Gestão Quadripartite na Previdência Social Marcelo Viana Estevão de Moraes Ex-Secretário de Previdência Social do MPAS, Consultor, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Advogado. Recente trabalho produzido pela Organização Ibero-americana de Seguridade Social – OISS, intitulado “La Participación de los Agentes Sociales en la Gestión de la Seguridad Social: Análisis Comparado”, que deve ser publicado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, lança luzes sobre a evolução global da participação dos agentes sociais na seguridade social. Identifica preliminarmente dois tipos de participação. Uma, a participação política, que envolveria diversas modalidades de consulta, com o desenvolvimento de mecanismos de concertação social. Outra, a participação social ou jurídica, que envolveria diversas modalidades institucionais de controle da gestão. Aqui, deve-se ressaltar que as mesmas não são antagônicas e que a participação social está na própria natureza da gênese dos sistemas, quando o Estado não desempenhava um papel protagônico. À medida que as responsabilidades públicas aumentaram, a natureza dessa participação foi sendo alterada. Assinala também que a participação é consagrada em diversas normas internacionais, em especial nas Convenções da OIT que tratam de seguridade social. É forçoso reconhecer que a universalização da previdência tende a “deslaboralizá-la” em todo o mundo, com o incremento das responsabilidades normativas, financeiras e gerenciais dos Poderes Públicos, aqui incluído o Congresso Nacional, com a incorporação das diversas agências à administração pública, como ocorrido no Brasil nos anos 60. A idéia de um autogoverno não pode prosperar já que em nenhum sistema moderno a gestão está exclusivamente a cargo dos próprios interessados, dada a crescente importância social de sua atuação. Trata-se também de evitar que eventuais coalizões de interesses privados possam comprometer o interesse público. Mas parece também evidente que a maior efetividade das políticas públicas na área deve levar em conta não apenas os interesses dos agentes sociais, mas assegurar sua participação na definição de objetivos, metas e mecanismos de controle que permitam melhores resultados. A participação de trabalhadores e empregadores na gestão da previdência é uma característica da história do sistema no Brasil. A Lei Eloy Chaves que criou a Caixa dos Ferroviários e é tida como o marco inicial da previdência social no Brasil já previa essa participação em seu conselho de administração. Posteriormente, essa participação foi assegurada nas juntas administrativas dos antigos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAP’s, organizados por ramos de atividade econômica. Também a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, de 1960, que padronizou os diversos planos de previdência até então existentes e lançou as bases do posterior esforço de universalização, também aprimorou a representação no âmbito dos Conselhos de Administração dos IAP’s e a instituiu no âmbito do Departamento Nacional de Previdência Social – DNPS do antigo Ministério do Trabalho, órgão então responsável pela supervisão do sistema. A criação do INPS, em 1966, mediante a fusão de todos os Institutos até então existentes, já no regime militar, conjugada com uma estratégia de universalização autoritária, adotada nos anos subseqüentes, conferiu uma certa feição tecnocrática à gestão do sistema. A redemocratização de 1985, com o advento de nova Constituição, abriu espaço para que a participação dos agentes sociais fosse retomada. Um relato histórico detalhado pode ser encontrado em recente livro de Remigio Todeschini (Gestão da Previdência Pública e Fundos de Pensão – A Participação da Comunidade. São Paulo. LTR, 2000). Com efeito, Emenda Constitucional nº 20, promulgada em 15 de dezembro de 1998, que “Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências” introduziu expressamente no texto da Constituição Federal a determinação no sentido de que fosse adotada a gestão quadripartite na Previdência Social. O artigo 194, parágrafo único, inciso VII, passou a vigorar com a seguinte redação: “Art. 194.......................................................................................... Parágrafo único............................................................................... Inciso VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.” Essa determinação é consoante com a previsão do texto original que já estipulava a participação da sociedade, incluindo trabalhadores, aposentados e empresários na gestão do sistema de seguridade social. Em sua redação original, a Constituição Federal estipulava: “Art. 194.......................................................................................... Parágrafo único............................................................................... Inciso VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.” Cumpre assinalar que a recente alteração constitucional reforça a demanda por participação social, para além da participação estritamente política. Ademais, vai além do tradicional tripartismo, e introduz os aposentados como agentes autônomos com interesses específicos. Na legislação ordinária, a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao dispor sobre os benefícios da Previdência Social, instituiu em seu artigo 3º o Conselho Nacional de Previdência Social - CNPS como órgão superior de deliberação colegiada. Com a nova redação conferida pela Lei nº 8.619, de 5 de janeiro de 1993, ficou estabelecida uma composição de quinze membros, sendo seis representantes do Governo Federal e nove representantes da Sociedade Civil, abrangendo três representantes dos aposentados e pensionistas; três dos trabalhadores em atividade e três dos empregadores. Dispôs, ainda, sobre as competências do CNPS, em seu artigo 4º, atribuindo-lhe, entre outras: - o estabelecimento de diretrizes gerais e a apreciação das decisões de políticas aplicáveis à Previdência Social; - participação, acompanhamento e avaliação sistemática da gestão previdenciária; - apreciação e aprovação dos planos e programas da Previdência Social; - apreciação e aprovação das propostas orçamentárias da Previdência Social; - acompanhamento e apreciação, mediante relatórios gerenciais por ele definidos, da execução dos planos, programas e orçamentos no âmbito da Previdência Social; - acompanhamento da aplicação da legislação previdênciária; - apreciação da prestação de contas anual a ser remetida ao TCU, incluindo a possibilidade de contratação de auditoria externa. Essas competências foram posteriormente ampliadas, nos termos dos artigos 296 e 297 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. É possível perceber, portanto, que antes que a Emenda Constitucional nº 20 previsse expressamente a adoção da gestão quadripartite, esta já estava delineada conforme as competências acima listadas nos termos da legislação previdenciária vigente. Na prática, infelizmente, o CNPS tem sido mero foro de debates e de prestação de contas das atividades administrativas. Verifica-se, assim, que a adoção da gestão quadripartite depende mais da implementação da norma legal vigente do que de novos atos legais. A implantação da gestão quadripartite pode dar-se de imediato, cabendo, eventualmente, aperfeiçoamentos nos decretos regulamentadores e nas normas internas. As entidades da sociedade civil, entre elas a CUT e a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas - COBAP, optaram em um primeiro momento pela negociação com as autoridades governamentais de um cronograma de implementação gradativa da gestão quadripartite. Tendo em vista a disposição manifestada pelo então Ministro Waldeck Ornélas, de aprofundar as discussões, a estratégia da negociação pareceu ser a mais adequada naquele momento. A COBAP apresentou então ao MPAS documento em que propugnava os seguintes aspectos: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. a instituição de um grupo de trabalho para propor uma agenda de implementação da lei, à luz inclusive das experiências internacionais, no prazo de noventa dias, a contar de sua constituição; estipulação de um cronograma de implementação da referida agenda, cujo prazo final deveria-se dar até abril de 2002; criação de uma estrutura de apoio administrativo similar às existentes nos Conselhos Nacionais de Saúde e de Assistência Social; implementação da Comissão de Altos Estudos Previdenciários, já criada mediante resolução do CNPS, com o escopo de garantir o adequado assessoramento técnico ao Conselho, no que concerne a proposições de aperfeiçoamento da política previdenciária; criação de uma Comissão de Alto Nível para assessorar o Conselho em matéria administrativa, em especial as destinada a modernizar e profissionalizar a gestão dos sistema previdenciário; submissão à aprovação do Conselho, dos planos e programas das instituições da Previdência Social, com a definição de objetivos, prazos, metas e responsáveis, concomitantemente com o estabelecimento de mecanismos de controle e avaliação do desempenho, admitindo-se em casos de reiterada e injustificada inadimplência a adoção de medidas punitivas progressivas, inclusive a demissão de cargos de livre provimento, observado, para tanto, um quorum qualificado de deliberação; especial atenção na seleção das entidades que indicarão representantes para compor o CNPS, de modo a garantir a representatividade daquelas com assento no Conselho;e Promoção da capacitação técnica dos representantes indicados para compor o Conselho. A COBAP entendia e entende que o CNPS deve ter efetiva capacidade de deliberação, funcionando como uma espécie de Conselho de Administração da Previdência Social, definindo metas e cobrando resultados, cabendo as funções executivas ao corpo técnico-administrativo profissionalizado da Previdência Social. Entende, finalmente, que as condições de êxito da gestão quadripartite estão diretamente vinculadas à conclusão do processo de modernização e profissionalização da gestão previdênciária, ora em curso. Essas posições contaram com a simpatia da CUT, cujas propostas têm similitude com as descritas. Em função das negociações, foi constituído um Grupo de Trabalho, em dezembro de 2000, com representantes de cada uma das bancadas integrantes do CNPS com o escopo de iniciar o processo de implementação da gestão quadripartite. Entretanto, houve substituição, no período subseqüente, do titular da pasta da Previdência Social, os trabalhos do Grupo referido não têm avançado e parece não mais haver vontade política, não obstante a postura colaborativa dos técnicos governamentais interlocutores no processo. Hoje a COBAP está avaliando a conveniência de solicitar ao Ministério Público Federal seja impetrada ação com vistas a declarar a inconstitucionalidade por omissão do Poder Executivo e do Ministério da Previdência e Assistência Social ou demais providências judiciais pertinentes, de modo a garantir o adimplemento do dispositivo constitucional que determina a adoção da gestão quadripartite na Previdência Social. A convicção é de que não se pode aperfeiçoar o regime básico de previdência social no Brasil sem compromissos mais amplos entre Governo, trabalhadores, empregadores e aposentados mediante a gestão compartilhada do mesmo, com a criação de espaços institucionais de pactuação dos interesses em questão. Parece claro que só a legitimidade de um sistema erguido com base na negociação e no consenso social pode conferir a estabilidade e a credibilidade requeridas pelo sistema previdenciário, em razão da alternância de partidos no poder em países democráticos.