Estratégias para integração sul-americana:
uma análise do papel do Brasil.
Cintiene Sandes Monfredo Mendes
(Universidade Federal do Rio de Janeiro )
Flávia Matilde Seidel Osorio
(Universidade Federal Fluminense)
Artigo preparado para FLACSO-ISA
Joint International Conference, Buenos
Aires, Argentina, 23-25 de Julho de
2014.
Buenos Aires, Argentina, 2014.
RESUMO
Este trabalho tem como principal objetivo analisar o papel do Brasil, por
meio de sua política externa, enquanto agente incentivador do processo de integração
regional. Desde seu ingresso como membro do Mercosul, o Brasil vem valorizando sua
relação diplomática com os países vizinhos através da cooperação, e mais, em recentes
anos, os laços desta relação tem se estreitado por meio do que se chamou relações eixo
sul-sul, como prioridade.
Nesta ação externa, o Brasil ganhou credibilidade em órgãos internacionais
e também na América do Sul e fomentou o projeto de criação pela defesa conjunta –
Unasul – atualmente com 12 países membros. Embora mantenha a diversidade de uma
“inserção estelar” (AMORIM, 1993) em sua política externa, a primeira prioridade do
Brasil é a América do Sul. A integração para o Brasil tem um sentido estratégico e se
inicia no âmbito econômico com a formação do Mercosul, enquanto União Aduaneira,
extrapolando para os âmbitos político, cultural, geopolítico, social e de defesa a
caminho de uma integração mais consolidada e de confiança institucional, com a
criação da Unasul.
Por conseguinte, a análise das variáveis citadas correlacionadas à
abordagem da Política Externa Brasileira, caracterizada como cooperativa, darão escopo
a este trabalho. Uma possível hipótese para este trabalho é a ideia de que o exercício
diplomático brasileiro com uma reputação cooperativa tem sido colaborador no
processo de uma integração regional mais efetiva. Esta última, embora exposta às
críticas de um sistema institucional ainda de baixo nível, tem-se ampliado como modelo
estratégico para atender interesses coletivos regionais.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the role of Brazil, through its foreign policy,
while encouraging the regional integration process. Since joining as a member of
Mercosur, Brazil is enhancing its diplomatic relations with neighboring countries
through cooperation, and, in recent years, the bonds of this relationship have been
narrowed by what was called South-South relations, as a priority axis.
Brazil has gained credibility in international organizations and in South
America, and promoted the project of creating Unasur, currently with 12 member
countries, through that external action. Although Brazil maintains the diversity of a
“stellar insertion" (AMORIM, 1993) in its foreign policy, South America is its first
priority. Integration to Brazil has a strategic direction and starts in the economic field
with the formation of Mercosur, while customs union, extrapolating to the political,
cultural, geopolitical, social and in defense en route to a more consolidated and
institutional trust levels integration with the creation of Unasur.
Therefore, the analysis of mentioned variables correlated to the Brazilian
foreign policy approach - characterized as cooperative, give scope to this work. A
possible hypothesis for this work is the idea that the Brazilian diplomatic exercise with
a cooperative reputation has been collaborator in a more effective regional integration
process. The latter, although exposed to the criticism of a low level institutional system,
has expanded as a strategic model to meet regional collective interests.
Introdução
O Brasil tem um papel relevante no processo de integração regional, bem
como no processo de cooperação como um todo. É atuante em dois blocos importantes e
estratégicos: O Mercosul e a Unasul. O potencial de desenvolvimento econômico,
social, político, a proximidade cultural, incentivos no campo da defesa e segurança são
questões conjuntas e articuladas por ambos os blocos.
As relações de política externa brasileira apresentam características de eixo
horizontal e vertical (PECEQUILO, 2008), o que demonstra o multilateralismo como
escolha de relações internacionais. A diplomacia brasileira durante o período do
governo de Luiz Inácio da Silva – o presidente Lula- do período de 2003 a 2011,
ganhou forte projeção internacional e legitimou-se pelas relações de cooperação em
diversas situações de conflito no mundo. Desde a América do Sul até relações no
Oriente Médio, o Brasil mediou divergências de interesses que envolviam inclusive
grandes potências da política internacional como os Estados Unidos.
As percepções acerca da política externa brasileira são pontos importantes
no desenvolvimento deste trabalho, visto que o debate que se insere aqui faz referência
aos objetivos e relações do Brasil com a América do Sul, tida como prioritária nos
assuntos internacionais e na diplomacia brasileira. Portanto, os blocos de integração
regional passaram a ser elementos estratégicos para a acentuada liderança que o Brasil
pode vir a ter no hemisférico sul e que atualmente é assunto de muita divergência entre
especialistas de política externa. Afinal, o Brasil é uma liderança ou ainda não
conseguiu se estabelecer como tal?
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é um modelo de integração regional
que visa ao desenvolvimento econômico e social. Atualmente com cinco países
membros - Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai1 e Venezuela – o bloco tem aspecto
comercial, ampliando as trocas entre os Estados membros e também geoestratégico,
convidando membros e observadores a cooperarem acerca dos diversos valores
estabelecidos no Tratado de Assunção (1991), dentre eles a livre circulação de bens,
serviços e pessoas.
1
Suspenso desde 2012, quando do golpe constitucional do então presidente do Paraguai, Fernando Lugo. O Mercosul tem destaque na política externa brasileira, entretanto o pouco
engajamento político e econômico dos Estados no bloco tem bloqueado seu
aprofundamento institucional, necessário para ampliação da integração. As divergências
entre os membros têm deixado as expectativas de cooperação aquém das possibilidades
de resolução das crises políticas e econômicas, e em pouco tempo o Mercosul, de uma
situação inalterada em sua política, observou a suspensão do Paraguai, as políticas de
reciprocidade aplicadas entre Brasil e Argentina acerca de divergências comerciais e
uma enfraquecida atuação do Brasil enquanto liderança regional, ou seja, um retrocesso
no processo de integração.
A Unasul, conjuntamente ao Mercosul, possui objetivos voltados ao
desenvolvimento econômico, político e social, mas sua atuação maior é no campo da
defesa e segurança regionais, com investimento em áreas de energia e infraestrutura. As
negociações coordenadas pela Unasul a fim de prevenir e resolver conflitos entre os
membros tem sido eficiente, ampliando o diálogo político entre as nações.
O objetivo deste trabalho é analisar a participação do Brasil no incentivo ao
processo de integração regional mediante atuação nos blocos Mercosul e Unasul, bem
como verificar o significativo papel da política externa brasileira na cooperação
regional. Para tal, iniciaremos com uma descrição da política externa brasileira e seus
avanços e seguiremos com a apresentação dos blocos.
Os Rumos da Política Externa Brasileira
“(...) This agreement does not make Brazil a world power. Brazil has
a population of 100 million, vast economic resources, a very rapid
rate of economic development. Brazil is becoming a world power, and
it does not need our approval to become one, and it is our obligation
in the conduct of foreign policy to deal with the realities that exist”.
(Henry Kissinger)2
O Brasil tem um papel singular na política internacional e ao longo dos anos
manteve-se confiante na perspectiva cooperativa para ganhar espaço e reputação. Suas
relações de proximidade com potências como os Estados Unidos e seu desempenho
2
Apud. KISSINGER, Henry. Does America Need a Foreign Policy. Toward a Diplomacy for 21st
Century. Nova York: Simon and Schuster, 2001, pp. 159-160. In: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O
Brasil como potência regional e a importância estratégica da América do Sul na sua política
exterior. Temas & Matizes, nº 14 – Segundo semestre de 2008. www.unioeste.br/saber.
diplomático no eixo sul-sul demonstram as mudanças conjunturais externas e as
escolhas da potência emergente na qual se tornou.
Durante o período final da Guerra Fria, a aproximação política e econômica
com os Estados Unidos influenciou as relações exteriores do Brasil e mesmo na
tentativa autônoma do processo decisório manteve-se atrelado ao dinamismo da política
norte-americana. A superpotência ajustava sua agenda sob o viés da cooperação,
entretanto condicionava o crescimento dos países parceiros ao seu próprio interesse e
poder.
Na década de 1980 os países da América Latina, inclusive o Brasil
passavam por crises econômicas, processos internos de privatização, dependência do
capital internacional, influência de empresas estrangeiras e, portanto, uma considerável
vulnerabilidade no plano político-econômico. Foi considerada a “década perdida”
(PECEQUILO, 2008), uma vez que o Brasil não conseguia se inserir como liderança da
região na nova ordem mundial e mantinha a proximidade bilateral aos Estados Unidos
como prioritária.
Na América latina, este processo foi conhecido como a “Década
perdida”. Mesmo o Brasil, que desenvolvera sua agenda autônoma e
consolidara sua potência não escaparia deste destino: a hiperinflação,
estagnação, instabilidade, pressões da comunidade internacional nos
“novos temas” meio ambiente, proliferação e direitos humanos. Frente
a estes desafios internos e externos, a pergunta que surgia era como
superar a crise e se reenquadrar. Tal pergunta gerou fissuras no debate
doméstico sobre qual seria o caminho mais adequado a seguir: alguns
argumentavam que era preciso retomar o eixo bilateral-hemisférico,
devido a supremacia dos EUA, aderindo o país aos padrões sócio,
político e econômicos do pós-Guerra Fria, enquanto isso, outros
sugeriram a correção dos rumos da postura global-multilateral.
(PECEQUILO, 2008)
Nesta perspectiva, a política externa brasileira sustentava a “autonomia pela
exclusão”. A escolha alinhava o Brasil ao eixo vertical – com o Primeiro Mundo, na
qual cooperava com as potências de maneira estratégica e, talvez naquela conjuntura,
única. O capitalismo, com sua versão mais competitiva, ampliava os espaços entre
Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo, nomenclaturas atualmente superadas, tendo sido
substituídas respectivamente por países desenvolvidos e países em desenvolvimento.
Deste modo, a cooperação regional passou a ser uma frente de credibilidade e de se
adequar à nova ordem mundial com a chamada “autonomia da integração”, que viria
com a participação do Brasil no cenário internacional por meio das organizações
internacionais (PECEQUILO, 2008).
A conjuntura ainda dos anos 90, assistia tanto a perspectiva da dependência
às grandes potências quanto a criação e implementação de projetos de integração com
países vizinhos que pudessem ampliar as trocas comerciais, culturais, sociais, com
harmonização política e de forma geoestratégica. O Brasil, em 1991, em conjunto com
Argentina, Paraguai e Uruguai, incentivados pelas políticas desenvolvimentistas e por
outros projetos de integração que já eram parte histórica da América Latina, como a
ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), estabeleceram o tratado
constitutivo do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) – Tratado de Assunção.
A consolidação do Mercosul como uma união aduaneira iniciava uma nova
proposta para o Brasil enquanto política externa: a possibilidade de alcançar uma
liderança na América do Sul e que posteriormente, ampliou a expectativa para o
hemisfério sul, não somente em relações de cooperação com os países vizinhos, mas
também com países da África e Ásia. O multilateralismo passou a ser o ponto
estratégico da cooperação e associou de forma equilibrada a relação de eixo combinado
vertical-horizontal (PECEQUILO, 2008)
Três conceitos definem a prática do multilateralismo, segundo John
Ruggie. Princípios norteiam a coordenação entre os Estados, como o
princípio da não-discriminação ou nação mais favorecida, o qual
governa o regime de comércio multilateral. O conceito de
indivisibilidade indica que os princípios acordados são aplicados a
todos os Estados envolvidos. Finalmente, o conceito de reciprocidade
difusa, mais amplo de abstrato do que a ideia de troca mútua, marca
essa arquitetura das relações internacionais. A associação entre o
multilateralismo e as OIGs é intensa, pois provêem o espaço social e
os recursos necessários para a prática do multilateralismo poder
avançar. Por outro lado, os princípios, a lógica da indivisibilidade e a
reciprocidade difusa favorecem o processo de legitimação das OIGs o
sistema internacional (HERZ, HOFFMANN, 2004).
O multilateralismo é característica da política externa brasileira, que se
engaja portanto, em relações com diversas nações de maneira cooperativa e ampliando
sua reputação positiva. A formação histórica da Política Externa Brasileira sempre
apresentou como alternativa às divergências o uso da diplomacia e negociação e não o
recurso à guerra. Esta posição brasileira tornou-se nos últimos anos estratégica para sua
inserção na política internacional como um ator relevante e com grande credibilidade.
Contudo, não somente a política diplomática e cooperativa brasileira ganhou
projeção internacional. Seu crescimento econômico e sua atuação principalmente na
América do Sul o tornou potência regional. Os discursos por justiça social e cooperação
além da expansão positiva da ação brasileira juntamente à ONU com a participação na
MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para estabilização do Haiti) foram essenciais
para o fortalecimento da imagem de uma potência emergente.
Conhecer a inserção geopolítica do Brasil é crucial para se
entender a definição de seus interesses nacionais, entendidos os
últimos como as orientações substantivas das políticas
internacionais do país, bem como a visão da elite pertencente à
comunidade da política externa. Um dos principais vetores da
inserção internacional do país tem sido sua localização no
Hemisfério Ocidental, historicamente uma área da projeção de
poder e influência econômica e cultural dos Estados Unidos,
mas que, com exceção da Segunda Guerra Mundial, de escasso
valor estratégico na política externa daquele país. Por outro lado,
o Brasil tem se deparado com um contexto geopolítico regional
estável, uma vez que já no final do século XIX e início do XX,
havia resolvido a seu favor praticamente todos os conflitos
territoriais com seus vizinhos, a ponto de se autodeterminar um
“país geopoliticamente satisfeito”. Em certo sentido e ao
contrário de seus vizinhos, o processo de construção do Estado
brasileiro foi realizado antes, pelo recurso da negociação
diplomática do que pela guerra. Finalmente, desde a segunda
metade do século XX, o Brasil ocupa uma posição dominante
com relação aos demais países sul-americanos. (LIMA, 2005)
Neste sentido, o Brasil passou a ter uma importante influência na América
do Sul e um maior incentivo para sua projeção internacional. No escopo deste trabalho,
ressaltamos os blocos Mercosul e Unasul como estratégicos na expansão e credibilidade
brasileira, bem como do estabelecimento de uma política externa mais autônoma em
relação ao processo decisório de grandes potências. O arranjo político e institucional por
meio dos blocos incentiva o desenvolvimento cooperativo e a capacidade de inserção
internacional de forma mais equilibrada em meio ao sistema capitalista, bem como
estabelece uma série de objetivos de harmonização política, diminuição das assimetrias
econômicas, planejamento social, investimento em infraestrutura e educação.
A integração na América do Sul passou ser ponto referente na política
externa brasileira e promoveria na região a estabilidade democrática e segurança
regional, bem como o desenvolvimento econômico. “A vocação da América do Sul é a
de ser um espaço econômico integrado, um mercado ampliado pela redução ou
eliminação das dificuldades e obstáculos ao comércio, e pelo aperfeiçoamento das
conexões físicas em transportes e comunicações”3.
Construção Histórica do Mercosul e seu papel atual
O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) foi constituído em 1991 por
quatro Estados-membros: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai por meio do Tratado de
Assunção. A proximidade comercial entre Brasil e Argentina e a Associação Latino
Americana de Integração (ALADI) foram processos que antecederam a construção do
bloco e incentivaram a cooperação comercial como forma de desenvolvimento
econômico regional. Assim, o Mercosul se estabeleceu com propósitos, a princípio,
aduaneiros, com a busca de diminuição de assimetrias na região e com a ampliação de
seus mercados ao mercado internacional angariando melhores formas de competição.
Neste contexto, o Tratado de Assunção de 1991 tem como objetivo a livre
circulação de bens, serviços e fatores produtivos, a coordenação de políticas
macroeconômicas, a implantação de uma Tarifa Externa Comum (TEC) e a
harmonização das legislações como possibilidade de ampliar acordos para a integração.
O artigo 1º do Tratado de Assunção aborda:
1La circulación de bienes, servicios y factores productivos entre
los países, a través, entre otros, de la eliminación de los derechos
aduaneiros y restricciones no arancelarias a la circulación de
mercadorias y de cualquier outra medida equivalente;
2El establecimiento de um arancel externo común y la adopción
de uma política comercial común com relación a terceiros estados o
agrupaciones de Estados y la coordenación de posiciones em foros
económicos comerciales regionales e internacionales.
3La coordinación de políticas macroeconómicas y sectoriales
entre los Estados Partes: de comercio exterior, agrícola, industrial,
fiscal, monetária, cambiaria y de capitales, de servicios, aduaneira,
de transportes y comunicaciones y otras que se acuerden a fin de
assegurar condiciones adecuadas de competencia entre los Estados
Partes;
4El compromiso de los Estados Partes de harmonizar sus
legislaciones en las áreas pertinentes, para lograr el fortalecimento
del proceso de integración. (TRATADO DE ASSUNÇÃO, 1991)
3
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil como potência regional e a importância estratégica da
América do Sul na sua política exterior. Temas & Matizes, nº 14 – Segundo semestre de 2008.
www.unioeste.br/saber.
A estrutura institucional do Mercosul foi definida a partir do Protocolo de
Ouro Preto em 1994 constituindo um Conselho Mercado Comum, Grupo Mercado
Comum e Comissão de Comércio Comum. O processo decisório pautado no princípio
intergovernamental forma o arranjo institucional do bloco, passando também pelo
Parlamento Mercosul (Parlasul), atualmente apenas com efeito consultivo e com
diretiva democrática.
Além da definição estrutural do Mercosul, o mesmo tem priorizado o
compromisso democrático por meio do Protocolo de Ushuaia I e de sua reafirmação
com o Protocolo de Ushuaia II; estabeleceu em 2002 o Protocolo de Olivos com o
Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul, para fins de resolução pacífica de
divergências implantando os Tribunais Ad Hoc e Permanente de Revisão e ainda, possui
o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), aprovado em 2004
para a realização de projetos em benefício das economia menores.
O Brasil tem grande participação para o FOCEM. Atualmente é a economia
de maior investimento no órgão com mais de 70% de participação em comparação com
as economias menores: 27% de investimento da Argentina, 2% do Uruguai e 1 % do
Paraguai. Com a entrada da Venezuela, houve um investimento equivalente ao da
Argentina o que somou mais capital ao bloco.
Com os investimentos da Venezuela, o FOCEM contou com recursos anuais
de US$ 127 milhões de dólares. Este valor necessita ser ampliado para atender as
demandas de investimentos em áreas sociais e de infraestrutura do bloco.
Tabela
disponível
mercosul-focem
em
http://www.mercosul.gov.br/fundo-de-convergencia-estrutural-do-
Assim como o Brasil exerce uma importância econômica no Mercosul, sua
atuação política como mediador e negociador de conflitos intrabloco também é muito
relevante. Contudo, podemos avaliar a ausência de participação e liderança brasileira na
negociação de alguns conflitos, como por exemplo a chamada “Questão das Papeleiras”
que envolveu Uruguai e Argentina em um contencioso levado ao Tribunal Arbitral Ad
Hoc do Mercosul e à Corte Internacional de Justiça de Haia. Para uma resolução rápida
deste contencioso, o Uruguai solicitou ao Brasil a mediação do mesmo, que se absteve
de qualquer negociação no conflito.
Para uma análise mais apurada da Política Externa Brasileira na América do
Sul, a abstenção em mediar os conflitos no bloco tem atendido à perspectiva da própria
liderança que se quer exercer, sendo um risco para o Brasil, ser avaliado como ausente
em questões de conflito. Entretanto, para não arriscar-se ser considerado um país
“subimperialista” na região, optou por deixar a resolução do conflito sob os auspícios
do Tribunal do Mercosul, órgão responsável para tal.
O caso das papeleras envolveu diretamente em um conflito Argentina
e Uruguai. O contencioso referia-se à autorização do Uruguai na
construção em seu território de fábricas de papel e celulose que,
segundo o governo Argentino afetariam ambientalmente o Rio
Uruguai, um rio transfronteiriço. A empresa espanhola Ence S.A e
finlandesa Botnia foram autorizadas a construir duas fábricas de papel
e celulosa às margens do Rio Uruguai, o que levou a Argentina a
questionar se as fábricas seriam uma ameaça à contaminação das
águas, que passam pela fronteira de seu território, e que não somente
afetaria o rio mas também as populações ribeirinhas. (MONFREDO,
2012)
Para não afetar sua reputação e credibilidade regional, o Brasil não exerceu
de fato uma liderança e uma atuação efetiva na resolução da crise das papeleiras. Muitos
especialistas em política externa criticaram a ausência de liderança do Brasil, mas foi
estratégico naquela conjuntura para consolidar seu papel de potência regional.
Logo, o Mercosul tem um papel importante para o Brasil enquanto atuação
de política externa na América do Sul e no mundo. O desenvolvimento regional e a
possibilidade de ampliar o mercado e o poder de barganha são características
provenientes da relação Brasil – Mercosul e Brasil-Unasul (sendo a relação brasileira e
o bloco Unasul explicado no item seguinte).
Para a política exterior do Brasil, o Mercosul constitui um
projeto político, que a crise do neoliberalismo e a permanência
de assimetrias tornaram mais flexível. Segmentos organizados
da sociedade brasileira pretendem utilizá-lo em benefício de
seus negócios, enquanto a diplomacia o percebe como
instrumento de reforço do poder de barganha internacional.
Tudo somado, a integração destina-se a criar o pólo regional
com que melhor se possa realizar metas do multilateralismo, da
reciprocidade e da globalização da economia brasileira. No
fundo, como em todos os países e quadrantes das relações
internacionais, a hegemonia do nacional se impõe. (CERVO,
BUENO, 2010)
A Construção Histórica da Unasul e seu papel atual
Um momento que poderia-se determinar como o marco inicial das
negociações que levariam alguns anos depois à formação da Unasul, foi a primeira
reunião de cúpula dos países da América do Sul em Brasília, no ano 2000. A ideia de se
fazer progredir a integração regional, partiu do Mercosul, e um plano de ação para a
integração da infra-estrutura regional foi então instituído, sob o nome de IIRSA,
denominado desde 2013 COSIPLAN, ou Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
Planejamento.
A Unasul (União de Nações Sul-Americanas) foi formada em 2008 através
de seu tratado constitutivo, durante a III Cúpula de chefes e chefas de Estado e de
Governo na américa do Sul, em 23 de maio de 2008. Dela constam os 12 países sulamericanos, os quais foram ratificando o tratado nos anos subsequentes até 2011,
quando o tratado constitutivo, de fato, entra em vigor. O objetivo geral da Unasul é:
Construir de maneira participativa e consensuada, um espaço de
integração e união no âmbito cultural, social, econômico e
político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as
políticas sociais, a educação, a energia, a infra-estrutura, o
financiamento e o meio ambiente, entre outros, com vistas a
eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão
social e a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir
as assimetrias no marco do fortalecimento da soberania e
independência dos Estados. (Tratado Constitutivo da Unasul,
2008).
No mesmo ano em que foi criada, o Brasil propôs a criação também de um
órgão diretivo, para a segurança e defesa do subcontinente. O Conselho de Defesa e
Segurança (CDS) também foi bem sucedido, mesmo após a reticência do governo
colombiano de Uribe, que condicionou sua adição ao tratado a: que a tomada de
decisões da união fosse por consenso, que a participação fosse exclusivamente das
forças institucionais dos países membros e, por fim, que houvesse “rechaço total aos
grupos violentos” (BBC Brasil, 2008), referindo-se às Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (FARC), a qual fazia parte da lista de grupos terroristas divulgada pelos
Estados Unidos e aceita sem restrições pela Colômbia. A Unasul e mais especificamente
o CDS, embora não sejam uma aliança militar, enfatizam a segurança regional zelando
pela não ingerência de fora da região, afastando consequentemente, quando no caso de
contenciosos na área, “a interferência de potências e órgãos externos em sua solução,
tais como a OEA [Organização dos Estados Americanos], o Grupo do Rio e o velho
Tratado Interamericano de Assistência Recíproca [TIAR] firmado no início da Guerra
Fria” (CERVO e BUENO, 2010).
No seu escopo de argumentação para que a cooperação traga resolução de
problemas internos aos países, o tratado constitutivo da Unasul diz que esta integração
ajudará no avanço rumo ao desenvolvimento sustentável e bem-estar dos povos, e na
contribuição da resolução da pobreza, exclusão e desigualdade social (Tratado
Constitutivo da Unasul, 2008). No seu escopo de relações externas, ou seja, do bloco
para alhures, a integração busca fortalecer o multilateralismo global, de maneira
equilibrada e justa, com a prevalecência da igualdade soberana dos Estados e de uma
cultura de paz em um mundo livre de armas nucleares e de destruição em massa
(Tratado Constitutivo da Unasul, 2008). Também, baseia-se no respeito à
autodeterminação dos povos, cooperação, paz e direitos humanos universais, dentre
outros atributos, também encontrados no artigo 4º da Constituição Brasileira,
demonstrando a harmonia de interesses encontrados em ambos. Tal perspectiva se
corrobora com o que diz Cervo e Bueno (2010) de que “o pólo de poder criado, [na
América do Sul], se efetivamente operacional, realizará interesses brasileiros”.
É importante salientar, contudo, que embora, ao reconhecimento da
liderança do Brasil venham atreladas ideias de imperialismo precedentes à quaisquer
tentativas de integração durante o século XX, este pensamento é um equívoco.
Demonstração dessa nova capacidade integracional que se configura na região é a atual
crise na Venezuela, que vem sendo tratada pela Unasul, juntamente com a Alba
(Aliança Bolivariana para as Américas) e a Caricom (Comunidade do Caribe) e cuja
liderança do Brasil se demonstra em sua escolha política e estratégica de dar voz ativa a
todos os membros, abstendo-se de maior penetração no caso, o que se coaduna até
então, com sua política exterior diplomática, para com outros Estados, extrabloco.
O Brasil, juntamente com a Venezuela (principalmente no governo de Hugo
Chávez) tem sido o maior articulador no papel de integrador sul-americano nos últimos
anos. Foi o mentor e articulador das negociações do Mercosul e da Unasul, apóia a
CAN e outros mercados que venham a se formar no subcontinente, como no caso da,
em vias de negociação, Aliança do Pacífico e busca manter sua posição, contudo,
distribuindo atividades e lideranças pontuais, no sentido de fazer com que haja uma
participação ativa e efetiva de todos os membros. A ideia é de fazer com que os blocos
econômicos formados na região converjam e, não somente isto, trabalhem
cooperativamente, no sentido de que haja uma real integração, também com a América
Latina e o Caribe. De todas maneiras, vale salientar que, de acordo com CERVO e
BUENO (2010):
alguns governos não entendem a integração como estratégica
eficiente para a superação das dificuldades. Nessas condições, a
política exterior brasileira de forte caráter integracionista, utiliza
os processos de integração para estabelecer ou consolidar a rede
de cooperação e poder ao sul, partindo da América do Sul e
avançando para alianças [também] com outras regiões.
Diante de tal análise, vale salientar que, mesmo com esta proposta de
expansão multilateral que projetou o Brasil no tabuleiro internacional, mormente no que
concerte às relações sul-sul, com outros grupos encabeçados pelo país, formal ou
informalmente e que se projetam para fora do subcontinente, a Unasul tem sido bastante
produtiva em seu discurso e ações iniciais. O projeto integracionista tem apenas três
anos de atuação e já vem funcionando, se não como uma união ativa, uma efetiva
barreira para a projeção de outras organizações internacionais no subcontinente. Uma
considerável demonstração disso, é a atual crise da Venezuela, cuja suposta falta de
liderança do Brasil tem sido bastante criticada por vários analistas nacionais e
internacionais. Não pode-se ignorar o fato de que a união prima pela soberania de cada
Estado e a não-intervenção, a não ser que seja do interesse do próprio Estado afetado.
Neste caso, ainda que o governo brasileiro não se manifeste de maneira incisiva, a
própria existência da Unasul já é um poder defensivo eficaz na região para que haja
autonomia nas resoluções dos conflitos internos dos Estados.
Considerações Finais
De acordo com a análise travada no artigo, pode-se considerar que a política
externa brasileira tem acentuado na América do Sul o incentivo à cooperação regional.
Em tratando-se dos conflitos existentes na região, o Brasil tem sido criticado fora do
bloco por sua “falta de liderança”, quando se abstém de opinar. Entretanto, este também
pode ser considerado um movimento estratégico, no sentido de afastar paulatinamente
as históricas acusações de sub-imperialismo no subcontinente, por parte deste país.
Destarte, o processo de integração regional tem sido relevante para a
expansão da atuação brasileira na política internacional, bem como a liderança exercida
pelo Brasil na região é movimento estratégico para um aprofundamento da cooperação e
dos blocos regionais como Mercosul e Unasul.
Somando-se a isto o país tem aos poucos gerenciado ações e investimentos
em áreas de grande importância para o desenvolvimento regional e para seu próprio
fortalecimento, em questões de segurança e defesa regionais, energética, infraestrutura,
comercial, social e cultural. Deste modo, mediante priorização da cooperação e dos
relacionamentos pacíficos, o Brasil fortalece sua credibilidade e reputação internacional.
A política externa brasileira que ao longo de sua história esteve atrelada às
grandes potências, como Estados Unidos, em uma relação de dependência, atualmente
prioriza o multilateralismo, dando maior ênfase às relações no eixo sul-sul e mormente,
na América do Sul. A visão brasileira tem como foco legitimar o país como potência
emergente e como ator influente entre os Estados pares e, para isto, organizações
internacionais regionais como o Mercosul e a Unasul são estratégicos e devem contar
com maior engajamento dos Estados membros para o aprofundamento institucional e
consequentemente uma efetiva integração na América do Sul.
Referências Bibliográficas
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O Brasil como potência regional e a importância
estratégica da América do Sul na sua política exterior. Temas & Matizes, nº 14 –
Segundo semestre de 2008. www.unioeste.br/saber.
BBC Brasil.com. Colômbia adere a Conselho de Defesa Sul-americano
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/07/080719_lulauribeconselho
_cj_cg.shtml. 2008. Acessado em 20/03/2014.
CERVO, Amado L, BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. – 3.
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uma análise do papel do Brasil.