XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-15.
OS AÇAIZEIROS DE CODAJÁS: AS ESPECIFICIDADES DO RURAL E DO
URBANO NOS MUNICÍPIOS DA CALHA DO RIO SOLIMÕES-AMAZONAS
THE AÇAÍ TREE OF CODAJÁS: THE CHARACTERISTIC OF RURAL AND URBAN
IN MUNICIPALITY OF SOLIMÕES-AMAZONAS RIVER
Thiago Pimentel Marinho
Universidade Federal do Amazonas
[email protected]
Alex Butel Ribeiro
Universidade Federal do Amazonas
[email protected]
Resumo: No município de Codajás-AM localizado na margem esquerda do rio
Solimões a extração e comercialização do açaí evidência um processo de depedência
da relação cidade-campo e vice-versa. Tal processo nos mostra que Codajás (assim
como outras cidades da calha do rio Solimões-Amazonas) não pode ser entendida sem
esta relação em que o rural e o urbano se confudem no espaço das relações sociais e
de produção.
Palavras-chave: Açaí, Rural e Urbano, Codajás.
Abstract; In the city of Codajás-AM located in the left edge of the river Solimões the
extration and commercialization of açaí evidence a process of depend of the relation
city-field and vice versa. Such process in the sample that Codajás (as well as other
cities of the gutter of the river Solimões-Amazon) cannot be understood without this
relation where the agricultural one and the urban one if confuse in the space of the
social relations and production.
Word-key: Açaí, Agricultural and Urban, Codajás.
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XIX ENGA, São Paulo, 2009
MARINHO, T. P. e RIBEIRO, A. B.
Uma das dificuldades do estudo tanto da cidade quanto do campo no Amazonas
é delimitar as suas áreas de atuação, principalmente nos municípios com cidades
pequenas. Há no Amazonas uma estreita relação de dependência mutua entre rural e
urbano o que faz com que características próprias de cada um acaba por confundiremse no espaço das relações sociais e de produção.
Diferente de outras populações camponesas tradicionais, o camponês ribeirinho
da Amazônia utiliza-se de uma multiplicidade de habitats: a terra, a floresta e a água
(WITKOSKI, 2007). Essa multiplicidade narrada por Witkoski (2007) é presente não
somente no campo, mas também na cidade. Como estudo de caso desses processos
foi utilizado o município de Codajás (Figura 1), mais especificamente a cidade de
Codajás, localizada na margem esquerda do rio Solimões, com uma população de
16.025 habitantes (IBGE, censo 2007).
Figura 1: Mapa de localização da área de estudo.
Fonte: Acervo NEPECAB, 2008.
No município é possível ver de forma mais evidente a especificidade
supracitada. Na cidade o cultivo de árvores frutíferas e hortaliças para consumo próprio
ainda é muito forte nos quintais das casas. Além disso, muitos moradores da cidade
possuem uma renda advinda do trabalho no campo por meio da agricultura ou do
extrativismo vegetal e/ou animal.
Os açaizeiros de Codajás: as especificidades do rural e do urbano nos municípios da calha
do Rio Solimões-Amazonas, pp. 1-15.
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Além disso, o município possui uma forte produção de açaí o qual foi utilizado
como base deste estudo. Mas sua área de produção não está espacializada de forma
igual, a maior área de produção localiza-se ao redor da cidade formando um cinturão
agrícola e extrativista ao redor do urbano. Tal processo faz com que os moradores do
campo próximos a cidade tenham uma relação de produção e comercialização de seus
produtos diferentes dos demais que estão localizados em comunidades distantes. A
expansão urbana adentrando as áreas de açaizeiros nativos transformou-os em
plantas domesticadas internas aos quintais das casas, modificando o espaço no qual o
açaí é extraído, passando da extração realizada na área rural para uma atividade
dentro do espaço urbano.
Deste modo, este trabalho tem como objetivo entender as áreas de influência e
os limites do rural e do urbano, assim como conseqüências das especificidades
decorrentes desses processos nas relações sociais e de produção nos municípios da
Calha do rio Solimões-Amazonas, tendo como estudo de caso o município de Codajás
por meio da produção e comercialização do açaí.
É importante ressaltar que esta pesquisa faz parte do Programa de Pesquisa da
Rede Urbana da Calha do Rio Solimões-Amazonas coordenado pelo NEPECAB
(Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades da Amazônia Brasileira), que teve
financiamento do subprojeto "Interações sociais e mudanças do uso da terra" do
Projeto Milênio LBA2 "Integração de Abordagens do Ambiente, Uso da Terra e
dinâmica social na Amazônia: as relações Homem-ambiente e o desafio da
sustentabilidade" e do Projeto "Dinâmica das cidades amazônicas, globalização e
desenvolvimento regional” Edital MCT/CNPq Universal 2007.
Metodologia
Após o estabelecimento dos objetivos da pesquisa, está foi executada em quatro
etapas:
A primeira teve como objetivo apreender as discussões acerca do rural e do
urbano no Brasil e na Amazônia. Para tanto foi necessário o estudo e analise do
material existente, sobretudo bibliográfico e a obtenção de dados secundários que
fornecessem discussões acerca desse processo.
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MARINHO, T. P. e RIBEIRO, A. B.
A segunda constou de pesquisa direta, por meio do reconhecimento de campo,
fotografias, observações e entrevistas com obtenção de dados secundários e primários
nas secretárias do município, associações e com os próprios camponeses.
A terceira compreende uma discussão entre os dados obtidos em campo e
dados obtidos em diversas fontes de instituições de pesquisa agropecuárias:
municipais (Secretaria de Produção e Abastecimento - Codajás); estaduais IDAM
(Institudo de Desenvolvimento do Amazonas) e federais IBGE e Embrapa. Esta fase
permitiu cotejar os dados obtidos em campo em um período específico (agosto de
2008) com séries históricas existentes para a produção do açaí em Codajás, validando
assim as analises realizadas no estudo de caso.
A quarta, as considerações finais, baseando-se nos conhecimentos teóricos e
empíricos adquiridos, analisa-se e interpreta-se os aspectos que particularizam e
estruturam as discussões acerca do rural e do urbano nos municípios da Calha do rio
Solimões-Amazonas.
O Rural e o Urbano no Amazonas
O questionamento que se faz quando um morador da cidade exerce uma
atividade agrícola ou extrativista dentro do espaço urbano é saber até onde vão os
limites da cidade e do campo. E mais, é possivel afirmar que existam limites claros
entre a cidade e o campo nos municípios do Amazonas? Para que possamos discutir
acerca destes questionamentos é necessário antes uma análise do campo e da cidade
a partir do produtor camponês e do proletário.
Quanto ao agricultor e a produção camponesa há pontos de discórdia entre as
vertentes teóricas que discutem sobre a questão agrária. Há segundo Oliveira (1996)
três vertentes. A primeira afirma que o capitalismo tente a generalizar as relações de
produção específicas desde o interior da agricultura o que se daria de dois modos: um
seria a destruição do campesinato originando duas classes sociais: os dos pequenos
capitalistas rurais e outros que não possuindo mais a posse da terra tornar-se-ão
proletários. O outro se daria a partir da modernização do latifúndio por meio das
empresas capitalistas (agronegócio).
Para a segunda, as relações capitalistas ao entrarem na produção do campo
provocam um processo de separação expressos em três etapas: a primeira dar-se-ia a
partir da ruptura das relações comunitárias com o surgimento do produtor individual, a
segunda seria a partir da introdução da economia de mercado resultando na separação
Os açaizeiros de Codajás: as especificidades do rural e do urbano nos municípios da calha
do Rio Solimões-Amazonas, pp. 1-15.
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entre a indústria rural e agricultura e a terceira seria a proletarização do pequeno
produtor por meio de sua separação dos meios de produção.
A terceira afirma a existência e a permanência do modo de produção
camponesa como uma relação não capitalista no campo mantida “pelo processo
contraditório de desenvolvimento capitalista de produção” (OLIVEIRA, 1996:46).
Segundo esta vertente o produtor tente a permanecer e não a desaparecer devido sua
importância ao sistema capitalista que cria produções e relações capitalistas e nãocapitalistas.
O que podemos perceber ao analisarmos as vertentes teoricas referentes à
agricultura camponesa é que há respostas diferentes a partir da mesma pergunta: há
ainda agricultura camponesa nos dias de hoje? Há autores que dizem que sim e que
esta não dá sinais de decadência e outros dizem que não afirmando que o rural hoje
perpassa por várias transformações e que uma delas é o declínio da agricultura
camponesa.
Concordamos que ainda existe agricultura componesa, é o que podemos
perceber nos municípios do Amazonas, e que este meio de produção exerce papel
muito importante na economia das cidades desses municípios.
Para que a produção camponesa permanecesse até os dias atuais foi
necessário transformações e adaptações, surgindo o que então foi chamado de
plularidade. Esse processo foi utilizado deste os primeiros a discutirem sobre esse
assunto como Lênin e Chayanov para explicar tanto o possível fim quanto a
permanência do campesinato. Para os que acreditam na plularidade como um
processo de reestruturação do campesinato:
O termo plularidade tem sido usado para descrever o processo de
diversificação que ocorre dentro e fora da propriedade, bem como
apontar a emergência de um conjunto de novas atividades que tomam
lugar no meio rural (SCHNEIDER, 1999:185).
A plularidade seria então deste modo para o agricultor camponês uma forma de
complementar a renda familiar, ou seja, quando a renda da produção agrícola não
consegue manter as despesas, o agricultor vende sua força de trabalho vindo a fazer
uma outra atividade fora ou dentro da propriedade. O importante nesse caso é frisar
que tal trabalho é uma atividade extra a fim de complementar a renda e não uma
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MARINHO, T. P. e RIBEIRO, A. B.
possível proletarização, pois o camponês ainda continua possuidor da terra e
permanece retirando dela a sua renda principal.
Mas, segundo Silva (1997) o rural brasileiro não pode ser mais entendido como
agrário, para ele as zonas rurais cada vez mais se urbanizam acontecendo assim um
processo de aumento da plularidade (neste caso a plulariidade é entendida como o
início do processo de proletarização) dos trabalhados rurais e moradores do campo
desvinculados de qualquer atividade agrícola:
O comportamento do emprego rural, principalmente dos movimentos da
população residente nas zonas rurais, não pode ser mais explicado
apenas a partir do calendário agrícola e da expansão/retração das
áreas e/ou produção agropecuárias. Há um conjunto de atividades nãoagrícolas tais como a prestação de serviços (pessoais, de lazer ou
auxiliares das atividades econômicas), comércio e indústrias que
respondem cada vez mais pela nova dinâmica populacional do meio
rural brasileiro (SILVA, 1997:93).
Para Silva (1997) o indicador desse processo é o PEA (População
Economicamente Ativa) rural ser maior que o agrícola no Brasil, ou seja, no meio rural
as atividades não-agrícolas empregam mais pessoas do que atividades agrícolas.
Mas apesar do limite entre rural e urbano estar cada vez mais flexível em alguns
lugares (com equipamentos e relações de produção antes urbanos ocupando cada vez
mais o meio rural), isso não quer dizer que o campesinato está desaparecendo frente
ao agronegócio e atividades não-agrícolas, pois tais fenômenos ocorrem em áreas
específicas do país e não refletem a realidade nacional.
É a produção camponesa a responsável por manter os alimentos na mesa dos
brasileiros e não o agronegócio que tem como característica a exportação. Além do
mais “a terra nos pequenos estabelecimentos está ocupada produtivamente, enquanto
nos grandes estabelecimentos ela é pouco utilizada produtivamente, pois esta retida
como reserva de valor” (OLIVEIRA, 2002:89).
Quanto a atividades não-agrícolas um exemplo de não homogeneização desse
processo no cenário nacional é o estado do Amazonas em que suas cidades, exceto a
capital Manaus, não possuem indústrias que alimentem de maneira significativa sua
economia local e afirmar que a agricultura camponesa desses municípios esta
perdendo espaço para o mercado assalariado não-agrícola é uma afirmação que não
condiz com a realidade.
Os açaizeiros de Codajás: as especificidades do rural e do urbano nos municípios da calha
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Ainda mais, como afirma Veiga (1997) dizer “que o caminho do campo é o da
grande empresa e do trabalho assalariado só faz sentido se o caminho for o caminho
do subdesenvolvimento” (VEIGA, J.1997). Segundo ele, um dos indicadores de
desenvolvimento do país é o tipo de produção agrícola predominante, os países
desenvolvidos têm no campo uma forte produção camponesa, enquanto que nos
países subdesenvolvidos predomina as grandes empresas e o trabalho assalariado.
Mas o que vimos até o momento são discussões acerca das influências do
urbano no rural, porém em Codajás (e em outros municípios da calha do rio SolimõesAmazonas) a realidade é outra, pois o que há é um processo inverso no qual o rural
age interferindo no urbano. Se a plularidade surge para o camponês como uma
alternativa a complementar a renda familiar, o morador da cidade vem a utilizar-se do
mesmo recurso, exercendo uma atividade urbana e para complementar a renda uma
atividade rural.
Há momentos ainda em que a atividade rural do morador da cidade pode passar
de uma “plularidade” para tornar-se atividade principal, como foi constatado no
levantamento em campo em que muitos moradores da cidade viviam de atividades
agricolas e/ou extrativistas vegetais (açai) e/ou animais (pesca). Deste modo, pessoas
que exercem atividades agricolas acabam possuindo casas tanto na cidade quanto no
campo e os que vivem do pescado normalmente possuem casas somente na cidade e
se deslocam regularmente para o rios e lagos para pescar.
O que se percebe a partir disso é que a fluidez das relações campo/cidade em
Codajás não se deve ao fato de equipamentos e relações de produção urbanos
estejam adentrando o meio rural, mas sim que as relações de produção rural tornam-se
muito presentes no urbano do município.
Os Açaizeiros de Codajás
A principal atividade produtiva e econômica de Codajás é o açaí. Na paissagem
da cidade fica comprovado essa afirmação por meio de praças e monumentos em sua
homenagem. No mês de abril, o município comemora a Festa do Açai, periodo do alge
da colheita (Figura 2 e 3 ).
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XIX ENGA, São Paulo, 2009
Figura 2: Monumento em homenagem ao açaizeiro.
Fonte: Acervo NEPECAB, 2008.
MARINHO, T. P. e RIBEIRO, A. B.
Figrura 3: Praça do Açaí na orla da cidade de Codajás.
O município esta em quarto lugar na produção de açaí no Amazonas, e o estado
encontra-se em terceiro lugar na produção nacional (Gráficos 1 e 2). Mas apesar do
município não ser o lider do mercado de produção de açaí no estado, Codajás é
considerada a capital do açaí no Amazonas. Esse título não se deve, deste modo, a
quantidade de produção, mas pelo fato do açaí ser para este município a principal
atividade produtiva, grande parte para exportação, interferindo diretamente na sua
atividade econômica e consequentimente na renda de seus habitentes.
Fonte: IBGE – Produção Extrativista Vegetal 2006.
O açaí de Codajás, açaí do mato ou açaí solteiro (Euterpe precatoria), chega a
ter o dobro do preço do açaí do Pará. Isso se dá pelo fato de sua produção ser
principalmente no primeiro semestre, enquanto que no Pará, açaí-do-pará ou açaí-detouceira (Euterpe oleracea) produz principalmente no segundo semestre. A diferença
Os açaizeiros de Codajás: as especificidades do rural e do urbano nos municípios da calha
do Rio Solimões-Amazonas, pp. 1-15.
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entre a Euterpe oleacea e a Euterpe precatoria é que esta não perfilha, ou seja, é uma
palmeira de estipe única (RIBEIRO, 2008).
Perreira (2007) em seu estudo sobre a vida ribeirinha das comunidades do Lago
do Cururu, interior no município de Manacapuru-AM narra sobre o processo de colheita
do açaí pelo camponês-ribeirinho. O camponês utilizando-se uma um terçado para
cortar o cacho e de um cesto de cipó ou saca dirigi-se ao açaízal. Há uma observação
previa para analizar a resistência do tronco da palmeira que pode esta brocada, assim
como a capacidade do estipe em suportar seu peso “uma vez que a inclinação
evidência que não pode prosseguir na subida” (PERREIRA, 2007:65).
O camponês confirma a maturidade do fruto a partir de sua coloração mais
escura, tornado-se negro. A partir disso ocorre o processo da colheita com a escalada
na palmeira prendendo o terçado na boca ou no cinto. Para seu equilíbrio utiliza-se
uma peconha envolvendo os pés, segurando-se na estipe sobe até os cachos
localizados no ponto mais alto podendo até tirar mais de um cacho na mesma subida
(Figuras 4 e 5).
Figuras 4 e 5: Processo de coleta do cacho de açaí.
Fonte: PERREIRA, 2007:68.
O açaí produzido em Codajás possui três etapas de comercialização: o produtor,
o atravessador e a associação, tendo um mercado local, regional e internacional. O
consumo local absorve 40% da produção que é produzida pelos camponeses, tendo
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MARINHO, T. P. e RIBEIRO, A. B.
uma relação direta produtor-comprador. Nesse tipo de comércio o produtor atua
também como vendedor não havendo
intermediação. O açaí é vendido tanto no
caroço quanto na polpa nas feiras de produtores da cidade. A polpa, ou vinho, é
produzida por uma máquina conhecida como “despolpadeira”, mas por ser pequena
não comporta uma produção em larga escala (site Toda Fruta, 2008).
O regional é feito por meio de “atravessadores” (terceiros que compram o açaí
para revender), o açaí assim como no primeiro caso é vendido no caroço sem
agregação de valor, o “atravessador” vende o produto na capital Manaus onde é
beneficiado e vendido como polpa. Neste caso a comercialização do açaí é somente no
caroço, embalado em sacas, por não ter valor agregado e dependendo do periodo do
ano (auge da produção em março ao final de maio) a saco pode custar valores
irrisórios.
A terceira forma de comercialização, a Cooperativa Mista de Produtores de Açaí
e Frutas Regionais de Codajás, é uma associação de produtores rurais que atua em
parceria com a Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus) que é dona da
indústria de beneficiamento que possui um frigorífico, uma balsa e um contêiner
refrigerado responsável pelo escoamento da produção no porto de Manaus e de uma
sede da associação em Manaus que serve como ponto de venda a varejo do açaí em
polpa. O açaí da Cooperativa é beneficiado em Codajás e é vendido para o Governo do
Estado que é utilizado na merenda escolar e é também exportado para o Estados
Unidos a fim de consumo e Holanda tendo como destino indústrias farmacêuticas.
Quando Codajás não possuia uma fábrica de beneficiamento de açaí a produção
e comércio tinha três problemas para se desenvolver: validade do produto, valor e
mercado. O açaí tem uma validade in natura muito curta, em médio dois dias antes
antes de perder sua qualidade o que ocosionava muitas vezes a perda de parte da
produção e uma limitação de mercado consumidor, sendo o mais distante a cidade de
Manaus.
O açaí sem valor agregado, sendo vendido em caroço, aliado a limitação do
tempo de validade gerava ao produtor ou extrativista uma rentabilidade muito baixa o
que vem a mudar com o início do processo de beneficiamento do produto na própria
cidade como afirma o artigo publicado pelo site Toda Fruta:
Os açaizeiros de Codajás: as especificidades do rural e do urbano nos municípios da calha
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Antes da fábrica, a saca da fruta colhida em Codajás era vendida por
R$ 3. Era o preço que os atravessadores pagavam pelo produto,
vendido, depois, para os produtores de polpa em Manaus. A partir do
processamento industrial local, o preço subiu mais de dez vezes. A saca
está cotada em R$ 35 em média. No pico da oferta o preço cai para não
menos do que R$ 20 (Site Toda Fruta, 2008).
A partir da parceira da Cooperativa Mista de Produtores de Açaí e Frutas
Regionais
de
Codajás
com
atualmente
130
associados
junto
a
Suframa
(Superintendência da Zona Franca de Manaus), foi possível não somente o
beneficimento do açaí adiquirindo melhor valor de mercado, mas também a sua
comercialização para Manaus e fora do país para Estados Unidos e Holanda como já
exposto. O açaí beneficiado não é destinado para o consumo local, apenas para
exportação.
A principal área de produção do açaí do município está localizada ao redor da
cidade, em sítios da estrada inacabada Codajás-Anori e nos ramais próximos. Isso não
se deve ao fato de nessa localidade ter maior incidência de açaizeiros nativos e sim
pela facilidade do escoamento da produção, não sendo necessário o transporte fluvial
que para comunidades mais distantes da cidade pode representar dias de viagem o
que prejudicaria a qualidade e o valor do açaí.
Um fator importante que facilita o cultivo em larga escala de açaí em Codajás é
a ausência nesse município, segundo a secretaria da FVS (Fundação de Vigilância em
Saúde), da doença de Chagas, que é um grande problema nos açaizais do estado do
Pará. Ainda não é possível saber os reais motivos da ausência dessa doença em
Codajás se é devido a resistência da espécie do açaizeiro a proliferação ou pelo
simples fato dos hospedeiros ainda não terem chego nesta localidade. Talvez a
proximidade dos açaizeiros da área urbana seja no futuro um fator de risco, pois a
concentração humana e a possível disseminação da doença de Chagas pode atingir
rapidamente os açaizais localizados nos quintais das casas.
Na estrada Codajás-Anori diferente do que se percebe nos ramais, o cultivo do
açaí é realizado em forma de monocultura e em grandes hectares o que nos mostra a
existência de médios produtores. Os camponeses prodominam nos ramais da estrada
e caracterizam-se por uma policultura de seus produtos, não sendo somente o açaí a
ser cultivado.
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Essa espacialização que concentra médios produtores nas estradas e
camponeses nos ramias pode ser explicada como afirma Pinto (1982), em seu estudo
sobre a juta no Médio Amazonas, a partir da valorização de terrenos próximos a
estradas ao se referir ao que aconteceu a partir da construção da rodovia de
Manacapuru-AM:
A construção da rodovia concorreu ainda para a valorização das terras
situadas às suas margens. A disputa por essas áreas vem sendo
travada por empresários, profissionais liberais e funconários públicos,
na expectativa de transformá-la em objeto de especulação fundiária
(PINTO, 1982:29).
Com a eventual valorização dos terrenos a partir da inserção de infraestrutura
em parte da estrada próximo a cidade de Codajás, esta foi ocupada por médios
proprietários que trabalham com as culturas do açaí, pecuária e pisicultura.
Mas se nos sítios os açaizeiros foram cultivados, nas áreas próximas ao
perímetro urbano estes são de origem nativa o que caracteriza um bem público (Figura
6 e 7). Contudo com o avanço da cidade seus limites chegaram nessas áreas e as
casas ao redor acabaram por inserir nos seus quintais vários desses açaizeiros
tornando assim um bem privado, modificando a forma com a qual a propriedade de um
produto extrativista se insere no modo de produção.
Figura 6: Sítios com cultivo de açaizeiros – Codajás
Fonte: Acervo NEPECAB, 2008.
Figura 7: Casas com açaizeiros nativos nos quintais – Codajás
A parte norte da cidade de Codajás faz limite com terrenos baixos de inundação,
onde há grande incidência de açaizeiros nativos. A expansão da cidade em direção a
estas localidades fez com que os açaizais nativos tenham sido tomados por casas e
ruas que adentram esses lugares se aposando destes ao inseri-los em seus quintais.
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Assim sendo, os moradores dessas casas possuem não só o terreno, mas
também o meio de produção, ou melhor, a palmeira nativa, neste sentido incorporam a
renda da terra ao comercializar o produto. Esta nova realidade tende a transformar a
periferia da cidade em local de produção agricola, com consequências tanto para o
rural quanto para o urbano, transformando os limites entre a cidade e campo mais
fluídos, integrando ambos os espaços.
Considerações Finais
Os municípios do Amazonas, pricipalmente aqueles com cidades pequenas, não
podem ser entendidos sem as estreitas relações sociais e de produção ocorrentes da
relação campo/cidade. Tal processo decorre da dependência desses municípios de
uma economia agropecuária e extrativista. Estudos recentes realizados pelo Núcleo de
Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira (NEPECAB) apontam para
esta realidade de forte dependência das cidades localizadas ao longo da calha do rio
Solimões-Amazonas da produção agricola, familiar e de varzea (SCHOR, 2007).
Esta dependência vai desde o abastecimento com produtos in natura para
consumo local (MORAES, 2007) quanto para atividades econômicas que alavancam a
econômica tal qual é o caso do açaí em Codajás (que serve tanto para a exportação
quanto para o consumo local). E mais que isso, a influência vital que um tem para o
outro: a vida de cidades pequenas do seu campo e vice-versa.
Na cidade isso se deve à falta de empregos fazendo com que muitos moradores
venham a complementar ou ter a principal renda retirada de produções agrícolas e
extrativistas vegetais e/ou animais possuindo muitos vezes casas tanto na cidade
quanto no campo. A plularidade que é uma forma encontrada pelos camponeses para
complementar a renda familiar, atua na cidade de Codajás de forma inversa, é exercida
pelos moradores da cidade que para se manter ou complementar a renda utilizam-se
de produções agrícolas e/ou extrativista vegetal (açaí) e/ou animal (pesca). Ou mesmo
para fins apenas de consumo como exemplo as hortas nos quintais das casas da
cidade.
Além disso, com a expansção do espaço urbano em direções de regiões
inundáveis onde predominam açaizais nativos fez com que estes acabasem por se
tornar parte dos quintais das casas que entraram nessas áreas, transformando um bem
público em privado. E apesar de não existir nenhum caso no município de doenças de
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Chagas, que afetou os açaizais do estado do Pará, isso pode se tornar um problema
sério para a cidade que tem
um cinturão de açaizeiros nativos e cultivados em
terrenos e áreas próximos ao núcleo urbano.
No campo as dificuldades de transporte e comercialização dos produtos devido
às longas distâncias e ausência de transporte regular em muitos lugares são piores nos
períodos de vasante e seca (quando o rio encontra-se em seu leito mais baixo) que é
no mesmo tempo do período de colheita de vários produtos. Tudo isso faz com que
camponeses que moram longe da cidade tenham mais dificuldades de produzir e
comercializar os seus produtos do que os que moram mais próximos. Deste modo,
cidades como Codajás, não podem ser entendidas sem uma relação com o campo e as
produções agrícolas e extrativistas.
Referências
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RIBEIRO, George Duarte . Açaí solteiro, açaí do Amazonas (Euterpe precatoria),
uma boa opção de exploração agrícola em Rondônia. Disponível em
http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?
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tml. Acesso em 11.11.08.