UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
TOPICALIZAÇÃO E CULTURA DE ORALIDADE
LUCIANA DE MELO
2012
2
TOPICALIZAÇÃO E CULTURA DE ORALIDADE
LUCIANA DE MELO
Tese de Doutorado apresentada ao programa
de Pós-graduação em Linguística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Doutor em Linguística.
Orientadora: Professora Doutora Maria Cecilia
de Magalhães Mollica.
Rio de Janeiro
Setembro de 2012
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TOPICALIZAÇÃO E CULTURA DE ORALIDADE
Luciana de Melo
Orientadora: Maria Cecilia de Magalhães Mollica
Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em linguística da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a
obtenção do título de Doutora em Linguística.
Aprovada por:
__________________________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Maria Cecilia de Magalhães Mollica –
UFRJ/Linguística – Orientadora.
______________________________________________________________________
Professora Doutora Tania Conceição Clemente de Souza – UFRJ/Museu Nacional
______________________________________________________________________
Professora Doutora Vania Lisboa da Silveira Guedes – UFRJ/Ciência da Informação
______________________________________________________________________
Professora Doutora Cynthia A. Pereira Patusco Gomes S. – UFRJ/Linguística
______________________________________________________________________
Professor Doutor Victor Luiz Silveira – UFRJ/Linguística
Rio de Janeiro
Setembro de 2012
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FICHA CATALOGRÁFICA
Melo, Luciana de
Topicalização e cultura de oralidade/ Luciana de Melo. - Rio de Janeiro: UFRJ/
FL, 2012.
xiii, 138f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Professora Doutora Maria Cecilia de Magalhães Mollica
Tese (Doutorado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós-Graduação em
Linguística (PPGL), 2012.
Referências Bibliográficas: f. 104-112
1. Sócio-história. 2. Sociolinguística. 3. Sintagma Nominal 4. Letramento. 5.
Ruralidade. 6. I. Mollica, Maria Cecilia de Magalhães. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.
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DEDICATÓRIA
A meus dois amores: Victor Hugo, meu anjo e Luciano, meu
marido, pelo amor, paciência e principalmente pela imensa
compreensão durante minha ausência.
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AGRADECIMENTOS
À minha Orientadora, a Professora Doutora Maria Cecilia de Magalhães Mollica por
mais uma vez ter contribuído com o meu crescimento acadêmico. Agradeço, ainda, a
disposição, o carinho e, principalmente, a compreensão e respeito nestes últimos anos tão
difíceis de minha vida.
À Professora Doutora Tânia Clemente, pelos comentários e sugestões feitos e
apresentados no exame de qualificação e na defesa de tese;
À Professora Doutora Vânia Lisboa da Silveira Guedes pelas sugestões e detalhes
sugeridos no exame de qualificação e na defesa de tese;
À Professora Doutora Helena Gryner pela leitura minuciosa no exame de qualificação;
Ao Professor Doutor Dante Lucchesi do Projeto Vertentes da UFBA, que forneceu as
amostras de fala utilizadas neste trabalho.
À minha mãe que descansa no céu.
Ao meu pai pelas aulas diárias.
Ao meu filho Victor Hugo pelo seu carinho e abraços nas horas que eu mais precisava.
Ah, seus abraçinhos...
Ao meu marido Luciano pela ajuda diária.
À minha sobrinha Isabelle e meu irmão César pelos gráficos.
À minha irmã Marisa que reuniu a família novamente e me deu força para continuar e
principalmente ela, a “culpada” de tudo!
Aos amigos sempre presentes.
Aos meus familiares e amigos, pelos abraços e palavras e incentivo.
Aos colegas de trabalho e funcionários da UFRJ.
A bolsa de estudos que recebi da Capes.
Agradecimento especial:
A Deus por estar dentro do meu coração.
A Deus por me mostrar, nos momentos mais difíceis, uma saída.
Enfim, agradeço a Deus pelo trabalho realizado.
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O futuro tem muitos nomes.
Para os fracos é o inalcançável.
para os temerosos, o desconhecido.
Para os valentes é a oportunidade.
Victor Hugo
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RESUMO
Melo, Luciana de. Tese (Doutorado em Linguística) – Programa de Pós-graduação em
linguística (PPGL) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Esta tese de doutorado analisa como os falantes das comunidades de Barra e Bananal – BA
formam estruturas de tópico no português brasileiro. Sua finalidade é caracterizar as
construções de tópico e suas motivações de uso. E também confirmar a relevância da variável
escolaridade como responsável pelo surgimento de sentenças de topicalização em
comunidades de oralidade. As comunidades pesquisadas foram escolhidas em função de tais
critérios: (a) povoados constituídos por uma população afrodescendente advinda de um antigo
quilombo; (b) comunidades rurais isoladas das outras cidades vizinhas e apresentam visíveis
marcas de línguas de oralidade; (c) pouco ou nenhum acesso aos meios de comunicação em
massa como televisão e rádio. Como suporte para a análise quantitativa dos dados, o pacote de
programas GOLDVARB X constituiu ferramenta fundamental para o processamento da
análise multivariacional no âmbito da sociolinguística quantitativa laboviana. Os resultados
mostram que o falante com menor grau de escolaridade tende a empregar mais topicalizações
que aquele que possui mais tempo de letramento, fornecendo indicadores para a postulação da
hipótese segundo a qual a escolarização inibe a topicalização. A variável faixa etária também
se mostrou relevante, já que os falantes mais velhos das comunidades que constituem a
amostra tendem a topicalizar mais que os mais novos. As variáveis linguísticas como
animacidade, peso do sintagma nominal e material interveniente entre o sintagma nominal e o
sintagma verbal são também fatores importantes para a emergência de topicalizações.
Processamento é vetor determinante para o surgimento de construções de tópico e
deslocamentos à esquerda. Quanto maior o custo do processamento, medido por distância,
complexidade sintática e presença de material interveniente, tanto mais provável o emprego
de pronomes anafóricos cujo papel fundamental é o de recuperar o referente que quer ser
acessível e realçado. O estudo deixa portas abertas para pesquisas que comparem outras
comunidades de cultura oral, de modo a atestar com maior grau de certeza a hipótese central.
A análise de variedades faladas em Portugal e em África tornam-se, então, pontos de pauta
numa agenda de investigações a ser levadas a termo.
PALAVRAS-CHAVE: Topicalização. Cultura de Oralidade. Sintagma Nominal. Sintagma
Verbal. Escolaridade. Sociolinguística. Funcionalismo linguístico.
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ABSTRACT
Melo, Luciana de, 2012. Tese (Doctorate in Linguistics) – Postgraduate Program in
Linguistics (PPGL) - Federal University of Rio de Janeiro, 2012.
This doctoral thesis analyzes how speakers of the communities of Barra and Bananal - BA
build structures of topic in Brazilian Portuguese. The aim is to characterize the structures of
topic and their motivations to use. And also confirm the relevance of education variable as
responsible for the appearance of topicalization sentences in communities of orality. The
communities researched were chosen according to these criteria: (a) villages constituted
arising out of a population African descent an old quilombo, (b) rural communities isolated
from other nearby towns that have visible marks of oral language, (c) little or no access to
mass media like television and radio. As support for the quantitative analysis of data, the
program package GOLDVARB X was a fundamental tool for analysis processing in the
multivariacional sociolinguistics Labovian quantitative.The results show that the speaker with
lower educational level tend to use more topicalizations than the speaker with more level of
schooling, providing indicators for the postulation of the hypothesis that the schooling inhibits
topicalization. The variable age was also relevant, since the older speakers of the communities
that constitute the sample tend to topic more than younger ones. The linguistic variables like
animacy, noun phrase and weight of material intervening between the noun phrase and verb
phrase are also important factors for the emergence of topicalizations. Processing is a
determinant vector for the emergence of topic constructions and left-dislocation. The higher
the cost of processing, as measured by distance, syntactic complexity and presence of
intervening material, the more likely the use of anaphoric pronouns whose fundamental role is
to recover the respect you want to be accessible and highlighted. The study leaves open doors
to researches that compare other communities of oral culture in order to demonstrate with
greater certainty the central hypothesis. The analysis of varieties spoken in Portugal and in
Africa then become points of staff to organize an agenda of further investigations to be carried
to term.
KEY-WORDS: Topicalization. Culture of Orality. Noun Phrase. Verbal Phrase. Education.
Sociolinguistics. Functionalism.
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RESUMEN
Melo, Luciana de, Tesis (Doctorado en Lingüística) – Programa de Postgrado en Lingüística
(PPGL) - Universidad Federal de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Esta Tesis Docotoral analiza cómo los hablantes de las comunidades de Barra y Bananal - BA
forman estructuras de tópico en portugués brasileño. El propósito es caracterizar la estructura
de tópico y las motivaciones para su uso. Y además confirmar la importancia de la variable
educación como responsable por la aparición de sentencias de topicalización en comunidades
oralizadas. Las comunidades estudiadas fueron elegidas de acuerdo con los siguientes
criterios: a) poblaciones formadas por africano descendientes surgida de un antiguo
quilombo; (b) comunidades rurales aisladas de las demás ciudades vecinas que presentan
visibles marcas de lenguas de oralidad; (c) poco o ningún acceso a medios de comunicación
como la televisión y la radio. Como apoyo para el análisis cuantitativo de los datos, el
programa del paquete GOLDVARB X fue una fundamental herramienta para el
procesamiento del análisis multivariacional en el ámbito de la sociolinguística cuantitativa
laboviana. Los resultados muestran que los hablantes con menos tiempo de escolaridad
tienden a emplear más de una topicalización que los que tienen más tiempo, proporcionando
indicadores para que se postule la hipótesis de que la educación inhibe la topicalización. La
variable edad también se mostró relevante, ya que los hablantes de las comunidades con más
edad de la muestra tienden a topicalizar más que las más jóvenes. Las variables lingüísticas
como animacidad, sintagma nominal y el peso del material intermedio entre el sintagma
nominal y sintagma verbal son también factores importantes para el surgimiento de
topicalizaciones. El procesamiento es un factor importante para la aparición de construcciones
de tópico y deslocamiento a la izquierda. Cuanto mayor el coste de procesamiento, medido
por la distancia, la complejidad sintáctica, la presencia de material interviniente, es más
probable el empleo de los pronombres anafóricos, cuyo papel fundamental es recuperar el
referente que se espera que esté accesible y que se quiere destacar .El estudio abre paso para
nuevas investigaciones en las que se comparen otras comunidades de cultura oral con el fin de
demostrar con mayor certeza la hipótesis central. El análisis de las variedades lingüísticas que
se hablan en Portugal y en África se convierten en temas importantes de investigación que aún
quedan por hacer.
PALABRAS CLAVES: Topicalización. Cultura de la Oralidad. Sintagma Nominal.
Sintagma Verbal. Educación, Sociolingüística. Funcionalismo Lingüístico.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... página 14
2 RETROSPECTIVA DO PORTUGUÊS DO BRASIL ........................................ página 19
3 O ANALFABETISMO E A CULTURA DE ORALIDADE.............................. página 30
4 AS COMUNIDADES DE BARRA E BANANAL............................................... página 37
4.1 O município de Rio de Contas.................................................................... página 41
4.2 Os informantes............................................................................................ página 52
5 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................. página 55
5.1 O tópico em suas diversas acepções........................................................... página 68
5.1.1 O tópico na sintaxe...................................................................... página 67
5.1.2 Tópico no plano discursivo: âmbito da frase.............................. página 69
5.1.3 Tópico no plano discursivo: âmbito do texto/discurso.................página 72
5.1.4 A ordenação vocabular.................................................................página 74
6 METODOLOGIA ..................................................................................................página 76
6.1 As etapas da análise ....................................................................................página 77
6.2 Grupo de fatores..........................................................................................página 79
7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS........................................página 83
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................página 100
9 REFERÊNCIAS.....................................................................................................página 103
10 ANEXOS.............................................................................................................. página 112
12
LISTA DE ABREVIATURAS
CT – Construções de Tópico
DE – Deslocamento à esquerda
Doc - Documentador
Inf – Informante
INTERRUP – Interrupção
ININT – ininteligível
OD – Objeto Direto
PB – Português Brasileiro
PE – Português Europeu
PPB – Português Popular Brasileiro
SN – Sintagma Nominal
Suj – Sujeito Top – Tópico
SVO – Sujeito, Verbo e Objeto
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – página 46
Gráfico 2 – página 47
Gráfico 3 – página 48
Gráfico 4 – página 49
Gráfico 5 – página 49
Gráfico 6 – página 50
Gráfico 7 – página 51
Gráfico 8 – página 84
Gráfico 9 – página 87
Gráfico 10 – página 88
Gráfico 11 – página 90
Gráfico 12 – página 91
Gráfico 13 – página 93
Gráfico 14 – página 94
Gráfico 15 – página 95
13
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura1 - Quilombola de Bananal - Rio de Contas/BA - página 14
Figura 2 - Comunidade Quilombola de Bananal - Rio de Contas/BA - página 37
Figura 3 - O povoado de Barra - página 38
Figura 4 - Comunidade Quilombola de Barra - Rio de Contas/BA - página 39
Figura 5 - Fazenda de Bananal, antigo quilombo - página 40
Figura 6 - Artesanato local - página 41
Figura 7 - Artesanato local - página 42
Figura 8 - Turismo ecológico local - página 44
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – página 45
Quadro 2 – página 45
Quadro 3 – página 46
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – página 84
Tabela 2 – página 85
Tabela 3 – página 88
Tabela 4 – página 92
Tabela 5 – página 93
Tabela 6 – página 93
Tabela 7 – página 97
Tabela 8 – página 97
Tabela 9 – página 98
Tabela 10 – página 98
Tabela 11 – página 98
Tabela 12 – página 98
14
Figura1 - Quilombola de Bananal - Rio de Contas - Chapada Diamantina - Bahia – Brasil
15
1 INTRODUÇÃO
Construções de tópico no PB
Essa pesquisa de doutorado verifica no português brasileiro (daqui em diante - PB) a
ordem dos constituintes, e em particular, as construções de tópico (CT). O objetivo principal é
buscar, em comunidades afro-brasileiras isoladas, (e, neste específico caso, remanescentes de
antigos quilombos) evidências do caráter de oralidade das construções de tópico no PB dessas
comunidades.
A escolha pelas comunidades de fala de Barra e Bananal surgiu do interesse durante o
trabalho com o professor Dante Lucchesi, da Universidade Federal da Bahia, do Projeto
Vestígios de dialetos crioulos em comunidades rurais afro-brasileiras isoladas. O Projeto
Vestígios tem, como seu objetivo principal, “buscar, em comunidades afro-brasileiras
isoladas, atualmente existentes no território brasileiro (e, em muitos casos, remanescentes de
antigos quilombos), evidências linguísticas de processos de crioulização prévia” (Baxter &
Lucchesi, 1993: 1). O projeto focaliza questões relacionadas à origem e à natureza da fala da
região, assim como às propriedades das variedades dessas comunidades.
Cabe lembrar aqui que, no âmbito da discussão da natureza da crioulização ou não
crioulização do Português do Brasil, há linguistas que advogam haver distância grande entre o
PB e o português europeu (doravante PE), principalmente se levarmos em consideração a fala.
Trabalhos na área comparam as variedades do PB e do PE e vêm reunindo acervo grande de
pesquisa sobre o assunto sem, no entanto, nem sempre convergirem para pontos comuns, já
que a discussão comumente se volta fundamentalmente às fontes de língua falada.
É, pois, pouco provável chegar-se, no curto e médio prazo, a um consenso sobre as
questões que envolvem o grau de distanciamento e aproximação do PB e do PE, dado que a
língua falada é mais vulnerável às inovações que sua contraparte escrita e, via de regra,
constitui o berçário e o passaporte para as mudanças nas línguas naturais nas culturas de
letramento. A questão torna-se ainda mais instigante se lhe acrescentarmos reflexões sobre as
línguas de cultura eminentemente de oralidade cujos registros inexistem. Assim, o principal
16
objetivo deste trabalho é o de comprovar o caráter de oralidade das construções de tópico no
português brasileiro de comunidades isoladas.
Partimos do princípio de que, para gerar uma sentença com tópicos, em geral é baixo o
grau de formalidade e escolaridade do falante, o que não quer dizer que a topicalização não
possa surgir em falantes muito letrados e, até na Literatura, como estratégia de efeito
estilístico importante.
Assim, é coerente e pertinente que consideremos a topicalização como fenômeno
linguístico resultante de um complexo de motivações de base comunicativa,
cognitiva, sociocultural e gramatical (Givón, 1990, 1991).
A definição de tópico há muito levanta polêmica na literatura temática, principalmente
em relação ao seu conceito e abrangência. Segundo Givón (1990), antes de entender o uso da
língua na comunicação, é preciso estabelecer correlações entre os mecanismos gramaticais e
os contextos discursivos onde, no caso do estudo em questão, aparece o uso de tópico.
Os enfoques mais comuns sobre o termo é “tópico sintático” e “tópico discursivo”. No
âmbito da sintaxe, usa-se o termo “estruturas de tópico”, que abrange basicamente as
construções de topicalização e deslocamento para a esquerda. Como tais construções sob esta
ótica não extrapolam os limites da frase, não há necessidade de contextualização discursiva,
seja de ordem linguística ou situacional.
Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), o termo Topicalização
significa o processo que seleciona um constituinte da frase destacando-o à frente como tópico,
sendo o restante o comentário (p. ex. a topicalização do sintagma nominal objeto direto a vida
na frase A vida, o vento levou). Tópico então é definido como a parte de um enunciado
identificado gramaticalmente por elementos contextuais sobre o qual o restante do enunciado
que faz uma declaração (ou comentário) formula uma pergunta. O tópico, no entanto, pode ou
não ser o sujeito da frase (p. ex.: A Aninha eu conheço muito.).
Embora constatemos hoje uma inclinação para identificar o tópico como uma função
do domínio discursivo, mesmo nessa abordagem não há consenso quanto a sua definição na
literatura linguística. Têm se verificado enfoques que se alternam entre uma acepção
semântica que, em nível de texto/discurso, (a) identifica tópico com assunto, depreendendo-o
a partir de uma estrutura hierarquizada e (b) outra perspectiva que salienta uma acepção
sintática que, em nível de frase, trata basicamente do elemento que se constitui no ponto de
partida do enunciado, sendo, portanto, depreendido com base numa estrutura linearizada. Tais
definições implicam que o tópico seja contextualizado linguística ou situacionalmente,
pressupondo-se o contexto discursivo como fundamental.
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O texto desta tese se estrutura, além da Introdução, pelos seguintes capítulos. O
capítulo II, intitulado As comunidades de Barra e Bananal, apresenta uma visão da história
social e cultural do lugar em que as comunidades se localizam. Através dessa caracterização,
pode-se perceber que as comunidades oriundas de um quilombo, são marcadas (a) pelo
isolamento da comunidade, e (b) pelas reminiscências de um contato linguístico. Mas isso é
outra história. Nesse capítulo podemos ter uma noção sobre o município de Rio de Contas,
onde se situam as duas comunidades de Barra e Bananal. O capítulo III – referencial teórico –
fundamenta o conceito de tópico, a partir da definição de topicalização de alguns autores e de
alguns trabalhos sobre o assunto abordado nesta tese. Desse modo, coloca-se a tarefa de
identificar e de alguma forma tentar definir o conceito de tópico com base na teoria de
pesquisadores e gramáticos. Vários exemplos ilustram questões relativas à conceituação do
processo de topicalização a fim de atingir melhor e mais suficiente entendimento. No capítulo
IV, metodologia, encontram-se as etapas da análise desde o fornecimento da amostra que foi
gentilmente concedida pelo professor Dante Lucchesi, da Universidade Federal da Bahia, até
os grupos de fatores. A amostra das comunidades de fala de Barra e Bananal permite a
consideração do grau de motivação das construções de tópico em relação às seguintes
variáveis sociais: faixa etária, sexo, nível de escolaridade e estada fora da comunidade. A
análise de tais variáveis não estruturais fornece evidências empíricas satisfatórias para se
identificar as motivações dos falantes ao empregar a topicalização e fornece pistas para se
levantar suspeitas quanto à possibilidade de o processo analisado encontrar-se em mudança
em curso ou em variação estável.
O exame dos dados, sob a perspectiva de análise multivariacional, referentes à
variação das topicalizações no sintagma nominal nos padrões coletivos de uso linguístico na
comunidade de fala de Barra e Bananal – BA, que se apresenta no capítulo V desta tese, visa
(a) comprovar a hipótese segundo a qual o falante com grau mínimo de letramento tende a
utilizar mais topicalizações, (b) a relevância do contato e (c) a pertinência de fatores de
processamento responsáveis pelo surgimento de empregos de estruturas topicalizadas.
Vale acrescentar aqui que a análise dos dados foi feita em arquivo digitado
previamente pelos bolsistas do Projeto Vertentes e também por um arquivo de áudio das fitas
das entrevistas dos informantes. Todo o processo de análise das topicalizações foi levado em
conta a prosódia da fala dos informantes.
A caracterização da língua falada, segundo Ataliba de Castilho (2012) passa pelos
seguintes pontos:
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(1) É um fato bastante óbvio que a língua falada resulta de um diálogo em presença, ou de
um diálogo em ausência, como na conversação telefônica. Processos e produtos da
oralidade são fortemente marcados por essa dialogicidade. Descrever a língua falada
é, em grande medida, identificar os sinais da dialogicidade.
(2) A língua falada documenta simultaneamente os dois momentos fundamentais da
linguagem: o momento de planejamento, pré-verbal, de caráter cognitivo, e o
momento de execução verbal, de caráter sócio-interacional. Esses dois momentos são
muito visíveis quando ouvimos gravações da língua falada e quando consultamos suas
transcrições. Eles não são claros na língua escrita.
(3) No domínio do discurso, o estudo dessas propriedades é feito através da Análise da
Conversação e da Linguística do Texto. No domínio da gramática, a reunião dessas
propriedades configura uma Sintaxe colaborativa, que é uma nova modalidade da
descrição sintática.
19
2 RETROSPECTIVA DO PORTUGUÊS DO BRASIL
Uma abordagem histórica
Esta tese de doutoramento, como já demonstrado anteriormente, encontrou suas
fundamentações na linguagem falada em pequenas comunidades cujo letramento é pouco, ou
nada, desenvolvido.
O foco da pesquisa não é, de fato, a crioulização, contudo, faz-se necessário uma
delineação dos fatos históricos acerca da constituição, tanto das comunidades, como do
próprio português brasileiro.
Nesse mister, é perfeito o termo utilizado por Silva Neto (1963: 73) - a mancha de
azeite que os portugueses deixaram na história da constituição da realidade linguística
brasileira, pois é exatamente o ocorrido. O azeite está impregnado no Brasil inteiro. Leia-se
“azeite” tudo o que venha de Portugal, desde os costumes até a língua, e é a língua o tema em
questão.
Iniciando a história da constituição linguística brasileira, temos a primeira fase no
início da colonização (1532) até a expulsão dos holandeses (1654), onde o homem branco é
muito raro. A maioria da população é constituída por índios e africanos. É a fase que todos
conhecem dos filmes e romances, onde o homem branco fica encantado pela índia faceira e
perfumosa, diferente das europeias mal cheirosas. Dessa fase descendeu o mameluco.
Já na década de 1560 a 1600, no litoral da Bahia e Pernambuco, o índio foi substituído
pelo escravo africano, muito mais forte e resistente.
A fase segunda inicia em 1654, com a vinda de portugueses ao Brasil, marco histórico
para as características portuguesas atuais. O elemento indígena começa a desaparecer. Muitos
fogem e uma grande porção deles, morre. Um documento datado de 1611 lamenta a extinção
de numerosas aldeias de São Vicente, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco,
nesse documento jesuítico, diz-se que as 40 mil almas residentes na Bahia estavam reduzidas
a apenas 400 (CALMON, 1959: 347-8).
20
Já os negros começam a aparecer mais e os brancos a se interessar pela escrava negra
de pele reluzente. A influência africana é observada em todos os sentidos. Essa fase é a de
expansão territorial, como lembra Silva Neto (1963):
Dá-se como que um abalo formidável da massa colonial, mais ou menos
comprimida nas regiões próximas da costa; abalo que, num dado momento, a
derrama pelos recessos dos altos sertões, fracionada em bandos inumeráveis,
dotados de maravilhosa mobilidade.
Outra característica dessa fase é que a língua geral foi perdendo o uso, “(...) índios,
negros, mestiços, brancos decaídos se entendiam num falar crioulo, linguajar de emergência,
em que o branco figurava como professor involuntário e desinteressado.” (SILVA NETO,
1963: 82-3).
Foi no ano de 1694 que esmagaram e aniquilaram o famoso Quilombo de Palmares,
sonho de liberdade de todo escravo da época. A população do Quilombo era de 1500 casas e
mais de 20000 pessoas. Silva Neto (1963: 85) relata que nessa comunidade quilombola, o
traço mais forte da cultura é a língua, e que se falava um dialeto africano do tipo bantu,
porém, nesse falar africano havia boa influência do vocabulário português brasileiro: “Há de
reconhecer-se, ainda, que esses negros, provenientes de engenhos brasileiros ou de possessões
lusitanas, se poderiam exprimir num falar crioulizante, de base portuguesa.”
O autor acrescenta ainda que os mais familiarizados com a língua portuguesa eram os
angolanos. E diz ainda, que esses mais familiarizados com a língua portuguesa, ensinavam os
recém-chegados ou os que tinham mais dificuldade em aprender a língua do senhor.
Já pelo fim do século XVIII aparece uma geração que se esforça por emancipar-se de
Portugal. Não da língua, que continua a ser portuguesa, mas no espírito e no sentimento
literário. É a geração mineira da Inconfidência.
A terceira fase começa em 1808, com a chegada do Príncipe Regente e da Corte,
grande fato que transforma o Rio de Janeiro em capital do mundo português. As famílias
tradicionais do campo emigram para as cidades em busca dos prazeres da vida urbana. Viu-se
então uma mistura de tudo naquele momento peculiar, como nos relata Silva Neto (1963: 88):
Dos princípios da colonização até 1808, e daí por diante com intensidade cada vez
maior, se notava a dualidade linguística entre a nata social, viveiro de brancos e
mestiços que ascenderam, e a plebe, descendente dos índios, negros e mestiços da
colônia. O grau desse falar crioulizado varia de lugar para lugar: depende da
percentagem de brancos e do estatus cultural. Onde menor for o número de brancos,
onde a população consistir, quase exclusivamente, de índios, negros, ou mestiços,
maior será o grau de linguajar crioulizante.
21
Se o autor até certo momento afirma a teoria da crioulização e de uma língua de contato, num
dado momento vacila e desfaz sua linha de pensamento e retoma a observação do linguista
norte americano Sapir (1921: 72):
Cada língua possui a sua deriva (drift), isto é, determinada direção evolutiva, que já
encerra uma série de possibilidades. Pois, cada falar continua a deriva geral da
língua comum máter, mas não consegue manter valores constantes para cada parte
componente da deriva. Desvios em relação à própria deriva, a princípio leves, depois
acumulados, são, portanto inevitáveis.
Assim como foi visto no estudo de Melo (2003), algumas destas características
presentes na língua falada no Brasil, tem sido relacionada por muitos estudiosos ao
aprendizado precário do português por aloglotas ou a possíveis processos de crioulização ou
semicrioulização, ou seja, a uma vasta gama de situações que podem ser recobertas pelo
conceito mais geral de transmissão linguística irregular ou nativização, como Naro e Scherre
(2003) preferem chamar, pois o termo ‘irregular’, segundo os autores, possui “CLARA
CONOTAÇÃO NEGATIVA (grifos dos autores) e dá a impressão falsa de se tratar de um
fenômeno anormal, errático, imprevisível”. Naro e Scherre (2003) preferem adotar o termo
nativização: “o que costuma acontecer de fato é que uma língua vinda de fora se torna a
língua nativa da comunidade, que perde parcial ou totalmente a plena funcionalidade de suas
línguas maternas anteriores”.
Retomando o pensamento do linguista Silva Neto (1963: 107), que refuta a ideia da
influência negra ou indígena, o autor retrata o contato apenas como superficial:
No português brasileiro não há, positivamente, influência de línguas africanas ou
ameríndias. O que há é cicatrizes da tosca aprendizagem que da língua portuguesa,
por causa de sua mísera condição social, fizeram os negros e os índios.
O autor diz que qualquer criança, branca, negra, indígena ou de qualquer raça ou cor, é
capaz de aprender uma nova língua. Visto que, na época da escravidão e do convívio dos
brancos com índios e negros o contato da língua era apenas de oitiva, o aprendizado da língua
portuguesa tornou-se mais generalizado que se fosse dentro de uma escola.
Já é senso comum entre os antropólogos e sociólogos que o convívio dos brancos com
os negros foi muito maior que com os índios, já que aqueles conviviam dentro das casas
grandes e estes ocasionalmente nas florestas (naturalmente após a falência do modelo de
apresamento do nativo brasileiro).
22
Silva Neto (1963: 108) exemplifica seu pensamento através de um diálogo entre um
senhor e sua escrava. Para conseguir se comunicar, o senhor eliminou algumas palavras,
surgindo uma língua de contato:
Quanto ano?
Não tender?
Como chamar terra vosso?
Quantos filhos vós parir?
A vosso tem inda dente?
Mais adiante o autor volta a admitir ter ocorrido um semicrioulo (1963: 108): “Daí
admitir-se a existência do semicrioulo, ou seja, um estágio aperfeiçoado da primitiva
aprendizagem”.
Esse dualismo linguístico do português brasileiro, portanto, caracteriza todo o período
colonial, entre os séculos XVI e XIX. Nas palavras de Cunha:
O Brasil foi, no decurso de mais de três séculos, um vasto país rural. Suas cidades e
vilas, quase todas costeiras, de pequena densidade demográfica e desprovida de
centros culturais importantes, nenhuma influência exerciam nas longínquas e
espacejadas povoações no interior (CUNHA, 1985: 17).
Neste cenário pródigo em diversidade cultural, saltava aos olhos a influência da
metrópole portuguesa nos negócios políticos e culturais dos pequenos centros urbanos. Neste
diapasão, leciona o linguista Lucchesi (2008):
A elite colonial era naturalmente bastante zelosa dos valores europeus, buscando
assimilar e preservar ao máximo (o que é previsível nessas situações) os modelos de
cultura e de língua vindos da Metrópole. Desse quadro temos o significativo
testemunho do cronista, que, em 1618, definiu o Brasil como "academia pública,
onde se aprende com muita facilidade [o] bom modo de falar".
É evidente a preferência do padrão normativo português durante o período do Império,
uma vez que a maioria dos professores de língua portuguesa nos liceus era de origem
portuguesa. E pode-se dizer que a adoção de usos portugueses como modelos normativos no
Brasil ainda está presente na grande maioria de nossas gramáticas escolares, em flagrante
conflito com os usos atuais da norma culta brasileira, o que produz um acentuado sentimento
de insegurança linguística que aflige todos os segmentos da sociedade brasileira (LUCCHESI,
2002).
O outro lado desta construção linguística estava representado pelos gentios pobres,
descendentes dos índios aldeados e dos africanos escravos que produziram rudimentos de
23
língua que tinha por base o português falado pela aristocracia, os altos funcionários da
administração metropolitana e comerciantes ricos. No entanto, deste se distanciava na medida
em que novos elementos linguísticos foram introduzidos. Sob essas ásperas condições, a
língua
portuguesa
se
foi
disseminando
entre
a
população
pobre,
de
origem
predominantemente indígena e africana, nos três primeiros séculos da história do Brasil.
Outro pensamento que merece ser dissecado, sobre as relações de contato linguístico
no Brasil, é o de Mendonça (1936: 98). Ele retrata muito bem este cenário nas linhas a seguir:
E quando se vir que a tendência da fala do Brasil é completamente diversa da fala de
Portugal, que a civilização afasta cada vez mais os dois países graças aos
neologismos diferentes para as invenções, que a literatura no Brasil já se tornou
brasileira, rompendo com um passado artificial para ser compreendida do povo; que
as influências de fatores vários transformaram a nossa pronúncia e nosso
vocabulário, criando aos poucos outra sintaxe – só existirá uma coisa a fazer: o
brasileiro dar bons dias como faz na fronteira com o uruguaio, o argentino e o
Paraguai.
O autor salienta (1936: 101) que não é somente no vocabulário que recebemos
influências, mas também na sintaxe. Cabe aos eminentes linguistas portugueses Adolfo
Coelho, introdutor do método histórico comparativo, e Leite de Vasconcelos, o mestre da
dialetologia portuguesa, os primeiros esboços do que chamaram de dialeto brasileiro.
Mendonça é categórico:
E o classicismo desse português da época da colonização deixou seus vestígios bem
vivos em muitos recônditos do Brasil, onde hoje o povo diz ainda mas porém, sem
saber que está falando a linguagem camoniana. Não é outra a causa de muitos
supostos brasileirismos serem simplesmente arcaísmos portugueses, velhos termos
esquecidos na península e conservados no trópico graças a uma temperatura sempre
germinativa. E a própria sintaxe brasileira não se afasta dessa origem (1936: 120).
Em meio à literatura e história da língua portuguesa no Brasil, encontra-se com o
poema de Vargas Neto que celebra as excelências dos tipos cruzados dos brasileiros (1936:
123):
Mestiças
Chinóca
Cacimba de algum verão!...
Flôr madura, polpa verde,
lindo fruto temporão!
Tu tens mormaço nos olhos,
camoatim no coração...
24
Mulata
Bronze sonoro, ondulando...
Com tal graça tu meneias
as tuas ancas redondas,
que o teu corpo é um grupo de ondas,
com o sol fechado nas veias...
Cabôcla
E’s tigipió do carinho...
Fruta que mata ou acalma,
veneno bom do caminho...
Não há quem cure um espinho
quando êle se crava nalma...
Cabrocha
Flôr canalha! Debochada!
Maxixe de carne em flôr...
De alma alegre ou desolada,
desatas a gargalhada,
pois tens na mesma risada
gritos de insulto e de amor...
O contato com o índio nativo do Brasil teve repercussões distintas, terminando por
influenciar menos os traços linguísticos do português brasileiro. Mendonça retrata todo
percurso do índio quando os colonizadores vieram tomar-lhes as terras, pois os indígenas
diante da presença da raça colonizadora não se mostrou amigo em nenhum momento e por
isso mesmo não conseguiram ser escravizados, nem quiseram aprender a língua de branco.
Mesmo sendo menores que os negros, esses vestígios deixados pelos índios, são a maioria no
léxico e na fonologia, como salienta o autor (1936: 159):
Quando duas senhoras brasileiras conversam, ouve-se muitas vezes este dissílabo –
em-em; ora este em-em é o sim das senhoras – na língua tupi. A língua tupi não tem
l; o nosso homem do povo paulista, mineiro, guaiano ou fluminense nunca
pronuncia o l com o h; não diz: melhor, mulher, milho, e sim: mio, muié, e mió,
porque o tupi não tem l.
25
Na sintaxe, a influência africana é muito menos sensível. Os fenômenos de mais
importância seriam os de decalque, em que o negro traduziria suas ideias em nossa língua,
partindo do seu modo de falar africano. Falando português, os negros do Brasil faziam a
concordância aliterativa, repetindo a partícula inicial em todo corpo da frase, como se fosse
prefixo concordante. Conforme o exemplo retirado de Mendonça (1936: 193):
Z’ere
z’mandou
z’dizê
êle
mandou
dizer
Outro interessante trecho em Mendonça (1972: 69) que exemplifica parte da história:
Estes, todavia não persistiram nem deixaram de si vestígios. Podemos augurar da
sua existência por frases soltas de uma pastoral de D. Correia Neri que assim faz
falar um preto: Por conta de quem camaná, F. não bate caliquaqua? o Cambône
responde: - Por conta de caussê e mais adiante: Por conta de quam camaná, F. não
tem café cá – tudo?
Nota-se em ambos a partícula ca que é sem dúvida o prefixo denotativo de alguma
classe. Onde, porém, se há apontado a influência sintática do africano como no português é
relativamente à colocação dos pronomes átonos. Gonçalves Viana (1931: 130) assegura que
esta construção sintática é crioula, como as particularidades de pronúncia brasileira, que das
de Portugal se afastam.
O Português do Brasil continua sendo um grande desafio para os sociolinguístas
mundiais. As mais diversas teorias sobre a formação da unidade linguística nacional têm sido
formuladas sobre o seu dualismo (ou mesmo trialismo).
Neste sentido, o Professor Gregory Guy (1981) afirma existir um Português Popular
Brasileiro (Popular Brazilian Portuguese) que difere de muitas formas das variáveis padrão da
língua falada nas salas de aula ou pelos brasileiros letrados. Em seus estudos, ele questiona a
evolução e a origem do PPB. A partir daí levanta possíveis hipóteses. A resposta mais simples
seria supor que o PPB sofreu alterações naturais, assim como todas as línguas, e divergiu da
variedade padrão, pois os falantes de um nível elevado, como é de costume, têm resistido às
inovações e continuam falando uma variedade mais conservadora da língua, hipótese
defendida também por Naro e Scherre (2003). A outra hipótese seria a de que o PPB teria sua
origem em uma língua crioula falada predominantemente pelo massivo contato com o povo
africano no período colonial, e que, através desse excessivo contato com falantes do português
padrão, passou por uma descriolização, hipótese defendida por Lucchesi (2008). Esta hipótese
26
se baseia em observações sobre a história social do Brasil, e semelhanças com outros países
onde aconteceram situações sociais parecidas e desenvolveram línguas crioulas.
A questão da crioulização prévia no PB tem sido levantada por muitos autores em
muitos trabalhos e pesquisas. Vejamos o que Mattoso Câmara, por exemplo, tem a dizer sobre
o assunto em relação às diferenças entre o Português Europeu e Brasileiro:
A explicação para as discrepâncias entre as línguas do Brasil e de Portugal não pode
ser atribuída a um suposto substrato Tupi ou a uma influência Africana profunda.
Logicamente, os dialetos populares do Brasil são outra questão. Neste caso, é bem
possível que um substrato indígena... E vários dialetos africanos tiveram efeitos
fonológico e gramatical. (1972: 21-2)
Parece, então, que Mattoso fez uma clara distinção entre o português padrão e o PPB
(ou Português coloquial), que difere do português europeu só por causa da divergência
dialetal regular, e o dialeto popular, que pode ter tido uma história crioula. Ao discutir essas
origens crioulas, ele diz: parece que... Os escravos logo criaram um Português crioulo. A
distinção que Mattoso faz é crucial, certamente ninguém gostaria de afirmar que o padrão
brasileiro mostrou evidências de crioulização, Se a influência crioula é encontrada em algum
lugar em PB hoje, ela será encontrada na fala popular.
Tal como a citação de Mattoso indica, a atenção também tem sido dada à possibilidade
de línguas indígenas o Tupi principalmente ter influenciado o PPB. Embora seja certo que o
Tupi e outras línguas indígenas contribuiram com muitas palavras para o léxico do PB, e que
por muitos anos falou-se o Tupi (ou língua geral) – ocorreu o bilinguismo no Português em
determinadas áreas, no entanto, o efeito dos povos indígenas do Brasil na língua e na cultura
do Brasil não foi tão grande quanto dos povos africanos. Em primeiro lugar, eles eram tão
poucos em número e morreram tão rapidamente em face às doenças e armas européias que o
seu impacto demográfico foi muito pequeno. E em segundo lugar, eles não configuravam o
tipo de relações sociais e situações que normalmente levam a crioulização. A maioria das
línguas crioulas mais conhecidas surgiu (provavelmente de pidgins precursoras), como
resultado da escravidão ou de trabalho escravo, nas comunidades de fala recém-criada, onde
muitos povos diferentes que não compartilham uma língua em comum (Hymes 1971,
Bickerton, 1975, Valdman, 1977). Esta situação obtida por escravos africanos trazidos para o
plantio e minas do Brasil colonial, mas não, ordinariamente, para o Tupi e outros povos
indígenas, que, mesmo se eles foram escravizados pelo Português, pelo menos ainda em sua
terra natal e ainda cercado por pessoas que falavam a mesma língua.
27
Mendonça, em seu livro A Influência Africana no Português do Brasil, atribui o
grande interesse pela língua indígena no PB à fase do Romantismo na literatura que se tornou
moda durante o Império:
O negro que sua no eito e… trabalha sob o chicote não oferece a mesma poesia do
índio aventureiro que erra pelas floretas. Se um alicerça obscuramente a economia
nacional com lavoura da cana de açúcar e do café, e a mineração do ouro, o outro
sugere motivos sentimentais para o passatempo dos elegantes do Império.
(Mendonça 1935: 109)
Na procura de influências no PB, encontraremos muitos vestígios dos povos africanos,
pois o contato foi muito mais numeroso e prolongado. Enquanto que com os indígenas foi
mais curto e superficial. O impacto da cultura africana com a cultura brasileira foi muito
grande, tanto que até hoje uma se mescla à outra não se sabendo onde uma acaba e termina a
outra. Esse contato influenciou a religião, a música, a culinária, o modo de se vestir, agir e,
como podemos ver a maneira de falar.
Se estamos a decidir entre as duas hipóteses sobre a origem do dialeto popular crioulização natural - temos de lidar com a questão que constitui evidência apropriada nesta
matéria. A argumentação linguística comum tende a confiar exclusivamente em evidência
linguística interna, mas é duvidoso que tal será suficiente, no caso presente. Não existem
critérios amplamente aceites, mesmo entre os especialistas pidgin / crioulas, para determinar
se uma característica linguística dado é o resultado de uma crioulização, embora as listas de
característica típica crioula têm sido propostos (por exemplo Bickerton 1977, Tsuzaki, 1971).
Na ausência de um bom teste linguístico, portanto, é necessário considerar a evidência
adicional de história social. Como Southworth (1971) coloca:
A fim de fazer um antes pedido plausível de pidgnização, é necessário mostrar que
as circunstâncias necessárias sociais já existiam no momento certo, e também que os
efeitos característicos linguísticas de pidginização estejam em evidência. (1971: 268)
Com base nas ideias expostas acima, o Professor Gregory Guy (1981: 287) é enfático
ao afirmar que:
Não parece haver qualquer evidência, seja linguística ou social, o que por si só é
suficiente para decidir a questão. Há certas circunstâncias sociais que parecem ser
necessárias para haver formação de um pidgin / crioulo e, como veremos, eles
certamente ocorreram no Brasil ao mesmo tempo.
Lucchesi (1994, 1998, 2001, 2002 e 2006), caracteriza assim a polarização
sociolinguística brasileira: “Um dos maiores desafios que se colocam para a linguística
28
brasileira é a caracterização da realidade sociolinguística do país, bem como de sua formação
sócio histórica, com fundamentos empíricos consistentes”.
O autor busca mostrar que a materialidade linguística brasileira só pode ser
considerada a partir da análise concreta de seus processos sóciohistóricos. Lucchesi parte do
princípio de que é possível estabelecer uma dualidade do português falado com base na
história sociolinguística do Brasil. De fato, o uso da língua originária em Portugal configurou
diferentes matizes quando se leva em consideração o que se falava nos centros urbanos
desenvolvidos e o utilizado nos cantões pelas populações indígenas e africanas. Por
conseguinte, pode-se inferir essa “segunda língua” e acabou se tornando a mais importante
para essa imensa comunidade de excluídos, gerando mudanças na gramática e nos usos do
português do Brasil.
Desse conflito entre a norma culta da elite escolarizada e a norma popular de amplo
uso pela maioria alienada da educação formal, forma-se a língua brasileira, reflexo de sua
pluralidade sociocultural.
Em poucas palavras, esses seriam os dois grandes vetores da polarização
sociolinguística do Brasil: de um lado, uma norma culta derivada dos padrões linguísticos da
elite da Colônia e do Império; de outro, as variedades populares do português brasileiro,
marcadas por um conjunto de mudanças estruturais induzidas pelo contato entre línguas,
através do processo de transmissão linguística irregular (Lucchesi, 2003 e 2008). E a
consideração desse cenário polarizado é crucial para a compreensão dos grandes processos de
mudança em curso desde o século XX, os quais vão definir as feições atuais da realidade
linguística brasileira.
O desenvolvimento do Brasil, no século XX, promoveu uma reestruturação
socioeconômica com reflexos em diversos campos. Seus principais vetores foram a
industrialização e a urbanização da sociedade brasileira. No plano linguístico, o êxodo rural
promoveu a conversão de uma ampla variação geográfica em uma profunda variação
sociocultural.
Os vernáculos ficaram por muito tempo mais ou menos circunscritos às regiões
interioranas e isoladas. No século XX, assistimos, porém, a dois fenômenos de notáveis
consequências linguísticas: a migração das populações de pequenas cidades e zonas rurais
para os grandes centros e a difusão dos meios de comunicação de massa.
Resumindo e definindo o escopo do Projeto Vertentes, faz-se necessária a alusão, aqui,
de um trecho elucidativo captado do seu sítio na rede mundial:
29
Portanto, após ter pesquisado a fala mais recôndita de antigos quilombos, das zonas
rurais e pequenas cidades do interior do estado da Bahia, o Projeto Vertentes chega à
capital, metrópole, com mais de dois milhões de habitantes, para descortinar e
desvendar o panorama sociolinguístico de sua norma popular. Com isso, visa a
trilhar as vertentes de um importante pólo da realidade sociolinguística do país que
reúnem os reflexos de processos de variação e mudança induzidos pelo contato entre
línguas no passado e pelos processos de difusão e nivelamento linguístico a partir
dos modelos urbanos cultos no presente.
Assim, muitas culturas de oralidade formaram-se no vasto Brasil de ontem e de hoje.
Muitas línguas, dialetos ou variações do português que encontramos são de raízes diversas.
Não se pode afirmar de onde vêm os falares das comunidades, assim como as comunidades de
Barra e Bananal, pois não possuem um registro formal de língua escrita. O que se sabe é que
as comunidades foram remanescentes de um Quilombo de outrora e hoje se fala um português
carregado de influências crioulas. Um melhor conhecimento das comunidades será colocado
em melhor amplitude no capítulo III a seguir.
Do exposto até aqui, é possível inferir que não há unanimidade quanto à existência ou
não de um Português Brasileiro derivado do europeu. O certo é que houve exposição entre as
línguas europeia e africana que deixaram marcas em comunidades isoladas brasileiras.
30
3 O ANALFABETISMO E A CULTURA DE ORALIDADE
Cultura de oralidade, cultura letrada, analfabetismo funcional.
Antes de prosseguir é preciso definir o que realmente significa cada um desses títulos.
Antes de qualquer outra definição, precisamos esclarecer o que é um analfabeto funcional. O
indivíduo precisa saber ler e escrever, no pleno sentido da palavra. Sendo assim, desloca-se o
enfoque de simplesmente dominar determinadas habilidades de ler e escrever textos (cf.
Scliar, 2006), para “as diversas práticas sociais nas quais esses textos se fazem presentes” (cf.
Masagão, 2003).
O conceito de analfabetismo referido aqui é também o adotado pelo IBGE: desde
1990, é considerado analfabeto funcional quem tem menos de quatro anos de escolaridade, no
Canadá, o teto é de nove anos; nos Estados Unidos, é de oito anos e, na Espanha, é de seis
anos (cf. Scliar, 2006).
Mesmo critério de classificação quanto ao analfabetismo adotado por Bruening (1989)
e por (cf. Scliar, 2006):
Tempo de escolaridade
Definição utilizada
De 0 a 4 anos
Analfabeto funcional
De 5 a 8 anos
Marginalmente alfabetizado
9 ou mais anos
Alfabetizado funcional
O analfabeto funcional, muitas vezes tem mais tempo de escolaridade do que
realmente demonstra, porém, ficaremos com esta definição em princípio.
Devemos levar em conta que um indivíduo denominado analfabeto funcional, não tem
competência para ler, escrever ou de realizar tarefas que demandam habilidades de leitura e
escrita de números e de outras representações matemáticas relacionadas com sua vida
cotidiana familiar, social e de trabalho.
31
Para esclarecer tais conceitos, temos um exemplo muito bem relacionado com
produtividade quando Scliar (2006) cita Botelho (2003): “A queda da produtividade
provocada pela deficiência em habilidades básicas resulta em perdas e danos da ordem de
US$6 bilhões por ano no mundo inteiro. Por quê? Porque são pessoas que não entendem
sinais de aviso de perigo, instruções de higiene e segurança do trabalho, orientações sobre
processo produtivo, procedimentos de qualidade total e negligência dos valores da
organização empresarial. Eis aí o “calcanhar de Aquiles” de tantas organizações. O custo da
qualidade é a despesa do trabalho errado, mal feito, incompleto e, portanto, sem
profissionalismo”.
A definição sobre o que é analfabetismo vem, ao longo das últimas décadas, sofrendo
revisões significativas, como reflexo das próprias mudanças sociais. Em 1958, a UNESCO
definia como alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever um enunciado simples,
relacionando a sua vida diária. Vinte anos depois, a UNESCO sugeriu a adoção dos conceitos
de analfabetismo e analfabetismo funcional. É considerada alfabetizada funcional a pessoa
capaz de utilizar a leitura e escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar
essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida.
Seguindo recomendações da UNESCO, na década de 90, o IBGE passou a divulgar
também índices de analfabetismo funcional, tomando como base não a autoavaliação dos
respondentes, e sim o número de séries escolares concluídas. Pelo critério adotado, são
analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade.
O texto do Instituto continua dizendo que os anos de escolaridade muitas vezes não
são suficientes para que o indivíduo seja colocado no patamar de alfabetizado ou não, pois
esse conceito é relativo, pois depende muito das demandas de leitura e escritas colocadas pela
sociedade. E muitos desses indivíduos terminam aquele ano, mas não necessariamente estão
aptos. No Brasil quatro anos é suficiente, enquanto que na Europa e na América no Norte é
necessário oito ou nove anos para o indivíduo ser considerado analfabeto funcional.
De acordo com o teste feito, 9% da população brasileira na faixa de 15 a 64 anos de
idade encontra-se na situação de analfabetismo. As pessoas alfabetizadas, por sua vez, foram
classificadas em três níveis de alfabetismo:
♦ As pessoas de nível 1 (31% do total da população estudada) conseguem retirar uma
informação explícita em textos muito curtos, como títulos ou anúncios, cuja configuração
auxilia o reconhecimento do conteúdo solicitado.
32
♦ As pessoas de nível 2 (34% do total), além de possuir a habilidade acima descrita,
conseguem também localizar uma informação não explícita em textos de maior extensão, por
exemplo, pequenas matérias de jornal.
♦ As pessoas de nível 3 (26% do total) mostram-se capazes de ler textos mais longos,
podendo orientar-se por subtítulos, além de comparar textos, localizar mais de uma
informação, estabelecer relações entre diversos elementos do texto e realizar inferências.
TAXAS DE ANALFABETISMO ENTRE PESSOAS DE 15 ANOS OU MAIS
(BRASIL, 1920-1999)
1920
65%
1940
56%
1960
40%
1980
26%
1999
13%
TAXAS DE ANALFABETISMO FUNCIONAL PESSOAS COM 15 ANOS OU MAIS
COM MENOS DE 4 ANOS DE ESTUDO
(BRASIL, 1992-1999)
1992
37%
1997
32%
1999
29%
Além da escolaridade, o poder aquisitivo também influi no nível de alfabetismo.
Mesmo entre pessoas com o mesmo grau de instrução, as diferenças de renda correspondem a
diferenças no desempenho em leitura no teste.
O texto pode ser encontrado na íntegra na página eletrônica do Instituto Paulo
Montenegro/IBOPE (ver pag. 105 desta tese).
Nas comunidades de Barra e Bananal apesar de muitos dizerem ter um nível de
escolaridade médio, muitas vezes não condiz com o que percebemos na fala de cada um
desses entrevistados. A maioria encaixa-se como analfabetos funcionais, pois conseguem
apenas escrever o nome e fazer contas básicas.
33
Mas as comunidades de Barra e Bananal não estão tão distantes da realidade
linguística vivida hoje pelos brasileiros. O percentual de brasileiros que participa ativamente
da cultura letrada é mínimo. O percentual estatístico referente ao analfabetismo no Brasil de
acordo com as pesquisas no IBGE, em função do proposto pela UNESCO de analfabetismo
funcional, está em conformidade com as pesquisas do Instituto Paulo Montenegro/IBOPE.
Tais pesquisas demonstram que o nível de analfabetismo está caindo, porém aumenta
o de analfabetos funcionais, o que não aumenta o nível de cidadãos letrados em um nível
aceitável.
A tese de doutorado da excelente Professora Doutora Tânia Clemente de Souza –
Discurso e Oralidade – Um Estudo em Língua Indígena - analisa o discurso oral de uma
língua sem escrita – o bakairi, língua da família Carib.
A autora relata que na necessidade de uma descrição linguística, deparou-se com a
constatação de que no âmbito da linguística, falar do funcionamento das línguas pressupõe, de
maneira geral, a separação entre o oral e o escrito, o que restabelece a dicotomia
discurso/língua. As inúmeras teorias trabalham com conceitos sobre a gramática de frase, a
gramática do discurso, a gramática de texto, etc. Então temos a relação entre o discurso e a
língua que se define por uma questão de interferência, uma questão de causa e efeito. De tal
modo que o funcionamento linguístico é entendido ora por uma imposição da sintaxe, ora pela
imposição do discurso; e a parametrização das línguas caminha na mesma direção: línguas
voltadas para o discurso e línguas voltadas para a sentença.
Aqui a linguista já poderia definir no bakairi suas principais características que a
denomina uma língua sem escrita, uma língua voltada para o discurso, o que acontece
frequentemente nos estudos de língua indígenas: estudos superficiais. Mas não foi o caso.
Souza procura depreender as estruturas do discurso oral do bakairi mesmo encontrando uma
oralidade isenta de uma sintaxe pré-estabelecida. Esse estudo explicita múltiplas relações, tais
como:
 língua/discurso,
 enunciação/oralidade,
 sonoridade/significação,
 oralidade/metalinguagem e
 discurso/oralidade.
34
A grande dúvida seria o que é a oralidade? Essas relações indicam tanto o que é pensar
oralidade - dita na prosódia, na morfologia, na sintaxe, no discurso – sem conjecturar uma
posição dicotômica com a escrita. Ou seja, a descrição da materialidade da língua é recoberta
pela descrição da materialidade da oralidade, recuperando-se aí a ontologia da oralidade.
Na dicotomia sonoridade/significação a autora pinça contornos melódicos e
onomatopeias que não se esgotam como eventos de prosódia, ou como recursos expressivos.
Ao contrário, são enunciados autônomos instituídos num plano paralelo ao verbal. Possuem
um léxico com enunciados complexos, mas com um papel específico no discurso. São mais
utilizados durante um discurso direto como o texto descritivo. Essa situação não se enquadra
na condição de oralidade por se opor a uma situação de escrita, nem assinalam o espaço de
um locutor particular; são fatos constitutivos da materialidade da língua.
Souza menciona também a questão da historicidade da língua portuguesa falada no
Brasil, em especial, no que se refere ao contato com as línguas indígenas.
Até hoje, a descrição dessa língua tem sido feita em termos de análises linguísticas
segundo as quais ora se busca uma identificação com a língua falada em Portugal,
ora se busca uma identidade própria à língua do Brasil – o português brasileiro. As
colocações são feitas a partir de fatos linguísticos com frequência refutados por
partidários de ambas as posições; fatos esses que contam a história da língua através
da história da evolução linguística em si, não se levando em conta dados de outra
ordem – e da mesma forma históricos – como, por exemplo, a constituição da língua
falada no Brasil a partir de estudos de fatos da oralidade (Souza, 1994).
Achar a oralidade a partir da oralidade, e não de sua visibilidade em línguas de escrita
– lugar comum na análise de uma língua e na definição dos discursos –, leva à possibilidade
de se falar na constituição da materialidade histórica no interior da própria história da língua –
aquela que recupera e constitui mutuamente a história do povo e da língua. Em larga
instância, podemos dizer que a materialidade histórica vem sendo trabalhada sem se supor a
identidade da própria oralidade: esta vem sendo pensada como uma das formas de expressão
do verbal – como registro – e não como uma das formas de arquivo, dito na e pela oralidade.
O parâmetro para a oralidade tem sido a escrita, o que nos leva a concluir que se pensa errado
não só a oralidade das línguas de oralidade, mas também a oralidade das línguas de escrita
(Souza, Idem).
A escrita confirma a oralidade, mas a fala, desde os primórdios até os dias de hoje,
vem antes de qualquer registro escrito. A formação de um povo se dá através da história. Um
povo sem história é um povo sem identidade. E em povos de cultura de oralidade isso é feito
apenas através da “contação de histórias”.
35
O livro de Calvet (2011) sobre línguas de oralidade inicia com a declaração de um
falante de uma comunidade de cultura de oralidade que está reproduzida a seguir:
Eu sou griô. Sou Djeli Mamadu Kuyaté, filho de Bintu Kuyaté e de Djeli Kediari
Kuyaté, mestres na arte de falar, desde tempos imemoriais, os Kuyaté estão a serviço
da princesa Keita da Mandinga, nós somos sacos de falas, somos os sacos de falas
que contem segredos muitas vezes seculares. A arte de falar não é segredo para nós;
sem nós, os nomes dos reis cairiam no esquecimento, nós somos a memória dos
homens; pela fala, damos vida aos fatos e aos feitos dos reis para as novas gerações.
Apenas no depoimento deste falante já podemos ter uma noção do que é uma cultura
de oralidade, sua extensão e importância. No caso do falante acima, é de manter vivas as
tradições e cultura de seu povo, que como ele mesmo diz “somos sacos de falas que contem
segredos muitas vezes seculares”. Para o autor, nós nos encontramos entre dois tipos de
sociedades, as de tradição oral e a de tradição escrita. Esses dois termos remetem significados
um tanto problemáticos como de analfabetos ou iletrados (definição do Houaiss, 2011:
“Aquele que não sabe nem ler nem escrever; aquele que é muito ignorante, bronco, de
raciocínio difícil”). Assim, temos a dicotomia do saber de um lado, aquele que domina a
escrita e a leitura e do outro, os que não dominam nenhuma das duas, nem a escrita, nem a
leitura, tem apenas a fala como exclusiva ferramenta de comunicação.
Podemos falar em analfabetismo/escolarização apenas em uma sociedade de tradição
escrita, porém, em sociedades sem escrita, a situação é diferente, pois a noção de analfabeto é
uma noção introduzida pela sociedade de tradição escrita e como não existe tal conceito tornase incoerente.
Calvet aponta que Jean Molino (1981) notou que a oralidade já existia na época do
romantismo europeu de princípios do século XIX, e essa origem carregava uma oposição
entre a arte vinda do povo e a arte mais sofisticada, vinda da corte. Talvez esse desprezo
oculto pelas sociedades sem escrita possa ser explicado por essas origens. E é por isso que
Calvet deu preferência a definições como a de Maurice Houis (1980):
A oralidade é a propriedade de uma comunicação realizada sobre a base privilegiada
de uma percepção auditiva da mensagem. A escrituralidade é a propriedade de uma
comunicação realizada sobre a base privilegiada de uma percepção visual da
mensagem.
Baseado nas mais importantes tendências europeias Calvet (2011) disserta acerca das
formas de transmissão linguística. Para o autor existem duas formas tradicionais de
comunicação linguística: a oral e a escrita. Elas, no entanto, não são satisfatórias para
representar a gama de manifestações possíveis destes sistemas. Ele apresenta os seguintes
casos:
36
As sociedades de tradição escrita antiga, nas quais a língua escrita é aquela que se
utiliza na comunicação oral cotidiana;
As sociedades de tradição escrita antiga, nas quais a língua escrita não é aquela que
se usa na comunicação oral cotidiana;
As sociedades nas quais se introduziu recentemente a prática alfabética, em geral
pela via de uma língua diferente da língua local;
As sociedades de tradição oral.
Parece não ser possível afirmar que as sociedades de tradição oral e escrita sejam
excludentes umas em relação às outras. Para Calvet (Idem, Ibidem: 12) elas podem coexistir
ou não e cita como exemplo as sociedades berberes, consideradas como sociedades de
tradição oral, mesmo não se podendo negar que elas tenham utilizado, no passado, um
alfabeto proveniente da escrita líbica, os tifinagh. Nesse caso, certamente por conta da
imposição operada pela sociedade árabe e pela religião islâmica, ambas impulsionadas por
outra picturalidade (o alfabeto árabe), o itinerário parece ter sido o inverso, de uma
picturalidade para a oralidade.
O grande problema das sociedades ditas de tradição oral sempre foi a transmissão,
através dos tempos, de seus usos e costumes, uma vez que a linguagem oral pode se perder
com muita facilidade. Para a solução desta temática Calvet propõe algumas questões
fundamentais que passam pela manutenção das memórias e seus diversos locais: “o que
conservar? Como conservar? Para quem conservar? Como transmitir? E vai encontrar sua
solução em algumas formas diferentes: o texto linguístico oral; o texto pictural; a nomeação
(topônimos, antropônimos etc.)”.
O autor postula algumas perguntas bastante relevantes: Se geralmente consideramos
que as línguas constituem uma resposta a um problema social de comunicação, e que cada
problema de comunicação, em uma sociedade humana, encontra sua resposta sob uma forma
ou outra, podemos, então, formular nos seguintes termos o problema constante com que se
confrontam as sociedades de tradição oral: como manter a memória da experiência humana e
torná-la presente num lugar e num tempo dos quais ela está efetivamente ausente? Esse
problema de memória social, que os escribas e as bibliotecas resolveram parcialmente nas
sociedades de tradição escrita, antes de abrir caminho ao mundo tecnológico virtual, define
bastante bem os diferentes eixos de nossa apresentação. O problema se subdivide, realmente,
em algumas questões: Tradição oral e tradição escrita.
As comunidades de Barra e Bananal estão inseridas nesses casos. São comunidades
afrodescendentes, a maioria analfabetos funcionais e de uma maneira geral, podem ser
consideradas comunidades de cultura de oralidade.
Veremos a seguir mais detalhes sobre as comunidades em questão.
37
4 AS COMUNIDADES DE BARRA E BANANAL
Figura 2 - Comunidade Quilombola de Bananal – Rio de Contas/BA 2011.
Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades
Comunidades descendentes de um Quilombo
A realidade linguística vivida pelos brasileiros em geral é desconhecida pela maioria
dos brasileiros que vivem nas capitais. O fato é que, nas áreas rurais, os dialetos rurais, em
especial de comunidades afro-brasileiras, as características do passado são, por muitas vezes,
em função do isolamento, conservados.
Muitas dessas comunidades são oriundas de antigos quilombos ou de escravos que
receberam doações de terras. Antes as pessoas não tinham consciência da importância dessas
38
comunidades, mas agora já receberam até um documento do governo que comprova a
significância dessas comunidades Quilombolas.
Muitas dessas comunidades representam foco principal dos prováveis processos de
crioulização ocorridos na história do país e a conservação de falares africanos.
Barra e Bananal são comunidades de fala que demonstram vestígios de um processo
de transmissão linguística irregular bastante relevante para o estudo, pois oferecem base para
comprovação de um processo de contato entre línguas, e, possivelmente, para a postulação de
ocorrência de crioulização, tendo em vista características do português brasileiro.
Figura 3- O povoado de Barra.
Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades
Abaixo, seguem algumas palavras do professor Darcy Ribeiro (1995), sobre os
escravos trazidos ao Brasil:
“Os negros do Brasil foram trazidos principalmente da costa ocidental
africana. Arthur Ramos (1940, 1942, 1946), prosseguindo os estudos de
Nina Rodrigues (1939, 1945), distingue, quanto aos tipos culturais, três
39
grandes grupos. O primeiro, das culturas sudanesas, é representado,
principalmente, pelos grupos Yorubá – chamados nagô – pelos Dahomey –
designados geralmente como gegê – e pelos Fanti-Ashanti – conhecidos
como minas – além de muitos representantes de grupos menores da Gâmbia,
Serra Leoa, Costa da Malagueta e Costa do Marfim. O segundo grupo trouxe
ao Brasil culturas africanas islamizadas, principalmente os Peuhl, os
Mandinga e os Haussa, do norte da Nigéria, identificados na Bahia como
negros malé e no Rio de Janeiro como negros alufá. O terceiro grupo congoangolês, provenientes da área hoje compreendida pela Angola e a “Contra
Costa”, que corresponde ao atual território de Moçambique”. (p. 113-4)
“O idioma tupi foi a língua materna de uso corrente desses neobrasileiros até
meados do século XVIII. De fato, o tupi, inicialmente, se expandiu mais que
o português como a língua da civilização (sobre a formação e a difusão da
língua geral ver Cortesão, 1958 e Holanda, 1945). Com efeito, a língua geral,
o nheengatu, que surge no século XVI do esforço de falar o tupi com boca de
português, se difunde rapidamente como a fala principal tanto dos núcleos
neobrasileiros como dos missionários”. (p. 122)
Figura 4 - Comunidade Quilombola de Barra – Rio de Contas/BA 2011.
Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades
40
Figura 5 - Fazenda de Bananal, antigo quilombo.
Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades
Barra e Bananal são povoados constituídos por uma população afrodescendente.
Bananal foi fundado por negros escravos por volta do século XVII. Segundo Leonardo
Sakamoto (2000), a história dos dois vilarejos está ligada ao naufrágio de um navio negreiro
vindo da África. Os sobreviventes procuraram um lugar seguro para viver e, seguindo o curso
do Rio de Contas, escolheram as cabeceiras do rio Brumado, ficando lá praticando a
agricultura de subsistência e cultivando suas tradições. Bandeirantes, chefiados por Antônio
Raposo Tavares, teriam escravizado os quilombolas obrigando-os a trabalhar na mineração.
As cidades de Barra e Bananal são separadas apenas por uma distância de dois
quilômetros. A maioria de seus habitantes costuma praticar a agricultura de subsistência e
vivem em condições precárias de saneamento e educação. Nos dois povoados é muito comum
o casamento entre pessoas das mesmas famílias, a endogamia.
Antes de o turismo ser implantado, a região do Município de Rio de Contas era mais
isolada nas duas comunidades. Agora são frequentes as visitas de turistas e estudiosos a fim
de conhecer e fazer pesquisas sobre os moradores dos povoados. Como ocorreu na
comunidade de Cinzento, algumas tradições de origem africana foram se perdendo por
41
contato com a cultura branca europeia, especialmente em decorrência de valores do
catolicismo que se tornou a religião predominante. Uma publicação oficial do Arquivo
Municipal de Rio de Contas refere-se ao catolicismo e a algumas igrejas evangélicas.
Dados retirados do Projeto Vertentes: http://www.vertentes.ufba.br/
Figura 6 - Artesanato local
Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades
4.1 O município de Rio de Contas
No município de Rio de Contas – Bahia (13º 34' 44" de Latitude Sul e 41º 48' 41" de
Longitude Oeste), foram recolhidas amostras de fala nas comunidades rurais afro-brasileiras
isoladas de Barra e Bananal.
A ocupação da região de Rio de Contas se inicia na última década do século XVII,
através do estabelecimento de uma rota de viagem entre Goiás e o Norte de Minas e a cidade
de Salvador, capital da então Província da Bahia. Com o intuito de se estabelecer um "ponto
42
de pouso", nesta rota de viagem, foi fundado um pequeno povoado com o sugestivo nome de
Creoulos, situado em um planalto da serra das Almas, na margem esquerda do Rio de Contas
Pequeno, atual Rio Brumado.
Não tardou a descoberta de veios e cascalhos auríferos, não apenas no Rio de Contas, como
também em seus afluentes e serras circunvizinhas. A fundação de Mato Grosso, três léguas
acima do antigo povoado de Creoulos, subindo o Rio Brumado, a 1450 metros de altitude, se
deu no bojo do grande afluxo de bandeirantes mineiros e paulistas para a região.
Figura 7 - Artesanato local
Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades
Os jesuítas que acompanharam os bandeirantes ergueram no novo povoado uma igreja
sob a invocação de Santo Antônio.
O desenvolvimento da mineração e o aumento da população do povoado foram de tal
monta, que, em 1718, foi criada a primeira freguesia do Alto Sertão Baiano – ou Sertão de
Cima –, com denominação de Santo Antônio de Mato Grosso. Entretanto, em 1722, o
Conselho Ultramarino decide criar, em função de uma carta dirigida ao Rei D. João V pelo
Vice-Rei D. Vasco Fernandes César de Menezes, a Vila de Nossa Senhora do Livramento das
Minas de Rio de Contas, doze quilômetros abaixo do antigo povoado de Creoulos, onde os
jesuítas haviam erigido outra igreja, esta em devoção a Nossa Senhora do Livramento, e onde
atualmente se situa a cidade de Livramento do Brumado. Porém, uma nova reviravolta no
povoamento da região aconteceria em 1745, quando uma Provisão Régia autoriza a mudança
43
da sede da vila para o antigo povoado de Creoulos, que passou a se chamar Vila Nova de
Nossa Senhora do Livramento e Minas do Rio das Contas, enquanto que a antiga sede passou
a ser conhecida por Vila Velha.
Essa mesma Provisão também elevou a nova vila à categoria de freguesia, transferindo
para aí a sede da freguesia de Santo Antônio de Mato Grosso, com a denominação de
freguesia do Santíssimo Sacramento das Minas do Rio de Contas. Assim, enquanto Mato
Grosso era deslocado para uma posição lateral mais isolada, para Rio de Contas iam afluindo
todos os recursos e benefícios da atividade mineradora, o que se refletia no seu crescimento
urbano. Lá foram construídos a Casa de Fundição, o Pelourinho e o edifício da Casa da
Câmara e Cadeia Pública, este no início do século XIX, e até hoje conservado.
No entanto, o crescimento aos poucos vai se estagnando com o progressivo
esgotamento dos veios e cascalhos auríferos. E, na medida em que a atividade de mineração
decrescia, diminuía o nome do Município. Em 1840, foi simplificado para Minas do Rio de
Contas e, em 1931, foram-se as minas e o Município passou a se chamar simplesmente Rio de
Contas.
Criada por Provisão Real em 1745, Rio de Contas foi a primeira cidade planejada do
Brasil. O Município preserva o traçado antigo, apresentando praças e ruas amplas, igrejas
barrocas, monumentos públicos e religiosos em pedra e o casario em adobe.
Escravos alforriados que se instalaram na margem direita do Rio de Contas Pequeno, atual
Rio Brumado, foram os primeiros habitantes da região de Rio de Contas. Em pouco tempo,
formou-se o povoado denominado "Pouso dos Crioulos" (localizado ao sul da Chapada
Diamantina e dentro do Polígono das Secas). No início do século XVIII, com a chegada de
bandeirantes interessados em novas regiões de exploração do ouro, um novo arraial (hoje
chamado de Mato Grosso) foi fundado, atraindo mais pessoas para a região. Também nessa época
chegaram os padres jesuítas.
Em 1746, o Pouso dos Crioulos passou a chamar-se Vila Nova de Nossa Senhora do
Livramento das Minas do Rio de Contas, nome herdado da transferência de uma vila vizinha que,
devido a constantes enchentes, sofria de uma epidemia da "febre de mau caráter".
Na segunda década do século XVIII, o Bandeirante Sebastião Pinheiro da Fonseca Raposo
Tavares descobriu ouro no local, iniciando um ciclo que marcou a história da região, fazendo com
que o povoado prosperasse rapidamente. Rico em ouro de aluvião, o Município viveu na segunda
metade do século XVIII uma época de grande prosperidade econômica. As tradicionais famílias
importavam da Europa peças de uso pessoal e de decoração e, numa celebração à abundância, pó
de ouro era lançado nos Imperadores e Rainhas durante as procissões da festa do Divino Espírito
44
Santo. Também são desta época os casarões em estilo colonial, hoje tombados pelo Patrimônio
Histórico.
Em 1745, dá-se a transferência de uma antiga vila (a de Nossa Senhora do Livramento de
Minas do Rio de Contas) para o novo sítio, surgindo então a Vila Nova de Nossa Senhora do
Livramento de Minas do Rio de Contas. Toda a prosperidade decaiu já por volta de 1800 com a
escassez do ouro e agravou-se com a descoberta de diamantes na Chapada Diamantina quatro
décadas depois. Grande parte da população de Rio de Contas, que havia fundado a cidade,
transferiu-se para Mucugê em busca de novas riquezas. A vila foi elevada ao status de Cidade em
1885. É um atual pólo eco turístico da Bahia. Foi cenário do filme Abril Despedaçado do diretor
Walter Salles.
Figura 8 - Turismo ecológico local
Comunidade Quilombola
Figura fornecida gentilmente por: http://viajamos.com.br/forum/topics/turismo-em-comunidades
As comunidades de Barra e Bananal são também conhecidas como “arraiais dos
negros”. Com a inundação das águas da Barragem do Rio Brumado, outra comunidade
quilombola vizinha, a de Riacho das Pedras, foi alagada e a maioria dos habitantes mudou-se
para Barra e Bananal, aumentanto o número da população dessas duas comunidades.
45
Abaixo podemos verificar o último censo encontrado, nos anos de 2000 e 2010,
publicados no Diário Oficial da União no dia 04 de novembro de 2010.
Mas percebendo, ainda, que trata-se de Rio de Contas, não de Barra, nem de Bananal.
Não foi possível encontrar no site do IBGE dados oficiais sobre as pequenas comunidades.
Vejamos os quadros abaixo, comparando os dados com o total da população de Rio de
Contas dos anos de 2010 e 2000:
Quadro 1
Dados do Censo 2010 publicados no Diário Oficial da União do dia
04/11/2010
População em 2010
12.817
População em 2000
13.935
Dados: Bahia
http://www.censo2010.ibge.gov.br/dados_divulgados/index.php?uf=29Rio de
Contas
Quadro 2
Características geográficas
Área
1 052,302 km² [2]
População
12 979 hab. IBGE/2010[3]
Densidade
12,33 hab./km²
Altitude
Clima
Fuso horário
1.050 m
tropical de altitude Csb
UTC−3
Indicadores
IDH
0,653 médio PNUD/2000[4]
PIB
R$ 51 112,821 mil IBGE/2008[5]
PIB per capita
R$ 3 697,66 IBGE/2008[5]
46
Quadro 3
Rio de Contas - BA
População 2010
13.007
Área da unidade territorial (Km²) *
1.063,747
Densidade demográfica (hab/Km²)
12,23
Código do Município
Gentílico
292670
Rio-contense
Incidência da pobreza, 35.02,%.
Limite inferior da incidência de pobreza, 27.59,%.
Limite superior da incidência de pobreza, 42.44,%.
Incidência da pobreza subjetiva, 45.40,%.
Limite inferior da incidência da pobreza subjetiva, 40.61,%.
Limite superior incidência da pobreza subjetiva, 50.19,%.
Índice de gini, 0.39,
Limite inferior do índice de gini, 0.36,
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=292670#
Gráfico 1 Taxas de crescimento populacional
47
A taxa de urbanização apresentou alteração no mesmo período. A população urbana
em 2000 representava 40,79% e em 2010 a passou a representar 48,5% do total.
A estrutura demográfica também apresentou mudanças no município. Entre 2000 e
2010 foi verificada ampliação da população idosa que, em termos anuais, cresceu 2,0% em
média. Em 2000, este grupo representava 12,7% da população, já em 2010 detinha 16,5% do
total da população municipal.
O segmento etário de 0 a 14 anos registrou crescimento negativo entre 2000 e 2010 (4,1% ao ano). Crianças e jovens detinham 29,0% do contingente populacional em 2000, o que
correspondia a 4.035 habitantes. Em 2010, a participação deste grupo reduziu para 20,4% da
população, totalizando 2.650 habitantes.
Gráfico 2 Taxas de residentes no município por faixa etária
A população residente no município na faixa etária de 15 a 59 anos exibiu crescimento
populacional (em média 0,10% ao ano), passando de 8.131 habitantes em 2000 para 8.209 em
2010. Em 2010, este grupo representava 63,1% da população do município.
Perfil social
Dados do Censo Demográfico de 2010 revelaram que o fornecimento de energia
elétrica estava presente praticamente em todos os domicílios. A coleta de lixo atendia 59,2%
dos domicílios. Quanto à cobertura da rede de abastecimento de água o acesso estava em
73,7% dos domicílios particulares permanentes e 22,9% das residências dispunham de
esgotamento sanitário adequado.
48
Quanto aos níveis de pobreza, o Censo Demográfico de 2010 indicava que o
município contava com 2469 pessoas na extrema pobreza, sendo 1644 na área rural e 825 na
área urbana. Em termos proporcionais, 19,0% da população está na extrema pobreza, com
intensidade maior na área rural (24,5% da população na extrema pobreza na área rural contra
13,1% na área urbana).
Gráfico 3 Taxas de analfabetismo
Em 2010, a taxa de analfabetismo das pessoas de 10 anos ou mais era de 18,3%. Na
área urbana, a taxa era de 13,2% e na zona rural era de 23,2%. Entre adolescentes de 10 a 14
anos, a taxa de analfabetismo era de 2,1%.
Entre 2005 e 2009, segundo o IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) do município
cresceu 39,0%, passando de R$ 39,7 milhões para R$ 55,2 milhões. O crescimento percentual
foi inferior ao verificado no Estado que foi de 50,8%. A participação do PIB do município na
composição do PIB estadual diminuiu de 0,04% para 0,04% no período de 2005 a 2009.
49
Gráfico 4 Participação dos setores econômicos
A estrutura econômica municipal demonstrava participação expressiva do setor de
Serviços, o qual responde por 71,6% do PIB municipal. Cabe destacar o setor secundário ou
industrial, cuja participação no PIB era de 8,1% em 2009 contra 8,9% em 2005. No mesmo
sentido ao verificado no Estado, em que a participação industrial cresceu de 8,9% em 2005
para 25,4% em 2009.
Gráfico 5 Taxa de crescimento do PIB em 2005 3 2009
50
Mercado de trabalho
O mercado de trabalho formal do município apresentou em cinco anos saldos positivos
na geração de novas ocupações entre 2004 e 2010. O número de vagas criadas neste período
foi de 150. No último ano as admissões registraram 77 contratações contra 69 demissões.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o mercado de trabalho formal
em 2010 totalizava 678 postos, 45,8% a mais em relação a 2004. O desempenho do município
ficou abaixo da média verificada para o Estado, que cresceu 46,7% no mesmo período.
Administração Pública foi o setor com maior volume de empregos formais, com 469
postos de trabalho, seguido pelo setor de Comércio com 102 postos em 2010. Somados, estes
dois setores representavam 84,2% do total dos empregos formais do município.
Gráfico 6 Distribuição dos postos de trabalho
Os setores que mais aumentaram a participação entre 2004 e 2010 na estrutura do
emprego formal do município foram Comércio (de 10,54% em 2004 para 15,04% em 2010) e
Indústria de Transformação (de 2,58% para 6,05%). A que mais perdeu participação foi
Administração Pública de 78,71% para 69,17%.
Finanças públicas
A receita orçamentária do município passou de R$ 8,1 milhões em 2005 para R$ 12,8
milhões em 2009, o que retrata uma alta de 57,1% no período ou 11,95% ao ano.
A proporção das receitas próprias, ou seja, geradas a partir das atividades econômicas
do município, em relação à receita orçamentária total, passou de 3,13% em 2005 para 4,24%
51
em 2009, e quando se analisa todos os municípios juntos do estado, a proporção aumentou de
16,34% para 16,02%.
A dependência em relação ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) diminuiu
no município, passando de 58,92% da receita orçamentária em 2005 para 57,26% em 2009.
Essa dependência foi superior àquela registrada para todos os municípios do Estado, que ficou
em 28,20% em 2009.
Gráfico 7 Distribuição das despesas do município
As despesas com educação, saúde, administração, urbanismo e legislativa foram
responsáveis por 87,10% das despesas municipais. Em assistência social, as despesas
alcançaram 2,76% do orçamento total, valor esse inferior à média de todos os municípios do
estado, de 2,94%.
Retirado de: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
52
4.2 Os informantes
Corpus de Arraiais de Rio de Contas
Faixa I ( DE 20 A 40 ANOS)
Informante 01
Nome: MLS
Sexo: Feminino
Idade: 38 anos
Escolaridade: 1o ano primário
Viagens para fora da comunidade: São Paulo
Informante 02
Nome: ASS
Sexo: Feminino
Idade: 37 anos
Escolaridade: Semianalfabeto
Viagens para fora da comunidade: São Paulo (onde viveu 6 anos)
Informante 03
Nome: OJS
Sexo: Masculino
Idade: 36 anos
Escolaridade: primário
Viagens para fora da comunidade: São Paulo, capital e interior
Informante 04
Nome: N
Sexo: Masculino
Idade: 26 anos
Escolaridade: primário
Viagens para fora da comunidade: São Paulo
53
Faixa II ( DE 45 A 65 ANOS)
Informante 05
Nome: OVN
Sexo: Feminino
Idade: 47 anos
Escolaridade: Semianalfabeto
Viagens para fora da comunidade: não
Informante 07
Nome: JFL
Sexo: Masculino
Idade: 55 anos
Escolaridade: Analfabeto
Viagens para fora da comunidade: São Paulo (a trabalho), seis meses
Informante 08
Nome: CLN
Sexo: Masculino
Idade: 43 anos
Escolaridade: Semianalfabeto
Viagens para fora da comunidade: São Paulo
Faixa III ( MAIS DE 65 ANOS )
Informante 09
Nome: FAS
Sexo: Feminino
Idade: 98 anos
Escolaridade: Analfabeto
Viagens para fora da comunidade: não
54
Informante 10
Nome: FIJ
Sexo: Feminino
Idade: 68 anos
Escolaridade: Analfabeto
Viagens para fora da comunidade: não
Informante 11
Nome: IJS
Sexo: Masculino
Idade: 68 anos
Escolaridade: Analfabeto
Viagens para fora da comunidade: São Paulo (onde viveu 6 anos)
Informante 12
Nome: AMJ
Sexo: Masculino
Idade: 64
Escolaridade: analfabeto
Viagens para fora da comunidade: não
55
5 REFERENCIAL TEÓRICO
O tópico na visão de alguns autores
A nova Gramática do Português Brasileiro de Ataliba T. de Castilho (2010: 279) é um
guia da língua falada no Brasil. O título faz pensar em uma gramática voltada para o novo,
inclusive sobre a língua falada. E retrata muito bem as CTs:
O autor dá as seguintes orações:
a) O prefeito, ele hoje está inaugurando umas obras.
b) *A casa da fazenda... ela era... uma casa antiga... tipo colonial brasileiro... janelas
largas...
c) Peixe... peixe aqui no Rio Grande do Sul... a gente come peixe somente na
Semana Santa.
d) Dessa vez eu não pude mesmo assistir nada, o seriado da televisão.
e) A comida da pensão tá muito fraca, a comida da pensão.
f) *Bom... eu... eu... mas o que é que aquela almofada está fazendo no chão?
g) *A harmonização, trata-se de um esforço inadiável, considerando-se as demandas
da atual sociedade de informação.
*antitópico
Assim, ele nos salienta o seguinte:
“Qual é o estatuto das expressões negritadas em (2)? Do ponto de vista gramatical,
temos aí desde (i) sintagmas nominais anacolúticos, ou seja, fragmentos soltos, sem
conectividade sintática com o resto, como em (2f e 2g), (ii) até sintagmas nominais
que funcionam como constituintes sentenciais deslocados para a esquerda ou para a
direita como em (2a a 2e). Do ponto de vista discursivo, trata-se de expressões que
fornecem um quadro de referências para o que vai ser elaborado no texto, atuando na
hierarquização tópica. Do ponto de vista semântico, essas expressões veiculam uma
informação ainda não integrada na memória de curto prazo. Essas construções têm
sido denominadas construções de tópico em 2a, 2c, 2f e 2g e construções de
antitópico em 2d e 2e. ” (In: CASTILHO, 2010: 279).
Mais adiante, Castilho exemplifica as construções de tópico no âmbito de suas propriedades
sintáticas em exemplos de Pontes (1987: 15):
1.
a) Essa bolsa aberta aí, eu podia te roubar a carteira.
b) O Mardônio pifou o freio de mão do carro e ele foi levar na oficina.
56
Temos nos exemplos acima, construções de tópico, com deslocamentos à esquerda
dos sintagmas preposicionados, porém sem a preposição de. Funcionam como adjuntos
adnominais.
Se recolocássemos a preposição teríamos as frases:
2.
a) Eu podia te roubar a carteira dessa bolsa aberta aí.
b) Pifou o freio de mão do carro do Mardônio e ele foi levar na oficina.
Sabendo-se que a preposição subordina seu complemento ao termo antecedente, o
autor propõe que seria inaceitável coordenar essas expressões propostas em:
3.
a) *Eu podia te roubar a carteira e essa bolsa aberta aí.
b) * O Mardônio e o freio de mão pifaram.
Eunice Pontes inicia seu livro O Tópico no Português do Brasil (1987) com a proposta,
postulada por Li e Thompson (1976), da tipologia das línguas, a saber:
1. Línguas com proeminência de sujeito, em que a estrutura das sentenças é mais bem
descrita como de sujeito-predicado; seria o caso das línguas indo europeias
2. Línguas com proeminência de tópico em que a estrutura das sentenças é mais bem
descrita como de tópico-comentário: seria o caso do chinês lahu.
3. Línguas com proeminência de tópico e sujeito, em que há as duas construções
diferentes: seria o caso do japonês.
4. Línguas sem proeminência de sujeito ou tópico, em que o sujeito e o tópico se
mesclaram e não se distinguem mais os dois tipos; seria o caso do tagalog (ou
filipino).
Depois dessa descrição, Pontes pergunta: E o português? Onde se situa?
Segundo a autora, considera-se o português como uma língua com proeminência de
sujeito. Note-se que, à época, os estudos em linguística do português falado eram muito
raros. E os trabalhos eram voltados para a língua escrita, deixando de lado a língua oral.
Eis alguns exemplos retirados de Pontes, 187, p 12. O exemplo abaixo é o tipo de
tópico mais comum:
1. Os livros, eles estão em cima da mesa.
Já o do tipo a seguir pode ser encontrado também na língua escrita:
57
2. A Maria, essa não quer nada com o serviço.
Outro exemplo semelhante encontrado na língua escrita:
3. Eu, eu não quero saber dela.
4. Quanto a mim, estou me lixando.
Outro exemplo de topicalização, segundo Pontes, na gramática transformacional:
5. Dessa cerveja eu não bebo.
As sentenças 9 e 10, de acordo com Chafe, não deveriam ser consideradas como
topicalizações, já que elas envolvem contraste, o que não acontece nas línguas em que o
tópico é proeminente. Para Chafe, Li e Thompson, o que caracteriza o tópico é o que vai ser
dito a seguir. É de extrema importância que a topicalização seja acompanhada de um
comentário.
Uma observação de Pontes deve ser levada em conta. Pontes não fez gravações,
apenas anotações; portanto, não foi possível registrar a entonação característica de
topicalizações.
A semelhança do português com algumas línguas de tópico é incrível.
Vejamos alguns exemplos:
6. H€
chi
tê
pê? dà? já (Lahu)
Campo este um-classif. arroz muito bom
“Este campo, o arroz é muito bom”.
7. Neì-chang huó xíngkui xíaofang-duì laí de kuài
Aquele-class. fogo feliz corpo de bombeiros veio adv. rápido.
“Aquele fogo, felizmente o corpo de bombeiros veio rápido”.
8. Neì-xie shùmu shù-shén dà (mandarin)
Aquelas árvores os troncos grandes
“Aquelas árvores, os troncos são grandes”.
Pontes faz referência com estruturas do português e exemplifica com as seguintes
sentenças:
9. Essa bolsa as coisas somem, aqui dentro.
10. Essa bolsa aberta aí, eu podia te roubar a carteira.
58
11. A última prisão dele, sabe o que que ele fez?
12. As cadeiras optativas, cê precisa ter um conhecimento bom primeiro.
13. Eu agora, cabô desculpa de concurso, né?
14. O Mardônio pifou o freio de mão do carro e ele foi levar na oficina.
Nos exemplos acima, o SN lança o tópico e a seguir se faz um comentário. Esse
comentário é feito através de uma sentença completa, com sujeito e predicado. Pontes
assevera que, por vezes, ocorre na sentença comentário um pronome co-referente ao
tópico (o pronome cópia). Quando o tópico é idêntico ao sujeito da sentença comentário, a
ocorrência desse pronome é bem maior do que nos casos em que o tópico é co-referente a
outros elementos da sentença comentário. No exemplo, os nossos alunos, cumé que eles
estão recebendo? O tópico pode ser co-referente ao sujeito de uma oração encaixada.
Segundo Givón (1979), a necessidade de deixar claro o referente é que faz com que o
falante use esse pronome, também postulado como uma flexão do verbo. Se o sujeito
estiver longe do verbo, surge a necessidade do uso do pronome.
O uso do pronome cópia parece dever-se à necessidade de deixar claro o referente,
evitando ambiguidade quando distante do referente. O estudo de Pontes não possui
números em relação à incidência das construções de tópico, mas muitos trabalhos
atestaram a relevância do processamento para a emergência da cópia.
O segundo capítulo do livro discorre sobre as construções de tópico na língua escrita e
os preconceitos por muitos gramáticos no ano de 1987, em que foi publicado o livro. Nele,
Pontes afirma.
Existem certos preconceitos herdados pela tradição gramatical greco-latina que,
apesar de peremptoriamente combatidos pelos manuais introdutórios de linguística,
parecem resistir ao tempo e aparecem às vezes sub-reptícia ou mesmo claramente
em trabalhos de linguistas renomados. Um deles é o de que a língua escrita, formal,
seria de alguma forma ”superior”, à língua oral. Érica Garcia (1975) diz
textualmente em seu livro que considera a língua escrita superior “a língua oral,
mais completa, etc. Givón (1979) e Elionor Ochs (1980) não o dizem em termos tão
declarados mas seus trabalhos mais recentes estão informados por este preconceito,
quando estudam o que Givón chama de “modo pragmático versus modo sintático” e
Ochs “discurso relativamente planejado versus discurso relativamente nãoplanejado”.
Pontes cita Givón (1979) que afirma que as construções de tópico, inclusive os
deslocamentos para a esquerda, são típicas do “modo pragmático”, sendo então o “modo
sintático” típicas de construções de sujeito predicado.
59
O “modo pragmático” para Givón é anterior, filogeneticamente, ao “modo sintático”.
Assim, a linguagem humana teria evoluído do modo pragmático para o modo sintático.
Pontes insere logo mais uma árvore que nos remete perfeitamente à estrutura de tópico
S¹
Top
S²
SN
SV
Em que S¹ é a sentença maior, formada por tópico e comentário (Top + S²). O
comentário é expresso por uma sentença completa, com sujeito e predicado (SN + SV).
De acordo com Pontes, encontram-se construções de tópico na escrita desde os mais
antigos escritores da língua. A autora destaca também a passiva, como sabemos construção de
língua escrita formal e refere-se ao gênero acadêmico em que há predominâncias de tais
construções.
No caso da passiva ocorre o contrário do que Givón afirma (de que a construção tópica
é privilégio do discurso informal), a construção tradicionalmente considerada passiva (ser +
particípio passado) ocorre muito pouco em linguagem informal, coloquial, no português do
Brasil nas pesquisas de Pontes. Vale relembrar que seus comentários não tem fundamentação
empírica sistemática.
Construções de tópico muitas vezes são definidas como deslocamentos à esquerda ou
recebem o rótulo de pleonasmo. Os gramáticos mais antigos denominavam como figura de
linguagem. Epiphanio Dias (1959: 333-4) definiu topicalização como pleonasmo do objeto
assim: “Quando o complemento directo, que regularmente deveria vir depois do verbo, é
transportado emphaticamete para o princípio da oração, representa-se novamente junto do
verbo pelo pronome pessoal aspectivo ou – no caso do complemento directo ser uma oração –
pelo demonstrativo o”:
15. “Alguns intentos, que tive, abortou-mos a fortuna (Vieira, VII 571, ap. Blut.).”
16. “Que a censura prévia é inútil, os factos tem-nos sobejamente provado (Herc.
Op. I 133).”
60
Epiphanio também atesta na escrita o uso do isto, que se encontra muito hoje na língua oral:
17. “O serviço que se faz de vontade, aquele é bem feito (fabul., fab. 25).”
18. “O que era contra a honra de Deus, e em dano das coisas, isto só afligia e lhe
tirava o gosto da vista (Souza, V. do Ana I, 431).”
Mais recentemente Said Ali (1965: 219) abona os seguintes exemplos de objeto
pleonástico em escritores consagrados:
19. “O milagre viam-no nos olhos do cego” (Vieira).
20. “Aos outros pos-lhes estátua o senado” (Vieira).
21. “A mim me parece...” (Vieira).
Ali assim explica os pleonasmos de objeto: “Colocando-se no princípio da oração um
complemento expresso por substantivo ou palavra substantivada, e pronunciando-se este
complemento com ênfase seguida de pequena pausa, é costume repeti-lo junto ao verbo da
oração”.
Os pleonasmos correspondem ao que Ross chama de “deslocamento à esquerda”, que
é diferente de topicalização, pois não apresenta o pronome cópia. Assim, de acordo com Ross,
em “Feijão eu não quero” teríamos topicalização, pois não há pronome cópia e não há
pleonasmo de objeto. Note-se que a topicalização é muito mais comum na língua escrita que o
deslocamento à esquerda. A quantidade encontrada de inversões de objeto, adjuntos
adverbiais e outros sintagmas em qualquer texto, oral ou escrito é imensa. Em português é
permitido deslocar qualquer elemento para frente da sentença, com o fim de “realce, ênfase,
contraste”, como todas as nossas gramáticas e obras de estilística atestam.
Matoso Câmara Jr (1968) descreve a função de tópico e assinala o uso do anacoluto no
grego antigo e na nossa literatura clássica:
“Chama-se anacoluto ou frase quebrada àquela em que a uma palavra ou locução,
apresentada inicialmente, se segue uma construção oracional em que essa palavra ou
locução não se integra. O papel do anacoluto é por em relevo a idéia primordial que
temos em mente, destacando-a como uma espécie de título do que vamos dizer. O
seu uso comum no grego antigo e na nossa literatura clássica, é hoje combatido pela
disciplina gramatical. – É ainda encontradiço na língua literária. Ex.: “Estas estradas,
quando novo Eliseu as percorria/as crianças lançavam-me pedradas” (Correia,
Poesias I, 154). Na língua oral o anacoluto é um processo requente de construção de
frase”.
61
Pontes destaca que, enquanto esses célebres gramáticos caracterizavam o anacoluto
como uma figura de linguagem, Evanildo Bechara considerava-o “quebra de estruturação
lógica da oração” e vaticina: “O anacoluto, fora de certas situações especiais, é evitado pelas
pessoas que timbram em falar e escrever corretamente”.
Pontes ainda exemplifica com alguns trechos de livros famosos como o de Monteiro
Lobato (1958: 31): “Na minha família essa palavra gato ninguém a pronuncia”. Na sentença,
se tirássemos o pronome pleonástico, a frase ficaria inteiramente normal, ninguém notaria.
Por outro lado, a única diferença entre a frase de Lobato e uma frase usada na linguagem
coloquial contemporânea seria a substituição do pronome oblíquo a hoje restrito ao formal,
pelo pronome ela, que o suplantou nos registros informais: Na minha família essa palavra
gato ninguém pronuncia (ela).
Pontes exemplifica a topicalização na escrita de Carlos Drummond de Andrade:
22. “A cidade da pra sentir o riso dos adultos, a naturalidade dos bichos, a
crueldade também universal dos açougues, o comportamento milenar e sempre
novo da juventude” (Estado de Minas – 20/06/81).
Nos dois exemplos, temos duas topicalizações, tanto na de Lobato Na minha família
como na de Drummond A cidade. Na primeira, a construção inclui o pronome lembrete, que
Pontes chama de pronome obliquo a. Já na segunda oração não.
No terceiro capítulo, Pontes se dedica às distinções entre Topicalização e Deslocamento à
Esquerda. A autora lembra que, na literatura americana de origem transformacionalista, os
linguistas costumam distinguir, entre as construções de tópico, aquelas que são geradas
através de uma regra de Topicalização das que o são através de uma regra de Deslocamento à
Esquerda. Tal distinção foi estabelecida por Ross (1967) que se baseia essencialmente no fato
de que, em DE, aparece um pronome que ele chama de cópia e, em Top, esse pronome não
aparece. Segundo Ross, em (20) haveria Top e em (21) DE.
23. Beans I don’t like.
24. The man my father Works with in Boston, he’s going to tell the police that...
Uma parte importante nesse capítulo alude à dificuldade em distinguir DE e Top em
português. Pontes tenta aplicar essa distinção estabelecida por Ross e esbarra na primeira
62
dificuldade: a elipse do pronome é bem mais livre que em inglês, sempre que não haja
prejuízo do significado. Por isso que alguns gramáticos da época consideravam as construções
de tópico como um pleonasmo e recomendavam que fosse evitado.
Haveria então duas possibilidades para a análise dessas construções de tópico:
 Que exista uma construção só, sendo o pronome opcional.
Sua ocorrência seria devida a fatores como: eliminar ambiguidades, tornar
mais claro o sentido;
-Top. Não tem pronome
 Que existam duas construções diferentes, com o pronome sendo opcional
numa e na outra, ausente.
-DE tem pronome, mas pode ser suprimido.
Apesar de todas as explicações, a autora não põe um ponto final na diferença entre
Top e DE. A autora diz, à página 66: “A dúvida surge, então, é se o fato de ter ou não ter o
pronome indica que temos construções diferentes em português (...) Por exemplo, num caso
parecido, o das orações relativas, é também possível ocorrer o pronome ou não. E ninguém
até hoje, que eu saiba, propôs considerá-las duas construções diferentes”.
Braga (1984, 1987) analisa as construções de tópico e as correlações entre posição
mais à esquerda de um constituinte e status informacional de seu referente. Numa amostra de
falantes do PEUL de crianças e adultos do Rio de Janeiro da década de 80, a autora explicita
em seus exemplos que construções de tópico como em Pós-operatório, todo mundo tem
envolvem referentes inferíveis ou evocados. E salienta que a ocorrência de entidades novas
nesta posição mais à esquerda é reduzida.
Braga partiu da hipótese de que as Tops ocorrem mais quando confrontadas com o
sujeiro explícito e que as Tops envolveriam entidades evocadas ou inferíveis, teoria proposta
por Prince (1979) que caracteriza o tipo de informação transmitida por um SN. Esta teoria é
reformulada, pois a autora questiona alguns pontos e ainda é mesclada com a teoria de Chafe,
que parte dos estados de consciência e a distinção entre given/new (dado/novo), de 1976.
Assim, a autora parte de uma nova proposta que mescla as duas teorias para adaptar-se melhor
à pesquisa. Deste modo, Braga sustenta três hipóteses: entidade evocada, nova e inferível. As
entidades evocadas são as já mencionaas pelo falante anteriormente, ou seja, de conhecimento
prévio.
63
Dik (1989), concebe as línguas naturais como instrumentos de interação social como
a função principal de estabelecer a comunicação entre seus usuários. A
comunicação, por seus turno, é considerada um padrão interativo de atividades
através das quais se efetivam mudanças na informação pragmática dos
interlocutores. A informação pragmática inclui informação geral sobre o universo,
informação situacional e contextual e é crucial para a distinção entre informação
velha e nova. Será considerada velha a informação que, na avaliação do falante,
integra a informação pragmática do ouvinte, e nova aquela que não a integra.
(Braga, 1987, p. 02- 03).
Braga segue Prince e admite topicalizações nesse formato a seguir:
[ [X1] [ [X2] ] ]
S SN S SN
Ex: (retirado de Braga, 1997: 46)
25. Caramba, quanta operação! E nenhuma delas você teve complicações
assim? Não.
Não, graças a Deus. Tive não. Não tive não.
Não tem lembrança desagradável nenhuma em relação a elas?
Não, não, correu tudo bem né? Pós-operatório, todo mundo tem.
A pesquisa de Braga revelou poucas ocorrências de Tops e DE na posição de Suj e de
OD, e que a maioria esmagadora dos referentes é constituída por entidades inferíveis ou
evocadas. E pouquíssimas ocorrências de entidades novas na posição mais à esquerda.
Abraçado (2003) analisou a ordenação vocabular do português através da fala de 15
crianças, distribuídas em faixas etárias de um ano e meio a seis anos de idade, e concluiu que
a ordem dos constituintes é inicialmente pouco marcada na ontogênese da língua. O estudo de
Abraçado lança luzes para a variação e mudança quanto à ordem no PB ao longo do tempo no
processo aquisitivo e diacrônico.
Dubois (1984) chama de “motivações em competição”, construções que são formadas
pela situação comunicativa e evoluem para formas que se cristalizam em estruturas
gramaticais muitas vezes vistas como não motivadas ou arbitrárias que entram em conflito
com outras discursivamente motivadas.
Segundo Givón, a gramática não interage diretamente com o texto num contexto
discursivo, ambos se originam na mente. Assim, a gramática é desenvolvida pela mente do
64
falante que produz o texto. No ouvinte, a gramática aciona a mente que, por sua vez,
interpreta o texto. Desse modo, mecanismos gramaticais de codificação geram operações
específicas na mente do ouvinte envolvendo basicamente os domínios da ativação da atenção
e da busca na memória (GIVÓN, 1990; 1991). Neste sentido, o cérebro mobiliza a gramática
e articula os textos como instruções de processamento mental. Nessa perspectiva, a gramática
não é considerada como um conjunto de regras rígidas que devem ser seguidas para se
produzirem sentenças gramaticais, mas passa a ser compreendida como um conjunto de
estratégias empregadas para se produzir uma comunicação coerente.
Além dos mecanismos de processamento do texto que se evidenciam no contexto
linguístico e do contexto situacional imediato, também deve ser considerado o contexto
cultural global compartilhado pelos membros da comunidade analisada, de acordo com
Fillmore (1985) categorias linguísticas pressupõem uma compreensão estruturada particular
de instituições culturais, crenças sobre o mundo, experiências compartilhadas, modos
padronizados ou familiares de fazer as coisas, e modos de ver as coisas.
O autor propõe como instrumental útil para análise a noção de frame, entendida como
representação organizada da experiência ou do conhecimento subjacente à compreensão do
significado. Em outras palavras, como padrões culturalmente determinados, devido à
recorrência, na interpretação da experiência, traduzem o significado. Frame é um conjunto de
meios lexicais e sintáticos disponíveis para refletir uma cena. Frames são estruturas de
conhecimento relacionadas com determinadas situações de interação. Esta noção é também
considerada por Givón ao enfocar a gramática da coerência referencial, especialmente a busca
pela referência culturalmente compartilhada.
O principal enfoque deve ser na função de uma sequência discursiva determinada e no
processamento dos dados linguísticos, tanto pelo falante como pelo ouvinte (Brown & Yule,
1989). Assim, uma abordagem do fenômeno linguístico caracteriza-se não como um objeto
estático, mas como um meio dinâmico de expressão.
Grimes (1994), assinala que o analista da linguagem deve considerar tanto as decisões
tomadas pelo falante sobre o que dizer, como os mecanismos e padrões disponíveis para
implementação dessas decisões. Neste caso, a estrutura semântico-discursiva das decisões
tomadas é verificável apenas indiretamente a partir das formas que o falante enuncia. Já
segundo Givón, (1990, 1991), é pertinente que se considere o fenômeno linguístico como
resultante de um complexo de motivações de base comunicativa, cognitiva, sócio-cultural e
gramatical. Em ambas as acepções, pressupõe-se que o tópico seja contextualizado linguística
e situacionalmente, sendo então o contexto discursivo fundamental.
65
Uma característica sintática do PB observada por Galves (2001) é que ao que parece
ser uma língua de tópico diferentemente do PE e das demais línguas latinas
Galves se apoiou na proposição de Pontes (1987) quando a autora ressalva que CT
ainda não foram bem entendidas, ou esja, não foram interpretadas como tal.
Para Galves (1998), na língua coloquial, há um considerável número de construções de
tópico que caracteriza o português falado no Brasil do tipo TSVO (Tópico, Sujeito, Verbo e
Objeto), comparativamente ao PE que exibiria apenas a ordem SVO.
Assim como Pontes (1987), Galves (2001) aponta que o ele além da posição de sujeito
é encontrado também na posição de objeto.
Vejamos alguns exemplos:
Na posição de objeto:
1. A coba pegô ele... (pg. 113, inf. 04)
Top
Retoma o tópico mencionado anteriormente:
2. Meu pai foi aquele mesmo que foi lá... (pg. 113, inf. 04)
Top
Pode aparecer numa estrutura relativa com valor de pronome lembrete:
3. Feijão nascido, num come não, ele amarga. (pg. 117, inf. 07)
Top
Com base nessas afirmações, destacamos algumas construções de tópico nas
localidades de Barra e Bananal da primeira amostra na modalidade falada.
a) Tópico do sujeito:
(Inf. 04)
4. Doc: É... A senhora é nascida aqui?
Inf.: É.
Doc.: E... Os pais da senhora também?
Inf.: Hum... Hum... Meu pai... Foi aquele mesmo que foi lá...
Top
66
(Inf. 04, pag. 114)
5. Doc: No tempo que a senhora era menina, a senhora lembra como é que era?
Inf.: Lembro pôquinho...
Doc.: Como é que era a vida nesse tempo? Era melhor ou pior?
Inf.: Ah! Ieu acho que era melhó.
Doc.: É?
Inf.: Minha vida, quando eu era mais pequena, a vida era mais melhó.
Top
b) Tópico do objeto:
(Inf. 01, pag 111)
6. Doc: E lembra do seu tempo de menina?
Inf.: Ah, eu lembro.
Doc.: Quê... que, que, que a senhora fazia quando era menina?
Inf.: Ah, eu brincava muito. Eu quando brincava, brincava de boneca, ca... caçano filho de
passarinho pros mato, pra bêra dos rio, pegano peixe... é só... é só... é só brincano, caçano
nossas bonequinha no mato.
Doc.: Bonequinha no mato, como?
Inf.: As bonequinha que tem no mato, que é... tem aquele... que é cheia de cabelo.
Das bonequinha que tem no mato... brincava de boneca que é... cheia de cabelo.
Top
7.
Rôpa... caba uma, joga lá, peraí, veste ôtra ø. (pag. 132, inf. 26)
Top
c) Tópico do adjunto:
8.
Esse ano... só plantei o milho e o feijão. (pag 130, inf. 24)
Top
9.
Na casa dele, foi... Num tava nesse hotel não. (pag. 114, inf 04)
Top
10. Nesse mesmo hospital... levaro o ôtro que baliô... (pag. 114, inf 04)
Top
67
d) Tópico (do sujeito) com deslocamento à esquerda (pronome lembrete):
11. Meu pai... ele ficô lá.
Top
12. Marido... assim... ele era guarda, sabe? (pag. 114, inf 04)
Top
13. ‘Cê conhece Dona Francilina?... é ela que é minha minha mãe. (pag. 123, inf 11)
Top
14. É com a tosse... Que vem... Ela vem com junto com a tosse. (pag. 114, inf 04)
Top
15. O mais... véi... aquele ali também... já teve doente. (pag. 114, inf 04)
Top
16. Esse mininu... ele quase que morreu ele. (pag. 114, inf 04)
Top
17. Os tio da gente lá... Ah, ele mora no... interiô. (pag. 114, inf 04)
Top
Segundo Da Hora e Machado (2006: 55), linguagem e sociedade estão ligadas entre si,
como podemos verificar:
“Toda língua é o produto da comunidade de fala a que corresponde, ou seja, a
língua é decorrente do uso que uma determinada sociedade faz. Assim,
compreende-se que uma língua não é propriedade de um indivíduo, mas constitui
um fenômeno social e cultural e, como tal, é um fenômeno dinâmico, não estático,
variável, que evolui com o passar do tempo.”
Para Galves (2001), a principal característica sintática do português do Brasil é ser
uma língua de tópico, distintivamente do português de Portugal e das demais línguas latinas.
Esta posição se desenvolve a partir de uma formulação de Pontes (1987) que adverte
para o fato de que muitas construções do português no Brasil precisam ser entendidas como
construções com tópico. Sustentada na pesquisa de Pontes (1987), Galves mostra como
construções do PB seriam entendidas como tópico. Galves (2001) assinala ainda que a mesma
regularidade observada no uso do ele na posição de sujeito é verificada na posição de objeto
como sumariado a seguir.
18. A cachaça, eu bebo Ø todo dia. (pag. 119, inf. 08)
Top
19. A terra... Ela se torna assim, uma terra dura. (pag. 120, inf. 08)
68
Top
20. A cana cê prantô ela, ela brotô. (pag. 120, inf 08)
Top
21. Pruquê... Aquele mele que sobra da... da açúca, eles faz árco’. (pag. 133, inf. 26)
Top
5.1 O tópico em suas diversas acepções
5.1.1 O tópico na sintaxe
Callou, Moraes, Leite, Kato e outros pesquisadores (1990), em concordância com
Ross (1967), analisam construções de topicalização e de deslocamento para a esquerda, como
nos exemplos:
a. A passagem eu compro Ø a prazo.
b. Então a minha de onze anos... ela supervisiona o trabalho dos cinco.
Em: A passagem eu compro Ø a prazo, temos um exemplo caracterizado pela
possibilidade de vinculação sintática do SN externo a uma categoria vazia dentro da sentença.
Em: Então a minha de onze anos... ela supervisiona o trabalho dos cinco, o deslocamento
para a esquerda é caracterizado pela possibilidade de vinculação a um elemento pronominal
(cópia) na sentença que se segue. Ambos os tipos de construção correspondem a uma
estrutura de topicalização lato sensu cujos tópicos são considerados como SNs externos à
estrutura gramatical da sentença. Na análise, os autores concluem que, do ponto de vista da
sintaxe, os dois processos apresentam-se em distribuição complementar: enquanto a
topicalização tende a ser co-indexada a objeto, o deslocamento para a esquerda tende a ser coindexado a sujeito.
Esse tipo de abordagem, enquanto restrito à sintaxe, limita-se à análise de sentenças
isoladas. Ele não leva em conta o contexto discursivo natural que os resultados desse tipo de
investigação conduz. Outrossim, são diferentes daqueles a que se chega através de uma
abordagem do tópico no plano do discurso.
69
5.1.2 Tópico no plano discursivo: âmbito da frase
Pontes (1987) faz uma distinção entre os deslocamentos à esquerda e as topicalizações
no plano discursivo. A autora deduz que construções desse tipo exercem funções discursivas
diferentes: a topicalização está associada à mudança de tópico com função contrastiva e o
deslocamento para a esquerda à continuidade no discurso com função coesiva. Os resultados
da análise mostram que, enquanto a primeira, limitando-se a descrever os contextos sintáticos
de ocorrência das construções tópicas, restringe-se a uma análise formal, a segunda,
ampliando o domínio de manifestação do fenômeno estudado, chega a uma análise funcional,
encontrando explicações de base comunicativa para o uso das diferentes estruturas em
contextos discursivos distintos.
Braga (1986) investiga construções de tópico sujeito e objeto, como exemplificados a
seguir:
c. ...porque o cara, quando ganha muito dinheiro, ele fica meio bobo.
d. Ele, eu conheci Ø aqui na escola.
Fatores linguísticos, psicolinguísticos, semânticos e discursivos são testados, de modo
até que a autora demonstra condições ideais para o aparecimento de construções de tópico
sujeito e objeto. Dentre essas condições, destacam-se as construções de tópico sujeito –
sujeito longo, discursivamente importante, com material interferente entre ele e seu predicado,
com o traço semântico [+ animado], introduzindo informação nova ou evocada; e para as
construções de tópico objeto, status inferível ou evocado das entidades, reiteração total ou
parcial de itens ou conceitos – fatores que funcionam como mecanismos coesivos no
desenvolvimento do discurso.
Os exemplos nos mostram que as construções de tópico de Braga integram, tanto a
topicalização, quanto o deslocamento à esquerda, em consonância com as outras pesquisas. O
enfoque é diferente, porém. Enquanto Braga procura caracterizar as condições discursivas
ideais para o aparecimento das construções de tópico sujeito e objeto, Pontes descobre
funções discursivas associadas especificamente à topicalização e a deslocamentos para a
esquerda e Callou et alii (1990) descrevem as condições sintáticas de manifestação dessas
construções.
Numa posição funcionalista, Givón em From Discourse to Syntax (1979) considera
tópico como uma noção discursivo-funcional relacionada com a noção sintático-gramatical de
70
sujeito, constatando que, no desenvolvimento de uma língua, sujeitos sentenciais são
derivados diacronicamente de tópicos gramaticalizados, de modo que, construções em
princípio pragmaticamente frouxas evoluem para construções sintaticamente formalizadas.
Ressalva, porém, que a gramaticalização de tópicos em sujeitos não significa que a língua
tenha perdido a topicidade e sim que as construções de tópico passaram a ser codificadas
gramaticalmente adquirindo propriedades morfossintáticas de sujeito.
Já em Topic Continuity in Discourse (1983), Givón salienta para o fato de que tópico
não é uma função simples, mas constitui domínio funcional complexo identificado como grau
de acessibilidade do tópico; não é uma entidade atômica, discreta na frase, mas manifesta-se
num continuum, sendo, portanto, uma noção escalar. O autor propõe uma escala, abrangendo
aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos, que reflete a codificação do grau de
continuidade do tópico:
Tópico mais contínuo/acessível

anáfora zero

pronome átono

pronome tônico

SN definido deslocado para a direita

SN definido em ordem neutra

SN definido deslocado para a esquerda

SN em topicalização contrastiva (movimento Y)

Construção clivada/de foco

SN indefinido referencial
Tópico mais descontínuo/inacessível
O autor faz a associação de graus de topicidade depreendidos pela distribuição dos
SNs na frase a uma hierarquia de casos semânticos e a outra de casos gramaticais:

AGT > DAT/BEN > PAC > OUTROS

SUJ > OD > OUTROS
Estabelece assim forte correlação entre as categorias de tópico primário/ agente/
sujeito, e as de tópico secundário/ paciente/ objeto direto (e mostrando que quando há dativo/
benefactivo presente na frase, esse elemento tende a ser codificado como objeto direto). No
exemplo abaixo, os elementos destacados funcionam, respectivamente, como tópico primário/
sujeito e tópico secundário/ objeto.
e. João, nós o vimos ontem.
f. João, ele veio ontem.
71
No primeiro caso, “João” é tópico primário e “nós” o sujeito. No segundo, o tópico
primário e o sujeito são correferenciais.
Givón concebe o tópico como uma noção discursiva que se realiza como um elemento
constituinte da frase, logo, sempre codificado pelo falante e concretamente percebido pelo
ouvinte. É o tópico discursivo manifestando-se no âmbito da frase. Avança-se em relação às
abordagens iniciais desta seção nos seguintes aspectos: tópico deixa de ser concebido como
continuum (concepção esta que o próprio autor vem a descartar posteriormente); deixa de
estar necessariamente associado à primeira posição no enunciado (a menos que seja tópico
primário), não implica, necessariamente, ruptura ou deslocamento na ordem das palavras na
frase.
Em Syntax – A Functional-Typological Introdution (1990), Givón rediscute a noção de
escala anteriormente atribuída ao tópico, assumindo que a topicidade implica uma
organização discreta dos participantes no discurso. Como justificativa, o autor ratifica Dubois
(1987), ao considerar que o número de argumentos nominais no discurso raramente excede a
dois por oração (o que, segundo o autor, descarta a idéia de continuum). Partindo do fato de
que as evidências de ser o sujeito mais tópico que o objeto direto, e de ser este mais tópico
que o indireto, pode-se inferir que estes tópicos são indícios do caráter discreto da
organização discursiva. Givón acaba admitindo que a linguagem parece codificar somente três
níveis discretos de topicidade dos participantes:

Tópico principal = sujeito

Tópico secundário = objeto direto

Não tópico = todos os outros casos
Considerar o tópico como uma entidade discreta, isolável em diferentes posições na
frase não implica, porém, deixar de reconhecer o aspecto de continuidade/ descontinuidade de
um tópico no fluxo do discurso. Um participante pode se manter no discurso como tópico
contínuo primário em várias frases, pode alternar as funções de tópico primário e secundário
em frases consecutivas ou não, ou pode sair temporariamente do fluxo discursivo. Estas
diferentes possibilidades vão corresponder a diferentes estratégias de codificação por anáfora
zero ou pronome átono. Tópicos não contínuos à curta distância serão mais codificados como
pronome tônico e assim por diante.
Tratando especificamente das construções de topicalização que envolvem o uso
pragmático da ordenação vocabular, Givón as relaciona à descontinuidade do tópico,
destacando: construções existenciais apresentativas (com SN indefinido), deslocamento para a
72
direita, construções de foco contrastivo (clivadas e movimento Y), promoção de objeto
indireto a objeto direto (dative-shifting), promoção de argumento de oração subordinada a
argumento de principal (raising). Essas construções de topicalização interagem com outros
mecanismos de codificação do tópico, tais como: anáfora zero, pronominalização, sintagma
nominal pleno definido e indefinido, constituindo-se, segundo o autor, num dos principais
focos na organização da gramática de uma língua.
A escolha desses mecanismos gramaticais pelo falante é restringida por duas
propriedades do referente: a acessibilidade referencial (que tem a ver com o julgamento do
falante sobre quão acessível está o referente para o ouvinte, dado o contexto discursivo
anafórico), e a importância temática (que é vinculada ao julgamento do falante a respeito de
quão importante é o referente em termos do discurso catafórico). Esses julgamentos do falante
norteiam a seleção das estratégias de codificação do referente, que passam a funcionar como
instruções para o ouvinte relativas à acessibilidade ou à importância do referente tópico. A
topicidade pragmática fica, assim, estreitamente relacionada com a referencialidade
semântica.
5.1.3 Tópico no plano discursivo: âmbito do texto/discurso
Trabalhando com textos escritos, Garcia (1972) enfatiza a posição inicial do parágrafo
como sendo o lugar, por excelência, do tópico. O autor fala em tópico frasal, caracterizando-o
da seguinte maneira.
(...) constituído habitualmente por um ou dois períodos curtos iniciais, o tópico
frasal encerra de modo geral e conciso a idéia-núcleo, o tópico frasal garante de
antemão a objetividade, a coerência e a unidade do parágrafo, definindo-lhe o
propósito e evitando digressões impertinentes.
Diferentemente das abordagens anteriores, o que o autor denomina de tópico frasal
não corresponde a um elemento que é o tópico da frase e sim a uma frase que é o tópico do
parágrafo, uma espécie de resumo inicial do que vem a seguir. O tópico frasal, assim
entendido, restringe-se ao gênero descritivo e dissertativo, uma vez que, segundo o autor, no
parágrafo narrativo, não há, via de regra, tópico frasal explícito.
Van Dijk (1985) associa tópico à noção de micro e macroestrutura semântica. No nível
micro, o autor trabalha com a dicotomia tópico/comentário, admitindo-as como “funções
73
textualmente dependentes, atribuídas a fragmentos de estrutura semântica das sentenças num
discurso”. No nível global, uma macroestrutura define a coerência de um discurso, indicando
a “questão central ou tópico”, sendo “tipicamente expressa pelo resumo de um discurso”.
Nesse nível macro, o tópico corresponde a uma reconstrução abstrata, não sendo explicitado
diretamente no texto.
Mentis (1988) trabalha com a organização do tópico na conversação e define tópico
como “uma oração ou SN que identifica a questão de interesse imediato e que fornece uma
descrição global do conteúdo de uma sequência de enunciados”. Segundo a autora, o tópico
não precisa aparecer explicitamente no discurso: uma denominação lhe é atribuída (por ex.: O
natal) indicando o que os falantes estão conversando e identificar o interesse central num
trecho de discurso. A autora trabalha, ainda, com as noções de “sequência tópica” (por ex:
nascimento de Jesus) – conjunto de enunciados reunidos sob o escopo de um tópico
denominado; e “subtópico” (por ex: Papai Noel, árvore de natal, presentes) – parte da
sequência tópica principal. Essas sequências mostram também hierarquias.
Nessa mesma linha se posiciona Koch (1992) ao postular que um texto conversacional
pode ser dividido em fragmentos recobertos por um mesmo tópico e que cada conjunto desses
fragmentos irá constituir uma unidade de nível mais alto, assim sucessivamente. Cada uma
dessas unidades, em seu próprio nível, é um tópico. Para distinguir tais níveis hierárquicos, a
autora aborda o tópico através das seguintes divisões: supertópico, quadro tópico, subtópico e
segmentos tópicos. Por exemplo: o supertópico família pode dividir-se em quadros tópicos
como tamanho da família, papel da mulher dentro e fora do lar, etc.; o quadro tópico, por sua
vez, pode indicar papel da mulher dentro e fora do lar, que pode recobrir subtópicos como
trabalho com os filhos adolescentes, etc.
Outro trabalho sobre as Construções de Tópico que pode ser destacado é o da linguista
Belford (2006) que com uma amostra da fala da comunidade linguística da cidade do Rio de
Janeiro investiga a realização do uso das CT e DE, bem como os contextos linguísticos e
extralinguísticos que as favorecem. Assim como nesta pesquisa, a autora também encontrou
um baixo número de ocorrências de Top e DE em relação à estrutura canônica. Para a ordem
variável do objeto, a autora encontrou 18% de Top e a variação entre estruturas com retomada
de pronome e sem retomada de pronome como sujeito, um número de apenas 15% para DE.
74
5.1.4 A ordenação vocabular
Os estudos de ordem tipológica das línguas foram iniciados por Greenberg (1963), que
formulou a ordem dos constituintes na sentença e examinou trinta línguas diferentes com base
na posição do sujeito (S), do verbo (V) e do objeto (O). E estabeleceu as seguintes ordens
lógicas tipológicas das línguas: VSO, SVO e SOV. O português segue o padrão das línguas
SVO.
Como este estudo é voltado para uma língua de uma comunidade oralizada, assim
também são os estudos de base funcionalista, focados na investigação de fenômenos da língua
em situação comunicativa, em contexto de total interação. Segundo Givón (1995), a marcação
é um fenômeno dependente do contexto, devendo, portanto, ser explicada com base em
fatores comunicativos, socioculturais, cognitivos ou biológicos. Postula o autor que as
estruturas em uso na língua se dividem em duas categorias: marcada e não marcada. Esta seria
a mais comum e corrente, enquanto aquela mais rara, usada apenas em casos especiais. Deste
princípio, desdobram-se três subprincípios, a saber:
a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa que a estrutura não
marcada;
b) distribuição de frequência: a estrutura marcada tende a ser menos frequente do que a
estrutura não marcada;
c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais complexa do
que a estrutura não marcada.
O princípio de iconicidade prevê a motivação na relação entre forma e significado.
Deste postulado partem também três subprincípios:
a) Quantidade: quanto maior a quantidade de informação, maior quantidade de forma. A
complexidade de pensamento tende a se refletir na complexidade de expressão.
75
b) Integração: diz respeito à proximidade ou adjacência; conteúdos mais próximos
cognitivamente também estarão mais integrados no nível de codificação, o que está
mentalmente junto, coloca-se sintaticamente junto.
Perini em seu artigo (2011:139) define que a variedade do português falado hoje no
Brasil seria um padrão, já que é aceito e usado pela grande maioria da população urbana com
certa escolarização. O autor prossegue declarando ainda que nesse mesmo caminho, existem
algumas variedades não padrão, utilizadas nas zonas rurais e por pessoas de pouca
escolaridade nos centros urbanos. Por fim há uma língua padrão escrita, que difere bastante de
todas as variedades faladas e que ainda se espelha no modelo do português escrito clássico
que vigorou até princípios do século XX.
Já na página 152 de seu artigo, encontram-se as construções de tópico, onde Perini
define como “Uma característica muito saliente do PB são as construções de tópico, ou seja,
sentenças construídas sobre a oposição tópico/comentário, em vez da estruturação sujeito
predicado. Aparentemente, as construções de tópico não são majoritárias no discurso corrente,
mas sua ocorrência não é marginal e compõe uma boa percentagem das estruturas em uso
corrente”.
76
6 METODOLOGIA
Quando se fala sobre o uso e variação da língua, deve-se levar em conta qual o tipo de
abordagem teórica se tomará por base.
Durante muito tempo os estudos sobre as línguas foram baseados nos gramáticos
tradicionalistas e não mostraram resultados concretos de pesquisas de base empírica. No
momento em que a linguística surge, inicialmente com a abordagem estruturalista, é que
começa a dar resposta a questionamentos. No entanto, essa abordagem também não responde
nem dá o suporte necessário a todas as questões da variação e mudança da língua.
As limitações dos modelos formalistas levaram pesquisadores como Labov a questionar
o tipo de abordagem que até então se fazia:
Uma visão acurada da mudança histórica torna-nos crescentemente cépticos em
relação ao valor de limitações sobre os tipos de dados que podem ser considerados;
como, por exemplo, que o linguista explique os eventos lingüísticos somente através
de outros eventos linguísticos. Seria esperado que a aplicação da Linguística
Estrutural aos problemas diacrônicos levasse a um enriquecimento dos dados e não
ao seu empobrecimento. (LABOV, 1972)
Apenas com o surgimento da sociolinguística as características fundamentais para o
conhecimento de uma língua como a variação e mudança foram se desenvolvendo e servindo
de base para inúmeras pesquisas no campo da linguística.
Não se pode mais seriamente defender que o linguista deve limitar suas explicações
da mudança às influências mútuas dos elementos linguísticos, definidos pela função
cognitiva. Nem se pode argumentar em qualquer sentido sério que o sistema
linguístico em mudança é autônomo. (...) não é possível concluir uma análise das
relações estruturais dentro de um sistema linguístico, sem considerar as relações
externas. (LABOV, 1972)
A sócio-história e a cultura de uma comunidade estudada pode ser levada em conta
com o modelo teórico da sociolinguística variacionista, essencial para uma análise completa
de uma dada comunidade.
77
6.1 As Etapas da Análise
A pesquisa do comportamento da fala das comunidades sob a perspectiva do modelo
funcionalista (Givón, 1995; Votre, 1992), que deve ser descrita e esclarecida dentro de um
quadro geral fornecido pelo sistema pragmático da interação verbal (Dik; 1989), busca
fundamentalmente caracterizar os aspectos linguísticos em termos da dicotomia variação
estável versus mudança em curso, dentro do que se denominou estudo da mudança em tempo
aparente (Labov, 1972; 1982). Labov salienta que é possível captar mudanças através da
análise distribucional quantitativa de variáveis em diferentes faixas etárias.
Nesta tese, a análise se volta para uma amostra de fala das comunidades de Barra e
Bananal, situadas no Município de Rio de Contas, no Estado da Bahia, recolhida em janeiro
de 1994, com a seguinte estratificação de variáveis: 18 entrevistas, com duração de 45 a 60
minutos cada, gravadas com dezoito informantes distribuídos equitativamente por três faixas
etárias (Faixa I, de 20 a 40 anos; Faixa II, de 41 a 60 anos, e Faixa III, mais de 60 anos) e
pelos dois sexos.
Os procedimentos adotados durante as entrevistas conduzidas por um pesquisador,
com apoio de um membro da comunidade, tiveram por objetivo extrair registro de fala o mais
informal possível, dentro das condições normais de coleta de material linguístico (Baxter &
Lucchesi, 1993). Pode-se, portanto, dizer que se trata de uma amostra da fala vernácula das
comunidades (Labov, 1966; 1972).
A formalização dos aspectos linguísticos foram analisados em termos de regras
variáveis operantes em um sistema linguístico heterogêneo e variável apóia-se nos princípios
teóricos da Sociolinguística Variacionista (Weinreich, Labov & Herzog, 1968; Labov, 1966,
1972 e 1982). No modelo da sociolinguística quantitativa laboviana, a variação não é vista
como um fenômeno aleatório, mas como um processo sistemático que se define pela sua
interação com outros fatos também variáveis da estrutura linguística e com os fatores que
atuam ao nível da estrutura social da comunidade e da estrutura da língua.
Portanto, as variáveis que expressam os aspectos linguísticos característicos da comunidade
de fala são formalizadas como uma função de outras variáveis da estrutura linguística, bem
como das variáveis que expressam os fatores sociais intervenientes no processo. Para o
tratamento estatístico dos dados, suporte para a análise variacionista, foi utilizado o pacote de
programas GOLDVARB X (cf. Sankoff, D., Tagliamonte, S., Smith, E., 2005).
78
Quanto à formalização analítica, cada um dos aspectos linguísticos considerados na
variedade falada em Barra e Bananal é tomado como uma variável dependente, especificandose os seus valores, consoante o nível da estrutura em que o problema é abordado. As demais
variáveis da estrutura linguística e as variáveis da estrutura social a que a variável dependente
é correlacionada são definidas como variáveis independentes, e se postula que estas atuem
sobre o comportamento de cada variável dependente.
A amostra para análise das comunidades de fala de Barra e Bananal permite a
consideração das seguintes variáveis sociais: faixa etária, sexo, nível de escolaridade e estada
fora da comunidade. A análise dessas variáveis sociais pode fornecer evidências empíricas
satisfatórias para se definir os processos de variação analisados como processos de mudança
em curso ou de variação estável.
Em princípio, a afirmação de que um determinado fenômeno variável reflete um
processo de mudança em curso ou uma variação estável só tem valor categórico se
corroborada por dados em tempo real. Nesse estudo, conta-se com dados do tempo aparente.
Assim, pode-se apenas fazer conjecturas sobre o que estaria ocorrendo diacronicamente
(Labov, 1981).
A variável primária na definição entre variação estável e mudança em curso é a faixa
etária. No primeiro caso, obtém-se um padrão curvilinear com o ápice das formas de prestígio
nas faixas intermediárias. É ponto pacífico entre os linguistas que só se pode falar de mudança
em progresso quando se observa uma gradação nas faixas etárias, em que os mais jovens
apresentam os maiores valores para a variante inovadora, e os mais velhos, o padrão mais
conservador (cf. Chambers & Trudgill, 1980). Desse modo, o padrão mais conservador deverá
situar-se na faixa etária III, constituída por falantes de mais de 60 anos, enquanto que o
padrão mais inovador deverá ser observado entre os falantes mais jovens da faixa I (de 20 a
40 anos).
Não obstante o resultado favorável obtido na variável faixa etária, a análise de outras
variáveis sociais foi necessária para se caracterizar melhor o processo de mudança em curso.
Desse modo, durante a análise, observou-se o comportamento de outras variáveis sociais,
levando-se em conta também o prestígio das variantes (Labov, 1972 e 1981; Oliveira, 1982).
Labov fez o primeiro estudo da mudança em seu contexto social, em 1963, na
comunidade de Martha’s Vineyard, uma ilha no estado de Massachusetts, EUA. Depois disso,
foi seguido por outros linguistas que utilizaram a mesma perspectiva, ao demonstrar a
79
extrema importância dos condicionantes sociolinguísticos para se entender a complexidade
dos usos linguísticos dinâmicos.
Desse modo, busca-se apreender o tempo real, onde se dá o desenvolvimento
diacrônico da língua, no chamado tempo aparente. O tempo aparente constitui, assim
uma espécie de projeção. (Lucchesi, 2001)
6.2 Grupo de fatores
1.
Variável Dependente Binária
Sintagma Nominal Pleno sem tópico
17. A gente pranta a roça.
SN
SV
Sintagma Nominal com tópico
18. Minha prima... ela mora... ela mora... ela ta ni Curitiba.
SN Top
2.
Sexo
feminino
masculino
3.
Idade
20 a 35
36 a 45
46 a 55
56 a 77
Pron
80
4.
Escolaridade
analfabeto
semianalfabeto
5.
Estada fora da comunidade
nunca
1 a 6 meses
+ de 6 meses
6.
Presença de Pausa
presença
ausência
7.
Traço [±Humano]
[+animado] [+humano]
[+animado] [-humano]
[-animado]
8.
“Peso” do SN:
Ate 7 sílabas
8 silabas ou mais
9.
Estrutura do SN:
a. Sem topicalização:
22. Meu pai era filho daqui do Bananá. (pag. 124, inf. 13)
SN
c. Tópicos com pronome lembrete: (SN) = Top
23. Cascavé... Ele é difici da gente vê ele aqui. (pag. 119, inf. 07)
SN Top Pron
81
24. Carmo e o irmão dele, eles arrumam com algum motorista. (pag. 123, inf. 11)
SN Top
Pron
d. Tópicos com pronome lembrete: (Art+N) = Top
25. A cana tem que sê crua. Ela chega cunzida do fogo.
SN Top
Pron
26. É... A garapa é. Ela... Quand’a gente prepara...
SN Top
Pron
d. Tópicos com pronome lembrete: (Poss+N) = Top
27. Meu pai... ele sempre garimpava aí.
SN Top
Pron
e . Tópicos com pronome lembrete: (Art def+N+Adj) = Top
28. O fio mais velho tem seis... Ele vai fazê seis ano.
SN Top
Pron
f. Tópicos com pronome lembrete: (Art Indef+N+Adj) = Top
29. É uma manguerona... Ela é uma manguerona grossa assim.
SN Top
Pron
g. Tópicos com pronome lembrete: (Dem+N) = Top
30. Essa segunda... Ela era uma menina muito forte. (pag. 124, inf. 11)
SN Top
Pron
31. Esse povo lá... Ele muito cortez cu'a truma. (inf. 09)
SN Top
Pron
32. Esses menino, eles era pequeno assim.
SN Top
Pron
10. Material interveniente entre o SN e o predicado
82
a. Nenhum Material:
33. Cascavé... Ele é difici da gente vê ele aqui. (pag. 119, inf. 07)
SN Top Pron
b. Com Material:
34. Mas... Escola, antigamente, num usava muito escola, né?
SN Top
35. Marido... assim... ele era guarda, sabe? (114, inf 04)
SN Top
Pron
Com material interveniente/sem material interveniente
c. coexistência de material interveniente diferente:
36. Aqui tem uma escolinha... [pequenininha]... Boba aí, mas no... Num... Num tem luz...
SN Top
Não tem nada... Aqui tá escuro. (pag. 127, inf. 20)
Alguns deslocamentos à direita (DD) também foram encontrados, porém como foram
poucas ocorrências o programa GOLDVARB não reconheceu, deste modo, foi necessário
colocar juntamente com as demais topicalizações e deslocamentos a esquerda, ou seja, tanto
as DE como as DD foram colocadas juntas e classificadas como
topicalizações – as
construções de tópico de uma maneira geral.
Vejamos alguns exemplos de DD:
37. Achei legal... A cidade. (pag. 117, inf. 05)
SN Top
38. A gente põe aí no terreiro aí ele seca com o sol. É a garapa. (pag. 118, inf. 07)
SN Top
83
7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS
As topicalizações nas comunidades de Barra e Bananal não são típicas como as
descritas nas gramáticas, quando encontradas, são muitas vezes de palavras repetitivas e as de
pronome lembrete também são muito corriqueiras.
A utilização das construções de tópico demonstra a falta de habilidade do falante,
hesitação na fala e a pouca escolaridade dos falantes; o que é comprovado pelos resultados
obtidos.
Para fins de tratamento dos dados, lançamos mão de análise multivariacional de base
quantitativa tipicamente laboviana. Das variáveis independentes controladas, sexo/gênero não
mostrou relevância estatística, uma vez que os falantes femininos apresentaram 16% de
topicalizações similarmente aos falantes masculinos com 16.8%, o que significa que as
topicalizações são empregadas por todo o universo da amostra sem distinção de natureza
sexo/gênero.
Em contrapartida, os quantitativos referentes à variável idade (conferir tabela 1
abaixo) apontam para mudança em tempo aparente (Labov 1972 e 1994). Os falantes mais
jovens, de faixa etária entre 20 a 35 anos, apresentam 17 % de topicalizações, comparados a
21% dos empregos dos mais velhos, com mais de 46 anos. Vale notar que os sujeitos entre 36
a 45 anos (faixa etária intermediária) apresentam queda significativa de emprego de
topicalizações (9,6%) de topicalizações justificada pelo fato de que se trata do grupo de
sujeitos que mais costumam sair para trabalhar fora da comunidade. Assim, os resultados
atestam que o efeito do contato é bastante saliente (conferir resultados expostos na tabela 3),
dado que a aplicação da regra (uso de topicalização) diminui de acordo com o nível contato:
quanto maior o contato com outras comunidades, as construções mais se aproximam da ordem
canônica, reduzindo-se os recursos de topicalização e de deslocamentos de sujeito.
Para efeitos de encadeamento do raciocínio, examinemos primeiramente os resultados
relativos à variável idade.
84
Tabela 1: Efeito da variável idade em relação ao emprego de topicalizações:
Percentual
Tópico/Total
Peso relativo
20 a 35 anos
120 / 704
17.0%
22.8
36 a 45 anos
104 / 1083
9.6%
35.0
+ de 46 anos
281 / 1307
21.5%
42.2
Grafico 8: Relação entre o uso de topicalizações com a variável idade dos falantes
DISTRIBUIÇÃO DE EMPREGO (EM PERCENTUAIS) DE
TOPICALIZAÇÕES QUANTO A FAIXA ETÁRIA
20 a 35 anos
36 a 45 anos
> de 46 anos
23%
42%
35%
Vejamos alguns exemplos de topicalizações nas três faixas etárias estratificadas na amostra:
Faixa etária I: (pg. 110, inf. 01)
1. Doc.: E lembra da construção da barragem?
Inf. 01: Quando começô?
Doc.: É. E a barragem... E que, como é que... o que é que... melhorô ô piorô a vida aqui
Inf. 01: Ah... A barragem pra gente aqui... Ela pra gente aqui foi boa nada.
Faixa etária II: (pg. 113, inf. 04)
2. Doc.: É... A senhora é nascida aqui?
Inf. 04: É.
Doc.: E... Os pais da senhora também?
Inf. 04: Hum... Hum... Meu pai foi aquele mesmo que foi lá...
85
Faixa etária III: (pg. 119, inf. 08)
3. Doc.: E lacraia?
Inf. 08: Lacraia aqui também aparece bastante.
Considerando-se diferentes gerações de falantes, pode-se verificar a variação
sistemática entre variáveis linguísticas e sociais. É de se supor que esteja havendo discreta
mudança linguística, pois os quantitativos revelam maior frequência de ocorrências de formas
inovadoras na fala dos mais jovens da comunidade e tendência à conservação de padrões
(estruturas topicalizadas) na fala dos mais velhos, configurando uma distribuição inclinada.
Num processo de variação estável, essa distribuição seria plana, de modo que é razoável
levantar a hipótese de mudança de padrão pela técnica de tempo aparente, já que não temos
amostras semelhantes mais recentes com a mesma configuração, tampouco dispomos de
falantes regravados hoje da amostra original. Se assim fosse, seria possível proceder a estudo
em tempo real.
As considerações desenvolvidas referentes à variável idade fundamenta a hipótese de
que haveria uma mudança em curso nos padrões coletivos de comportamento linguístico da
comunidade de fala de Barra e Bananal. É de se supor, então, mediante a ação de fatores
sociais, econômicos e culturais que a ordem canônica SVO começou a figurar no português
falado em Barra e Bananal, principalmente na fala dos mais jovens, posto que são eles os mais
diretamente atingidos pelas mudanças sociais.
Desta feita, não é de todo impossível postular que o comportamento da variável faixa
etária aponta para mudança aquisicional da gramática por parte de falantes mais jovens de
dialetos populares também em outras partes do Brasil.
Grafico 9: Relação entre o uso de topicalizações com a variável idade dos falantes
FAIXA ETÁRIA
Peso relativo
50
22,8
35
42,2
0
20 a 35 anos
36 a 45 anos
> de 46 anos
86
No gráfico 9 acima podemos ter uma ideia melhor sobre a curva de variação em relação ao
uso de topicalizações.
Tabela 2. Efeito da variável escolaridade em relação ao emprego de topicalizações:
Tópico / Total
Percentual
Peso relativo
Semianalfabetos
329 / 2077
15.8%
32.9
Analfabetos
176 / 1017
17.3%
67.1
Vejamos alguns exemplos:
(pg. 130, inf. 24)
4. Doc.: Não. Eu digo... cê tem viajado fora daqui?
Inf. 24: [Ieu]?
Doc.: É. São Paulo, por exemplo.
Inf. 24: Já fui uma vez.
Doc.: Ah é?
Inf. 24: Já. Sarvador eu tive lá mês de malço, abrile.
O nível de escolaridade tem sido visto como relevante vetor condicionador do uso das
formas linguísticas de maior prestígio social. Ao considerar estudos que analisaram a
influência dessa variável, constatou-se a escolarização como uma das condições necessárias
para o individuo que faça uso da língua consoante a norma padronizada. Scherre (1988), por
exemplo, conclui que dentre os atributos de um falante que faz muita concordância está o
“alto grau de escolarização”. (cf. p. 523)
Em função do baixo nível de escolaridade entre os falantes das comunidades, dividiu-se
entre aqueles que possuem o nível primário, os que tiveram um contato mínimo com o
letramento, mesmo que pouco, como semianalfabetos, que sabem apenas escrever o nome, e
os que nunca estiveram em contato com a escola, como analfabetos. Infelizmente, apenas os
falantes que possuem um nível maior de instrução concentram-se na faixa etária mais jovem,
pois foram beneficiados com os novos programas de educação pública, ainda que precários,
como salienta Lucchesi (2000: 293) em sua análise da concordância de gênero na comunidade
de Helvécia, pois a variável escolaridade não foi selecionada, entretanto, o autor observa que
87
há uma frequência de concordância de 98% entre os falantes com alguma escolarização
enquanto que essa frequência diminui entre os informantes sem escolaridade (94%):
Não devemos deixar de ter em mente a precariedade de tais programas, de modo a
sermos bem cautelosos antes de fazer qualquer afirmação sobre os efeitos
linguísticos da escolarização no meio rural. Em muitos casos, os professores
recrutados nesses programas são muito mal preparados; e, sob a ótica do padrão
linguístico normativo, praticamente não se diferenciam dos seus alunos. ( Lucchesi,
2000: 293)
Gráfico 10: Relação entre o uso de topicalizações com a variável escolaridade
67,1
70
60
50
32,9
40
30
20
10
0
Semianalfabetos
Analfabetos
O gráfico 10 é relativo ao uso de topicalizações quanto à variável nível de escolaridade
do falante. O programa calculou os pesos relativos 67.1 e 32.9 numa escala mais aproximada
para gerar o gráfico.
Dada a notória importância da variável escolarização, lança-se mão desta com o
intuito de observar o seu efeito sobre o fenômeno gramatical analisado, embora já se tenha a
informação de que, entre os informantes da amostra, praticamente, não seria possível
estabelecer distinção entre escolarizados e aqueles sem escolarização, visto que na
comunidade não se desenvolveu, até a década de 90, a cultura de aprofundamento escolar, por
isso não foram encontrados pessoas adultas plenamente alfabetizadas.
Embora os resultados fujam ao padrão, são considerados reflexos da realidade, na
medida em que o ensino não exerce, na comunidade de Barra e Bananal, influência sobre o
rendimento escolar dos adultos. Em primeiro lugar, muitos dos informantes da amostra que
foram classificados como semianalfabetos não tiveram um ano sequer de estudo. Pode-se
88
levar em conta, também, que até mesmo as instituições públicas de ensino da zona urbana
funcionam precariamente e com um quadro de profissionais, muitas vezes, mal formados. Até
mesmo leigos que não dominam de forma efetiva a variedade culta da língua portuguesa, não
podendo, dessa forma, ampliar o universo dialetal de seus alunos. Na zona rural esse quadro é
ainda mais grave, mesmo que se encontrem em zonas afastadas, profissionais capacitados, não
se pode obscurecer o fato de que muitos alunos não conseguem aprender simplesmente
porque não entendem a variedade linguística de seu professor.
Tabela 3. Efeito da variável contato fora da comunidade em relação ao emprego de
topicalizações:
Percentual
Tópico / Total
Peso relativo
Já saíram
291 / 2052
14.2%
66.3
Nunca saíram
214 / 1042
20.5%
33.7
Grafico 11: Relação entre o uso de topicalizações com a variável contato fora da
comunidade
Nunca saíram
66,3
33,7
Já saíram
0
10
20
30
40
50
60
70
89
5. 11 meses fora da comunidade. (Inf. 11, pag.124)
Doc.: A senhora aprendeu a assinar o nome, não?
Inf. Aprendi. É. Eu posso dize que eu não fiquei na escola. Fiquei um mês e quinze dia
na escola. É. Mas foi de minha vontade assim, então ora que a gente tinha que trabaiá
pra compra um lápis, tinha que trabaiá pra compra um caderno, o abc chamado, né...
Então meu pai, nada disso ele não dava.
6. Nunca saiu da comunidade. (Inf. 13, pag.125)
Doc.: A senhora nunca foi a São Paulo?
Inf.: Não senhô. Quem sempre vai a São Paulo é meu marido, mas'eu não nunca fui!
Doc.: Hum! E gostaria de ir?
Inf.: Ele?
Doc.: A senhora.
Inf.: Eu...? Sei lá! ININT. Eu tenho vontade de ir na Aparecida.
Inf.: Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir! Agora, em São Paulo não!
Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir!
7. Passou 6 meses fora da comunidade (Inf. 08, pag.120)
Doc.: O fumo pega mais?
Inf.: O fumo pega mais do que a cachaça. A cachaça eu bebo todo dia.
8. Passou 6 anos fora da comunidade. (Inf. 04, pag.113)
Inf.: Meu pai foi aquele mesmo que foi lá.
doc: É... A senhora é nascida aqui?
Inf.: É.
Doc.: E... Os pais da senhora também?
Inf.: Hum... Hum... Meu pai... Foi aquele mesmo que foi lá...
9. Passou 6 meses fora da comunidade (Inf. 06, pag.113)
Inf.: Miguel que é funerário que abre a seputura ININT dexô a guia... aí foi qu’ele
marcô lá... quano foi oiá foi poro... foi poromonia.
Doc.: Ah, Pneumonia...
Inf.: Foi. Poromonia A, ela é uma doença forte aquela ali.
90
O fato de uma maior integração social ser um dos fortes condicionantes das mudanças
observadas no português falado em Barra e Bananal confirma-se pelos resultados da variável
contato fora da comunidade. Os informantes foram separados entre os que passaram mais de
seis meses fora da comunidade daqueles que nunca saíram dela e os que se ausentaram por
um tempo menor que seis meses.
Os valores correspondentes à primeira distribuição não foram muito consistentes.
Numa nova rodada, modificou-se a hipótese considerando-se dois grupos somente: falantes
que saíram da comunidade e os que nunca saíram. Tal significa dizer que o ponto de corte
passou a ser sair ou não sair da comunidade.
No segundo processamento de dados, com a variável contato então binária, a diferença
percentual foi muito boa entre os dois fatores: 14.2% de frequência de topicalizações para os
falantes que estiveram fora da comunidade e 20.5% para aqueles que nunca saíram da
comunidade. O contato fora da comunidade demonstra ser um fator de extrema relevância
para a emergência de topicalizações. Como podemos observar no gráfico II, o peso relativo
dos que saíram corresponde a 66.3 (o programa aproximou para 66), enquanto que se associa
apenas a probabilidade de 33.7 (34 pelo programa) aos falantes que nunca saíram.
Grafico 12: Relação entre o uso de topicalizações com a variável contato
DISTRIBUIÇÃO DE EMPREGO (EM PERCENTUAIS) DE
TOPICALIZAÇÕES QUANTO AO GRAU DE ISOLAMENTO DOS
FALANTES DA COMUNIDADE ESTUDADA
14,2%
20,5%
91
A consideração da variável contato fora da comunidade baseia-se especialmente na
hipótese de que haveria uma mudança em curso nos padrões coletivos de comportamento
linguístico das comunidades de Barra e Bananal no sentido de que os falantes que mais saem
da comunidade tem mais contato com os padrões da língua portuguesa. Já os que pouco saem
ou nunca saem não tem contato com essa variedade da língua tendem a utilizar a utilização da
estratégia da topicalização e afastam-se da ordem canônica SVO do sistema do português.
Seria possível supor uma hipótese segundo a qual o uso da topicalização na comunidade
decorreria de influências de características internas à comunidade, como a existência de uma
língua de substrato, de característica de tópico, falada por um povo que lá se instalou. Diante
dos resultados, essa mudança seria liderada por aqueles falantes que tivessem maior contato
com o universo exterior à comunidade de fala.
Quanto à relevância das variáveis estruturais, a variável animacidade do referente se
revela, na tabela 4, importante na pesquisa. Pelos números, quando o elemento possui o traço
[+ humano], o fenômeno da topicalização é mais frequente.
Sabe-se que as entidades com o traço [+humano], por usualmente agruparem
numerosos papéis, tendem a ser mais salientes tópica e cognitivamente. O fato de
haver menos cancelamento de pronomes objetos que codificam entidades
[+humanas], de haver maior quantidade de pronomes pessoais em correferência com
entidades humanas testemunha a relevância desse traço. (Braga, 1997: 44)
Grafico 13: Relação entre o uso de topicalizações com a variável animacidade do
referente:
DISTRIBUIÇÃO DO EMPREGO (PESO RELATIVO) DE TOPICALIZAÇÕES
QUANTO AO EFEITO DA VARIÁVEL ANIMACIDADE DO REFERENTE
[+ Humano]
[- Humano]
23,6
76,4
23,6
92
Tabela 4. Efeito da variável animacidade do referente em relação ao emprego de
topicalizações:
Tópico / Total
Percentual
Peso relativo
[+ Humano]
243 / 2365
10.3%
76.4
[- Humano]
262 / 729
35.9%
23.6
Os trabalhos sociofuncionalistas têm atestado que referentes de traço de maior grau de
animacidade tendem a ser focalizados, enfatizados por diversas estratégicas, seja através de
clivagem, da anáfora pronominal em diferentes contextos gramaticais ou por mecanismos de
topicalização. Mollica (1977) mostrou isso de forma precursora nas construções relativas
copiadoras. Está provada a tendência de omitir referentes inanimados como é o caso das
relativas cortadoras.
Podemos observar, na tabela 5, as chances de emergência da topicalização em relação
ao número de sílabas do sintagma nominal. O controle da variável tamanho do SN
topicalizado ou não topicalizado deve-se à hipótese segundo a qual o maior custo de
processamento, que incide em SNs grande, é compensado pela utilização da estratégia de
topicalização na língua: referentes grandes, difíceis de processar são realçados então por
movimentos à esquerda ou à direita da sentença e até por anáforas pronominais. Note que o
elemento topicalizado pode ser todo o sintagma ou apenas parte dele, como podemos observar
em alguns exemplos:
10. Inf. 01 (pag.112)
Doc.: E dessa plantação, qual é a melhó plantação?
Inf.: Ah, aqui o melhó mesmo é o... o fêjão. Porque as ôta... arroz mesmo é pôca gente
que pranta. E arroz aqui também, quase não dá também. Porque num... num tem
aduba, as terra num ajuda também...
11. lnf. 07 (pag.118)
Minha avó morava... era... ela... morava...
93
Tabela 5. Efeito da variável peso do SN em relação ao emprego de topicalizações:
Percentual
Tópico / Total
Peso relativo
SN até 7 sílabas
326 / 2780
11.7%
10.1
SN de + 8 sílabas
179 / 314
57%
89.9
Sob a mesma alegação (muito material linguístico presente no SN), a tabela 6 a seguir,
que expõe os resultados quanto à variável material interveniente entre o SN e o predicado, nos
revela um ponto importante da pesquisa. Quanto maior a sentença ou a distância entre o SN e
o predicado, maior a tendência de o falante realizar a topicalização. O falante se utiliza da
topicalização como um recurso estratégico de que dispõe na língua para dar relevo, no
momento propício, ao que discursivamente é importante ser realçado.
Grafico 14: Relação entre o uso de topicalizações em relação com a variável peso do SN
SN até 7 sílabas
SN de + 8 sílabas
10%
90%
94
Tabela 6. Efeito da variável material interveniente entre o SN e o predicado em relação
ao emprego de topicalizações:
Percentual
Tópico / Total
Sem material
Existência
de
Peso relativo
273 / 2511
10.9%
18.8
232 / 583
39.8%
81.2
material
Grafico 15: Relação entre o uso de topicalizações com a variável material interveniente
entre o SN e o SV
Sem material
Existência de material
18,8
81,2
Exemplos:
12. Inf. 07 (pag.118) F semianalfabeta (nunca saiu)
Ana Maria, que era minha amiga, ela estuda em Livramento hoje em dia.
13. Inf. 04 F analfabeta (6 anos – SP)
Verdura mesmo... lá é mais difícil.
Das variáveis examinadas, os vetores mais relevantes para a emergência da estratégica
de topicalização são de natureza psicolinguística, que decorrem da necessidade de os falantes
lançarem mão de estratégias de tópico quanto é grande o custo de processamento dos SNs.
95
Cabe informar que o pacote GOLDVARB escolhe sempre, em quaisquer dos processamentos
a que procedemos dos dados, as variáveis tamanho do SN e material interveniente.
Como já salientamos, outro grupo selecionado com prioridade maior é o relativo ao
contato da comunidade ou ao isolamento dos falantes dentro da comunidade. Mais relevante
que o letramento, tal variável nos leva à hipótese já comentada da existência de uma possível
língua de substrato na região de proeminência de tópico caracteristicamente. Nosso estudo
não pode, no entanto, provar tal suspeita em decorrência de ausência, até o momento, de
documentos históricos sobre que tipos de línguas faladas existiam em Barra e Bananal,
originalmente nativas dos escravos que se estabeleceram na região.
Grafico 16: Scattergram:
O Scattergram acima demonstra a taxa de probabilidade em relação à regra de
aplicação quanto ao número de topicalizações totais. Cada ponto assinala um falante
individual de acordo com o uso da regra.
96
Conclusão da análise das variáveis sociais
Nessas conjecturas, se coloca para a investigação da variação e mudança da língua a
necessidade de se correlacionarem fatores linguísticos e extralinguísticos, estabeleceram-se os
grupos de fatores faixa etária, sexo, escolaridade e, ainda, buscando verificar como o contato
do falante com o universo exterior à comunidade pôde interferir no seu desempenho em
relação ao uso das topicalizações no SN. A consideração dessa última variável, em particular,
a escolaridade, fundamenta-se na hipótese de que haveria uma mudança em curso nos padrões
coletivos de comportamento linguístico das comunidades de Barra e Bananal no sentido do
uso da topicalização, e que essa mudança decorreria de influências externas à comunidade.
Nesse sentido, essa mudança seria liderada por aqueles falantes que tivessem maior contato
com universo exterior à comunidade de fala.
A presente pesquisa nos leva a novas questões e hipóteses. O estudo abre uma porta
para a investigação do fenômeno em culturas ágrafas de modo a atestar a hipótese central em
corpora do PE. Cabe perguntar em que nível se pode afirmar que o PE possui também tal
princípio. Abre portas ainda para o português em África. Em estágio pós-doutoral,
pretendemos voltar atenção especial para os crioulos de base portuguesa, talvez a chave para
muitas respostas ainda em aberto.
Enquanto que nesta pesquisa o que se esperava era que os mais jovens copiassem
menos, ou seja, utilizassem a estratégia de topicalização bem menos, a pesquisa mostrou
resultados inesperados. A faixa etária II, de 36 a 45 anos apresentou apenas um percentual de
9,6% topicalizações.
Em função desses resultados a pesquisa tomou novos rumos e apontou para outra
hipótese – a da crioulização prévia.
Esta não surgiu por acaso. Por trás da comunidade há um histórico de uma possível
crioulização prévia no aprendizado precário do português pelos aloglotas, a nativização.
No plano sócio histórico, viu-se que o contato entre línguas, durante o século XIX,
período em que provavelmente prevaleceram dialetos africanos no território nacional,
determinou uma ordem rígida e inflexível dos constituintes do sintagma nominal e verbal.
Desses dialetos africanos, a variedade linguística de Barra e Bananal – BA herdou essa
rigidez, ou seja, a ordem vocabular SVO.
97
Os vestígios de uma variedade que se constituiu no bojo do contato com línguas
africanas, especialmente dos grupos banto e kwa e com outras línguas europeias estão dando
lugar a aspectos típicos das variedades “mais comuns” do português do Brasil. De qualquer
sorte, o dialeto de Barra e Bananal ainda é um documento vivo das profundas alterações
porque passou a língua portuguesa aqui no Brasil, quando dos primórdios de sua formação.
De fato, essa hipótese não foi abandonada por completo, apenas deixada de lado.
Quando surgiram os resultados negativos em relação à mostra e positivos em função à questão
da crioulização, foi impossível não dar atenção a tal fato.
De acordo com o professor Couto (1999) e outros estudiosos da crioulística é sabido
que a ordem das palavras nas línguas crioulas é mais rígida. A sua grande maioria não permite
flexibilidade na ordem dos constituintes como no português.
O que se entende em línguas crioulas de um modo geral é que se colocarmos qualquer
palavra antes do verbo, esta mudará de objeto para sujeito, modificando todo o sentido da
oração.
Isso pode ser um vestígio de uma crioulização prévia do português.
Vejamos esse texto de Hildo Honório do Couto:
Já foi sugerido que a sintaxe surge para evitar ambiguidades. Diante de um evento
experienciado como um caçador conhecido que matou um leão do qual a
comunidade tem conhecimento, o falante tem que saber como atribuir as funções de
agente e paciente da ação apropriadamente. No caso em tela, a mensagem tinha que
ser formada no crioulo português da Guiné-Bissau, que exige que se formule E
(experienciador) como se vê em (6).
(6) omi mata lion ' o homem matou o leão'
(6') lion mata omi 'o leão matou o homem'
Nessa língua, bem como na maioria dos crioulos do mundo, a função sintática é
indicada pela ordem das palavras. Assim, a palavra que vem antes do verbo
exerce a função de sujeito da oração, e se refere ao ser que tem o papel de agente
da ação indicada pelo verbo. A palavra que vem depois do verbo é o objeto (direto,
no caso), e se refere ao ser sobre o qual recai a ação indicada pelo verbo. A prova
decisiva de que é a ordem que está indicando as funções sintáticas (e os papéis
semânticos respectivos) é o fato de que se invertermos a ordem dos dois
substantivos, como se vê em (6'), as funções sintáticas se mantêm, mas os papéis
98
semânticos de agente e paciente se invertem: o ser que em (6) era agente passa a ser
paciente, e vice-versa. (Couto, 1999)
A
ordem
básica
de
palavras
das
línguas
crioulas
em
geral
é
SVO
(Couto, 1999; Bruyn, Muysken & Verrips 1999; Michaelis & Haspelmath 2003). A hipótese
da crioulização se mostrou ainda mais forte quando conjugadas as variáveis:
Tabela 7: Cruzamento1 - Escolaridade X Contato
Semianalfabetos
Sim
240 Top
Não
89 Top
Total de oco
329/2077 Top/total
Analfabetos
14 %
51 Top
25 %
125 Top
16%
15%
18%
176/1017 Top/total
17%
Aqui os dados se confirmam, os que mais realizam construções de tópico são os que
nunca saíram da comunidade.
Tabela 8: Cruzamento2: Idade X Escolaridade
Idade I
Semianalfabetos
120 Top
Analfabetos
0 Top
Total de oco
Idade II
Idade III
17 %
82 Top
9%
127
28%
0%
22 Top
14%
154
18%
120/704 Top/total
104/1083 Top/total
281/1307 Top/total
17 %
10%
21%
O resultado de 0 (zero) ocorrências num total de topicalizações para os jovens é
decorrente do fato de que não há jovens que se declarem analfabetos entre os informantes da
amostra.
Tabela 9: Cruzamento3: Idade X Contato
Idade I
Idade II
Sim
85 Top
14 %
104 Top
Não
35 Top
31 %
0 Top
Total de oco
Idade III
10%
102
27%
0%
179
19%
120/704 Top/total
104/1083 Top/total
281/1307 Top/total
17%
10%
21%
99
O traço [+humano] deveria ser mais focalizado, porém, não ocorreu como
esperado, mas confrontado com as tabelas 10 e 11 abaixo, que apresenta o peso
relativo 76,4 podemos perceber que está de acordo com o esperado.
Tabela 10: Cruzamento 4: Escolaridade X Traço humano
Semianalfabetos
Analfabetos
+ humano
161 Top
10 %
82 Top
11%
- humano
168 Top
39 %
94 Top
32%
Total de oco
329/2077 Top/total
16%
176/1017 Top/total
17%
A hipótese aqui é confirmada pelo programa, pois quanto maior o sintagma,
maior a probabilidade de o falante realizar estratégias de realce na fala.
Tabela 11: Cruzamento 5: Traço humano X Peso do SN
+ humano
- humano
Até 7 sílabas
155 Top
7%
171 Top
30%
Mais de 7 sílabas
88 Top
55 %
91 Top
59%
Total de oco
243/2365 Top/total
10%
262/729 Top/total
36%
Aqui o peso do elemento topicalizado mostrou-se mais relevante que o material
interveniente.
Tabela 12: Cruzamento 6: Peso do SN X Material interveniente
Até 7 sílabas
Mais de 7 sílabas
Nenhum material
196 Top
8%
77 Top
56%
Existência de material
130 Top
32 %
102 Top
58%
Total de oco
326/2780 Top/total
12%
179/314 Top/total
57%
O resultado geral e o percentual de poucas topicalizações mostra um quadro de
tendências crioulizantes na comunidade, já que a ordem dos constituintes para os falantes se
trata de um fator sólido, mesmo configurando uma questão inata. Aqui podemos ver
claramente a teoria de Givón (1990) que retrata a mente como base de tudo no processamento
da fala e da comunicação, onde o cérebro aciona a memória do falante. A busca da memória
100
do falante de Barra e Bananal no momento da fala e o bloqueio para as construções de tópico
podem ser indícios de suas raízes crioulizantes e o padrão de ordem vocabular que o falante
possui de língua, que no caso é SVO e que é cristalizado.
Se partirmos do princípio que para se gerar uma sentença de tópico, em geral, o grau
de formalidade e/ou escolaridade do falante é baixo, essa regra não funcionou nessas
comunidades. Por que seria? A única explicação seria que as comunidades de fala de Barra e
Bananal ainda carregam evidências linguísticas de suas características de línguas crioulas, por
se tratar de uma comunidade descendente de um Quilombo onde se falavam línguas crioulas.
101
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos resultados, o principal aspecto aqui abordado é que o tópico é um
processo semântico-pragmático com reflexo na sintaxe. Essa característica do português,
sobretudo com base na análise de dados oriundos de comunidades específicas – comunidades
de oralidade – poderia vir a ser atribuída à relação de contato do português com línguas de
oralidade. No caso, línguas africanas e as línguas indígenas em geral.
A chamada influência vertical das línguas africanas no português atingiria também a
sintaxe, a estrutura da língua e não apenas os paradigmas verbais (Peter, 2011). As línguas
indígenas brasileiras também se caracterizam, em sua maioria, pela estrutura de topicalidade,
sendo essas as estruturas canônicas da dimensão discursiva dessas línguas. Línguas africanas
e indígenas são línguas de oralidade e, nesse aspecto, as estruturas sintáticas em línguas de
oralidade são as que apresentam papel decisivo na estruturação do português falado no Brasil.
Portanto, não se trata de uma influencia fortuita como os “puristas” insistem em
afirmar. São rasgos estruturais que constituem a materialidade discursiva do PB. Cabe
esclarecer que a materialidade discursiva em AD (Análise do Discurso) constitui conceito que
pressupõe necessariamente a historicidade da língua e, assim, se inscreve e forja a estrutura da
própria língua, atribuindo à mesma uma identidade singular. Impõem-se então estudos futuros
que reflitam do ponto de vista histórico-ideológico, as resultantes linguísticas mais marcantes
do discurso dos sujeitos da amostra. Nesse sentido, uma análise do discurso não se dissocia
das descrições sociolinguísticas, mas se complementa.
De acordo com as análises preliminares desenvolvidas até o momento, confirmamos a
hipótese segundo a qual o falante com grau mínimo de letramento tende a utilizar menos
topicalizações. O fator idade é relevante na comunidade, pois se evidencia a tendência dos
mais novos de utilizar bem menos estratégias de tópico em comparação aos mais velhos. As
estruturas
estudadas,
incluindo
as
que
apresentam
anáforas
pronominais,
são
fundamentalmente de língua falada com predomínio de falantes pouco ou nada letrados.
Os fatores animacidade, distância e peso do SN são também fatores relevantes. Vale
lembrar aqui que o estudo reitera princípio universal segundo o qual os processos anafóricos,
através de pronomes, são predominantes quando os referentes carreiam os traços [+humano] e
[+animado], nesta ordem, conforme proposição de Mollica de (1977). As anáforas
pronominais tendem a incidir em contextos específicos, como vêm sendo atestado em
102
inúmeras pesquisas: pronomes não copiam pronomes; pronomes copiam sintagmas de base
nominal em que N reúne primacialmente traços [+ humano] e [+ animado].
Segundo Mollica (2001) “a escolaridade (...) é importante para se constatar que a
variante cortadora vai sendo preferida pelos falantes à medida que aumenta o nível escolar,
nos casos em que as anáforas são precedidas de preposição”. A partir do segundo grau, os
falantes só empregam anáforas com função de sujeito, mesmo assim se o fator distância
estiver atuando.
Vale então frisar que a escolarização atua para inibir o emprego das cópias nas
sentenças relativas, que redundam no uso de variantes não standard, mas a força do
componente funcional se sobrepõe, pois o fator distância passa a ser o mais importante. Tudo
leva a crer que confirmamos as previsões de Tarallo e Correa (in: Kato, 1993) segundo as quais
deve-se supor que os falantes preferem as construções de esquiva, em conformidade com as
conclusões de Gomes (1995) que atesta que o português brasileiro vem sofrendo perda no sistema
preposicional em alguns verbos, procurando a deriva da complementação direta. Ainda que pareça
contraditório, tais fatos são prova também de que o PB tende a codificar estruturas topicalizadas.
Cabe ainda salientar que o processamento é vetor crucial para a emergência de
copiadores. Quanto maior o custo do processamento, medido por distância, complexidade
sintática, presença de material interveniente, tanto mais provável o emprego de pronomes
anafóricos cujo papel fundamental é o de recuperar o referente de grau alto de acessibilidade.
Podemos ainda incluir neste trabalho o problema do preconceito em torno do
português falado no Brasil que é ainda muito grande. Os estudos sobre o português do Brasil
têm demonstrado que a variedade do PB difere, em muitos aspectos gramaticais, do português
europeu.
As evidências da forte influência do contato entre línguas na constituição do português
brasileiro podem ser detectadas em dialetos rurais que ainda guardam as marcas desse
processo.
O português falado na comunidade de Barra e Bananal – BA pode ser considerado um
retrato significativo das origens da língua popular do Brasil, remetendo para os primórdios da
constituição de dialetos populares e fornecendo elementos para uma reconstrução linguística
que traz à tona uma possível face de tais dialetos, enquanto estiveram relativamente livres da
influência “da civilização”. Os estudos sobre o português falado em Barra e Bananal - BA nos
mostraram algumas marcas de uma possível crioulização prévia.
A sócio-história da fixação do português no Brasil contempla um forte contato entre
línguas que se espalhou por todo país, nos quatro primeiros séculos de sua formação. As
103
diversas situações de contato linguístico viriam a provocar as diferenças que hoje são
observadas entre a variedade europeia e a brasileira, e dessas situações sobrevivem
principalmente as características advindas do contato com as línguas africanas que sempre
tiveram presença marcante, durante a formação da nação brasileira pela utilização da mão-deobra escrava onde quer que se desenvolvesse alguma atividade economicamente produtiva.
Desse modo, com o rareamento do uso da língua geral que aqui se falava, mediante a escassez
da presença indígena, o português foi se espalhando, mediado, principalmente, por africanos e
seus descendentes crioulos que a aprenderam através de um modelo difuso, fruto do contato
linguístico. Mas a interrupção do tráfico de africanos e o desenvolvimento social da nação
promoveria uma difusão dos modelos de língua portuguesa avaliados mais positivamente pela
população, fazendo com que hoje se encontrem poucos “fragmentos” mais representativos das
origens do português do Brasil. Entretanto, um olhar mais atento faz perceber que, nem
mesmos as nossas variedades cultas negam as marcas do contato linguístico, pois o português
culto passou a ser influenciado pelo popular, principalmente, a partir do século XIX com a
chegada dos imigrantes estrangeiros que, em princípio, ingressaram nas camadas populares,
mas conseguiram ascender socialmente, levando para o seio das classes médias e alta aquelas
formas linguísticas características da fala popular que por sua vez traz mais acentuadas as
características dos processos de transmissão linguística irregular (cf. Lucchesi, 2000).
Entende-se que a profunda variação que se encontra na língua portuguesa do Brasil
deve-se a esse amplo e intenso contato entre línguas ocorrido durante a sua formação, e do
qual o dialeto de Barra e Bananal – BA constitui um fragmento revelador. No que diz respeito
especificamente ao fenômeno da ordem dos constituintes no sintagma nominal, mais
especificamente, as construções de tópico, acredita-se que esta pesquisa tenha contribuído
para o debate que divide opiniões sobre as origens da nossa variedade do português, na
medida em que as análises aqui realizadas demonstraram estar em consonância com o que
parece ser mais sensato: a variação das regras do português do Brasil é função da formação
sócio histórica do país, marcada pelo contato entre línguas.
104
9 REFERÊNCIAS
ABRAÇADO, J. Ordem de palavras: da linguagem infantil ao português coloquial. 1. ed.
Niterói: Ed. UFF, v. 1. 95 p. 2003.
ABRAÇADO, J. & RONCARATI, C. (Orgs.) Português brasileiro - contato linguístico,
heterogeneidade e história. 1. ed. Rio Janeiro: 7Letras, v. 1. 304 p. 2003.
AUROUX S. A Revolução Tecnológica da Gramatização, Campinas, Editora da Unicamp,
1992.
BELFORD, E. de M. Topicalização de objetos e deslocamento de sujeitos na fala carioca:
um estudo sociolinguístico. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, Dissertação de
Mestrado em Linguística. 2006.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris Nós cheguemu na escola, e agora? São Paulo:
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113
10 ANEXOS
A seguir uma listagem de algumas das ocorrências de construções de tópico e alguns
trechos das falas dos entrevistados das comunidades de Barra e Bananal. Nâo está incluída a
fala do entrevistador de modo que a amostra ficaria muito grande. Todas as ocorrências aqui
listadas estão separadas de acordo com a fala de cada informante.
Atenção:
As entrevistas não estão impressas na íntegra, aqui foram colocados apenas alguns
trechos separados das CTs, pois não tenho os direitos autorais para publicá-los, uma vez que
foram colhidas pelo Projeto Vertentes. Para maiores informações sobre a amostra em questão,
entre em contato através do site: http://www.vertentes.ufba.br/rio-de-contas.
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA
INFORMANTE 01
NOME: A. M. S. L.
NASCIMENTO: São Paulo
SEXO: F
IDADE: 26
PAIS: Barra
NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (3ª série)
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim (Bebedouro/SP – 11 meses)
Doc: E lembra do seu tempo de menina?
Inf.: Ah, eu lembro.
Doc.: Quê... que, que, que a senhora fazia quando era menina?
Inf.: Ah, eu brincava muito. Eu quando brincava, brincava de boneca, ca... caçano filho de
passarinho pros mato, pra bêra dos rio, pegano peixe... é só... é só... é só brincano, caçano
nossas bonequinha no mato.
114
Doc.: Bonequinha no mato, como?
Inf.: As bonequinha que tem no mato, que é... tem aquele... que é cheia de cabelo.
Das bonequinha que tem no mato... brincava de boneca que é... cheia de cabelo.
Poquê meu pai levô minha mãe,
Aí, mi... minha mãe veio embora,
Quando eu cheguei aqui eu tinha um ano, mas nasci lá.
Não, ele ficô lá.
Aí, quem voltô foi só minha mãe.
Aí, ele... ele veio aqui esses tempo...
Tá com... com seis ano que ele vei aqui.
Ele entrô pro banhêro,
E lembra da construção da barragem?
Inf. 01: Quando começô?
Doc.: É. E a barragem... E que, como é que... o que é que... melhorô ô piorô a vida aqui
Inf. 01: Ah... A barragem pra gente aqui... Ela pra gente aqui foi boa nada.
Poquê as partes da terra melhô de gente prantá,
A melhorinha mesmo só pro povo de Livramento.
A terra melhó a água tomô.
Arroz mesmo é pôca gente que pranta.
E arroz aqui também, quase não dá também.
Doc.: E dessa plantação, qual é a melhó plantação?
Inf.: Ah, aqui o melhó mesmo é o... o fêjão. Porque as ôta... arroz mesmo é pôca gente que
pranta. E arroz aqui também, quase não dá também. Porque num... num tem aduba, as terra
num ajuda também...
Zé... É o Zé, aquele que toca violão.
Por parte de mãe, eu só tenho um.
Por parte de pai, eu ainda tenho... Eu tenho seis irmão.
A passeio. Agora, morada não. A passeio eu tenho vontade de ir.
A ININT da casa vem e abre a porta,
Eu levo pra roça, o ôto mais velho já olha...
O mais velho tem seis... Vai fazê seis ano agora em fevereiro.
115
Ah, eu estudei até... Até com idade de doze ano.
Ô até com idade de catorze ano, eu estudei.
Eu entrei na escola, eu tinha sete anos.
Eu fiz só até a terceira.
Porque aqui a escola, também, é muito fraca também.
Porque a dificulidade, que agora que ficô bom,
Mas a dificulidade que era demais.
Que as professora vinha de pé, de Rio de Contas aqui.
O muito que ficava era uns dois, três mês.
Elas num entregô as prova dos menino.
É o vereadô Pedo... Pedão traz elas intera na entrada de Jiló.
Leite, eles num tomam não.
Ponhô ela na pinga e me deu pra mim bebê, aí não teve nada também.
Ela é toda pernuda, ela.
Ela num... Ela num tem boca,
Ela tem um ferrôio, assim, ó.
E ela morde e solta uma aguinha, aguinha que é o veneno.
Eu tenho um tia que é... Que foi ofendida.
Minha mãe inda era, minha mãe ainda era moça, ainda.
Tirá um talo... Um talo de pau que tem, que chama ‘prana’.
Aí, eles foi tirá essa ‘prana’, aí que ela e... Tá rapano, é, rapano a ‘prana’ sentada, aí,
Que veio o, veio essa tal cobra, e disse que mordeu.
Essas coisa, aí, sempre ela sente, ela... Sempre ela sente um pobrema,
Assim, ela incha o... Ela incha o zo... O ôio,
Aí, esse tempo ela vai tomano remédio.
Mas em toda força de lua, ela sente.
E diz que ela sente aquele formiguêro,
Correndo no corpo dela, ela dá nervoso...
Quando ela dá nervoso, que eu não sei, eu fico com medo,
Eles internô ela por três dia, no hospital.
De um pôco, começô a inchá nas perna,
Labutano ela andava.
Ela aí, ela camô.
Ela recumperô, melhorô,
116
Aí, ela camô, aí ela deitô e também...
Uma perna dela ficô dura.
Aí, com três mês que ela ficô... Aquele sofrimento todo na cama, feriu toda...
Que ela tava na cama, ela morreu.
Minha mãe mesmo, ela sente problema de coração.
Quando ela foi pra... Quando ela foi pra Salvadô,
Ela tratô, pra num... Nunca mais, ela sentiu.
Tem horas que a gente pensa que sara, mas num sara.
Mas, graças a Deus, desde de quando ela veio de Salvadô, nunca mais, ela sentiu nada.
O irmão dele, eles arrumam com algum motorista.
E arrumam o caminhão, o dono do carro mesmo.
A gruta é um, feito assim, um morro,
A cidade era... Cidade assim... Grande,
Quem conta assim é os mais velho.
Hora de fic... De sentá assim, com os mais vei que ININT contá as coisa.
Quem faz aqui é o meu, meu sogro faz.
Quando ele arruma cana assim, ele faz.
Quinze em quinze dia, ele vem aqui.
Quando ele não vem, eu vô lá.
Só que pra mim ir, a dificulidade é demais ININT
Eu quando brincava, brincava de boneca, as bonequinha que tem no mato,
Eu casei primeiro no civil, depois que eu casei na igreja.
A festa... Festinha assim, num é...
A gente chegô de noite, deu uma comidinha pro povo...
[aos] pessoal que tinha ido... [aos] pessoal que tava aqui esperano,
Agora em Natal mesmo, é a festa que eu mais a... Que eu mais gosto de ir.
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA
NOME: A. S.S.
NASCIMENTO: Barra
INFORMANTE 04
SEXO: F
IDADE: 37
PAIS: Barra
117
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeta
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: sim (São Paulo – 6 anos )
doc: É... A senhora é nascida aqui?
Inf.: É.
Doc.: E... Os pais da senhora também?
Inf.: Hum... Hum... Meu pai... Foi aquele mesmo que foi lá... Aquele mesmo é meu pai.
Ieu num sei... Do... Ieu num sei do quê qu'ele tá trabaiano lá não, ele num manda falá.
Ela vai começano, ela vai me... As costa vai dueno...
Os menino, já tava tudo... Já tava tudo grandinho já.
A gente morava tamém... De alugué tamém.
A gente trabaiava assim... Assim... Em hotel,
Na casa dele, foi... num tava nesse hotel não.
Ele foi baliado lá também, nesse mesmo hotel.
Nesse mesmo hospital... Levaro o ôtro que baliô...
‘Cê conhece dona Francilina, o esposo de dona Francilina e dona Odete lá na frente... É ela
que é minha mãe.
Eu fui pro médico, eles passô as injeção.
É com a tosse, qu'evem... Ela vem com junto com a tosse.
Tem, aquele menino mesmo de Laza, né, Zé? Eles tava caçando pequi, sabe?
Aí agora el's foi pra pegá o pequi a coba pegô ele...
Aqui tinha um home que chamava Bernadino Lauro, que morreu, tinha a peda dela, sabe?
E aí, agora, nós ía lá, ela dava a peda,
A gente tregava ela a peda.
Ela cai de cima do teiado na cama
Os tio da gente, a gente ía lá na cidade mesmo, em Som Paulo mesmo, a gente ía...
Os tio da gente lá... Ah, ele mora no... interiô.
DOC: Quantos filhos a senhora tem?
INF: Eu tem cinco.
DOC: Cinco?
INF: Hum...
DOC: Todos com saúde?
118
INF: ININT tem hora que gripa... que tem uma febre... uma coisa... uma dô de barriga, tem
hora que é diarréia... tudo isso eles dá também.
DOC: Qual é o que dá mais trabalho?
INF: O mais... é... aquele ali também... já teve doente também.
DOC: É? Teve o quê?
INF: É que ele sentiu uns negóço ININT ele teve bastante doente...
Esse mininu... ele quase que morreu ele.
Aquele ali também... Já teve doente também.
O mais... véi... aquele ali também... já teve doente
Ele começô inchá... Inchar as perna...
Eu gorda pra ganhá essa minina tamém...
Aí eu tava muntcho... Tinha as perna inchada
Tudo isso eles já teve... Sarampo... Catapora...
Catapora, sarampo acho que já deu
Doc: No tempo que a senhora era menina, a senhora lembra como é que era?
Inf.: Lembro pôquinho...
Doc.: Como é que era a vida nesse tempo? Era melhor ou pior?
Inf.: Ah! Ieu acho que era melhó.
Doc.: É?
Inf.: Minha vida, quando eu era mais pequena, a vida era mais melhó. Ia ficano mocinha, a
vida era mais melhó,
Os povo de hoje é... Parece que num tem medo de nada...
Minha mãe mais meu pai... Já plantô
Esse mesmo que foi... Ele foi... Qui ele é casado tamém,
Eles e meu marido também, eles dois ININT diz que vem buscá a famía.
Agora eu tô esperano ele que ele falô
Ele escreveu pra mim, tá com mês,
Eu ia... Mais depois qui eu doeci, eu num fui mais não.
E a gente num... Vai num... Num compra quase nada
As rôpa mesmo... Parece que é mais barato de que aqui...
As carne lá é tudo congelado
119
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA
NOME: N. J.S.
NASCIMENTO: Barra
INFORMANTE 05
SEXO: M
IDADE: 26
PAIS: Barra
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (só a 1a. Série - por quatro anos)
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim (São Paulo – 6 meses)
Um leva, o ôto zela...
Pió poque fica ‘niquilada a criação
A pessoa criano mais pôco
Tempo da seca quan'num tá choveno
... [A] gente... Procura ração, joga pra eles..
É... Era pequeno, o mais pequeno [de] todos...
Mais velho é um... É ôtro irmão meu.
Eu só tenho um que mora em Livramento, só.
Ele... As vez ele trabaia assim em lavora,
Eu tenho... Vinte e seis,
Transporte, quase que num tinha,
Né, mas transportar [sic] mais... Só de animal mesmo.
Qualqué cosinha pra viajá tem que sê de carro mesmo.
A base de meio dia a gente chega... Tamo lá.
Pico das Almas eu num conheço...
Esses lugá daqui... Eu ando direto... Conheço tudo aí.
A água tamém esfria um pôco.
A água é legal, toma um banhozinho (ININT)
Costumo sim, sempre eu vô lá passeá.
Tempo de festa, assim... O luga[re] mais perto que a gente tem que ir é por lá mesmo, né
A gente vamo lá, diverti(r) um pôco.
120
A gente... Até que quando... A gente vai... A gente vamo... A carro, ININT vamo montado...
A gente num vamo de carro,
A gente vamo... Vamo montado,
A farinha de mandioca... Rela ela...
A gente’ranca, raspa ela, né?
A gente... Rela, ceva ela que... Fica tipo uma massa, né ?
Achei legal... A cidade.
Pronto, me acostumei.
Aí eu peguei logo a prática também lá, acostumei com o lugá.
Pessoa num tivé cuidado né, morre de graça, mesmo.
Muitas pessoa aqui que fôro pa lá que num volta mais.
Carro bate, mata.
Eu só vim mesmo depois.
Vim com meu irmão, meu irmão tava lá que... Sempre andava com ele.
No trem eu andava sozinho.
[ônibu], tomava o [ônibo], pa rodoviara.
Mas num tem mesmo eu num tinha costume de andá.
De ônibu, eu andava, gostava que... Que... Eu conhecia, né ? E...
O serviço fica meno.
As coisa fica tudo levinho,
De prédio... De prédio. Eles tava... Construíno um mercado lá.
Ficava lá... Lugá chamado Vila Maria.
A gente morava pertinho d'aí.
A firma dava alojamento pra gente lá...
Confusão num... Eles num deixava.
Tinha um guarda lá, se um tomasse uma pinga demais, ele já tirava logo pa fora.
A vez o pessoá de roça, eles num tem o costume de andá.
Mais acanhado, tal, os pessoá mais velho mesmo.
No rio aí, no rio, na baixada um poquinho, pelos morro, por'aí.
As terra melhó... A água pego.
As terra melhó, que dava bastante roça, roça melhó, aí, a água pegô.
Fazendola, que é um lugar mais [caro], pôca casa, num tem luz.
Sertaneja, eu gosto mais de ouvi(r), né... (ININT) [populá].
Eu joguei bola... Mas agora a gente parô.
121
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA
INFORMANTE 07
NOME: V. N.N.
SEXO: F
IDADE: 26
NASCIMENTO: Bananal
PAIS: Bananal
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (primário em Rio de Contas)
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não (apenas estadas em localidades vizinhas)
Encontraro um cascavel tinha nove anos e meio. Porque ela tem idade!
A professora era ótima... Só teve uma professora!
Minha avó morava... Era... Ela morava lá no riacho das Pedras!
O Alan aqui é professô, mas ele diz que ensinar dá muito trabalho.
Ana Maria, que era minha amiga... Ela estuda em Livramento hoje em dia!
Ela vai formar ININT ainda eu acho!
Meus dois irmão, Maria e tinha mais ôtos dois! Eles... Era mais adiantado do que eu, né?
O mais velho estudava de assistente lá; como assistente... Poque ele num tinha mais idade de
matriculá!
Mucelino, Maria, Domingos. Eles sabe lê bastante e aprendero com os professore!
No tempo antigo do meu avô, o pai dela, que ele sempre dizia que os antigo falava que ali
inda ia sê... Encontrado ali no... Que eles achava difíci, né?
Que Rio das Pedra incontrô com Brumado. Eles encontraro lá no... No ri onde o povo morava.
E o lobisome, purquê deita e gente depois vem.
Ele t'aí tamém essa pessoa que vira o lobisome. Vai dormi todo mundo, condé... De noite, ele
sai, torna chegá, ninguém vê;
É minha prima. Ela e o parente dela.
Minha prima... ela mora... ela mora... ela ta ni Curitiba.
Aqui tem um'a menina, a fia de Palmira ela num dança, não! Ela nunca dançô!
A gente põe aí no terreiro aí ele seca com o sol. É a garapa.
Ela... Quand’a gente prepara... Ela na... Na... Nas turbina,
Ela fica... Ela fica branquinha, né?
Quem sabe é Miguel, meu irmão, ele... Ele já ‘estilô muintcha pinga
122
Eu falei po encarregado lá, ele falou “não, vou lhe mandá lá pá...”.
Água quente é perigoso. Ah, ela queima a gente'tudo,
Que ela dá... Ela fica... Ela fica dano lapada assim,
Feijão nascido, num come não, ele amarga.
O nome dele era até Fernando. Ele garimpou bastante tempo aí.
Cascavé... Ele é difici da gente vê ele aqui.
O menino começô com... Ele começô... Com aquela gripe, né, e da gripe ele começô ficano
cansado.
Dotô Pedo, que lá o prefeito, que ele é prefeito e dotô, né,
Seu Pedro... Ele conheceu que o menino num ia escapá, né.
A muié... Que ela... Ela já... Já... Já é fininha de coro.
Miguel que é funerário que abre a seputura.
Foi... Poromonia A. Ela é uma doença forte aquela ali.
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA
INFORMANTE 08
NOME: J. L. F. L.
SEXO: M
NASCIMENTO: Riacho das Pedras
IDADE: 55
PAIS: Barra (mãe) e Riacho das Pedras (pai)
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeto
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: sim (São Paulo – 6 MESES)
Ontem... Ontem mesmo a gente tava falano sobre a situação aqui da Barra.
De primêro a coisa era muntcho mais difíce.
Co... Cobra aqui é difici de vê cobra, uma por'aí.
Uma aqui já. ININT matá cobra ININT uma cascavel no mêi do terrero.
Ele desce do morro pá bebê água,
Agora, bicho ruim de matá é jaracuçu.
Muito difíci purque ele não espera.
Se ele escondê a cabeça,
Lacraia aqui também aparece bastante.
Aparece bastante lacraia também.
123
Lacraia ININT quase todo dia matava lacraia aqui,
Lacraia já fui mordido muitas vez.
Ago'lacraia é trabáio perdido.
Lacraia mordê uma pessoa, cê espremê o lugá...
O destino da gente é... É de chegar em casa, né?
Nossas festinha quando tem aqui, gosto.
Toda vida. Toda vida eu gostei dum sambinha.
Os terno antigamente tinha mais gente, tinha mais terno.
Doc.: O fumo pega mais?
Inf.: O fumo pega mais do que a cachaça.
A cachaça eu bebo todo dia.
Se eu todo dia eu fô lá na praça. Se eu não fô lá na praça, eu não bebo.
E tem dia qu'eu vô lá e num bebo.
É puque a cana, ela deve...
A terra... Ela se torna assim uma terra dura.
Porque a... a raiz do fêjão ela... Ela num... Num consegue...
Não, até que a cana num dá muito trabaio, não!
A cana cê prantô ela... Ela brotô.
Cê num dêxa ININT se ela pegá essa posição aqui, ó... [ela] começô fechá a terra, [agora] vai
embora.
É coisa com ano, ano e meio, acabô de morrê.
Bom, a mandioca depende do lugá, né? O lugá donde a terra é forte e ININT.
Rio de Contas tem... Tem gente que tem Trovão.
Esse... Tem aquele nome... Aquele ININT cumé qu'ele chama?
É, ele é dessa... Dessa família
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA
INFORMANTE 09
NOME: C. L. N.
SEXO: M
IDADE: 43
124
NASCIMENTO: Barra
PAIS: Barra
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto (4ª série)
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim (São Paulo -10 anos)
O mais véi foi eu e ôto mais novo, esse mora em Sã Paulo.
O mais véi foi eu,
Foi o primeiro filho, depois o ôto, o pequenino.
Então meu pai eu num cheguei a conh... A ter conhecimento não porque quando ele
morreu, diz qu'eu tinha uns três ano de idade.
Eles tinha criação tomém, trabalhava com a terra.
Ocê pranta, vamo supô, um quadro de feijão
Ô se pranta o feijão junto com amendoim,
No-... Noventa, cem dia, o... O... Noventa dia, cem dia, ele tá... Ele tá maduro,
O amendoim tá bom de rancá, de colhê.
Que a momona, cê pranta ela de ma,
Ai quando ela pega de certas posição ela começa a cacheá,
Ela sai um cacho hoje e aquele cacho que sai hoje,
Aquele que sai hoje chega primeiro.
Você vai num pé tem dois...
Saiu dois cacho hoje de vez, no ôtro saiu...
No ôto saiu três é assim;
Que a terra as vez é mais forte,
Os cacho que ele a vez já de... Custô sai(r) mais.
Fomo lá no italiano, o italiano gostô muito,
Meu irmão entrô na Camalho Correa, ele... Ele é tamém era inteligentizim qu'é
Medonho.
Ele inda hoje é operadô de maquana, é... É armadô, é... É... Quarquê coisa,
Ele... Entrô na Camalho Correa,
Então ele... Tudo isso ele tem experiênça.
Ele tinha um barraco feita de maderite.
Cê sabe, de maderite?
Só na Camalho Correa mesmo, Ele passô sete ano.
Depois com tempo, passô um... Uma rede de esgoto,
Vinte e tantos ano, que mora lá.
125
Esses dez minuto, qu'eu tô demorano aqui,
Você salva uma pessoa, a vez assim, de morrê.
Se fô de morre... tomém num tem carreira que você faz,
Fazendola, Carambola, queima uma pessoa, ôta hora ôta pessoa cai, quebra o braço,
O cara... Sai daqui que chega em casa,
Que a muié dele, ô menina ou qualquer coisa...
Vô fazê o quê?
Deu naquele hora, a coisa de... A criança nascê,
A mulhé vai segurá pra num tê aquela criança ?
O freio é mais... No freio era com esse só.
eu namorava mais essa muié qu'eu... Qu'é minha,
Eu passava bem lá de frente a casa de meu sogro, ele tava lá no terrero:
A viage e tal, você vai tê que esperá e tal...
'Eu faço três ô quatro viage ô cinco, mas a vez elas num é a dinheiro.
Tal dinheiro que tem, não dá lhe pagá ô então eu pago d'uma vez,
Aqui se fô i(r) na cidade, buscá um carro lá na cidade, pa vim aqui pegá uma pessoa,
Eu faço por menos de que ele vinte ou trinta conto, mas o preço qu'ele paga numa
S'eu fô botá no meu, é o mesmo preço.
Nas baixada, nas vazante do rio... Que fica no rio, num lugá que chama Lagoa.
Até a... A casa véia ali, que meu tio Godofredo tá fazeno uma casa ali pelo lote.
Vida, eu vô derrubá essa cosa qu'eu tenho que coisa...
Cê véve da boa, cem ano vive, cê véve.
O pessoal aqui num é de briga não, mas tem, sempre, as vez discussão...
Tem pessoa de tê dez, doze filho, dezoito filho, oito, onze,
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA
INFORMANTE 11
NOME: V. P. Dos S.
SEXO: F
IDADE: 42
NASCIMENTO: Barra
PAIS: Barra
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeta
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: São Paulo (11 meses)
126
Porque a veinha faleceu, minha mãe.
O remédio era só aquele.
Andano com o porretinho que nem cês viram aí.
Até no dia dela morrê ela ainda levantava na cama,
Eu e meu marido, que gente pegava muito peso,
Que esse prefeito véi que vai sai agora entrô lá, na prefeitura.
Ela chama Ana, mas a gente chama ela Sá Ana. Aquela veia tá dentro de noventa e três ano.
Na Lapa do Bom Jesus? Ela nunca foi.
Eu fretei o carro do menino aí, só a fim dela assisti o casamento da neta dela; Eu levei ela.
E eu fui antes, mas meu marido ficô aqui com ela,
O menino sai pra rua, anda bestano por aí,
Meu pai mais minha mãe nunca me recramô em nada. Tudo que eles queria, ieu queria.
Pra mim eu achei que aquilo, o baque foi maior.
E que no dia dela morrer ela não deixava eu sozinha.
E a casa tava cheia de gente, principalmente os esprito dela.
Na hora dela morrer chamô tanta gente,
Que eu nem sei de onde saiu tanta gente, que essa casa encheu.
E ela nesse quarto aí, e o pessoal foi chegano, foi chegano, e ela falano:
E esse pessoal do Carmo aí na rua, que... Tudo amigo da gente, principalmente ele é padrinho
do meu filho também.
Carmo e o irmão dele, eles arrumam com algum motorista.
O pessoal daqui dessa rua aí, em Bananal, acho que era poucas família que não tinha aqui.
Coisa fora de série, moço. É.’chô arrumá um cafezinho p’ocê tomá. É...
Que, tudo que a gente queria a patroa dava a gente,
Esses tio meu é doidinho pra gente ir pra lá. Mas, eles qué que a gente vamo pra casa deles.
Conhece a família de Ninio?Ali eles...
viu falá na rua de João Marque? Naquela rua da caixa econônica, econônica, é...
Tive três filho. O primeiro parto, de dois, geme, e essa segunda, foi que eu tratei...
Foi hospital, é... Não tive criança aqui na roça não.
É... Os primeiro, o primeiro parto, os filho nasceu doente.
A menina, porque foi geme, a menina morreu com três dia de nascida.
E o menino, o male de quatorze dia. Foi um casal.
INF Até que eu com esses dois filho na barriga eu não se incomodei muito igual foi essa
segunda.
127
Essa segunda... Ela era uma menina muito forte, a menina forte, muito bonita, muito morena
Agora, as coisinha de casa... a gente fazia.
É Meu marido mesmo tá com cinquenta... Cinquenta... Vai passá pra cinquenta e quatro ano
agora. Ele foi na Lapa agora depois que a gente casemo.
Ele nunca tinha ido na Lapa.
Francilina, aquela dona Francilina Ela é minha tia, que ela é irmã da minha mãe
Ela tem um problema de uma doença.
A bondade dela é que ela é uma pessoa assim, que não deita, é em pé.
Um problema no estômudo. E esse problema no estômudo mexe o corpo todinho.
“- Eu tô alimentano, mas eu tô esmagueceno,
Nesse lugar nosso aqui, do povo moradô, aqui só tem duas pessoa que ele estranha.
É aquele, aquela mulher daquele mané, o irmão do Carmo.
Ela é cunhada do Carmo, né?
A Pomba. A mãe da Diana, da Dinha... É... Ele estranha...
Aquele terreno lá, meu marido tem lá também.
Meu marido, a gente trabaia lá,
Já deixa almoço ININT e tem que ir pra roça.
Quando é agora em Dezembro, a chuva tá mais devagar.
Doc.: A senhora aprendeu a assinar o nome, não?
Inf. Aprendi. É. Eu posso dize que eu não fiquei na escola. Fiquei um mês e quinze dia na
escola. É. Mas foi de minha vontade assim, então ora que a gente tinha que trabaiá pra compra
um lápis, tinha que trabaiá pra compra um caderno, o abc chamado, né...
Então meu pai, nada disso ele não dava.
Agora hoje, a gente não sabe nem que é viva e nem que é morta,
Porque agora m Janeiro já vai passa ...
Assim, tá no lugar das mais velha.
Mas as velha faleceu, né?
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA
128
INFORMANTE 13
NOME: P. M.L.
SEXO: F
IDADE: 47
NASCIMENTO: Bananal PAIS: Bananal
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeta
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não
DOC - Sim, o pai e a mãe?
INF - É.
DOC - É daqui do Bananal mesmo?
INF - Hum.
Meu pai era filho daqui do Bananá; minha mãe também...
Tem dois córgo e eles ININT bastante,
E arroz é só mesmo terra a mais molhada, viu ININT.
Não mei dia eu vim aqui!
Eu cheguei a çoiá mei dia e meio.
Qu'eu não tenho... Meu pai... Poque... Ele saiu daqui nós era pequeno...
Ela sentia assim problema de coração. O problema qu'ela sentia era esse.
Todo médico... Todo lugá que nós levava no médico só acusava isso.
O marido de Maria. É irmão meu! Maria, aquela que tava mas'eu! Ele é irmão meu!
Nós... Ela só tem... Só tem... Nós só tem... Nós só tem dois irmão.
Edvaldo tem problema de úça! Ele ficô internado. A úça dele estrangalô...
A terra foi da finada minha mãe.
E aí agora é nossa. Nosso trabaio.
Tudo isso... Eu peguei! - Hum!
Vez memo meu marido doeceu aqui, precisaro levá ele na cadêra.
A menina tava catano capim café, a cobra pegô ela.
Tem dois'ano qu'eu fui. O ano passado e esse ano eu não vô não! Hum! vô passá Natal em
casa mesmo!
Minha viage é pra Lapa do Bom Jesus e Ipuaçu.
Doc.: A senhora nunca foi a São Paulo?
Inf.: Não senhô.
Doc.: Hum!
Inf.: Quem sempre vai a São Paulo é meu marido, mas'eu não nunca fui!
Doc.: Hum! E gostaria de ir?
Inf.: Ele?
129
Doc.: A senhora.
Inf.: Eu...? Sei lá! ININT. Eu tenho vontade de ir na Aparecida.
Inf.: Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir! Agora, em São Paulo não!
Na Aparicida, eu tenho um ano com vontade de ir!
São Paulo, diz o povo qu'é munto... É munto violenta
A pessoa... Assim que nunca andô... Vai passeá mais [ôta].
A situação esse ano não deu pa passá na cidade não!
Esse ano... Esse ano as coisa foi tão devagá pa gente!
A roça... A lavôra do ano passado, que a gente véve da lavôra, né?
A lavôra do ano passado a gente perdeu tudo! Fêjão...
As mandioca já... ININT a água... As terra embrejô.
Ituaçu, eu já fui quato vez.
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS-BA
INFORMANTE 20
NOME: E. C. A.
SEXO: M
NASCIMENTO: Bananal
IDADE: 77
PAIS: Bananal
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeto
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não
O ano passado, ieu tava nesse tempo...
E eu tava gritano aqui, com essas perna.
Mas, eu, é por que... Eu é a variza... Eu tenho muita variza na perna...
Ieu sinto, mas é as variza, o problema das varize. ININT. E Ela meorô...
Mas trabalho, num fui não.
Sarvadô qu’é meu lugá, eu não conheço. Eu preciso ir em Sarvadô.
Era de meu avô... Essa casa aí... Era desse sito que era dele.
Os mais velho. Eu já sô quinto. Quando eu cheguei já estava aí [ele]
Num nosso terreno aqui, foi onde a barrage prejudicô...
Foi onde foi o nosso, porque é... Foi a maioria.
Eu... Eu... Vô... Vô... Mostrá [ela]... Ela num pegô ali?
Pegô no meu terreno de... De lá, e foi até em cima, na ponta daquela serrinha
130
Uma canoa... E de estambo de lá e estambo de cá, né?
O ano passado, que tá com um ano e pôco... Eu tenho um terreno aí... Ela subiu e eu tinha um
quarto de mandioca lá que dava... Uns vinte saco de farinha... [uns vinte um]... O ôto [pegava]
mandioca aí, o... O Durval mais as meninas aí e... Que dava uns trinta saco de farinha... E a
barrage vinha assim, e num tinha canoa e o... E dêxa perdê tudo e eu perdi fêjão.
A mandioca minha foi arrancada pela metade... Nós fez uns trinta saco, então faltô.
Você me pagô aqui o quê?
Me pagô minhas bananêra, meus cafezêro, meus pé de
manguêra...
Hoje em dia, não faz nem isso mais...
De primêro, a gente vadiava muntcho e coisa...
Hoje em dia a gente não vadeia...
Aqui pra nós ‘inda tá isolado. ‘Inda num tá teno... Num tem escola... Num tem nada...
Aqui tem uma escolinha... [pequenininha]... Boba aí, mas no... Num tem luz... Não tem nada...
Eu não sei por quê... Diz que o [lugá] é pequeno, né?
Ieu tem dez fio... Oito fio... Eles num qué ficá aqui.
Aí é que tá... Em São Paulo tem quatro. Por que tá esse em São Paulo? É porque acha que
aqui num tá dano pra... Ficá. Lá ganha pôco. Ganha pouco, mas tem a sua condição... Trabaia
bem... Aprendeu a... A... Trabalha de emprêtêro... Ôto trabalha em banco... Se vão... E
[volta]... E... Tá melhó, né. E esse meu que veio aqui o ano passado? Esse tá lá... Lá em São
Paulo, num lugá que chama Lapa. ‘Cê vê falá?
Lapa de São Paulo... Ele trabalhava de guarda. Trabalhou lá uns cinco ano de guarda, mas
depois... Já eu venho... Já saiu de guarda, já trabaia ne outras condição...trabaia muntcho... E
é assim... [Numa], trabalha de empretêra que é... Que é... Que é jovem... Trabalha em seis
posição... Um [ano] qu’eu tive em São Paulo... Ele trabalha em qualqué posição que bote ele.
Trabalha de empretêro... Trabalha no metrono... Trabalha no de cho... Choferista de carro
bom... Carro de seis...
Ele trabaia com isso... Com carro... Qualqué trabalho... Encanadô... Côsa de luz... Ele
aprendeu lá... Em São Paulo. Entom, ‘cê num vem ficá aqui... Tá veno? Ieu tô aqui. Fez uma
casa de dois andare... Uma sala embáxo, outra em cima. ININT Ele qué me levá pra lá. Pra
quê?... Mas eu só ficá... Sentado assim... Num...
‘Grada... ‘grada, mas pra mim num não dá porque... Eu já tô com uma idade ‘vançada... Num
posso... Arrumá um trabalho de cartêra... São Paulo é serva. Eu chego lá... Eu trabaio ININT...
Trabaio por aí. Mas não pode [me] botá num trabaio, só se eu ficá... Só se num assinare ca...
131
A cartêra dele, né?.. Ah... Vá. Eu num tentava porque... Eu já passei de setenta... [eles
‘vestigam]... Num tem nada, porque... Um velho de setenta anos, né?
Num pode trabaiá com cartêra, né?
Hein? Mas sim... Mas se a aposentadoria não tá dano pa ININT. [Eu] Precisa trabalhá, viu?
Entonce, ieu... Ieu num trabaio... Lá, só se... Pra mim ficá sentado, não... Qu’eu [‘inda] trabaio
na roça.
Trabaio na roça aí.... ININT Oie moço, eu trabaio na roça o dia inteiro...
Mas [faço trabalho ne condução]... Eu num posso assiná...
Já passô da era.
Tô com setenta e sete ano... Venha cá... Quem nasce em quinze, que ano que já pode tê? Eu
nasci em quinze... Comigo...
Então... Aí... Eu tô mentino?
Eu trabaiei... Mas, pra mim, eu trabaiei foi muntcho tempo aí... Pescano... Assim... Corria...
Num tinha barrage, né?
Chegava bem na bêra do ri’, cortava o... O barranco assim, né? Cortava ele...
Uma grama por dezenove... É... Min réis.
O moço lá ia vendê... An... Antônio Mata...
Tem a maioria do Mato Grosso qu’era rico...
Agora o moço de Rio de Conta... Comprava a dezenove cruzêro.
Eu vendi muntcho... [a] dezenove cruzêro uma grama...
A cana de Maracaí, ieu vi lá a... Fininha e pequena...
Mas a parte de Arapiranga... Arapiranga eu conheci, [que] chama o arraiá.
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS - BA
INFORMANTE 21
SEXO: F
NOME: Germínia. M. J
NASCIMENTO: Barra
PAIS: Barra
NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeta
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não
IDADE:74 anos
132
É as galinha, num é? Serve, bota um ovo, serve... A gente de vez em quando mata uma vende,
vende uma tá servino né...
A gente prende a... Os... Os bichinho
É... Quer dizê que nós cria uma criaçãozinha.
Enta aquela serra lá e se tá vendo lá, aí aqui de... Que... Que a gente num vê ele não...
O povo chega e todo mundo que chega de fora vai ai no Mato Gosso e coisa.
Ia...ININT Mato Gosso... Chamava Mato Gosso... Lugar. ININT tá com nome de Mato Gosso
e é Mato Gosso mesmo.
Eliseu fica aqui com a perna doeno, gemeno e bateno sozinho nesses fejão aqui. Agora foi que
eu cheguei, panhei a enxadinha e vim... Judano ele aqui, ontem enquanto esquentava eu tava
na bêra da porta limpano lá...
Só tem nós e uma moça, essa moça que nem num para, coitada, daqui pra acolá. Agora
mesmo ela já largou a enxada e já foi lá...
É, pensa que a véia é besta mas eu penso que acho que ela é assim.
o fejão reganhano, nasceno tudo, poque fejão num guenta chu... Num guenta água não... Na
mesma hora eles grela tudo.
Agora teve aqui no Adenoque conde cabô de fazê essa barrage aí, aí agora ele foi pa Sarvadô
ININT esse fi do dotô João, do dotô João.
É os empregado assim que... Trabaia no... Naquelas firma e... Tem o avião e na hora que dá
naquelas hora eles vem embora...
No ôto dia eles torna a ir sompalêro... sompalêro o mundo deve ter muita gente num é?
Memo da fôrma que faz chapéu pa muié. Não, já faz dias que ele tá feito...
Esses dois chapéu aí já foi de encomenda...
Eu tô veno a hora que o rapar chega que me encomendeu o chapéu,
E coisa eu tô divertino, divertino com o chapeuzim.
Mas a páia tomém, viu, é comprada,
Menino, aqui num tem não, aqui num tem páia não,
Que aquele Ana, aquela Ana véia ali era fazedêra me ensinô eu trançá.
Isso, me ensinô eu trançá e costurá e eu faço.
Desde mo... De... De moça... De moça que ele era moça moderna que o povo dela as... A tia
dela, o povo dela sabia fazê, Aí agora ensinô ela tomém, hoje em dia que ela já tá véia.
Cabeça dela, ela disse que num tá dano pa isso,
133
Mas ela, viu, faz um chapéu que nenhum... Que nem uma mantega...
Até agora que assim memo mas ela inda trapaia no trançá e coisa mas assim ôto dia mesmo,
ela fez um chapéu da seda, da seda dessa páia...
Ela fez po... P`um pa... Po pade da... Do Rio de Conta.
Ela... Ela tem uma... Um casco aqui por dento
A Ana sabe fazê, ela num faz mais,
Poque isso rapado vira que nem a peninha de galinha,
Aí agora eu casei, eu que prendi trançá esses... Esses babalaco.
Usava, toda vida usô... Usô chapéu.
Que nem era uns chapeuzãos pareceno um bêra... Aqui chamava bêra mar.
Esse tal ININT aí, é irmão meu.
Meio irmão meu... Aquele Ilido,
Que mora lá pa trás do cimitero tomém é irmão meu, chama Ilido.
O pai de Zé, Ilido.
Ilido e Olindo e uma... Uma... Uma muié tomém que tem... Que casada, que chama
Chiquinha, Francisca, lá no Giló, lá no Giló, ocê já passô lá... Isso, ela é irmão, é irmão meu.
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS - BA
INFORMANTE 24
NOME: R. M. J. S
SEXO: F
NASCIMENTO: Barra
IDADE: 75 anos
PAIS: Barra
NÍVEL DE ESCOLARIDADE: Analfabeta
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Não
Cruzado, co acho que ‘ocês num conheceu esse dinheiro.
Fazia uma farinhazinha, levava, vendia baratinho...
E a vida era... Era pesada, neném.
É... A vida era pesada, meu bem,
A mãe já tem um... Uns dez ano de afalecida...
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Todo mundo é meu fio, meu irmão...
Todo mundo é... É meu.
Prantá... Tratá... Era tudo na enxada.
Doc.: Não. Eu digo... cê tem viajado fora daqui?
Inf. 24: [Ieu]?
Doc.: É. São Paulo, por exemplo.
Inf. 24: Já fui uma vez.
Doc.: Ah é?
Inf. 24: Já. Sarvador eu tive lá mês de malço, abrile.
Fui lá, mais ININT uma muié daí, Ninha Brandão, aí de Rí de Conta.
A Lapa, já tem bem um... Umas vinte e cinco viage.
Na Lapa, na gruta tamém já tem bem umas dez viage... É... A gruta do Bom Jesus.
Se fô até p’ocê ficá o dia andano dento da gruta, o senhore anda.
E por aqui... Livramento por aqui mesmo é... É... É o pasto da gente.
Por lá o povo tudo branco, é lugá de branco. É tudo de branco. É a fazendola tamém...
As festas aqui, meu irmão... É... É os que o senhore vê que antigamente era uma coisa e agora
tá seno ôtra, num é?
É... Tudo deferençô, mas... A ... até que aumentô mais os festejo, de quando chegô esses padre
novato...
As festa aqui era um... Uma missa no ano.
Esse povo ô eles é de São Paulo ô de Sarvadô.
O pessoale de fora, quando chêga, aí gente conhece mais ô meno...
Tem, meu fí. É, de vez em quando parece pr’ aí uns cascavéio, jaracuçu, ge...
Mas ocê vê que é mato, né? É... Ocê vê que aqui de vez em quando ‘parece.
Aqui mesmo tem um cruzeiro aí, uma passage tinino de cascavéi.
A menina fo... Evinha da roça, o sole entrano, o cascavéi pegô ela, a noite inteira ficô
ruinzinha... no ‘manhecê do dia, morreu.
De bicho que já me pegô foi lacraia...
sô mordida de lacraia umas cinco vez, um gato danado tamém me mordeu, eu acho que é...
Gato danado.
E depois sofreno das vista, acho que junta a idade e... A ... E esses... Veneno desses bicho,
meu irmão...
Tô trabaiano porque eu sô obrigada a trabaiá, mas as vista muntcho, muntcho aborrecida
A barrage aqui pra nós, bem, deu até uns prejuízo, neném.
135
É, vigia que a agu... Água tá subino, vigia que eu prantei umas... Umas mudinha de côve, uns
pé de abrobêra, a semana passada tava em fulô, aí quando eu cheguei lá a água tava cobrino,
meu bem.
Tá verdinha, meu fí, ói, verdinha. Tava dento d’água, neném.
Era as parteira um que servia às muié, é... Mas era...era aqui mesmo.
É. Hoje em dia não porque as coisa tá tudo mais ô meno, tá tudo adiantado.
A que fosse de morrê, morria.
A que fosse de vivê, vivia... Mas era... Era aqui mesmo. É.
É... Mas... Esse ano aqui as coisa foi tudo pôco.
Quem sabe, meu bem. Ah... É devido aos pecado dos... Dos pecadô.
Num sei não, mas que aqui as coisa deu... Deu esse ano devagá, deu.
Esse ano... só plantei o milho e o feijão.
Ô, bem, de vez em quando dá... Dá uma chuvaada, é, dá... Tá dando [po] pessoar tá trabaiano.
É, o povo tá tombano, tá... Tá roçano, tá prantano, tá limpano...
Mas as... As fruta, ó lá as mangueira, ói, tão tudo devagazim, aqui esses pé de arucuia...
É vai florá d’agora de janeiro pa feverêro. Cê conhece a urucuia?
Ah... É... É aquele corantezim. É o corante.
As coisa aqui é devagá, o lugá é fraco, é
O povo tudo pobre, ___ tudo preto, _____ tudo fêi.
DOC (2): A senhora usa pequi para cozinhá?
INF (24): Quando ele dá, eu conzinho... gente faz óleo.
Faz, é, faz óleo, conzinha [parruê], põe no arroz, numa abóbra, é.
[Caçado] muntcho pequi e decascado, bota na lata e... Ponha no fogo e aí agora a hora que ele
conzinha cê põe no pilão e pisa.
Um irmão de Antoim Trindade. Eu tava lá no Rí de Conta e ele falô:
Dona senhora, num tem um lito de óleo de pequi pa me vendê... E eu falei:
Compade, ieu tem lá em casa um lito de óleo, mas tá em casa.
Um motorista que tem aqui, e... Quando dá de tarde, nós vem embora.
Não, é pa levá, poque ela... Ela depois de partida e... E... Ela fica pôquinha.
O pessoale gente boa... É... Pessoale bom.
É, o pessoal diz que aqui que é bom.
Tem um mascate que ele diz que é de... De Conquista,
Lugá sossegado e ieu falei: ói, meu fí, o lugá aqui é fraco.
O padre Carlo. Ocê conhece ele?
136
Era nosso vigaro daqui, um vigaro de confiança.
Acho que ele teve aqui bem uns vinte e cinco ano,
O pessoal tá... Tá gavano ele muito.
Esse povo de Sum Paulo num vêi não, as estudante.
É, é adonde que... Acho que toda parage... Acho ... Que tem a comunidade.
A vez no ano... A vez daqui até as festa ocês inda tá por aqui.
O povo tudo besta, tudo fêi, tudo preto, tudo pobre.
Os de Som Paulo, os daqui quando...
Lá na roça, essa moça teve lá mais eu.
PROJETO VERTENTES
LOCALIDADE DE RIO DE CONTAS -BA
INFORMANTE 26
NOME: I. J. S.
SEXO: M
NASCIMENTO: Barra
PAIS: Barra
IDADE: 68
NIVEL DE ESCOLARIDADE: Semianalfabeto
ESTADA FORA DA COMUNIDADE: Sim. São Paulo (seis anos)
Mas a hora que o mo... Mormaço vem é quente, né?
Mas... ‘costuma... Na hora que esquenta assim tamém é...é pra chovê.
Ô... [A hora que] a gente [já] [vem] do garrancho pr’aí é [boa]...é bem à toa.
Ma num é porque num tem rôpa não, É que vai tê que andá.
Rôpa tamém tem, graças a Deus, por aí.
Ô... hoje num sente farta de rôpa não,
Ele tem um mê que muntcha... muntcha go'de rôpa.
Rôpa, caba uma, joga lá, peraí, veste ôtra, ININT rôpa.
É um... Um lugá greiçado... De catinga...
Nem num é catinga e nem é gerais, é um lugá assim...
Olha... Garimpo... D’uns tempo pra cá, o... O pessoal por aqui até... Até deixô de garimpá,
Tá... En... Envorveno mais em negoço de roça... De lavrôra... É... De lavrôra.
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Um grão era um... Era uns... Era um... Era um mirréis...
Mas dinhêro de garimpo... vem fácil e vai fácil, né?
É. Mas a gente caçô o que... O que num guardô.
Um tal de diamante, eu mermo nem conheço ele.
Aqui do Bananal pa cima, quase que num empatô não.
Agora aí pra báxo, esses fundo aí pra báxo, até no Rio de Conta.... Aquelas báxa... Aqueles
lugá... Aquelas coisa... Ali tomô tudo... Tomô tudo...
Agora, aqui pra nós... Só... Só empatô mais a passage do rio, né.
‘Inda assim mesmo num empatô... Que tem a ponte...
É muita cana. Agora memo ela tava moeno,
Que é a usina São Luís lá no... Em Ôrinho.
No lugá de usina, só labuta com cana... só labuta com cana.
Num labuta c'ôtra lavrôra não, é só cana mesmo. Álco’ e açúca.
Pruquê... Aquele mele que sobra da...da açúca, eles faz árco’.
Uma [mixilana] ININIT e tá... Só sei dizê que... Que do açúca, [ô] ele tá fabricano o açúca,
Pois sai mele tamém. E aqueles mele, eles é que faz árco’.
Muito carro mesmo. É carro, é tratô, é aquela coisada,
Então a usina mermo tem essa... Essa coisada tudo.
Uma comparação a usina... É memo que nem a prefeitura,
Inintuma prefeitura forte. Eles tem lá aquelas coisa tudo, né...
Eu... Em fábica, eu num trabaiei não.
Ah... Ah, bom... Só que tem que naquele tempo, o dinhêro... O dinherinho era valorizado.
Tivesse esse dinhêrinho [hein], fazia alguma coisa.
Num lugazinho isolado... Ninguém vê nada,
Que levô uma turma... Uma turmazinha de gente daqui pra lá,
Nunca a gente... Ficava mais ativo um pôco... Não é?
E dessa vez, eu sofri lá... Mosquito...
Aí que lá tem um mosquito, Um tal de borrachudo... Aquilo morde...coça...
Não... Não tinha o... Os estudo que tem hoje...
Tomei uns remédio aí... Umas raiz...
Um... [com] umas cachaça,
A gente num passa sem uma toiça de cana aí não. É criação.
Óia, cá pro lado da... Do lado da Furna aí, Tamanduá... Báxo de Furna,
Nessas usina que eu tô falano, eles carrega aqueles [álco’]...
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E diz qu'eles faz a pinga qu’é...qu’é daquele álco’.
Eles trabaia com ele, faz mais... Bota mais argum apreparo,
O árco’ tem muita força. É... Se... Se bebê ele sozinho,
E... Eles num faz pinga assim da cana que nem faz aqui, não. Faz é de árco’... Eles trabalha
nele...
A pinga de cá é melhó. A pinga de cá é de cana memo. Eles... Móia a cana,
E já tem aquele je'de...trabaiá com ela, e...ININT
Energia... Até o prefeito mermo acha que... Que uma fonte gasta dinhêro, né?
Precisão a gente tem...
Precisão a gente tem tanto pro mo’de fazê algum benefício que nem...
Que[nem a gente]... Aqui a gente num vê c'uns candeeirim de...
C'umas lamparinazinha aí de... De [queirosena].
Em feverêro... Em feverêro memo tem uma festinha de igreja aí.
Os padre... Os padrezinho novo que chegô aí.
Ah, nesse tempo... Ne... Nesse tempo a... Até as escola do coméço era tudo... E... Era tudo
mais fraca... Era tudo mais fraca.
No Mato Grosso... Mato Gosso... Giló.. .é qu'eu num sei se o Giló tem.
Que, quem ensina no Giló é uma muié de fora lá de Rio de Conta, né.
Aqueles maió, aqueles que se interessa mais, aqueles que faz mais uma força, tudo assina o
nome.
Aqueles maió, aqueles mais coisa, aqueles mais... Que interessa mais.
Esse povo... Esse povo que formô essa escola aqui já morreu tudo.
Já morreu tudo.
Naquele tempo o prefeito era um tale Rodolfo Abreu,
O pai de Ronado Abreu que tem na prefeitura,
E vereadô foi Zé Tamazo... Esse povo já morreu tudo.
A política? A política esse ano foi até boa, rapai.
Foi boa. E... eu... eu acho que o pessoale... tinha mais prefeito aí o pessoale votô...
Mas teve um prefeito... um prefeito... aí qu' eu gostei dele,
Esse prefeito aí todo mundo gostô dele.
No Rio de Conta, nesse dia, primêro de janêro, sempre eles faz um...quando é na...quando é
nesse dia, tem um movimentão lá.
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