ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
PARECER Nº 14.627
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DAS OBRAS
PÚBLICAS E SANEAMENTO. CONTRATO ADMINISTRATIVO.
OBRA NÃO INICIADA POR AUSÊNCIA DE ORDEM DE INÍCIO DA
EXECUÇÃO, ORIGINADA PELA INDISPONIBILIDADE DOS
CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS PREVISTOS. REQUERIMENTO
DA EMPRESA PARA RESSARCIMENTO DOS VALORES
GASTOS EM CASO DE RESCISÃO. ORIENTAÇÕES PARA
SUBSIDIAR O ADMINISTRADOR EM RELAÇÃO À SUA FUTURA
DECISÃO.
1. Sugestão de tentativa de viabilizar a execução do objeto
contratualmente previsto, refazendo-se o cálculo do valor da
avença, segundo orientações da PGE.
2. Tanto na rescisão amigável quanto na rescisão unilateral de
contrato administrativo, se não há culpa da contratada, possível é o
pagamento de indenização prevista no § 2º do art. 79 da Lei de
Licitações, desde que devidamente comprovados os gastos. A
comprovação de eventuais gastos, mediante prova material e não
simples apresentação de planilha, é exigência de rigor no presente
caso, uma vez que a ordem de início das obras sequer foi dada.
Se for possível a utilização da rescisão amigável, haverá a
vantagem de se incluir a quitação integral de eventuais valores
devidos.
3. Considerações acerca da competência para realizar os
procedimentos rescisórios.
1. Relatório
Trata-se de expediente administrativo aberto na Secretaria da
Educação tendo por objeto a realização de licitação e a correlata celebração de contrato
administrativo para realização de obra de ampliação das instalações da Escola Estadual de
Ensino Fundamental Professores Langendonck, localizada nesta capital.
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Foi realizada licitação (na modalidade tomada de preços, tipo menor
preço, sob regime de empreitada por preço global) e em 04.01.2002 declarada vencedora a
empresa Fiscal Engenharia Ltda., com proposta no valor de R$ 463.007,79. Homologado
procedimento e adjudicado objeto em 16.01.2002 (fl. 274). Contrato celebrado em
24.04.2002 (originais nas fls. 290-313).
A seguir, ficou o expediente aguardando a liberação dos recursos
orçamentários para que fosse dada a ordem de início das obras contratadas. Tal ato
administrativo, pelo que se sabe, até o presente momento não ocorreu.
Enviada correspondência à contratada para ver se persistia
interesse em realizar o serviço, esta alegou em 13.01.2004 a necessidade de
reajustamento provisório dos valores inicialmente estabelecidos em 30% (fls. 334-335).
Encaminhado o expediente à Secretaria de Obras Públicas e
Saneamento (SOPS) para realização de atualização do orçamento global da obra,
chegando ao resultado de R$ 764.173,92 (fl. 361).
Nova
correspondência
enviada
à
empresa,
com
resposta
apontando o novo preço dos serviços orçado em R$ 760.001,73 (fls. 364-365).
Devolvido à Secretaria da Educação, esta entendeu de remeter o
expediente ao Comitê de Controle e Racionalização do Gasto Público, que opinou
favoravelmente à liberação do recurso (fls. 372-374), tendo havido homologação da Junta
de Coordenação Orçamentária.
Encaminhado, então, à Seccional da Contadoria e Auditoria-Geral
do Estado (CAGE), que se manifestou dizendo que o reajustamento de preço pretendido
pela contratada deveria se dar conforme a cláusula V do contrato (e, por conseguinte, não
como feito no cálculo inicial da SOPS), e, ainda, que majoração de tributos ocorrida após a
assinatura do contrato poderia ser ressarcida à contratada, a título de reequilíbrio
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econômico-financeiro do contrato, desde que os prejuízos fossem por ela devidamente
demonstrados (fls. 377).
Novamente remetido o expediente à SOPS. O Diretor do
Departamento de Obras Públicas assim se manifestou:
“Tendo em vista que a CAGE na folha 374 do processo, na letra ‘a’ remete
o alinhamento do preço da obra a cláusula quinta do contrato ou seja, pelo índice da
coluna 35 da FGV, e a empresa condiciona que o pagamento das faturas de medição e
reajustamento provisório, sejam liquidadas simultaneamente, compromisso este que a
administração pública não pode assumir. Também na folha 335 busca equilíbrio
econômico financeiro, visto ao aumento de impostos, que incidem sobre o faturamento
da empresa, matéria que deve ser comprovada pela empresa.
Face ao exposto acima sugiro SMJ rescisão do contrato, visto que as
pretensões da empresa não poderão ser atendidas pois não constam no contrato.”
Em face das razões apresentadas, a assessoria jurídica da SOPS
entendeu de remeter notificação à empresa para se manifestar acerca da possibilidade de
rescisão amigável do pactuado.
Após troca de correspondências, protocolizou a contratada
requerimento administrativo. Em síntese, diz o seguinte: (a) não se opõe ao distrato
consensual desde que seja ressarcida das despesas havidas até aquele momento, tais
como locomoção, preparativos para a obra, etc., reportando-se a uma planilha que diz estar
anexa ao requerimento, mas que não se acha nos autos administrativos; (b) não há razão
para o cancelamento do contrato, tendo em vista que os novos valores apresentados pela
requerente são inferiores aos levantados pela Administração; (c) deve, ainda, o Estado
suportar a multa contratual, por ser o único responsável pela inexecução contratual.
Requer, então, somente o pagamento de multa no valor de 10%, a título de indenização,
sobre o valor atualizado do contrato.
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A Divisão de Obras Escolares do Departamento Administrativo da
Secretaria da Educação opinou pela remessa à assessoria jurídica da mesma Pasta, que
se manifestou dizendo haver a possibilidade de rescisão contratual no caso, cujo mérito da
decisão cabe ao administrador público. Disse, ainda, que não lhe cabia naquele momento
apontar a forma de rescisão e que haveria de cogitar do pagamento de indenização à
contratada caso se confirme a decisão de rescindir o pacto.
Devolvido à Diretoria Administrativa da SE, esta formula os
seguintes questionamentos a esta PGE:
“01. A empresa faz jus a indenização pleiteada às fls. 387/394 dos autos?
02. Esta Pasta pode manifestar-se pela rescisão amigável do Contrato em
comento, com fulcro no artigo 79, inciso II, da Lei nº 8.666/93? (devido a ocorrência de
caso fortuito ou força maior, regularmente comprovada nos autos, impeditiva da
execução do contrato).”
É o relatório.
2. Fundamentação
Pelo que se viu do relatório, há que se estudar as conseqüências
jurídicas da rescisão contratual, seja de forma amigável (com pedido de ressarcimento),
seja de forma unilateral (com os riscos daí advindos) em relação ao contrato em questão.
Tal se dá para subsidiar a decisão administrativa (que ainda não há
no expediente, porque a aguarda a presente manifestação da PGE) em relação à
manutenção ou não do contrato celebrado há quase cinco anos. De outra parte, no último
item do parecer, será examinada a competência para promover os procedimentos
administrativos atinentes à rescisão.
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2.1. Questões prefaciais: orientação para que se intente a
viabilização do contrato e majoração da alíquota da COFINS
Prefacialmente, duas observações devem ser feitas.
Em primeiro lugar, necessário que se alerte o administrador que,
sempre melhor do que qualquer outra alternativa é a viabilização da efetivação do contrato
administrativo. E isto por duas razões precípuas: o risco das indenizações (o que será visto
nos itens seguintes) e a conseqüente necessidade de se realizar outro certame para
realização de obra que, como visto no expediente, mais dia menos dia terá que ser
realizada.
Assim, de início assenta-se que o mais proveitoso para a
Administração Pública, em qualquer caso, é o prosseguimento do contrato, sendo de todo
recomendável a liberação dos recursos, refazimento do cálculo de atualização do contrato e
celebração de aditivo que contemple valor adequado (como se verá a seguir, foi incluído
valor indevido na majoração do contrato – majoração da alíquota da COFINS).
Não obstante esta orientação, prosseguir-se-á no exame das
conseqüências jurídicas da rescisão contratual (itens 2.2 a 2.4 abaixo), já que isto foi objeto
de consulta específica da consulente.
E a segunda observação deve ser feita em face do que foi dito pela
CAGE e pela SOPS relativamente ao tema da incidência de alteração de alíquota da
COFINS nos contratos administrativos, manifestando entendimento contrário ao da
jurisprudência administrativa desta PGE.
Em síntese, a CAGE diz que haveria necessidade de comprovação
da oneração para que se pudesse assegurar o reequilíbrio econômico-financeiro, e a SOPS
considerou desde já a majoração da alíquota na nova conta da obra.
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Esta PGE já assentou entendimento de que a majoração da
COFINS, por não incidir diretamente sobre o serviço prestado, não se submete ao
reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos. Cite-se o precedente no
Parecer nº 13007, de autoria da Procuradora do Estado Maria Denise Vargas de Amorim,
assim ementado:
“CONTRATOS ADMINISTRATIVOS.
Majoração da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social –
COFINS.
Alteração de exação de ordem genérica que não repercute de modo direto
na composição de preços contratualmente ajustados.
Impossibilidade de recomposição de preços sob alegação de desequilíbrio
econômico-financeiro de pactos formalizados com o Departamento Autônomo
de
Estradas de Rodagem - DAER.”
Na mesma linha, as Informações nºs 081/04/PDPE, de autoria da
Procuradora do Estado Helena Beatriz Cesarino Mendes Coelho, 179/05/PDPE e
161/04/PDPE, ambas da lavra do signatário.
Assim, impossível a inclusão da majoração da alíquota da COFINS
no cálculo do novo valor do contrato.
Esta advertência tem dois motes: (a) em primeiro lugar, caso a
decisão no presente caso seja de se manter o avençado, necessário que se faça novo
cálculo retirando a majoração da COFINS do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato;
(b) em segundo lugar, deverão tanto a CAGE quanto a SOPS atentar para que nos casos
futuros seja seguida a jurisprudência administrativa desta PGE (Constituição Estadual, art.
115, I e II) em situações similares.
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2.2. Rescisão unilateral
A Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos admite a
possibilidade de rescisão unilateral do contrato administrativo no art. 79, I, que dispõe:
Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:
I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos
enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior; (...)
As hipóteses que admitem a rescisão unilateral, referidas no
supratranscrito dispositivo, são as seguintes:
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
I – o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos
ou prazos;
II – o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações,
projetos e prazos;
III – a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar
a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos
estipulados;
IV – o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento;
V – a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa
e prévia comunicação à Administração;
VI – a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do
contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão,
cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;
VII – o desatendimento das determinações regulares da autoridade
designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus
superiores;
VIII – o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na
forma do § 1º do art. 67 desta Lei;
IX – a decretação de falência ou a instauração de insolvência civil;
X – a dissolução da sociedade ou o falecimento do contratado;
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XI – a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da
empresa, que prejudique a execução do contrato;
XII – razões de interesse público, de alta relevância e amplo
conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera
administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo
administrativo a que se refere o contrato;
(...)
XVII – a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente
comprovada, impeditiva da execução do contrato; (...).”
Em relação à rescisão unilateral do contrato administrativo,
valho-me da lição de Marçal Justen Filho (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. São Paulo, Dialética, 2002; 9ª edição, pp. 551):
“Nos casos dos incs. I a XII, é a Administração quem titulariza o interesse
jurídico para decretar a rescisão. Os incs. I a XI referem-se a inadimplemento do
particular. Já o inc. XII não alude a descumprimento de deveres contratuais pelo
particular, mas se refere à necessidade da Administração de extinguir o contrato.
Portanto, quando a manutenção do contrato prejudicar sei interesse, a Administração
poderá promover a rescisão por ato unilateral e auto-executável. O inc. XVII também
prevê situação que cabe à Administração solucionar.”
E, mais adiante (obra citada, p. 553)
“O ato de rescisão unilateral, nas hipóteses dos incs. I a XI e XVII do art.
78, é estritamente vinculado à comprovação da presença de seus pressupostos. A
Administração deverá motivá-lo e indicar, se for o caso, o vínculo de nocividade entre a
situação fática e a execução do contrato. Deverá indicar os fundamentos concretos que
conduzem à presunção de impossibilidade de continuidade na execução do contrato. A
Administração tem o dever de descrever, concretamente, os fatos relevantes ocorridos.
Isso significa descrever o evento (e sua materialidade), identificar os sujeitos
envolvidos, situá-los no tempo e no espaço e, após, qualificar o fato juridicamente. Não
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se admitem fundamentações ‘aparentes’, que são aquelas em que apenas se invoca
um dispositivo legal.
Em todos os casos, inclusive naquele previsto no inc. XII, o ato deverá ser
necessariamente motivado, sujeitando-se ao controle jurisdicional. O que há de peculiar
na hipótese do inc. XII é a invocação à conveniência administrativa, o que significa uma
restrição ao controle jurisdicional no tocante ao ‘mérito’ da avaliação da conveniência
administrativa. No entanto e como previsto no dispositivo, o motivo legitimador da
rescisão tem de ser notório, evidente, conhecido publicamente. Vale dizer, trata-se de
situação inquestionável sobre a configuração da rescisão como a solução mais
adequada para salvaguardar o interesse público.”
Esta a posição jurídica do tema.
Pelo que se verifica dos dispositivos legais transcritos, as únicas
hipóteses de rescisão unilateral do contrato admitidas no presente caso, originadas pelo
atraso da Administração em propiciar a devida liberação de recursos orçamentários para
que se pudesse dar a ordem de início da obra, seriam as dos incs. XII e XVII do art. 78.
Neste caso, no entanto, como advertido pelo doutrinador
supratranscrito, haverá que ser dada justificativa fundada em motivos notórios, evidentes,
de conhecimento público.
Veja-se, por exemplo, a crise das finanças públicas estaduais,
ensejadora do atraso na liberação das verbas: é uma hipótese a justificar a rescisão,
enquadrando-se melhor na hipótese do inc. XII. Necessário, neste caso, que ao processo
sejam juntados os dados financeiros que corroborem a motivação.
Ademais, ao optar por uma das hipóteses, deve o Administrador,
igualmente, justificar a opção.
Anote-se, por oportuno, que o Superior Tribunal de Justiça já
corroborou ato de rescisão unilateral em situação similar. Ementa:
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“ADMINISTRATIVO. CONTRATO. RESCISÃO UNILATERAL.
1 - Impõe-se a rescisão unilateral de contrato para a execução de obra
pública, especialmente quando a sua execução não foi iniciada, quando torna-se
evidente o interesse público a justificar tal ato.
2 - Firmação de contrato no valor de R$ 6.517.599,86 (seis milhões
quinhentos e dezessete mil quinhentos e noventa e nove reais e oitenta e seis
centavos), com empenho expedido no valor de R$ 100,00 (cem reais), bem como, sem
encaminhamento do seu conteúdo para exame e cadastro no Tribunal de Contas.
3 - Rescisão por autoridade competente, autoridade que a firmou,
alegando interesse público na sua rescisão, haja vista que o valor contratado
representa 54% da dotação orçamentária para a SETRAN, órgão responsável pela
manutenção de toda a estrutura viária do Estado.
4 - Homenagem aos princípios da legalidade e moralidade aplicados à
prática dos atos administrativos.
5 - Recurso do Estado do Pará que se dá provimento.”
(STJ, Recurso Especial nº 201829/PA, Rel. Min. José Delgado,
julgado em 29.04.1999)
Por outro lado, quanto ao inc. XVII, deverá então a Administração
bem caracterizá-lo, justificando, por exemplo, se o motivo é a grande diferença entre os
valores iniciais e aqueles atualizados do contrato. Mas é decisão de conveniência e
oportunidade em face dos motivos existente, decisão esta que cabe, exatamente por isso,
ao Administrador.
Não bastasse isso, atente-se para o fato de que há o direito da
contratada à indenização, o que será devidamente examinado no item 2.4 infra.
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2.3. A rescisão amigável
A rescisão amigável do contrato administrativo tem previsão no art.
79, II, da Lei de Licitações, que estabelece:
Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:
(...)
II – amigável, por acordo entre as partes, reduzida a termo no processo de
licitação, desde que haja conveniência para a Administração; (...)
Ao contrário do que ocorre em relação ao inc. I, o inc. II não se
reporta a hipóteses específicas da própria lei. Nada impede, no entanto, que na rescisão
amigável sejam usados como fundamento legal os demais incisos em que não há implícita
a idéia de culpa do contratado (que é o caso).
Em relação ao tema da rescisão amigável propriamente dita,
algumas observações, do mesmo autor já transcrito (obra citada, p. 552), por sua
relevância, também são de se transcrever:
“O inc. II exige interpretação sistemática, informada pelos princípios
jurídicos fundamentais, sob pena de resultado arbitrário. O dispositivo determina que a
rescisão amigável se efetivará ‘... desde que haja conveniência para a Administração’.
Essa redação não pode induzir ao entendimento de que a Administração estaria sendo
autorizada a adotar conduta que bem entendesse. Supõem-se casos em que haja
conveniência para a Administração e com isso aquiesça o particular. Corresponderia a
uma modalidade de distrato.”
Quanto à rescisão, igualmente ela deve ser acordada no
instrumento de rescisão. Isto porque, sendo amigável, dependerá de um instrumento
adequado (distrato), no qual se incluirão todas as parcelas devidas de parte a parte (se
houver) e se dará quitação mútua, expressamente, de tais valores, desfazendo-se, assim, o
negócio jurídico inicialmente entabulado. E, no caso aqui em exame, a rescisão amigável
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tem como vantagem a possibilidade de se fazer um acordo em relação à indenização (se
houver, como se verá adiante, comprovação dos gastos).
2.4. Direito da contratada a indenizações pela rescisão
A indenização é sempre devida à contratada desde que atendias as
seguintes condicionantes: (a) quando não houver culpa de sua parte na causa que gerou a
rescisão do contrato; (b) se adequadamente comprovados os gastos a indenizar.
Como diz Marçal Justen Filho (obra citada, pp. 553-554):
“Em qualquer caso em que a rescisão não se fundamente em seu
inadimplemento, o particular deverá ser amplamente indenizado. Isso se passa
inclusive no caso de rescisão por conveniência da Administração (art. 78, inc. XII). A
discricionariedade da Administração se circunscreve à apreciação da conveniência de
manter (ou não) o contrato. Não há liberdade para decidir se o contratado será
indenizado ou não. Inexiste discricionariedade no tocante à apuração nem quanto ao
pagamento da indenização. Não se faculta que a Administração decrete a rescisão
unilateral por sua conveniência e simplesmente se recuse a indenizar o particular,
remetendo-o ao Poder Judiciário.”.
No presente caso, não há dúvida que nada pode ser imputado à
contratada: quem não deu a ordem de início dos trabalhos, devido a restrições
orçamentárias, foi o Estado, apesar de o contrato ter sido legalmente celebrado. A ordem
de início das obras era decorrência natural e ato lógica e legalmente subseqüente à
assinatura. A causa para a agora impossibilidade de prosseguimento com o avençado (se
sobrevier a decisão de rescisão, pelo Administrador) é integralmente de origem estatal.
Situação semelhante, inclusive, foi enfrentada nesta PGE no Parecer nº 11.926, de autoria
da Procuradora do Estado Leonora Jacoby Viero.
Resta, no entanto, saber o que é devido.
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A contratada entende ser devida a penalidade prevista na cláusula
décima-sétima do contrato. Tal comando, no entanto, é dirigido exclusivamente à
contratada, e nunca ao contratante. Aliás, se a contratada pretendesse a aplicação da
referida cláusula, deveria anuir também com a sua aplicação integral, o que autorizaria a
que se cogitasse, por exemplo, da imputação ao Estado, neste momento, somente da pena
de advertência (item a da cláusula décima-sétima).
Na verdade, a cláusula prevendo sanções se dirige exclusivamente
ao contratado por obediência a determinação legal. Com efeito, dentre as distintas
hipóteses de pagamento de valores ao contratado por decorrência da rescisão, não se acha
qualquer referência à multa. É o que dispõe o § 2º do art. 79:
Art. 79. (...)
§ 2º. Quando a rescisão ocorrer com base nos incisos XII a XVII do artigo
anterior, sem que haja culpa do contratado, será este ressarcido dos prejuízos
regularmente comprovados que houver sofrido, tendo ainda direito a:
I – devolução da garantia;
II – pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da rescisão;
III – pagamento do custo de desmobilização.
De outra parte, o dispositivo legal que autoriza a aplicação de multa
se acha no art. 86, que fala somente na multa do contratado:
Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o
contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no
contrato.
Por todas estas razões, descabe o pagamento de multa contratual à
requerente.
Contudo, admite-se o pagamento de valores, a título de
ressarcimento, referidos no supratranscrito § 2º do art. 79.
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É necessário bem ressaltar, no entanto, que, para que tais
pagamentos se dêem, será necessário que a empresa apresente os comprovantes devidos
do custo e dos gastos havidos (no caso, custo de desmobilização). Não basta a mera
alegação, assim como tampouco basta a apresentação de planilha de custos. Devem ser
juntadas provas materiais, tais como notas fiscais, recibos, demonstrativos de transações
bancárias, e outros documentos idôneos que efetivamente demonstrem o alegado.
Como até agora nenhuma comprovação foi juntada pela requerente
/ contratada, por ora nada é devido. Se e quando a prova material for apresentada, deverá
haver o exame de sua aptidão para demonstrar os eventuais gastos havidos, até agora
somente alegados.
Finalmente, ainda em relação ao quantum indenizatório, cabe
repetir à consulente que a vantagem de a Administração se utilizar da rescisão amigável é
que a quitação dos valores (repita-se, se houver indenização), neste caso, de parte da
empresa, é integral, ou seja, nada mais poderá ser pleiteado posteriormente. Isto deve,
inclusive, ser objeto de cláusula do distrato consensual a ser celebrado.
No caso da rescisão unilateral, por outro lado, não se pode negar a
plausibilidade de que se apresentem outros pleitos, posteriormente, pela contratada,
inclusive na seara judicial, onde, contudo, ambos ficarão submetidos a riscos: o Estado, no
caso de procedência da ação, de ter que alcançar mais valores além daqueles que já
alcançou a título de indenização (se indenização, no presente caso, houver); e a
requerente, no caso de procedência, de receber os valores tardiamente (pela demora no
pagamento dos precatórios, originada do mesmo problema financeiro que originou o caso
que aqui se examina), ou, no caso da improcedência, de vir a ter que arcar com a
sucumbência processual frente ao Estado.
Mais adequado para as partes do contrato, portanto, caso a decisão
administrativa seja no sentido de rescindi-lo, seria a rescisão amigável, com indenização
daquilo que efetivamente for comprovado pela contratada, sendo prudente de se apor no
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instrumento de distrato consensual a inclusão de cláusula expressa de quitação integral da
indenização.
2.5. A dúvida quanto à competência para decidir pela rescisão
Embora
não devidamente
explicitado nos questionamentos
formulados pela Secretaria da Educação, observa-se pela manifestação das fls. 398-399
que há dúvida se seria essa Pasta, ou a SOPS, o órgão da Administração Pública Estadual
competente para realizar os procedimentos atinentes à rescisão contratual.
Atente-se, por exemplo, que a notificação da fl. 383 foi expedida
pela SOPS.
O contrato, por sua vez, foi celebrado pelo Estado do Rio Grande do
Sul, por intermédio de duas Secretarias: a da Educação e a de Obras Públicas e
Saneamento. Isto não significa dizer que há dois contratantes: o contratante é só um – o
Estado, pessoa jurídica de Direito Público. Secretaria de Estado, como se sabe, é ente
despersonalizado.
Mas não se desconsidera que a inclusão de duas Pastas no
contrato pode acabar gerando certa dúvida sobre a execução e a eventual rescisão
contratual.
A Lei Estadual nº 10.356/1995 estabelece, em relação às
Secretarias envolvidas, o seguinte:
Art. 8º - As Secretarias, de que são titulares Secretários de Estado,
mantidas, desmembradas ou criadas, nos termos desta Lei, passam a ser as seguintes,
com suas respectivas áreas de competência:
(...)
VII - Secretaria da Educação:
a) ensino pré-escolar;
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b) ensino de primeiro grau;
c) ensino de segundo grau;
d) ensino supletivo;
e) assistência ao educando;
f) assistência ao deficiente físico, mental e sensorial;
g) relacionamento com as entidades estudantis;
h) esporte amador.
(...)
X - Secretaria das Obras Públicas,
Saneamento e Habitação,
anteriormente denominada Secretaria do Planejamento Territorial e Obras:
a) formulação, coordenação e execução dos programas de saneamento
básico;
b) projeto, construção, conservação e recuperação de prédios públicos;
c) fiscalização das obras, a que se refere a Lei nº 2.434, de 23 de setembro
de 1954;
d) assistência aos municípios;
e) habitação de interesse social, rural e urbana;
f) administração de recursos hídricos;
g) programas, obras e serviços de interesse da Região Metropolitana de
Porto Alegre.
Dá-se, como se vê, somente a competência material das
Secretarias na mencionada lei.
Necessário que se verfiquem, então, as normas regulamentares
atinentes à estrutura básica de cada uma das duas Secretarias.
O Decreto Estadual nº 35.918/95 dispõe acerca da estrutura básica
da Secretaria da Educação e, em relação ao Departamento Administrativo, estabelece:
Art. 6º - Ao Departamento Administrativo, como agente setorial, compete
orientar, dirigir e executar atividades relacionadas com pessoal, finanças, orçamento,
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material, transportes, serviços gerais, patrimônio e documentação inerentes à
Secretaria.
O art. 9º do mesmo regulamento remete para um regimento interno
da Secretaria. O referido regimento interno, publicado no Diário Oficial do Estado de
25.11.1998, por intermédio da Portaria Ato / SE -00350, de 24.11.1998, estabelece, em
relação ao mesmo órgão de apoio, sua divisão em três Divisões – Obras Escolares,
Material e Patrimônio e Finanças (art. 2º, IV). Por sua vez, a Divisão de Obras Escolares é
subdividida em Seção de Planejamento de Obras e Seção de Acompanhamento e Controle
Financeiro das Obras Escolares.
Dentre as atribuições do Departamento Administrativo, acha-se a
de “programar e controlar as obras físicas da área educacional” (art. 53, d). E à Divisão de Obras
Escolares compete (art. 54): “a) planejar e programar as prioridades referentes à manutenção e
conservação dos prédios escolares e Delegacias de Educação; b) acompanhar a construção,
ampliação e reconstrução de prédios escolares e Delegacias de Educação; c) executar outras
atividades correlatas ou que lhe venham a ser atribuídas.”.
Por outro lado, o Decreto Estadual nº 42.104/2003, que estabelece
a estrutura básica da SOPS, determina, no que interessa para o presente caso:
Art. 1º - A Secretaria das Obras Públicas e Saneamento, nos termos do
artigo 8º, inciso X, da Lei nº 10.356, de 10 de janeiro de 1995, terá as seguintes
atribuições:
(...)
c) promover a execução, diretamente ou por seus órgãos vinculados, da
construção, ampliação, conservação e recuperação de prédios públicos;
d) promover a execução das obras e serviços de engenharia decorrentes
de acordos e convênios;
e) editar atos convocatórios de licitação para obras e serviços de
engenharia para fins de conservação, ampliação e recuperação de prédios públicos do
Estado, promovendo o julgamento, a adjudicação e a realização dos respectivos
contratos;
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(...)
Já o art. 6º estabelece:
Art. 6º - Aos Órgãos de Execução compete:
(...)
III - ao Departamento de Obras projetar, construir e conservar prédios
públicos da Administração Direta Estadual; realizar
atividades relativas ao
acompanhamento, controle e fiscalização de projetos, construções, ampliações,
manutenção e conservação de prédios públicos, bem como outras atividades técnicas
complementares;
Como se vê, a legislação, ao não entrar na filigrana aqui em debate,
não resolve claramente o problema; mas pelo menos dá o norte.
Como premissas, estabeleço o seguinte: a contratação se destina a
reforma de prédio de escola estadual, e a verba era de origem do orçamento afeto à
Secretaria da Educação.
De outra parte, à SOPS cumpre acompanhar o cumprimento do
avençado. Não é o órgão que tem o pode de decidir pelo mérito administrativo de contratar;
ela consta formalmente do contrato porque tem as incumbências de acompanhar a
execução da obra.
Quem efetivamente decide pela conveniência e oportunidade em
contratar é o órgão a que está afeto o prédio, logo, no caso, a Secretaria da Educação. Por
conseguinte, quem pode decidir pela rescisão só pode ser, igualmente, a Secretaria da
Educação. Poderão ambas formalmente figurar no instrumento de distrato, mas quem tem
legalmente a atribuição de decidir é a Pasta da Educação. Nessa linha, também tem
atribuição para os procedimentos afetos a tanto (ainda mais no caso como o presente em
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que não houve liberação orçamentária), tais como notificações, lavratura de termos,
liberação das verbas decorrentes da rescisão (se houver), etc.
Anote-se que, apesar de a notificação da fl. 383 ter sido expedida
pela SOPS, não há qualquer nulidade, porque o notificante, em qualquer caso (SOPS ou
SE) sempre será o contratante, que é o Estado. Trata-se, por conseguinte, de mera
irregularidade, uma vez que o ato administrativo atingiu seus objetivos e finalidades (tanto
que houve requerimento pela contratada, após notificada).
3. Conclusões
Ante o que foi exposto, concluo no sentido de que:
3.1. recomenda-se à consulente envidar esforços no sentido de
viabilizar o contrato
3.2. a majoração da alíquota da COFINS não pode ser considerada
na majoração do contrato;
3.3. caso se decida pela rescisão do contrato, haverá o direito da
contratada à indenização, exclusivamente se comprovar, adequadamente, eventuais
gastos decorrentes da celebração do contrato cujas obras não foram iniciadas;
3.4. caso se decida pela rescisão do contrato, recomenda-se utilizar
a rescisão amigável em cujo instrumento de distrato se faça constar cláusula com quitação
integral de quaisquer valores devidos à contratada;
3.5. competem à Secretaria da Educação a decisão de rescindir ou
não o contrato, bem como os procedimentos afetos à rescisão.
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É o parecer, s.m.j.
Porto Alegre, 28 de novembro de 2006.
Luís Carlos Kothe Hagemann,
Procurador do Estado
112480-1900/00-9
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Processo n.º 112480-19.00/00-9
Acolho as conclusões do PARECER nº 14.627, da
Procuradoria do Domínio Público Estadual, de autoria do
Procurador do Estado Doutor LUÍS CARLOS KOTHE
HAGEMANN.
Restitua-se o expediente à Excelentíssima Senhora
Secretária de Estado da Educação.
Em 21 de dezembro de 2006.
Helena Maria Silva Coelho,
Procuradora-Geral do Estado.
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