Impactos da Crise Financeira sobre a Produção da Indústria
A evolução dos principais indicadores
econômicos conjunturais sugere a paulatina
dissipação dos efeitos da intensificação da crise
financeira mundial sobre a economia brasileira.
Nesse cenário, o objetivo deste boxe consiste em
examinar a sensibilidade da indústria das distintas
regiões às alterações experimentadas pelo ambiente
macroeconômico nos últimos meses, procurando,
ainda, identificar os impactos associados ao menor
dinamismo dos mercados interno e externo, às
restrições no mercado de crédito e às medidas
anticíclicas adotadas pelo governo.
Gráfico 1 – Produção industrial – Brasil
Dados dessazonalizados
2002 = 100
220
Indústria geral
150
200
130
180
160
110
140
90
120
70
100
80
50
Jan
2007
Fonte: IBGE
Mai
Set
Jan
2008
Mai
Set
Indústria geral
Jan
2009
Alimentos
Mai
Máquinas e equipamentos
Veículos automotores
A indústria brasileira 1 , revertendo a
trajetória de expansão delineada ao longo de 2008,
registrou retração acentuada a partir de outubro,
considerados dados dessazonalizados das Contas
Nacionais Trimestrais, divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
recuando 3,1% no trimestre encerrado em março,
em relação ao finalizado em dezembro, enquanto a
agropecuária registrou retração de 0,5%, e o setor
de serviços, expansão de 0,8%. O exame do produto
sob a ótica da demanda revela, no mesmo período,
elevações respectivas de 0,7% e 0,6% no consumo
das famílias e do governo, trajetória consistente com
o desempenho relativamente mais favorável dos
segmentos produtores de bens de consumo duráveis
e, em especial, de semi e não duráveis, com ênfase
na atividade alimentos e bebidas.
Vale mencionar que o desempenho negativo
da indústria nos últimos meses de 2008, resultante
de retrações generalizadas no setor em todas as
regiões do país, é ratificado pelo recuo, de 6,4%,
1/ Inclui as indústrias extrativa, de transformação, da construção e serviços industriais de utilidade pública.
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Julho 2009
em setembro, para 3,1%, em dezembro, da taxa de
crescimento do setor acumulada no ano.
Tabela 1 – Transferências assistenciais do governo
federal e massa de rendimentos real habitual
Discriminação Bolsa Família
Benefício de
Massa de
Prestação Continuada rendimentos3/
Var. %
Brasil
Norte
1/
Part.%
2/
Var. %
1/
Part.%
2/
Var. %
5,0
100,0
17,1
100,0
8,0
11,2
16,0
10,0
-
5,5
3,5
Nordeste
5,4
52,9
16,6
35,6
Sudeste
3,8
23,5
18,1
34,8
6,1
Sul
2,1
7,5
17,7
10,7
1,7
Centro-Oeste
4,3
4,8
15,3
9,0
-
Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e IBGE
1/ Refere-se ao acumulado no ano, até maio, com valores a preços deste mês
corrigidos pelo INPC.
2/ Distribuição dos benefícios pagos por região com base em maio de 2009.
3/ Dados divulgados pelo IBGE a preços de maio. Para o Nordeste foram
consideradas as Regiões Metropolitanas de Recife e Salvador; para o Sudeste,
as Regiões Metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro; e
para o Sul, a Região Metropolitana de Porto Alegre. Não existem dados para as
demais regiões.
Gráfico 2 – Produção industrial – Norte
Dados dessazonalizados
2002 = 100
Indústria geral
170
240
220
200
180
160
140
120
100
80
60
40
150
130
110
A indústria passou a registrar recuperação
em todas as regiões a partir do início de 2009,
ressaltando-se que a intensidade distinta entre
os movimentos de retomada refletiu, em grande
parte, as especificidades das respectivas estruturas
industriais. Nesse sentido, as regiões nas quais o
dinamismo da indústria é menos dependente do
mercado externo e das condições do mercado de
crédito interno, e mais associado ao fortalecimento
da demanda interna, experimentaram resultados
mais favoráveis nos cinco primeiros meses do
ano, em relação a igual período de 2008, trajetória
evidenciada pela menor intensidade observada no
recuo da produção de bens de consumo, 7,4%, em
relação aos registrados nas indústrias de bens de
capital, 22,7%, e de bens intermediários, 16,7%.
Ressalte-se que, por atividade2, destacaram-se os
crescimentos nas indústrias de alimentos, 1,2%;
bebidas, 2,8%; e perfumaria, sabões, detergentes e
produtos de limpeza, 4%, resultados compatíveis
com a manutenção do poder de compra, decorrente
do crescimento da massa de rendimentos, das
transferências assistenciais do governo federal
e, fundamentalmente, da redução da inflação,
conforme assinalado na Tabela 1.
A comparação regional, de acordo com
a Tabela 2, evidencia a importância da atividade
alimentos, que, excetuando-se no Sudeste e no
Norte, detém a participação mais expressiva na
composição da produção, enquanto a indústria
extrativa possui maior representatividade no Centro-Oeste e no Sudeste.
90
70
50
Jan
2007
Fonte: IBGE
Mai
Set
Indústria geral
Material eletrônico
Jan
2008
Mai
Set
Jan
Mai
2009
Alimentos e bebidas
Outros eq. de transporte
A produção da região Norte se caracteriza
pela importância do segmento material eletrônico,
com peso de 21,2 p.p na indústria da região, nos
primeiros cinco meses do ano, cuja produção
recuou 31,2% em relação a igual período de
2/ A participação e a evolução das principais atividades da indústria, segmentadas por regiões encontram-se na Tabela 2. As participações das regiões
Sudeste e Sul são construídas a partir da ponderação das atividades relativas a cada estado, divulgadas com periodicidade mensal, pelo IBGE.
Para a região Norte, são consideradas estatísticas relativas ao Amazonas e ao Pará, e para o Centro-Oeste, as relacionadas a Goiás. O indicador
do Nordeste é divulgado de forma agregada pelo IBGE.
3/ As vendas das lojas de eletrodomésticos e eletroeletrônicos em São Paulo, que podem ser interpretadas como uma proxy para a demanda interna
de eletrônicos no país, recuaram 13,2% no período, de acordo com a Fecomercio de SP, ante redução de 1,1% do comércio geral.
Julho 2009
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Tabela 2 – Participação e evolução das principais atividades industriais – País e regiões
Brasil
Discriminação
Sudeste
Part.%
Indústria geral
1/
2/
Sul
Part.% Var.%
Var.
Part.% Var.%
100,0
-13,9
100,0
-14,6
100,0
-10,2
Indústria extrativa mineral
5,7
-14,6
5,8
-12,6
-
-
Indústria de transformação
94,3
-13,9
94,2
-15,5
100,0
Nordeste
Norte
Part.% Var.%
Part.% Var.%
100,0 -10,9
Centro-Oeste
Part.% Var.%
100,0
-14,8
100,0
-4,7
15,4
-7,8
8,2
0,2
-10,3
93,4 -11,3
84,7
-12,7
91,8
-6,5
13,9 -24,7
-
6,7
-5,9
Refino de petróleo e álcool
6,7
-2,4
6,9
1,2
7,8
3,1
3,4
3,2
-
Outros produtos químicos
6,7
-17,1
7,1
-18,4
5,0
-1,4
-
-
-
-
-
-
Máquinas e equipamentos
7,4
-29,2
7,6
-34,5
12,0
-27,8
-
-
3,7
3,7
-
-
25,9
-3,2
15,2
6,7
66,0
-3,2
7,1 -19,8
7,3
19,8
7,3
-9,5
3/
Alimentos
10,6
-2,4
8,4
2,5
20,7
-4,8
6,0
-28,9
8,2
-37,9
2,1
-38,1
Metalurgia básica
Veículos automotores
10,7
-24,7
12,8
-22,8
13,5
-32,1
-
-
-
-
-
-
Celulose
4,2
-5,2
4,0
-0,1
4,9
-5,1
-
-
1,5
-8,1
-
-
Têxtil
2,7
-10,8
2,1
-12,5
1,4
-8,4
7,4
-5,0
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
1,2
-37,4
11,9
-24,7
Outros equipamentos de transporte
Produtos químicos
2,2
16,7
1,9
45,5
-
-
-
-
13,9
-42,1
-
-
Mat. eletrônico, ap. e equip. de comunic.
3,1
-41,2
3,7
-59,4
-
-
-
-
21,2
-31,2
-
-
Minerais não metálicos
3,7
-7,0
4,2
-9,6
2,8
4,4
5,6
-2,5
1,3
-27,5
5,9
-4,0
Participação % das cinco principais
42,1
atividades na indústria de transformação
44,1
59,0
20,4 -14,5
74,8
61,2
100,0
Fonte: IBGE
1/ Participação conforme PIM-PF de maio de 2009.
2/ Variação acumulada no ano até maio.
3/ No Norte, Nordeste e Centro-Oeste refere-se a alimentos e bebidas.
Tabela 3 – Exportações de produtos industrializados
Variação %
2009
Discriminação Particip. das
regiões
Brasil
1/
Exportações/
Ac. no ano 12 meses
2/
valor da produção
100,0
-30,6
-4,6
Norte
3,0
-39,4
-10,7
12,9
Nordeste
8,1
-34,6
-9,6
14,4
Sudeste
66,7
-27,0
0,1
14,1
Sul
20,9
-34,6
-5,1
13,5
2,3
-12,5
9,3
4,5
Centro-Oeste
13,2
Fonte: MDIC
1/ Posição de maio de 2009.
2/ Refere-se a 2007.
Gráfico 3 – Produção industrial – Nordeste
Dados dessazonalizados
2002 = 100
150
Indústria geral
130
130
110
110
90
90
70
70
50
Jan
2007
Mai
Set
Jan
2008
Mai
Set
Indústria geral
Jan
Mai
2009
Alimentos e bebidas
Produtos químicos
Têxtil
Fonte: IBGE
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Julho 2009
2008. Essa retração mostrou-se compatível com
as reduções assinaladas no período, nas vendas
de eletrodomésticos e eletroeletrônicos3 no país
e nas exportações de produtos industrializados da
região, a mais intensa, de acordo com a Tabela 3,
em termos regionais.
A indústria do Nordeste, concentrada
em cinco principais atividades da transformação,
responsáveis por cerca de 70% da produção da
região nos cinco primeiros meses do ano (Tabela 2),
assinalou recuperação nesse período (Gráfico 3),
embora apresentasse recuo em abril. A evolução
das três principais atividades, refino de petróleo e
álcool, produtos químicos e alimentos e bebidas,
determinou a tendência da indústria na região,
com ênfase na estabilidade da atividade alimentos
e bebidas, mesmo nos meses que sucederam o
agravamento da crise internacional. Essa trajetória
reflete, em especial, a absorção da produção
desse segmento pelo mercado interno da região,
sustentada, fundamentalmente, pelos efeitos dos
programas assistenciais do governo federal.
Gráfico 4 – Produção industrial – Sudeste
Dados dessazonalizados
2002 = 100
190
Indústria geral
140
170
130
150
120
130
110
110
100
90
90
70
80
Jan
2007
Mai
Fonte: IBGE
Set
Jan
2008
Mai
Indústria geral
Alimentos
Set
Jan
Mai
2009
Veículos automotores
Metalurgia básica
Gráfico 5 – Produção industrial – Sul
Dados dessazonalizados
2002 = 100
320
Indústria geral
130
270
120
220
110
170
100
120
90
70
80
Jan
2007
Fonte: IBGE
Mai
Set
Indústria geral
Jan
2008
Mai
Máquinas e equipamentos
Set
Jan
Mai
2009
Veículos automotores
Alimentos
Grafico 6 – Produção industrial – Centro-Oeste
Dados dessazonalizados
2002 =100
Indústria geral
180
150
160
140
140
130
120
A produção do Sudeste (Gráfico 4) se
constitui na mais desconcentrada entre as regiões do
país, com as cinco principais atividades respondendo
por 44,1% do total. Ressalte-se que a participação da
indústria de alimentos na região, embora represente
45,7% da produção nacional do setor, respondeu
por, apenas, 8,4% da produção total regional no
período, exercendo efeito anticíclico menos intenso
do que em outras regiões. Adicionalmente, deve ser
considerada a importância da recuperação recente
da produção de veículos como condicionante para
a retomada da indústria da região.
A retração de 10,2% observada na indústria
da região Sul, nos cinco primeiros meses do ano, em
relação a igual período de 2008, esteve associada,
em grande parte, ao desempenho negativo das
atividades metalurgia básica, veículos automotores
e máquinas e equipamentos, ressaltando-se que
a produção de veículos, respondendo às medidas
de desoneração fiscal, apresentou recuperação,
na margem, conforme assinalado no Gráfico 5.
A evolução da indústria sulina refletiu, em parte,
o recuo de 34,6% observado nas exportações de
manufaturados da região, com ênfase nas retrações
relativas a automóveis, 47%; calçados, 34%;
e carnes, 21,3%, atividades que, em conjunto,
representaram 20,8% do valor da produção da
indústria regional em 2007, segundo a Pesquisa
Industrial Anual (PIA) do IBGE.
120
100
80
110
60
100
Jan
2007
Mai
Set
Indústria geral
Jan
2008
Produtos químicos
Mai
Set
Jan
2009
Alimentos
Mai
Extrativa mineral
Fonte: IBGE
A trajetória recente da indústria no Centro-Oeste4 esteve condicionada pelo impacto favorável
da representatividade de 66% do segmento
alimentos e bebidas na estrutura industrial da região.
A estabilidade registrada nessa atividade, expressa
no Gráfico 6, proporcionou que a indústria da região
recuasse 5,9% nos cinco primeiros meses do ano,
em relação a igual período de 2008, resultado mais
favorável em relação ao assinalado nas demais
regiões (Tabela 2).
A evolução do emprego industrial evidencia
a trajetória do setor nos últimos meses. Nesse sentido,
a análise das estatísticas do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério
4/ Representada pela produção industrial de Goiás.
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do Trabalho e Emprego (MTE) (Tabela 4) revela
que foram eliminados 146,5 mil empregos formais
na indústria, nos cinco primeiros meses de 2009,
ante 345,3 mil no último trimestre do ano anterior,
quando os efeitos do acirramento da crise mundial
eram mais acentuados. O resultado acumulado em
2009 retrata a importância do segmento alimentos
para a relativa recuperação do mercado de trabalho,
registrando-se em todas as regiões – excetuando
no Nordeste, por razões sazonais – contratações
líquidas nessa atividade. Vale mencionar, ainda, a
recuperação expressiva registrada nas contratações
relativas ao Centro-Oeste, movimento associado, em
grande parte, à representatividade da produção de
alimentos na região.
Tabela 4 – Emprego industrial
Novos postos de trabalho
Em mil
Discriminação
Peso na indústria
Sudeste
Out-Dez/2008
Jan-Mai/2009
Out/2008-Mai/2009
-214,7
-54,8
-269,5
12,7
-21,4
-24,8
-46,2
Metalurgia básica
8,3
-19,2
-37,7
-56,9
Alimentos
8,3
-84,5
65,3
-19,2
-80,2
Veículos automotores
Sul
-72,1
-8,1
Alimentos
20,7
-10,8
7,2
-3,6
Veículos automotores
13,6
-4,6
-5,9
-10,5
Máquinas e equipamentos
12,0
Nordeste
-6,3
-6,7
-12,9
-11,5
-88,6
-100,1
-78,3
Alimentos
26,3
1,1
-79,4
Produtos químicos
20,2
-1,5
-0,5
-2,0
7,8
-1,5
-0,5
-2,0
-17,4
-15,8
-33,2
Refino de petróleo e álcool
Norte
Material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações
20,2
-4,8
-3,5
-8,4
Alimentos
16,0
-2,9
0,7
-2,2
Outros equipamentos de transporte
13,7
-1,4
-2,1
-3,5
-29,5
20,8
-8,8
Centro-Oeste
Alimentos
64,5
-20,5
23,5
2,9
Produtos químicos
13,6
-1,4
-0,2
-1,6
Metalurgia básica
7,3
-0,4
-1,0
-1,4
Fonte: Caged/MTE
O exame do processo de recuperação da
indústria brasileira sob a ótica regional ratifica
o movimento observado em análises anteriores
relativas à indústria do país, realizadas nas
últimas edições do “Relatório de Inflação” do
Banco Central. Em síntese, a divergência entre a
intensidade da retomada da indústria nas distintas
regiões traduziu as características das respectivas
estruturas produtivas, sendo beneficiadas, nos
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Julho 2009
meses recentes, as direcionadas à produção de
bens com menor valor agregado e destinados, em
especial, ao mercado interno, menos impactadas,
portanto, pelo ambiente recessivo nas principais
economias mundiais.
Nesse cenário, a recuperação da atividade
industrial tem sido sustentada, fundamentalmente,
pelos segmentos de bens de consumo – duráveis,
semi e não duráveis – com ênfase no desempenho
das atividades alimentos, evidenciando a relevância
do mercado interno, e veículos, traduzindo o
estímulo às vendas nesse segmento decorrente da
redução temporária do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), bem como da restauração da
oferta de crédito para pessoas físicas. Em oposição,
ressalte-se o recuo observado na produção de bens
de capital, comportamento típico em períodos de
maior instabilidade e acentuado pelo processo de
crescimento constante da capacidade instalada
registrado em anos recentes. Evidenciando os
argumentos mencionados, a indústria da região
Centro-Oeste, na qual o setor de alimentos
detém participação preponderante, apresentou
maior resistência aos efeitos da crise mundial,
contrastando com o desempenho negativo da
indústria de transformação da região Sudeste, que
concentra parcela representativa das exportações de
produtos industrializados do país.
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