A Competência Intercultural em Ações de Responsabilidade Social Empresarial: Uma
Reflexão Teórica sobre Desafios de Gestores Expatriados
Autoria: Grace Kelly Marques Rodrigues, Lucas Lopes Pinheiro
Resumo
Num momento em que o mundo volta as atenções para economias em desenvolvimento como
é o caso do Brasil, as organizações buscam se posicionar competitivamente em escala global.
Os avanços do país no âmbito político, cada vez mais presente nas discussões em nível
mundial, somados à estabilidade da economia nacional, à elevação de investimentos em
tecnologia, à qualificação e eficiência das operações comerciais têm construído um cenário
favorável à inserção de empresas brasileiras no mercado internacional. Dessa forma, ao passo
que a internacionalização de negócios se intensifica, aprofunda-se, também, a dinâmica das
trocas culturais destas junto a realidades culturais distintas de seu país de origem. Nesse
contexto, a temática da diversidade cultural e da vivência intercultural ganha corpo e se
intensifica em debates no campo dos estudos organizacionais, definindo como objetivo para o
presente artigo, refletir sobre os desafios colocados aos gestores que assumem posição de
liderança na internacionalização de negócios fora de seu país de origem, com ênfase na
competência intercultural que lhes é demandada, em particular, quando relacionada a decisões
voltadas a responsabilidade social empresarial em localidades com referências culturais
diversificadas. O recurso metodológico utilizado neste trabalho foi a apresentação de um case
simplificado de estudo, envolvendo a ação de gestores em diferentes contextos culturais. O
aporte teórico do artigo fundamenta-se nos conceitos de cultura, etnocentrismo e competência
intercultural, a fim de embasar a discussão pretendida. Como resultados dessa reflexão,
considerou-se que, ao entrar em contato com realidades culturais diversificadas, o gestor se
depara com situações inusitadas e/ou inesperadas resultantes de um conjunto de valores,
tradições, costumes, enfim, de particularidades que devem ser levadas em consideração
quando da definição de modos de intervenção local, no caso, via ações de responsabilidade
social. Concluiu-se, também, que, não obstante o preparo técnico e gerencial dos gestores
expatriados, as diferentes premissas culturais a que são expostos tornam esse desafio muito
mais complexo, solicitando a esses uma competência diferenciada, aqui entendida como
competência intercultural. Concluiu-se, ainda, que a principal dificuldade associada a
internacionalização de negócios é o desconhecimento do outro, das referências culturais locais
e do consequente despreparo para dialogar com o diferente. Por fim, são apresentadas
considerações acerca da necessidade de se pensar continuamente a competência requerida aos
gestores que vivenciam diretamente a dinâmica de trocas interculturais, atentando para a
importância de se buscar compreender uma realidade segundo a lógica do outro e não
segundo a sua de origem ou a lógica da organização, unicamente. Entende-se, assim, que a
internacionalização de negócios se traduz como um fenômeno muito mais complexo do que
possa parecer.
1
1 Introdução
A história recente do Brasil tem evidenciado os avanços político-econômicos que o país tem
alcançado no cenário internacional. Ainda que de forma simbólica, tem sido reconhecida a
atuação do país no cenário externo, seja por um processo de intensificação diplomática - tendo
em vista os diversos programas de cooperação estabelecidos com países vizinhos e de outros
territórios -, seja por seu posicionamento mediador em conflitos políticos, a exemplo do
episódio recente ocorrido em Honduras. Tal posicionamento sinaliza o crescimento de sua
importância em discussões políticas em nível mundial. Somado a isso, o crescimento dos
investimentos em tecnologia no país, a melhoria na qualificação e eficiência das operações
comerciais e a estabilidade na economia brasileira, têm sido decisivos no processo de inserção
de empresas brasileiras no mercado internacional. Assim, embora o Brasil ainda figure como
um dos países com maior grau de desigualdade de renda no mundo1 e, muitas vezes,
associado a casos de corrupção, vislumbra-se um cenário cada vez mais favorável ao seu
desenvolvimento em uma economia globalizada.
Nesse contexto, a internacionalização de negócios de grandes transnacionais brasileiras tem se
mostrado cada vez mais frequente, fato que as insere em uma dinâmica de trocas constantes sejam econômicas, políticas, sociais e culturais, entre outras - intensificada pelo processo de
globalização da economia, a qual, segundo Roberston (1999, p.23), refere-se “ao mesmo
tempo, à compressão do mundo e à intensificação da consciência do mundo como um todo”.
Além disso, os inúmeros avanços tecnológicos, a exemplo da atualização constante dos meios
de comunicação, têm deixado claro que, apreciando ou não, estando preparados ou não,
vivenciamos, cada vez mais, a experiência intercultural - seja no nível internacional ou
intranacional - aproximando negócios e culturas diversas.
Um estudo sobre internacionalização de empresas brasileiras (SILVA 2003, apud WOOD JR
e CALDAS, 2007) referente ao período de 1989 a 2000 revelou que, naquele momento, ainda
era pequeno o número de organizações que haviam internacionalizado seus negócios, sendo,
em geral, dos setores de energia, siderurgia, metalurgia, celulose e papel e aeronáutico; que
haviam iniciado sua expansão por proximidade geográfica ou de língua (países da América
Latina, Africa e Portugal); e que apenas um grupo pequeno encontrava-se em avançado grau
de internacionalização. Contudo, o breve panorama exposto no parágrafo anterior nos atenta
para o potencial de expansão de empresas brasileiras no mercado internacional.
Segundo Canclini (2008), ainda que a expansão negocial de diversas empresas se inicie por
países mais próximos geograficamente ou de mesma língua, e mesmo que o fenômeno da
globalização sugira um movimento de homogeneização cultural, através das facilidades
trazidas pelos meios de transporte e comunicação, pode-se dizer, também, que são enormes as
diferenças que permeiam toda a população de diferentes países. O autor ressalta que não é
fácil organizar o conhecimento vivencial de tantos grupos em tantos países, nem sequer
integrar as diversas experiências dentro de cada nação. Como exemplo pode-se citar o Brasil
que tem uma grande diversidade cultural em seu povo: são índios, brancos negros, mestiços,
mulatos e caboclos demonstrando valores, costumes e culturas diferentes que podem, em
alguns casos, parecer antagônicas.
Isto posto, é objetivo do presente artigo refletir sobre desafios relacionados à competência
intercultural demandada aos executivos expatriados que, inseridos em realidades culturais
distintas de sua origem - saberes, tradições, visões de mundo, comportamentos e necessidades
2
diversas, ancoradas em realidades e premissas de cada cultura -, assumem a liderança de
políticas e práticas sociais e ambientais em contextos culturalmente diversificados.
2 A Competência Intercultural Associada a Ações de Responsabilidade Social
Empresarial
Segundo Cushner (1996), as organizações contam, cada vez mais, com equipes de trabalho
altamente diversificadas, que misturam nacionalidades, gêneros, etnias, orientações sexuais e
habilidades (ou falta de) variadas. Nesse sentido, a temática da diversidade cultural e da
vivência intercultural ganha corpo e se intensifica nos debates de estudos organizacionais,
refletindo sobre a internacionalização de empresas brasileiras, sobre o papel de gestores
diretamente envolvidos nesses processos - os expatriados2 e, a relação de empresas com a
sociedade, a exemplo de ações de responsabilidade social empresarial3.
Sabe-se que ações empresariais de cunho social não são novas. Tais práticas já eram
desenvolvidas por empresários, como Robert Owen (1771-1858), há séculos. Entretanto, na
maior parte das vezes, ocorriam de maneira não estruturada e decorrentes de motivações
religiosas. Os empresários compreendiam que sua verdadeira responsabilidade social era gerar
lucros, os quais, ainda que indiretamente, repercutiriam por toda a sociedade. Entretanto, com
o passar do tempo, foi se consolidando o entendimento que organizações e sociedade são
interdependentes e que aquelas ao desenvolverem suas atividades produtivas acabam por
produzir nesta efeitos ambientais e sociais diversos. Como o fortalecimento desta perspectiva,
governo, sociedade, clientes, funcionários, entre outros stakeholders, passaram a cobrar cada
vez com mais intensidade que as empresas atuassem com ética e responsabilidade social
(TENÓRIO, 2006).
Segundo pesquisa do IPEA (2006), em 2004, 69% das empresas brasileiras aproximadamente 600 mil - desenvolviam alguma ação social, destinando cerca de R$ 4,7
bilhões para investimentos sociais; no que se refere às grandes empresas, 94% possuíam ações
de responsabilidade social empresarial, sendo que a maior parte se estruturava em
departamentos ou estruturas especialmente criadas para tal finalidade.
Com a consolidação do entendimento acerca da complexa relação entre organizações e
sociedade, assim como da ampliação das práticas empresariais de ação social, verifica-se
também uma complexificação no entendimento conceitual do que se trata responsabilidade
social empresarial (RSE), como pode-se perceber no conceito elaborado pelo Instituto Ethos
(2010), o qual é adotado como referência neste trabalho:
responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação
ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona
e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento
sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as
gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das
desigualdades sociais (INSTITUTO ETHOS, 2010).
A realização de atividades de RSE é um desafio para qualquer gestor, pois implica pensar o
desenvolvimento a partir de valores da própria comunidade. Tal desafio é ainda maior no que
se refere a executivos expatriados que têm o objetivo de pensar ações e programas de RSE em
realidades (idiomas, valores, crenças, modos de pensar e agir etc.) muito distintas das suas.
3
No entendimento de Pedersen (1995) a experiência intercultural deve ser analisada em pelo
menos cinco estágios: (a) o encontro intercultural é um processo e não um evento; (b) se
manifesta em diferentes níveis simultaneamente na medida em que o indivíduo interage com
um ambiente complexo; (c) se torna mais forte ou enfraquece ao passo que o indivíduo
aprende, ou falha, ao lidar com situações culturais atípicas; (d) ensina ao indivíduo
habilidades estratégicas que possam contribuir para o sucesso de toda essa experiência; (e) e
por fim, se aplica a toda mudança radical presentes em circunstâncias não familiares ou
inesperadas.
Entende-se, assim, a necessidade de pensar continuamente a competência requerida aos
gestores que vivenciam a dinâmica intercultural, partindo do pressuposto de que a
internacionalização de negócios se traduz como um desafio muito mais complexo do que
possa parecer - ou seja, transcende a coordenação de atividades técnicas de produção e
comercialização -, estando mais próxima do campo simbólico contido nas relações sociais.
Trata-se do exercício da expatriação vivida em nível diferenciado, que segundo Freitas (2009,
p. 249), “coloca o indivíduo em interação com um outro, diferente de si, permitindo-lhe
vivenciar a alteridade no seu exercício profissional e na sua vida pessoal”.
Pois bem, e que competência seria essa? Aqui referimo-nos à competência intercultural,
entendida como uma capacidade do gestor de reconhecer e compreender a existência de
crenças e valores próprios de cada cultura, assim como estabelecer diálogos produtivos com a
população local, além de dirimir conflitos resultantes de possíveis choques interculturais.
Lidar com negócios no nível intercultural refere-se a algo muito mais pessoal e orientado às
relações do que ao negócio propriamente dito (LANE & DISTEFANO, 1988). Os autores
observam que nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas preferem fazer negócios primeiro
e, após isso, uma relação pode vir a se estabelecer. Já em países latinos, é natural que se
priorize o estabelecimento das relações primeiramente para, então, fechar negócios. Isto
posto, reforça-se nosso entendimento de que o desenvolvimento dessa competência é fatorchave em processos de internacionalização de negócios.
Compartilha-se, ainda, neste trabalho, a concepção de competência intercultural apresentada
por Friedman e Antal (2005), os quais a compreendem como um conjunto de habilidades que
envolvem, basicamente: o saber reconhecer e otimizar as diferenças culturais como recursos
para o aprendizado e para a criação de ações efetivas em contextos específicos; pensar e agir
com base nas premissas de adaptação e na empatia com o outro, bem como na consciência de
que compartilhamos a todo tempo e espaço, um complexo cultural; engajar o outro (equipes
de trabalho, parceiros, comunidades, governos, entre outros stakeholders) a explorar
demandas tácitas que permeiam comportamentos e necessidades da organização e da
sociedade.
E o que dizer quando estes gestores são responsáveis pela implementação de ações no âmbito
da responsabilidade social e ambiental? Nesse caso, entendemos que a competência de
gestores interculturais é notadamente desafiadora quando envolvidos em ações ligadas à
responsabilidade social e ambiental das organizações que representam. Muitas vezes, são
projetos em nível mundial, mas que requerem diferentes posicionamentos e diferentes ações a
depender de cada cultura. Dessa forma, somado aos objetivos negociais, como a consolidação
de uma posição vantajosa em novos mercados, é também solicitado a esses gestores uma
compreensão sutil acerca das necessidades locais, o que significa dizer, saber o que é
importante para uma comunidade, assim como o que esta espera da organização. Tal
compreensão se dá pela empatia cultural, que busca entender uma realidade segundo a lógica
4
do outro e não segundo a sua de origem ou a lógica da organização, unicamente. Daí
depreende-se que a forma com que o indivíduo desempenha essa competência está
intimamente relacionada à sua referência de cultura, tema ao qual apresentam-se breves
noções a seguir.
3 Cultura, Etnocentrismo e Responsabilidade Social Empresarial
Segundo Tylor (1871 apud LARAIA, 2005 p. 30), a cultura seria “todo o comportamento
aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética”. Desse modo, a cultura
pode ser entendida como processo ininterrupto, compondo um universo complexo de
símbolos e significados que se transforma continuamente por meio das interações humanas.
Ao tratar sobre tal conceito, faz-se necessário resgatar a visão de cultura apresentada por
Geertz (1989) que a compreende como:
sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria símbolos,
ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem
ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as
instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser
descritos de forma inteligível - isto é, com densidade (GEERTZ, 1989, p. 10).
De acordo com o autor (op. cit., 1989, p. 62), “nossas ideias, nossos valores, nossos atos, até
mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais”. Desse
modo, percebe-se como todas as ações humanas - desde a forma como este enxerga a si
próprio e aos outros, até como toma suas decisões e interpreta o mundo a sua volta - são
orientadas por suas referências culturais. Em geral, sua bagagem cultural é composta por um
histórico de valores, princípios, hábitos e normas de convivência social provenientes de
gerações passadas e que serão (no todo ou em parte) transmitidos às gerações futuras. Essa
dinâmica constrói uma espécie de ciclo que orienta o comportamento do indivíduo na sua
interação com os outros. Segundo Laraia (2005), nossa herança cultural sempre nos
condicionou ao comportamento depreciativo em relação ao diferente, ou seja, aqueles que
agem fora dos padrões aceitos para a sociedade da qual fazemos parte.
Isto posto, ao considerar que cada cultura possui suas normas de conduta e padrões de
significado, aquilo que é comum para membros de um grupo social pode causar
estranhamento para membros de outra cultura, fato que pode resultar em dificuldades quanto à
compreensão de modos de pensar e agir distintos. Define-se esse tipo de comportamento por
etnocentrismo.
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como consequência
a propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais
natural. Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em casos
extremos pela ocorrência de numerosos conflitos sociais (LARAIA, 2002, p. 7273).
Assim, a partir de uma visão de mundo onde as referências culturais do indivíduo - ou o
gestor expatriado - são tidas como o centro de tudo, o modo de pensar e agir seja interpretado
pela lente daquele primeiro. Nesse contexto, é provável que o “diferente” cause desconforto
na medida em que vai de encontro a uma herança cultural legitimada por um grupo. A partir
disso, é mais provável, ainda, que um gestor encarregado de definir políticas de
responsabilidade empresarial em uma realidade cultural completamente distinta da sua, não
5
consiga captar quais são os valores, os princípios, as necessidades, enfim, o que é de estima
para aquele povo. Estar atento ao comportamento etnocêntrico - exercitar a empatia - revelase como característica fundamental para o desenvolvimento da competência intercultural em
ações de responsabilidade social empresarial. Para ilustrar essa reflexão, tomemos como
exemplo a história a seguir:
4 Paul, Pablo e Paulo em Terras Estrangeiras
O que há de comum entre Paul, Pablo e Paulo, executivos da companhia Transnacional Zeta,
uma das maiores do mundo no setor de energia?
Paul, americano, atua na Colômbia, na cidade de Bogotá. O governo local solicita da empresa
que seja parceira de um projeto com repercussão internacional que garanta a segurança
urbana; um dos principais problemas do país. Paulo, brasileiro, está sendo solicitado pelo
governo de Istambul, na Turquia, a colaborar com recursos da empresa para programas de
geração de emprego e renda. E Pablo, venezuelano, atua em Angola onde é solicitado por
vários organismos governamentais para financiar diversas ações de educação de jovens e
adultos, bancos populares e micro-crédito, reflorestamento e prevenção de AIDS etc.
Os três desenvolvem projetos solicitados pelos governos ou sociedades locais, nos territórios
em que atua a empresa, presente em 25 países em quatro continentes. A Zeta iniciou suas
atividades na América Latina, internacionalizando negócios desde a década de 70. No
momento, desenvolve uma agressiva estratégia de internacionalização. O plano estratégico de
expansão da empresa prevê a “reinvenção” de si mesma até 2020, considerando os desafios da
descoberta de novas fontes de energia. Como fator decisivo de sucesso, a empresa investe em
novos quadros técnicos e gerenciais, devendo contratar o dobro do quadro atual.
O atual quadro dirigente é alvo de diversas ações de capacitação realizadas pela própria
empresa ou por parceiros nacionais e internacionais. Esses gestores têm sido preparados para
tais funções por meio de programas de treinamento tradicionais que exploram, basicamente,
um conjunto de ações e padrões de comportamento guiados, quase que exclusivamente, pela
lógica de mercado priorizando a competição. O tema da capacitação para a gestão
internacional tem sido objeto de diversos estudos (KETS de VRIES, 1997; DOWLING E
WELCH, 2005; BOHLANDER et al, 2005; DAVEL et al, 2008; DERESKY, 2008;
BARMEYER, 2007; CALVEZ e GUENETTE, 2006; FLEURY e FLEURY, 2007;
D’IRIBARNE, 2009).
Por que executivos assumem projetos de apoio ao desenvolvimento dos territórios em que
atuam, já que sua principal missão refere-se aos negócios da empresa? Estariam estes gestores
preparados para estas atribuições? É possível pensar em formas de gestão apropriadas ao
cosmopolitismo e sensibilidade cultural que ações, projetos e programas de responsabilidade
corporativa em culturas distintas requerem? Pode-se pensar em soluções relativas à ações de
responsabilidade social corporativa similares em territórios tão diferenciados como Houston,
Buenos Aires, Iraque e Luanda?
5 Responsabilidade Empresarial e Paradoxos da Gestão Intercultural
Empresas transnacionais são organizações de alta complexidade, que operam interconectadas
em múltiplos ambientes e, ao chegarem a outros países conjugam missões paradoxais:
competir, lucrar, vencer e, simultaneamente, cooperar com programas, projetos e ações do
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governo e da sociedade voltadas ao desenvolvimento social e ambiental dos territórios onde a
empresa atua. As empresas adotam políticas e ações de responsabilidade social e ambiental
por várias razões. A primeira delas, parece ser o efeito mimético e coercitivo que os pactos
globais exercem. A Zeta, por sua vez, é signatária de diversos acordos internacionais de
responsabilidade social empresarial e que busca se posicionar ativamente quanto às suas
obrigações em um mundo globalizado e cada vez mais interligado e interdependente, tanto em
relação à sociedade quanto ao meio ambiente.
A retórica utilizada nos acordos internacionais aponta para múltiplos sentidos e significados.
O que predomina, no entanto, é um chamado à ação e a intervenções em que a empresa
assume papéis de parceria, co-autoria e, por vezes, gestora de ações de desenvolvimento
social e preservação ambiental. No entanto, é importante questionar por que as empresas
aderem a este ideário e como seus gestores executam práticas para as quais não foram
preparados. No caso da Zeta, algumas de suas motivações podem nos dar pistas para essa
reflexão.
Na empresa Zeta, dentre as razões de seus executivos se engajarem em ações, projetos e
programas de desenvolvimento socioterritorial, destaca-se: o entendimento destes de que o
desenvolvimento de tais ações agrega valor à empresa, fortalecendo a imagem e a marca no
país de destino, o que contribui para aliviar a pressão social sobre a mesma; os ganhos
políticos de relação com governos nacionais e locais, bem como com a sociedade organizada.
Como se observa, os executivos da Zeta mostram-se muito mais próximos da lógica de
negócios ao exercerem ações de responsabilidade corporativa do que de compreensão de
premissas culturais e desenvolvimento social.
Ainda investigando as motivações da Zeta para envolvimento em políticas e práticas de
responsabilidade socioambiental, outras respostas são interessantes para nossa reflexão. Por
exemplo, as relacionadas à natureza das ações desenvolvidas, as quais são abaixo resumidas:
- Sobre a natureza das ações que desenvolvem, os executivos referem-se as ações
educacionais de crianças, jovens e adultos, criação e construção de escolas, inclusão digital e
oferta de bolsas de estudo. Esta é a área predominante das atividades (93% dos executivos
registram estas ações).
- Em segundo lugar, com 37% de registros, encontra-se o apoio às atividades de geração de
emprego e renda, incluindo a criação de bancos populares, o estímulo a micro-empresas e a
qualificação de mão de obra local para o trabalho.
- Em terceiro lugar (31%), consta a preservação ambiental, desde os projetos de distribuição
de sementes até a preservação de recursos naturais.
- Em quarto lugar, encontra-se o apoio à ações culturais, isto é, o patrocínio de espetáculos,
grupos culturais, apoio a museus e bibliotecas e à artistas.
Apoio a saúde, a obras de infraestrutura, à organizações não governamentais e a movimentos
sociais são também mencionados.
O caso Zeta é ilustrativo deste paradoxo, ao mesmo tempo em que permite refletir sobre as
lacunas existentes nos estudos organizacionais quando abordam a gestão intercultural na
perspectiva da responsabilidade social corporativa.
6 Territórios Estrangeiros e Gestão Intercultural
7
Gestores expatriados são aqueles que deixam seus territórios de origem por outros. Território,
conceito consagrado nas ciências sociais, especialmente na geografia são locais de relações
sociais, mais do que extensões de terra delimitadas. Neste sentido, a territorialidade humana
aparece como o conjunto de relações mediadas pelo poder entre os distintos agentes sociais
(Estado/Governo), empresas, instituições sociais e cidadãos que se interessem por algum
objetivo comum localizado numa dada porção de espaço geográfico. A territorialidade
implica a capacidade desses agentes de produzirem e/ou organizarem sistematicamente
territórios, segundo um projeto originado por um agente hegemônico (GRAMSCI, 2000).
A competência de gestores expatriados é particularmente desafiada nos projetos designados
como de “responsabilidade corporativa global”. Portanto, em paralelo com a agressiva política
de internacionalização com vistas a conquista de novos mercados, executivos devem dividir o
tempo com ações de responsabilidade social e ambiental, o que evoca necessidades de
desenvolver competências especiais. A principal delas seria entender a lógica do outro.
Esse processo de compreensão do outro, de seu modo de pensar e compreender o mundo, nos
leva a refletir sobre aspectos-chave tratados no âmbito dos estudos organizacionais, como a
construção e reconstrução de identidade nas organizações. Identidade essa que, de acordo
Caldas e Wood Jr. (1997) pode ser analisada sob diferentes perspectivas - seja a partir da
forma como a organização é percebida externamente (ou seja, com atores com os quais se
relaciona), ou pela percepção compartilhada por seus próprios membros.
Assim, compreende-se que as organizações, segundo sua trajetória de desenvolvimento,
constroem mais do que sua história, mas também são atores ativos na construção da cultura
local - tanto influenciam como são influenciadas por ela (RODRIGUES e CHILD, 2008).
Dessa forma compreende-se o papel transformador das organizações no processo de
desenvolvimento social e econômico por meio de ações de responsabilidade social e
ambiental nessas localidades.
A capacitação de gestores para a gestão internacional apresenta dificuldades especiais quando
combina gestão multicultural e diversidade como referem Frenkel (2008). Se no plano dos
negócios a diversidade cultural tem alto impacto, o que dizer da atuação dos gestores quando
esta interfere no desenvolvimento social de territórios? A diversidade das nações já tão
explorada por estudos cross-cultural4 (BLACK e MENDENHALL, 1990; ADLER, 2002;
BARTLETT e GHOSHAL, 1998; HOFSTED, 2001) deve ser analisada em escalas menores
tais como regiões, cidades, lugares.
O reconhecimento da diversidade cultural entre nações tem sido o foco dos estudos da linha
cross-cultural, que criticam as organizações multinacionais ao replicarem práticas de gestão
em “contextos estrangeiros” (STEPHEN, 2001) bem como dos estudos na perspectiva
intercultural, de forte acento interpretativo e interacionista. Nas duas correntes, distinguidas
não apenas por questões semânticas, mas de natureza epistemológica, o território é a nação e
as nações são percebidas como totalidades simbólicas.
A diversidade dos territórios e a sensibilidade para as diferenças entre o urbano e o rural, entre
bairros de mesma cidade, entre enclaves culturais de uma mesma região ocupada por
descendentes de imigrantes de diferentes origens, criam os híbridos culturais que nos fala
Canclini (2001).
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Gestores expatriados lidam com hibridização cultural quando assumem projetos de
responsabilidade social corporativa. Um programa de geração de emprego e renda ou de
profissionalização de jovens envolve governos locais, movimentos sociais, instituições
educacionais, outros financiadores nacionais e internacionais estabelecendo-se relações muito
complexas, por vezes conflituosas. Os riscos e desafios vividos pelos executivos estendem-se
do desconhecimento da realidade local às dificuldades de priorizar projetos, uma vez que a
empresa é solicitada em todas as áreas de políticas sociais.
Visualizam-se neste processo diversos desafios, entre os quais pode-se ressaltar: o de
assumirem, simultaneamente, papéis e funções de governo em alguns países e, em outros,
enfrentarem grande resistência à ajuda estrangeira; a necessidade de assegurar posição de
vantagem competitiva frente à concorrência de outras empresas; conseguir o apoio financeiro
da sede da empresa para estes projetos; e, não sendo descartados, riscos como chantagem,
extorsão, revoltas civis, presença de guerras e guerrilhas e terrorismo, entre outras situações
de conflito que podem ser frequentes a depender da localidade. Neste universo complexo de
políticas. Arrisca-se dizer, porém, que a principal dificuldade provém do desconhecimento do
outro, da cultura local e do consequente despreparo para dialogar com as diferenças.
Não se pode esperar que um indivíduo que foi formado para ser gerente de negócios
transforme-se em gestor social de desenvolvimento de territórios estrangeiros. Corre-se o
risco de que este gestor atue mais como uma espécie de colonizador ou, ainda, que se submeta
a pressões locais inadequadas, comprometendo a si mesmo e à empresa negativamente.
Segundo Santos (2007), em tempos pós-coloniais não é tolerável que um executivo aja como
um colonizador, impondo modelos de desenvolvimento, ou se alie a governos e organizações
não governamentais em projetos inadequados quer pela fragilidade destes, quer pelos riscos
envolvidos em alianças com governos ditatoriais, corruptos, e sociedades com significados
culturais distintos para problemas ambientais, políticas sociais relacionadas a emprego,
gênero e etnicidade, educação de jovens e adultos e apoio cultural.
7 Considerações Finais
Por meio de uma reflexão teórica, este artigo objetivou discutir e estimular as reflexões acerca
da competência intercultural requerida a gestores expatriados que lideram ações de
responsabilidade social empresarial nas localidades para as quais a organização expanda seus
negócios.
Considerou-se que, quando em contato com realidades culturais diversificadas, o gestor se
depara com situações inusitadas e/ou inesperadas resultantes de um conjunto de valores,
tradições, costumes, enfim, de particularidades que devem ser levadas em consideração
quando da definição de modos de intervenção local. A reflexão aqui apresentada, buscou
evidenciar os desafios implícitos nesse processo, como o fato de que, a despeito da
experiência gerencial e conhecimento técnico, demanda-se ao gestor expatriado o
desenvolvimento de uma competência que vai além de suas habilidades técnicas e racionais,
mais próxima do campo simbólico e fundamentada na compreensão do outro, do diferente.
O suporte teórico deste trabalho procurou resgatar, principalmente, os conceitos de cultura,
etnocentrismo e competência intercultural, de forma a embasar a discussão acerca dos
principais desafios ao gestor que vivenciam a experiência intercultural, quanto à
implementação de políticas e práticas de responsabilidade social empresarial.
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A metodologia empregada nesta reflexão foi a apresentação de um breve case envolvendo a
ação de gestores em culturas locais diferentes, a fim de discutir a importância da competência
intercultural para o gestor, e como esta pode influenciar a relação da organização com a
sociedade, na medida em que seja possível à empresa conhecer as referências culturais
estimadas pela comunidade e, assim, possa empreender ações de responsabilidade social e
ambiental condizentes com as características e necessidades daquela comunidade, segundo o
entendimento daquele grupo social.
As análises do case ilustrativo procuraram enfatizar o paradoxo existente entre gestão no nível
intercultural e responsabilidade empresarial, que se resume em um desafio duplo: dar
respostas à comunidade e preservar os interesses de negócios da organização. Procurou-se,
ainda, analisar os motivos pelos quais as organizações aderem a políticas voltadas ao
desenvolvimento de comunidades e preservação ambiental, concluindo que tal envolvimento
se fundamenta, mais por motivações de ganhos para o negócio do que pela compreensão de
valores culturais locais e preocupação com o desenvolvimento social.
Por fim, espera-se que o presente artigo figure como uma oportunidade de se aprofundar no
campo dos estudos organizacionais as análises sobre a competência intercultural em processos
de internacionalização de empresas, sob a perspectiva da responsabilidade social empresarial.
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1
Dados recentes sobre índices de desigualdade social podem ser consultados no Relatório de Desenvolvimento Humano
2009. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2009_PT_Complete.pdf.>.
2
Expatriação é um termo que significa “ir para outro país”, mas também pode ser entendido como “desterro, exílio ou
expulsão da pátria” (AURÉLIO, 2007).
3
Quando empregada no texto, a expressão Responsabilidade Social Empresarial refere-se a toda a ação, por
parte das organizações para com a sociedade, voltada ao desenvolvimento social e preservação ambiental.
4
Refere-se a relação entre duas ou mais pessoas com diferentes referências culturais (BLACK e MENDENHALL, 1990).
11
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1 A Competência Intercultural em Ações de Responsabilidade