa venda. E
2
ademais a conta era efectivamente solidária; tendo sido constituí-da apenas para a feitura das
aplicações financeiras com os lucros societários. Em suma, o valor das acções foi pago em Set
2007, no contexto do acordo da cessão.
1.3. Contestou ainda o réu Banco (…); exactamente a pedir a sua a-bsolvição do
pedido. Confirma a existência da co-titularidade da conta de depó-sito à ordem, de natureza
solidária; e a inscrição nela, a favor do autor, das ques-tionadas acções; estas, escriturais,
precisamente representadas por registos em conta, no caso solidária, do autor e do co-réu
singular. A natureza solidária foi ademais expressamente estipulada pelo autor; comportando a
livre movimentação sem autorização dos outros titulares; como aliás o próprio autor articula
(artigo 18º petição). É, por conseguinte, legítima a ordem de venda efectuada pelo co-réu
singular, devidamente autorizada, conforme condições previamente estabelecidas. Razão
porque o banco agiu adequadamente, em obediência a essas.
No concernente ao fundo BPI Global, não é de natureza nominativa mas de
depósito comum, pertença de todos os titulares da conta aberta junto da entidade depositária;
com as mesmas condições de movimentação dessa conta de depósito subjacente; na hipótese,
de cariz solidário. Em suma, aqui também qual-quer titular a poder movimentar validamente os
instrumentos financeiros, incluindo o respectivo resgate, a todo o tempo.
Não há portanto qualquer responsabilidade contratual do banco; o seu
comportamento foi o único possível, face às ordens de venda e de resgate emanadas de um
cliente contratualmente legitimado a fazê-lo; e em obediência aos cui-dados exigidos a um
intermediário financeiro. Inexiste facto ilícito, culpa e nexo de causalidade com o dano, que
aliás se mostra desconhecido e não concretizado.
1.4. O autor apresentou réplica; mantendo, quanto ao banco, desconhecer sobre
“se se tratava ou não de uma conta solidária”; e, quanto ao co-réu singular, que a cessão de
quotas nada teve que ver com a venda das acções e dos títulos, que eram bens apenas seus.
1.5. A instância declaratória desenvolveu-se; e foi proferida sentença final, a qual
findou a julgar “a acção parcialmente procedente e, em consequên-cia, [a condenar] os réus a
pagarem solidariamente ao autor a quantia de 13.237,47 €, resultante da venda das acções da
EDP e da PT (10.705,45 € EDP e 2.532,02 € PT), acrescida de juros legais, desde 2.8.2007 até
efectivo e integral pagamento”, como ainda a condenar “o réu F(…) a pagar ao autor a quantia
de 2.862,50 €, resultante do resgate do fundo de investimento (metade pertencente ao autor),
acrescida de juros legais, desde 6.8.2007 até efectivo e integral pagamento”.
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2. A instância do recurso.
2.1. O réu Banco (…) não se conformou; e interpôs apelação.
Elaborou alegações; e findou-as a formular as sínteses conclusivas:
a) A questão que se coloca na presente apelação é a de saber se a ordem de
venda das ações da EDP e da Portugal Telecom, emitida pelo co-réu Francisco é, ou não,
legítima e consequentemente, se se encontram preenchidos, no caso dos autos, os
pressupostos legais do instituto da responsabilidade civil contratual;
b) O banco apelante entende que a sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos, mais concretamente, do artigo 798º do CC;
c) Atento o regime de solidariedade vigente na conta nº ...395.000.001, titulada
pelo autor e pelo réu F(…), este tinha legitimidade para ordenar a venda das acções em causa
nos autos, depositadas e inscritas naquela conta, sem necessitar da intervenção nem da
autorização, prévia ou posterior, do autor;
d) Os valores mobiliários adquiridos nas OPV (ofertas públicas de venda) da EDP
e da Portugal Telecom em questão nos autos configuram acções escriturais, ou seja, são
representadas precisamente por registos em conta, e foram inscritas na conta solidária do
autor e do co-réu F(…);
e) O autor e o co-réu F(…) estipularam, de sua livre vontade, a regra da
solidariedade para a movimentação dessa conta e dos instrumentos financeiros à mesma
associados;
f) Na conta solidária qualquer um dos titulares pode movimentar os instrumentos
financeiros inscritos ou depositados, sem carecer de autorização ou intervenção dos restantes
ainda que esses instrumentos sejam propriedade de apenas um dos titulares;
g) A regra da solidariedade acordada nas condições de abertura de conta vigora
também para as aplicações financeiras que foram associadas pelos respetivos titulares a essa
mesma conta bancária;
h) Configura uma atribuição de poderes a cada um dos titulares para, livre e
isoladamente, movimentar os valores em crédito ou títulos depositados na conta de depósito
solidária;
i) Foi essa regra, expressamente acordada pelos titulares da conta bancária
aberta junto do banco apelante, que determinou a aceitação por este da ordem de venda das
acções EDP e Portugal Telecom depositadas na aludida conta solidária;
j) Resulta da matéria assente que existia entre o autor e o co-réu uma relação
societária de confiança e proximidade que determinou a decisão de abertura da conta junto do
banco réu, com condições de movimentação solidárias, bem como a decisão de investimento
conjunta na aquisição das acções em causa nos autos;
l) Tal decisão de investimento conjunta foi concretizada por intermédio de fundos
existentes na conta bancária solidária, tendo sido identificados os respectivos titulares através
do respectivo número de identificação fiscal, em cumprimento de um requisito formal;
m) As acções adquiridas foram distribuídas por rateio a cada um dos titulares da
conta bancária;
n) Foi nessa conta bancária solidária que tais acções foram registadas (tratam-se
de acções escriturais sujeitas a registo em sistema centralizado) e depositadas;
o) Foi nessa conta bancária solidária – titulada também pelo autor – que o produto
da venda das acções foi creditado;
p) As condições de movimentação dos instrumentos financeiros agregados àquela
conta bancária, incluindo as acções em causa nos autos, são precisamente as mesmas:
qualquer um dos titulares pode dar ordens de aquisição, quer em nome próprio, quer em nome
dos demais titulares da conta, de novos instrumentos financeiros para a conta e movimentar
todos os instrumentos financeiros inscritos ou depositados, bem como dar instruções para o
exercício dos respectivos direitos patrimoniais, sem carecer de autorização ou intervenção dos
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restantes ainda que esses instrumentos sejam considerados da titularidade de apenas um
deles, entendendo-se, para o efeito, que cada um dos titulares atribui, por este meio, poderes
de representação aos restantes;
q) Foi este o entendimento que esteve sempre subjacente no relacionamento
entre o banco e os seus clientes, o autor e o co-réu Francisco, ao longo dos anos e por todos
sempre assumido, como, aliás, o próprio autor reconhece (artigo 18º da petição);
r) O banco apelante agiu no estrito cumprimento de instruções emanadas do cotitular da conta solidária, com poderes para tal;
s) O dano invocado pelo autor não decorreu da actuação directa do banco
apelante, pois o produto da venda ordenada pelo co-réu F(…) não foi entregue pelo banco a
este último; foi creditado na conta bancária de que o próprio autor é titular, ficando na sua total
disponibilidade;
t) Inexiste nexo de causalidade entre a actuação do banco apelante e o dano
expressamente invocado pelo autor, a saber, o valor resultante da venda das acções, na
medida em que o produto dessa venda foi creditado na conta de que o autor é titular,
tendo sido posteriormente movimentada pelo co-titular solidário, o co-réu Francisco;
u) A sua actuação não é assim causa adequada do dano expressamente invocado
pelo autor;
v) O banco apelante não violou qualquer dever na relação obrigacional com o
autor, pois as ordens de venda das acções em causa foram emitidas por um dos titulares da
conta bancária solidária, com poderes e legitimidade para tal;
x) O autor teria de alegar e provar os factos integradores de todos os
pressupostos da responsabilidade contratual e do inerente direito à reparação (artigos 798º e
seguintes do Código Civil); não o tendo feito, inviabilizada está a procedência da sua pretensão
indemnizatória;
z) O banco apelante não pode ser condenado, como o foi na decisão em recurso,
no pagamento da indemnização correspondente a metade do produto das vendas das acções
em discussão; esta importância foi creditada na conta bancária do autor;
aa) Face ao exposto, o apelante não se conforma com a decisão proferida, por a
mesma enfermar de vícios graves, designadamente, por incorrecta interpretação e aplicação
do direito aos factos em discussão nos autos, designadamente o artigo 798º do Código Civil ,
pelo que a mesma deverá ser revogada e substituída por outra que absolva totalmente o banco
apelante.
2.2. O autor contra-alegou; e formulou estas conclusões:
a) O recurso limita-se a saber se a entidade bancária recorrente é ou não
solidariamente responsável pelo pagamento do produto da venda das acções da EDP e da PT,
registadas em nome do autor;
b) O recurso do banco não aproveita ao réu F(…) que se conformou com a
decisão proferida pelo tribunal “a quo”, não interpondo ele recurso, aceitando que se apropriou
indevidamente dos montantes em que foi condenado e que pertenciam exclusivamente ao
autor;
c) A sentença de mérito deve ser confirmada.
3. Delimitação do objecto do recurso.
A parte dispositiva da sentença, no segmento desfavorável ao recorrente, faz, por
princípio, a delimitação inicial do objecto do recurso; sendo, depois, as conclusões da alegação
que, mais exactamente, circunscrevem as questões e assuntos decidendos, sujeitos à
reavaliação do tribunal de recurso (artigo 684º, nº 2, final, e nº 3, do Código de Processo Civil).
5
Na hipótese, o assunto decidendo primordial, autonomizado, é o de saber se o
banco apelante, ao ter dado execução à ordem de venda das acções que o réu singular lhe
deu, agiu em preterição de algum vínculo a que estava adstrito.
Acessoriamente, no caso de assim se apurar, se mesmo então falha o nexo
causal entre essa execução e a perda patrimonial que o apelado reclama.
E tudo para concluir sobre se preenchidos se acham, ou não, os pressupostos
de obrigação de indemnizar, fundados em responsabilidade contratual (artigo 798º do Código
Civil).
Aproveitar-se-á, por fim, para dissipar uma dúvida, que se perpassa existir, e que
é a de saber se, no caso, o recurso interposto pelo banco réu aprovei-ta, ou não, ao co-réu
singular, não recorrente.
II – Fundamentos
1. A matéria de facto que o tribunal recorrido deu como provada é a que, a
seguir, se enumera; organizada agora por uma ordem que se afigura um pouco mais lógica, e
cronológica; e, ademais, retocada pontualmente na respecti-va redacção.
i. O (…) Global não é nominativo, tratando-se de um fundo de depósito comum (ao
portador), ou seja, pertence a todos os titulares da conta de depósito aberta junto da entidade
depositária, no caso, o banco réu – alínea k) matéria assente.
ii. O autor e o co-réu F(…) eram co-titulares de uma conta de depósito à ordem,
solidária, aberta no banco réu, com o nº (…), junto da agência de V.N. de Famalicão – alínea a)
matéria assente.
iii. A conta que autor e réu abriram no B(…), agora B(…), com o NUC (…), era
uma conta solidária – resposta aos quesitos 18º e 20º da base instrutória.
iv. O autor e o co-réu F(…), no âmbito dos processos de reprivatização da EDP
Energias de Portugal e da Portugal Telecom (Ofertas Públicas de Venda – OPV), emitiram
ordens de compra de acções nas tranches destinadas a “pequenos subscritores” e “público em
geral”, tendo-lhes sido atribuídas as acções que se passam a identificar, as quais foram
inscritas na aludida conta nº (…):
NUC (…)
6
EDP
Titular: (…)
Data
Operação
Quantidade
16.06.1997
16.06.1997
29.06.1998
29.06.1998
01.07.1998
13.07.1999
17.07.2000
23.10.2000
23.10.2000
07.11.2001
30.11.2004
27.12.2004
30.07.2007
OPV – Peq. Subscritores
OPV – Público Geral
OPV – Peq. Subscritores
OPV– Público Geral
Prémio fidelidade
Prémio fidelidade
Alteração Valor nominal
OPV – Peq. Subscritores
OPV – Público Geral
Prémio fidelidade
Aumento Capital
Venda em bolsa
Venda em bolsa
acções
75
100
50
50
3
2
(280X5)
650
460
65
566
566
2575
Data
Operação
Quantidade
16.06.1997
16.06.1997
29.06.1998
29.06.1998
01.07.1998
13.07.1999
17.07.2000
23.10.2000
23.10.2000
07.11.2001
30.11.2004
27.12.2004
30.07.2007
OPV – Peq. Subscritores
OPV – Público Geral
OPV – Peq. Subscritores
OPV – Público Geral
Prémio fidelidade
Prémio fidelidade
Alteração Valor nominal
OPV – Peq. Subscritores
OPV – Público Geral
Prémio fidelidade
Aumento Capital
Venda em bolsa
Venda em bolsa
acções
75
100
50
25
3
2
(255X5)
650
470
65
541
541
2460
Data
Operação
Quantidade
04.12.2000
04.12.2000
13.07.2001
07.11.2001
30.07.2007
OPV – Peq. Subscritores
OPV – Público Geral
Aumento de Capital
Prémio fidelidade
Venda em bolsa
acções
130
100
5
13
248
Data
Operação
Quantidade
04.12.2000
04.12.2000
OPV – Peq. Subscritores
OPV – Público Geral
acções
120
100
de
Saldo
75
175
225
275
278
280
1400
2050
2510
2575
3141
2575
0
EDP
Titular: (…)
de
Saldo
75
175
225
250
253
255
1275
1925
2395
2460
3001
2460
0
TELECOM
Titular: (…)
de
Saldo
130
230
235
248
0
TELECOM
Titular: (…)
7
de
Saldo
120
220
13.07.2001
07.11.2001
30.07.2007
Aumento de Capital
Prémio fidelidade
Venda em bolsa
4
12
236
224
236
0
– alínea b) matéria assente.
v. Na OPV da EDP Energias de Portugal realizada em 26 de Junho de 1998, quer
o autor quer o co-réu F(…) recorreram a crédito junto do banco réu para aquisição das acções
em causa – alínea i) matéria assente.
vi. As acções e os fundos da participação aqui em causa foram adquiridos com
lucros da sociedade da qual eram sócios autor e réu – resposta ao quesito 5º da base
instrutória.
vii. Tais acções haviam sido adquiridas com os lucros provenientes da actividade
industrial prosseguida pela sociedade comercial denominada “Serralharia (…), Limitada”, de
que autor e réu eram os únicos sócios – resposta ao quesito 12º da base instrutória.
viii. Estes, por acordo estabelecido entre ambos, no decurso dos anos de 1998 e
2000, optaram por não proceder à distribuição de lucros e aplicar os mesmos na aquisição de
acções – resposta ao quesito 13º da base instrutória.
ix. Nos aludidos processos de reprivatização, e por força da alteração do valor
nominal das acções EDP e dos prémios de fidelidade, foram inscritas naquela conta solidária, a
favor do autor 248 acções da Portugal Telecom SGPS e 2.575 acções da EDP Energias de
Portugal e a favor do réu F(…) 236 acções da Portugal Telecom SGPS e 2.460 acções da EDP
Energias de Portugal – alínea c) matéria assente.
x. O registo de tais acções, nos termos referidos, tem como suporte as ordens de
compra emitidas à data por cada um dos titulares da conta bem como a oferta proporcionada
pelas entidades emitentes nas aludidas tranches (“pequenos subscritores” e “público em geral”)
e a procura do mercado – alínea d) matéria assente.
xi. As acções adquiridas nas OPV (oferta pública de venda), em nome do autor,
ficaram registadas em seu nome – resposta ao quesito 1º da base instrutória.
xii. As acções adquiridas pelo autor nas OPV foram registadas na conta supra
indicada – resposta ao quesito 19º da base instrutória.
xiii. Autor e réu F(…) eram titulares, cada um, de 374 unidades de participação do
fundo (…) Global, os quais estavam agregados à conta com o NUC (…) – resposta aos
quesitos 23º e 24º da base instrutória.
xiv. A venda das acções da EDP Energias de Portugal, efectuada em 2 de Agosto
de 2007, em duas operações, ascendeu aos montantes de 10.705,45 € e 10.227,25 €,
8
perfazendo a quantia global de 20.932,70 €, enquanto que a venda das acções da Portugal
Telecom SGPS, igualmente realizada em 2 de Agosto de 2007 e em duas operações,
ascendeu aos montantes de 2.532,02 € e 2.411,38 €, perfazendo a quantia global de 4.943,40
€ – alínea e) matéria assente.
xv. As vendas descritas na alínea e) matéria assente foram ordenadas pelo réu
Francisco – resposta aos quesitos 2º a 4º da base instrutória.
xvi. Do resultado total das vendas (25.876,10 €) procedeu o réu F(…) ao
levantamento da quantia de 25.876,00 €, através da emissão do cheque nº (…) daquele
montante – alínea f) matéria assente.
xvii. Quatro dias depois, em 6 de Agosto de 2007, o réu Francisco deu nova
ordem, desta feita para que se procedesse ao resgate das unidades de participação em
Fundos de Investimento do BPI Global – alínea g) matéria assente.
xviii. O réu F(…) integrou no seu património o dinheiro resultante da venda e do
resgate descritos nas alíneas e) e g) matéria assente; ou seja 25.876,10 € da venda das
acções e 5.725,00 €, dos fundos de investimento – resposta aos quesitos 6º a 8º da base
instrutória.
xix. No dia 17 de Setembro de 2007, o autor cedeu a M(…), mulher do réu, pelo
preço de sessenta mil euros a quota de sua titularidade no valor nominal de oito mil setecentos
e vinte e oito euros – alínea h) matéria assente.
xx. Na cessão descrita na alínea h) matéria assente, o réu F(…) pagou ao autor o
montante total de 112.000,00 € – resposta ao quesito 15º da base instrutória.
xxi. Bem como o autor ficou com uma carrinha Mitsubishi – resposta aos quesitos
27º e 28º da base instrutória.
xxii. A venda das acções e o resgate dos fundos ocorreram nas datas indicadas
nas alíneas e) e g) matéria assente, enquanto a escritura de cessão de quotas foi outorgada
em 17 de Setembro de 2007 – resposta ao quesito 17º da ba-se instrutória.
xxiii. O réu B(…), pelo menos de forma trimestral, enviava para a mo-rada
constante da folha de abertura de conta, e que correspondia à sede da sociedade que autor e
réu eram sócios, informação completa sobre todos os movimentos da conta, bem como das
acções e fundos mobiliários de que as partes eram titulares, sendo igualmente notificadas
todas as compras e vendas de acções, bem como compra ou resgate de fundos – resposta aos
quesitos 22º, 25º e 26º da base instrutória.
xxiv. Anualmente, o banco réu emite declaração (que é a prevista no artigo 125º,
9
nº 1, alínea b), Código do IRS) e remete-a a todos os seus clientes com valores mobiliários
inscritos nas respectivas contas, para efeitos fiscais, si-tuação que se verificou no caso
concreto – alínea j) matéria assente.
2. O mérito do recurso.
2.1. O recorte da acção feito na petição inicial.
Os assuntos que o recurso convoca restringem-se, no seu essencial, ao escrutínio
da conduta do banco apelante, como gerador de um vínculo indemnizatório, de que seja credor
o apelado; e consistente na aceitação, e execução, de uma certa ordem de venda de acções.
Por conseguinte, (apenas) assunto relacional de um intermediário financeiro (o banco) com o
seu cliente (o apelado).
E a hipótese exige que se rememore a configuração concedida à fonte desse
vínculo, tal-qual a mesma se acha recortada pelo (próprio) apelado na oca-sião em que
apresentou o seu petitório inicial.
Vejamos então. A respeito das acções, em causa, e na óptica da responsabilidade do réu banco B(…), é o trecho da petição, que vai dos artigos 15º a 20º que
principalmente esclarece; aí dizendo o apelado, no essencial, desconhecer o regime em vigor
para a conta bancária (artigo 15º, final) e que, se se tratar de conta conjunta ou mista, as
acções não poderiam ter sido vendidas sem a sua intervenção ou autorização (artigo 19º).
Esta
plataforma
alegatória
repercute-se
naturalmente
no
efeito
jurídico
propugnado; e daí o artigo 25º do mesmo instrumento, a afirmar a responsabilidade do banco
“caso se verifique que a conta bancária em causa constitui uma conta mista ou conjunta”.
De um ponto de vista estritamente processual, não pode deixar de se evidenciar
alguma perplexidade, neste particular. O que se intui é que se alegam factos (essenciais) para
a produção de certos efeitos, mas num cariz que é condicional; quer dizer, se a realidade for
uma (o que se não dá por assente), que é a da cláusula da conjunção ou de índole mista, só aí
se gera a responsabilidade.
2
Ora, o direito adjectivo não parece aceitar este tipo de alegação de factos; nesta
matéria, impõe-se a concludência; a narrativa dos factos, reais e concretos, deve ser feita
como suporte certo e sustentação do efeito jurídico visado; o que é pouco compatível com
algum tipo de descrição, feita à condição e (a-penas) para a hipótese de se verificar (artigos
2
O que se traduziria, para o universo da narrativa dos factos, em algo de semelhante ao que,
para o caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, se estabelece no regime da
pluralidade subjectiva subsidiária (artigo 31º-B do Código de Processo Civil).
10
264º, nº 1 e nº 2, início, 467º, nº 1, alínea d), início, e 664º, final, do Código de Processo Civil).
Ademais disto; o pedido final, que é feito, e formalmente se restringe (apenas) ao
de um vínculo solidário, que atinge o banco, na entrega de certa quantia monetária, não pode
deixar de ser condicionado por aqueles pressupostos que o alicerçam; quer dizer, para o
banco, a adstrição que subsiste depende da verificação da condição; entenda-se, (apenas)
para a hipótese do reconhecimento (que é invocado como incerto) de uma cláusula, com ele
convencionada, de natureza conjunta ou mista.
E é este o (inequívoco) recorte que é feito na petição inicial.
Que, do nosso ponto de vista, teria merecido um outro desenlace, a respeito da
própria acção; tanto mais que, no limite, se apurara que a conta junto do banco tinha a
natureza solidária (alín a) mat assente e resp ques 18º e 20º); hipótese para a qual, o que ali
alegado fora, não comportava, assumida e expressamente, a virtualidade geradora do efeito
jurídico ali também pugnado.
Seja como for; a sentença final, que é a recorrida, superou um tal patamar, e
centrou-se na óptica que surge retratada no trecho sintético que contém:
« No caso sub judice, as acções nominativas que estavam em nome do autor só
por ele é que podiam ser vendidas, por força do já citado contrato de cobertura, pelo que ao
não cuidar de verificar a identidade de quem emitiu a ordem de venda e ao efectuar a venda
das referidas acções através de uma ordem emanada pelo réu Francisco, o réu BPI não
cumpriu os deveres que lhe advinham do contrato de cobertura que celebrou com o autor. »
(v fls. 270).
Aqui encontrando a razão da responsabilidade do banco.
Sendo então aí que, agora em tema de recurso, se há-de concentrar a
atenção; tanto mais que, para o respectivo objecto, o banco, que é apelante, não convocou,
com suficiência mínima, vício de estrutura adjectiva; que naquela, na sentença, se nos afigura,
e no que lhe respeita, realmente vislumbrar; pelas razões (de superação do que fora o efeito
jurídico tal como circunscrito na petição ini-cial) que já se deixaram apontadas (artigos 661º, nº
1, e 668º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Civil).
Porém; e isto dito; cremos, apesar de tudo, que o retrato feito na peti-ção inicial;
o que aí se expôs e conclusivamente inferiu; mantém repercussão de substância, no
primordial assunto decidendo; ao menos, enquanto apoio (inter-pretativo) aos factos
enunciados, que se não impugnaram, e na busca do seu exacto sentido, do recto conteúdo
que comportam, enquanto segmento de rea-lidade, revelador da relação contratual que,
efectivamente, existia entre o apelante, como cliente e investidor, e o banco, na sua
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veste de intermediário financeiro.
2.2. A intermediação financeira e a venda das acções.
A actuação do banco, na intermediação financeira, foi ajustada, conforme às
convenções firmadas, designadamente com o cliente apelado?
Vejamos, a iniciar, o texto dos factos relevantes sobre esta matéria.
Apelado e co-réu singular dispunham, junto do banco apelante, de u-ma conta de
depósito à ordem, de carisma solidária (alin a) mat assente e resp ques 18º e 20º). As 248
acções Telecom e 2.575 acções EDP foram inscritas, em nome do apelado na conta bancária
(alíns b) e c) mat assente e resp ques 1º e 19º). O co-réu singular emitiu ordem de venda
dessas acções (resp ques 2º a 4º). O banco apelante executou essa ordem; e vendeu as
acções (alín e) mat assente).
A actividade de intermediação financeira acha-se principalmente regulada no
Código dos Valores Mobiliários.
3
A situação em que o intermediário financeiro recebe e
executa ordens dadas pelos investidores corresponde a uma das operações, dessa índole, por
conta alheia; já que, em tal caso, o intermediário financeiro age no interesse e por conta do
ordenador, seu cliente. No entanto, como se reconhece, a situação supõe que se verifique um
negócio antecedente, ha-bitualmente designado “negócio de cobertura”; exactamente aquele
que vai servir de base à transacção dos valores mobiliários; esta, a transacção, é então
considerada um negócio de execução da relação de cobertura.
4
A ordem, com o sentido que aqui importa, significa que é instado certo
intermediário financeiro para que proceda à realização de dada operação sobre certos valores
5
mobiliários; estando em causa, na hipótese, a execução de uma alienação de acções.
Porém, quem pode assim instar?
Que sujeito está legitimado para dar a ordem de venda dos valores?
O Código dos Valores Mobiliários, no seu artigo 325º, alínea a), onera o
intermediário financeiro instado a, logo que receba a ordem, verificar precisamente a
legitimidade do ordenador; constituindo este um dos deveres elementa-res a ter de ser
3
Aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de Novembro, e entretanto já sujeito a
sucessivas interven-ções; importando, na hipótese, uma redacção que se crê pretérita à das importantes
alterações que lhe in-troduziu o Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro.
4
Luís Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários
financeiros” em “Direito dos Valores Mobiliários”, volume II, 2000, página 133.
5
Paulo Câmara, “Manual de Direito dos Valores Mobiliários”, 2ª edição, página 422.
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cumprido.
6
Havendo de se considerar, naturalmente, que a legitimidade para dar ordens de
venda cabe, em primeira linha, ao próprio titular dos valores mobiliários em causa.
7
Mas a este, apenas? Não necessariamente, segundo pensamos; já que além da
titularidade, a legitimidade para negociar pode ser conferida por negócio jurídico, nos
termos gerais.
8
O significado é o de que esta relação jurídica se não acha subtraída, no seu geral,
às disposições e aos princípios gerais do direito privado; de onde sobressaem normativos
estruturantes como o da autonomia da vontade privada e da liberdade de contratar (artigo 405º
do Código Civil), da eficácia pontual dos vín-culos firmados e assumidos (artigo 406º, nº 1, do
mesmo código); ou transversais como o da boa fé e da tutela da legítima confiança depositada
pelos contraentes (artigos 334º ou 762º, nº 2, do citado diploma). Dir-se-ia, até, que es-tamos
num universo onde alguns de tais princípios e orientações mais até se destacam, do que no
comum das situações jusprivatísticas.
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Que podemos intuir de tudo?
Do nosso ponto de vista, isto: é que, se na falta de algum outro vestígio, sinal
ou indício, é legítimo inferir que apenas aquele em nome de quem se mostre feito o registo
escritural dos valores mobiliários (presuntivamente, o respectivo titular) está substantivamente
legitimado a emitir ordens de venda sobre eles, já se vestígios, sinais ou indícios existirem, de
atribuição dessa faculdade a algum outro sujeito, tendo por fonte alguma convenção que nesse
sentido haja sido firmada, então, não há como poder deixar de negar semelhante legitimação a
esse outro, precisamente aquele a quem a permissão haja sido concedida.
E é na nossa óptica a crítica que pode atribuir-se à sentença recorrida.
Na hipótese concreta, que as acções estavam registadas em nome do apelado,
é inequívoco; e que estavam inscritas na conta (solidária), dizem-no os factos enunciados.
Significa isto, no contexto da acção, que só aquele era ordenador
legitimado?
A restante contextualização dos factos não o confirma e nem o evidencia; e, ao
invés, o modo contido na alegação da petição inicial, a que já antes nos referimos, é até de
6
7
Paulo Câmara, obra citada, página 424.
Paula Costa e Silva, “As operações de venda a descoberto de valores mobiliários”, 2009,
página 53.
8
Amadeu José Ferreira, “Ordem de bolsa” na Revista da Ordem dos Advogados, ano 52, II
(1992), pá-gina 473.
9
José Maria Pires, “Direito Bancário”, 2º volume, 1995 páginas 62 a 63; e António Menezes
Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 4ª edição, página 206.
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molde a contrariá-lo. É que o apelado, como dissemos, caracteriza a responsabilidade do
banco, para a hipótese (apenas) de uma conta conjunta ou até mista, como ressalta à
evidência e muito em particular dos artigos 19º e 25º, final, da petição inicial.
Ora, é àquele que invoca o direito que compete alegar e mostrar a per-sistência da
realidade dos respectivos factos constitutivos (artigo 342º, nº 1, do Código Civil). Para lá disso,
os factos seleccionados, de relevo para a decisão do litígio, obtêm-se e têm por fonte,
exactamente, a narrativa e a exposição das partes; a qual constitui um acto enunciativo, para
cuja interpretação devem valer as regras, contidas nas normas jurídicas civis, para as
declarações nos negócios jurídicos (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil).
Ainda que a discriminação dos factos provados, obtidos da matéria assente e
das respostas concedidas aos controversos seleccionados para a base instrutória (artigo
659º, nº 3, do Código de Processo Civil), omita os exactos contornos do tipo do negócio de
cobertura que, concretamente, envolvia a ordem de alienação dos valores mobiliários, que
foi emitida e executada, é certo que lhe não pode ser alheio o contexto e o sentido do que foi
evidenciado na própria petição inicial; cujo conteúdo há-de ter de ser obrigatoriamente usado
para integrar o real significado do segmento de vida que, no litígio, tem importância nuclear.
A suposição do apelado, nesse momento inicial, enquanto recorte na edificação
dos fundamentos para ver gerar, na esfera do banco apelante, a obriga-ção de o indemnizar,
era a de que à conta solidária estava subtraída essa respon-sabilidade. E o significado desse
recorte, com toda a razoabilidade e com toda a probabilidade, há-de ser o de que, então, sendo
solidária a conta, a que se refere (e que é uma única, com o nº 680739, invocada no artigo 3º
da petição e reflectida na alín a) mat assente), havia de transparecer semelhante
solidariedade para a movimentação dos valores mobiliários que adquiridos haviam sido nas
condi-ções que também os factos apurados evidenciam; isto é, com a verosimilhança
bastante de um estatuto que facultava, nessa hipótese, ao co-réu singular emitir
validamente ordem de venda das acções, como fez; exactamente sustentado em alguma
convenção, que com rigor se não conhece, mas com toda a certeza latente à relação negocial
e bancária que perdurava; e que, agora, só em grave preterição de um elementar nível de
confiança é passível de se poder negar.
Ao fim e ao resto, um caminho que mesmo o exame crítico e o uso de razoáveis
presunções judiciais viabilizariam sempre, mesmo ao tribunal de recurso (artigos 349º, 351º
do Código Civil, 713º, nº 2, final, e 659º, nº 3, final, do Código de Processo Civil).
Ou seja, e em suma; com a revelação, mediante este caminho interpretativo dos
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factos e a partir do instrumento que os teve por fonte, que entre apelado e co-réu singular, e
destes com o banco apelante, persistia uma relação bancária que tinha subjacente, em si,
uma orientação nos termos da qual a qualquer um dos titulares (o apelado ou o co-réu
singular) era permitido dar ordens de venda, acerca da acções escriturais em causa (alín
b) mat assente); e fazê-lo validamente. Assim estando preenchida a legitimação de
qualquer um dos dois.
Não merecendo, então, qualquer censura, ao menos à luz do exposto, a
execução dada pelo banco apelante à ordem de venda das acções que o réu singular lhe
deu; não resultando dos factos, no seu sentido que cremos mais genuíno, que ao fazê-lo
agisse em preterição de algum vínculo que o onerasse.
2.3. O nexo causal; a responsabilidade contratual.
O resultado a que chegámos, de indemonstração de falha de um vínculo
contratual, é, por si, suficiente para arredar o preenchimento da previsão da norma concedente
do direito à indemnização (artigo 798º do Código Civil), no que ao banco especificamente
concerne; e por arrastamento para prejudicar a avaliação do tema, circunscrito pelo apelante,
de respeito ao nexo causal, entre facto e dano, ele também condicionante da fluorescência
daquele direito (artigo 563º do Código Civil).
2.4. A extensão do recurso ao co-réu singular, não recorrente.
Saber se o recurso aproveita ao co-réu singular, não recorrente, já era assunto
interlocutoriamente ventilado (v fls. 288v.º); vindo a ser alvitrado, com maior concludência, na
contra-alegação que o apelado apresentou.
A dúvida não pode senão ser negativamente resolvida. À condenação solidária
das compartes como causa de extensão do recurso, excepciona o artigo 683º, nº 2, alínea c),
final, do código de processo, a hipótese de ele, pelos seus fundamentos, respeitar unicamente
à pessoa do recorrente. E é este o caso. A a-pelação do banco funda-se na ajustada execução
que deu à ordem de venda das acções, fundada na legitimação para lha dar do respectivo
ordenador; situação que não respeita à apropriação por este do dinheiro, produto da venda
realizada (alíns e) e f) mat assente e resp ques 6º a 8º); quer dizer, é o assunto do seguimento daquela ordem o primordial, mas este da esfera apenas do banco apelante.
2.5. Ilação final.
Resta, então dizer, no que ao banco apelante concerne, que o recurso
merece ser provido. À solidariedade da conta de depósito que, com o co-réu singular,
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dispunha junto do banco, não faz o apelado corresponder, nos factos que expõe e ilações que
tira, na sua petição inicial, qualquer responsabilidade dele. E se assim é, apurada essa
solidariedade, não resta senão reconhecê-lo.
3. A distribuição do encargo das custas, quer na acção, quer no recur-so, é
condicionada pelo nível da respectiva sucumbência (artigo 446º, nºs 1 e 2, do código de
processo). A taxa de justiça da apelação, por seu turno, é a que resulta da tabela I-B anexa ao
Regulamento das Custas Processuais (artigos 6º, nº 2, e 7º, nº 2, deste diploma).
4. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de
essencial quanto ao mérito do presente recurso:
I – A exposição dos factos que se faça na petição inicial deve ser clara e
contundente; não comportando nenhum efeito jurídico a sua invocação me-ramente incerta ou
hipotética;
II – A essa exposição, enquanto acto enunciativo, são aplicáveis as re-gras de
interpretação que, no Código Civil, se acham estabelecidas para as decla-rações nos negócios
jurídicos (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1);
III – As mesmas regras interpretativas são transponíveis para a nar-rativa dos
factos provados, dali obtidos e contidos na sentença;
IV – É permitido ao tribunal, mesmo ao de recurso, formular as ila-ções razoáveis
e inferir os factos que, com toda a probabilidade, assim se indi-ciem (artigos 349º, 351º, do
Código Civil, 713º, nº 2, final, e 659º, nº 3, final, do Código de Processo Civil).
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação
interposta pelo Banco (…) procedente e, nessa conformidade, em revogar a sentença
recorrida, no segmento em que o condenou, a título solidário, a pagar ao apelado a
quantia de 13.237,47 €, resultante da venda de acções EDP e PT, acrescida de juros,
pagamento de que o apelante fica absolvido.
Em tudo o mais subsistindo a dita sentença.
As custas da acção, serão encargo (apenas) do apelado e do co-réu F(…), na
proporção do respectivo decaimento; que se fixa em ¾ para o primeiro e em ¼ para o segundo.
As custas da apelação são, na íntegra, encargo do apelado; sendo a taxa de
justiça a fixada na tabela I-B, anexa ao regulamento das custas.
Porto, 25 de Fevereiro de 2013
16
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José da Fonte Ramos
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Acórdão do TRPorto