A PROTEÇÃO DA POSSE NO 'LEASING',
UMA QUESTÃO VITAL.
(*) JOÃO ANTÔNIO CÉSAR DA MOTTA
Muitas vezes, ao celebrar um contrato de arrendamento mercantil, não sabe bem o cliente distinguir o que está
sendo contratado em toda sua extensão, bem como as gravíssimas consequências que podem advir de uma
eventual interrupção dos pagamentos, mesmo porque, o linguajar jurídico tornou-se tão complicado e técnico que o
leigo não entende o seu significado.
Aliás, tal fato é atestado em processos onde vem sendo realizados exames nos contratos de leasing por peritos
nomeados pelo Poder Judiciário.
Confira-se:
16)
Pode o Sr. Perito dizer, com toda segurança, pela larga experiência que
possui em matemática financeira, se é possível ao homem médio, que não seja
técnico, calcular os valores das contraprestações do arrendamento, na vigência do
contrato, ou os cálculos somente são acessíveis a técnico em matemáticafinanceira?
Resposta
Impossível seria imaginar que um "homem médio" tivesse
discernimento para entender e calcular "os valores das contraprestações do
arrendamento, na vigência do contrato", como demonstrado nas respostas
oferecidas aos quesitos das partes e Anexos 01 e o2.
É preciso lembrar que as Instituições Financeiras, possuem em seus
quadros técnicos profissionais altamente qualificados para executar as
tarefas de cálculos financeiros, sendo esses em sua maioria Engenheiros,
Matemáticos, Economistas ou Administradores de Empresas especializados em
finanças.
Processo nº 466/95 - RUZI VS. BANCO CIDADE LEASING, 34ª Vara Cível do Foro
Central de São Paulo-SP
Assim é que, no mais das vezes, os clientes contratam a operação de leasing e,
logo já nos primeiros pagamentos, se vêem completamente atordoados pelo aumento desmedido das
contraprestações.
E isso porque as práticas do mercado financeiro, apesar de ser rotina em
visceralmente todas as companhias de arrendamento mercantil, não se apresentam amoldadas a legislação, mas
sim decorrem de uma interpretação de maximizar os lucros e minimizar os riscos de toda e qualquer forma, o que se
pode comprovar pela seguinte decisão judicial:
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SÃO PAULO - PORTO ALEGRE - BRASÍLIA
AV. NOVE DE JULHO, 3.229 - CJ. 104
+55 11 3884-1910
+55 11 3884-9779
Tal conduta corresponde à típica mentalidade dominante entre as instituições
financeiras, segundo a qual todo e qualquer prejuízo, inclusive o decorrente de erro próprio, tem
de ser transferido a outrem. Pregoeiras de primeira fila, radicais e intransigentes, da economia de
mercado e da livre iniciativa, nem por isso se submetem a um dos postulados básicos do sistema,
que é o da assunção dos riscos à atividade econômica. O lema é gozar dos bônus sem sofrer os
ônus.
TJRGS, 6ª Câm.Cível julgando em 23 de maio de 1989 a apelação nº 589.019.967,
rel. Des. ADROALDO FURTADO FABRÍCIO
Mas o que resta ao cliente ???
Sempre e invariavelmente, qualquer interrupção dos pagamentos e tentativa de
redimensionamento do saldo devedor esbarra em uma notificação endereçada pela companhia arrendadora em que
a mesma informa que, não iniciada novamente a série de pagamentos, considerará rescindido o contrato e
entenderá como precária a posse dos bens arrendados, '... adotando as medidas judiciais cabíveis'.
Traduzindo, isso significa que se o cliente não pagar o que a arrendadora entende
devido, sofrerá uma ação onde, por meio de liminar, o Juiz determinará a entrega dos bens arrendados à instituição
financeira.
A princípio tudo parece absolutamente legal, tudo normal, mesmo porque segundo
a Lei (Código Civil, art. 100) não se pode entender ameaça o exercício regular de um direito (no caso, a arrendadora
exigir os bens de volta à falta dos pagamentos).
Contudo, há de se ter presente que '... ou o direito serve à ética ou não serve para
nada. Direito que não tenha como finalidade última um ideal ético de justiça, nas palavras de De La Torre Rangel,
perde a sua finalidade e passa a ser o direito do mais forte, ou do mais esperto. Não foi por outro motivo que os
romanos muito cedo deram-se conta que o Direito e ética não poderiam conviver para a formação do seu império;
foi-se o jus para um lado e o faz para o outro. Tanto maior o império, tanto maior a ganância e a ausência de ética'
(Márcio de Oliveira Puggina).
O que se protege, o que deve ser tutelado pelo direito é o exercício regular de um
direito, não o uso abusivo e indevido.
MIGUEL REALE, na obra Lições Preliminares de Direito, Saraiva, 1985, p. 180,
aponta que o abuso de poder negocial é manifesto quanto o detentor exerce-o além do necessário e razoável à
satisfação de seu direito e, sem dúvidas, o desapossamento de bens que, muitas vezes, consistem em equipamento
imprescindível à atividade do cliente, consiste no uso anormal do direito.
Mais ainda, se no contrato se pode divisar vícios e ilegalidades, como perdimento
de parcelas pagas, antecipação da cobrança do valor residual, cobrança de juros sobre tal parcela, estipulação de
juros capitalizados e outras, resta evidente que o desapossamento de bens equivale a uma chantagem a um
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pagamento rápido e expedito, sem discussão, em uma situação veramente aparentada ao tipo penal denominado
extorsão.
Então, a conclusão lógica é que o 'direito' de reaver liminarmente os bens, com o
desapossamento dos mesmos pela arrendadora, consiste no uso anormal de um direito, podendo ser entendido
como ameaça, ao desamparo do acima citado art. 100 do Código Civil.
Se assim é, se a exigência de pronto pagamento, constitui real ameaça, a Lei
Federal fornece meio eficaz para a proteção ao cliente (vítima é o termo correto) da companhia de leasing.
Diz a Lei:
O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse,
poderá impetrar ao Juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado
proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.
Código de Processo Civil, art. 932
Simplificando o que acima se contém, se pode dizer que o cliente ameaçado, tem o
direito de pedir ao Juiz que ordene à arrendadora que não pratique nenhum ato que implique em lhe retirar a posse
do bem arrendado.
Por outro lado, uma situação gravíssima se deve colocar à reflexão, no sentido de
que a própria FEBRABAN, por intermédio de seu Instituto Brasileiro de Ciência Bancária - IBCB, ao patrocinar o 1º
FÓRUM DE DIREITO ECONÔMICO, onde sobre a temática do leasing, deixou claro sobre a possibilidade de,
imediatamente após o desapossamento do bem determinado pelo Juiz, haver a venda extrajudicial do bem.
Isso resta inequívoco quando, respondendo pergunta do então Juiz do 1º
TACiv.SP, o hoje desembargador JOSÉ GERALDO JACOBINA RABELLO, sobre a possibilidade de, após cumprida
a liminar de reintegração de posse, ser possível a venda do bem a terceiro pela empresa arrendadora, assim se
manifestou o Desembargador ARNALDO RIZZARDO:
Acho que há possibilidade de se vender o bem, concedida a liminar, mas sempre
dentro da possibilidade de purgação da mora.
Como está categoricamente afirmado, e as arrendadoras em geral se utilizam deste
entendimento, efetivada a reintegração liminar não há restrição alguma à companhia arrendadora de que não venha
a proceder a venda extrajudicial do bem arrendado, sendo que tal prática vai de encontro ao princípio constitucional
que garante a judicialidade do pleito e veda a venda extrajudicial.
Contra isso, há de se ver o entendimento dos Tribunais em situação semelhante,
onde o 1º TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DE SÃO PAULO, por intermédio de seu digníssimo Vice-Presidente, o
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hoje Desembargador (aposentado) ANTÔNIO RAPHAEL SILVA SALVADOR, estudando a concessão de liminar ao
mandado de segurança nº 622.751-8 em 21 de novembro de 1994 apontou:
Concedo parcialmente a liminar, apenas para que nenhuma venda
extrajudicial dos bens apreendidos se faça antes do julgamento do agravo de
instrumento. A execução é privativa do Judiciário e nenhuma lei ordinária pode
permitir que seja ela feita pelos próprios credores.
No mesmo sentido, a decisão de seu sucessor frente a digníssima Vice-Presidência
daquele Tribunal, Dr. CARLOS ROBERTO GONÇALVES, que estudando a concessão de liminar ao Agravo de
Instrumento nº 716.581-1, em 15 de outubro de 1996 apontou ainda de forma mais abrangente e na direção de
diversas decisões do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
Para prevenir dano de difícil reparação, determino a suspensão em parte do
cumprimento da decisão agravada, para que as máquinas objeto da ação de busca e apreensão
permaneçam depositadas com a agravante, até o julgamento daquele agravo pela Turma.
Assim, mesmo efetivada a apreensão liminar de bens (o que normalmente é
desastroso), ainda assim não poderia a arrendadora proceder nenhuma venda extrajudicial, sendo de fácil
conclusão que eventual liminar concedida em procedimento de reintegração de posse não teria o condão de
beneficiar nenhuma das partes, seja a arrendadora, seja o cliente.
Pois bem, diz a doutrina:
Acentuou-se, anteriormente, que o remédio adequado para evitar a ameaça de
violência à posse é o interdito proibitório.
Enquanto as ações de manutenção e de reintegração têm por finalidade dar um fim,
respectivamente, à turbação ou ao esbulho, o interdito proibitório caracteriza-se pela sua natureza
preventiva, impondo ao réu, uma vez acolhido pelo órgão jurisdicional, um veto e uma cominação
de pena pecuniária, caso ele transgrida a ordem judicial.
Em outras palavras, acolhido pelo juiz o interdito proibitório, impõe-se ao réu um
veto, isto é, um preceito de não fazer (não turbar, não esbulhar a posse do autor) pena de,
transgredindo o preceito, sofrer a imposição de uma pena pecuniária fixada pelo órgão jurisdicional
(CPC, art. 932).
ANTÔNIO CARLOS MARCATO, Procedimentos Especiais, 2ª ed., RT, p. 88.
No caso em exame, a retirada do bem arrendado do cliente constitui ameaça
injustificável, pelo exercício anômalo de um direito, não servindo tal desapossamento em benefício a nenhuma das
partes envolvidas, em especial à arrendadora, que deverá atuar como depositária judicial, com os custos e ônus aí
envolvidos, até o desate da controvérsia.
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Mas o que deve o cliente buscar na proteção possessória ?
Pois bem, em hipótese alguma pode o cliente requerer em Juízo no sentido de
impedir a companhia arrendadora de ajuizar a ação de reintegração de posse. Provimento neste sentido incidiria na
maior das máculas jurídicas, a afronta a constituição !!!
É que se a arrendadora fosse tolhida de ajuizar a ação em foco, se estaria
conspirando contra o artigo 5º, inc. XXXV, que garante a judicialização do pleito.
Contudo, como a esta altura já evidente, a liminar que se encerra no bojo da ação
de reintegração de posse não poderá ser requerida pela arrendadora e, muito menos concedida.
Assim, justifica-se o interdito proibitório pela palmar ameaça de esbulho (perda da
posse) advinda de eventual notificação, combinada com o teor de chantagem que o desapossamento liminar haveria
de conferir, vulnerando o princípio básico insculpido no art. 125, I, do Código de Processo Civil, que garante a todos
igualdade de tratamento na ação.
Reprise-se: Não é demasia sinalar que não se está tolhendo o acesso da
arrendadora ao Poder Judiciário, apenas se está correta e antecipadamente demonstrando que a multimencionada
notificação assenta-se sobre falsa base, sendo o seu uso um exercício anômalo de um direito, não se podendo
reconhecer seus efeitos.
O provimento que haverá de ser solicitado, então, é no sentido de que seja
determinado à arrendadora abster-se em, ajuizando a ação de reintegração de posse, nela requerer medida
liminar.
Como de fácil compreensão, caso não haja a ordem interdital, poderá a
arrendadora ajuizar a reintegração de posse e nela requerer liminar, situação que de pronto não será bem bem
analisada pelo Juízo, o qual, por óbvio, não indagará sobre sua materialidade mas, unicamente, sob seu ponto de
vista formal.
Assim, obviamente poderá a arrendadora obter liminar com base em uma
notificação totalmente viciada, eis que assentada em falsa base.
Mais uma vez: o provimento a ser solicitado NÃO É no sentido de ‘... obstar o
credor de ajuizar a ação’, deverá o cliente requerer que apenas, ajuizando a ação, abstenha-se a arrendadora de
nela requerer liminar de reintegração de posse, sendo que isso não vai de encontro a nenhum princípio
constitucional ou processual e garante a efetividade do processo (CPC, art. 125, inc. I), estando amoldada a
hipótese ao que preconiza o art. 932 do Código de Processo Civil como já anteriormente discorrido:
O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse,
poderá impetrar ao Juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado
proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.
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Ilustrando a questão, há de se observar caso idêntico ao vertente, onde o Juiz da 2ª
Vara Cível de Santos-SP, Dr. RAMON MATEO JÚNIOR, em 07 de agosto de 1996 (Processo nº 1.688/96 - Interdito
Proibitório impetrado por Transcontainer do Brasil Transportes Ltda., em face de BMG Leasing S/A - Arrendamento
Mercantil), acolhendo a promoção interdital, determinou:
... que a instituição financeira se abstenha de, ajuizando ação de reintegração de
posse, nela requerer provimento liminar, ou mesmo, caso já a tenha ajuizado, que informe ao juízo
de sua desistência do provimento liminar, sob pena de, assim não procedendo, responder por multa
diária de 10% do valor contido na anexa notificação enquanto perdurar a desobediência à ordem.
Há de se repisar para bem sedimentar a questão que a ordem buscada, no sentido
de que a arrendadora não venha a requerer liminar, de modo algum arrosta o direito constitucional de ação !!!
E, nesse sentido, a confirmar tal situação, vale observar a doutrina:
O art. 5º., XXXV, declara: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito". Acrescenta-se agora ameaça de direito, o que não é sem
consequência, pois possibilita o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados
...
...
JOSÉ AFONSO DA SILVA, in Curso de Direito Constitucional Positivo, RT, 1991, p.
372.
O ordenamento positivo opera mediante "normas coordenadas a um fim comum"
(di-lo Vicente Ráo, ao discorrer sobre os institutos jurídicos); e uma visão teleológica unitária do
sistema processual jamais será possível mediante o estudo particular de cada instituto na ótica
estreita do exame isolado, sem integração no plano dos grandes institutos fundamentais, onde se
revelam as linhas convergentes aos objetivos traçados. É sobre eles que diretamente atuam os
grandes princípios de direito processual e através deles que adquirem sentido as regras
fundamentais impostas pela Constituição ao sistema de administração da justiça. A maneira como
princípios e garantias influem nos institutos menores e na vida comum do processo já constitui
especificação, filtrada a eles a partir daquele plano superior. É pensar no princípio da igualdade
(igualdade de oportunidades às partes no processo, equilíbrio entre ação e exceção), do
contraditório (participação no processo), da ampla defesa no processo criminal, do juiz natural
(correta atribuição do exercício da jurisdição), do devido processo legal, etc. É claro que todas
essas regras e princípios garantidos pela Constituição acabam por influir em toda a área do direito
processual, como no amplo e importantíssimo campo da prova ou no dos recursos (os graus de
jurisdição), mas em todos eles reflete-se o modo como o sistema legal e constitucional encara
e interliga, no processo, a jurisdição, a ação e a defesa.
Não é exagero, portanto, dizer que os quatro institutos fundamentais resumem em
si toda a disciplina do direito processual. Todo o fenômeno do processo adquire significado global e
sempre resulta melhor explicado, quando visto do patamar em que se situam. Neles está a melhor
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justificação e explicação satisfatória de qualquer instituto menor, de toda e qualquer norma contida
no ordenamento processual.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, in Institutos Fundamentais do Direito
Processual, RT, 1987, p. 76.
Com base nestes lineamentos, se observa que a interpretação coordenada das
normas inferiores, sempre à luz do preceito constitucional, informa que o direito de ação deve ser entendido como
direito de acesso à jurisdição, de modo a não produzir antinomias como se interligam no processo '... a jurisdição,
a ação e a defesa'.
Pois bem, a Constituição Federal assegura, sem dúvidas, a proteção da jurisdição a
direitos simplesmente ameaçados, devendo ser interpretada a norma de acordo que não produza resultados nulos
ao ser aquela requerida.
"Na interpretação da lei processual cumpre, sempre, levar em conta a natureza
instrumental e a finalidade do processo, voltado à prestação da justiça material mediante a solução
do litígio quanto ao mérito. Daí o cuidado e as reservas na aplicação da letra dos Códigos de
Processo, quando conduzir ela ao desvio desta finalidade, transformando o direito processual,
contra a sua natureza, num fim em si mesmo. Só em último caso, quando impossível o
saneamento ou impraticáveis os métodos mais inteligentes de hermenêutica, poderá o juiz
violentar a consciência e sancionar o processo frusto e frustrante."
GALENO LACERDA in RJTJRS 96/248
Assim, o manejo da ação de interdito proibitório não visa violar o direito de ação à
arrendadora mas, sim, assegurar ao cliente a proteção ao seu direito ameaçado, visto o mau uso do direito à
reintegração de posse pela arrendadora.
Entendimento contrário, aí sim, importaria em violar a aplicação do direito
constitucional de ação, desta feita então ao cliente !!!
Se com a liminar pleiteada na ação de interdito proibitório, conforme resta expresso
pela argumentação acima desenvolvida, o acesso à jurisdição resta resguardado pela possibilidade à arrendadora
em vir deduzir as ações que entende cabíveis, dentre elas a decantada reintegração de posse, porque não permitirse zelar ao cliente '... o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados' (cfe. Afonso da Silva)
???
Porquê razão não se permitir velar pela igualdade entre as partes (CPC, art. 125, I),
se com uma liminar de reintegração, possivelmente obtida em outro Juízo com exame apenas formal sobre a
notificação e a posse precária, poderá a arrendadora chantagear a um iníquo inadimplemento (abuso e uso anômalo
de um direito) ???
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Em verdade, se pelo deferimento do mandado interdital houvesse malferimento à
norma constitucional, este se daria em desfavor do cliente, que não poderia objetivar a tutela de seu direito
ameaçado !!!
E tanto isso é verdade que, caso fosse proficiente qualquer argumentação de
violação ao texto constitucional pela ação de interdito proibitório, estariam banidas uma série de ações comumente
praticadas no exercício da jurisdição que impõe '... limites o direito de ação'.
Aliás, fosse procedente o argumento de violação constitucional (direito de ação),
jamais se poderia ajuizar ação cautelar inominada para sustação de protesto.
Explica-se: Deferida a liminar de cautelar para sustação de protesto, tolhe-se a via
da ação falimentar ao sedizente credor, restando-lhe, ainda, a ação executiva. E, justamente por lhe ainda ser
facultado a ação executiva, não se há de argumentar sobre cerceamento em defesa ou inconstitucionalidade por
infringência ao direito de ação !!!
Na mesma esteira e em caso ainda mais drástico, sustado o protesto de uma
duplicata mercantil estaria vedado o acesso da via executiva, face a ser o protesto requisito procedimental para
execução.
Ora, nestes casos (e em tantos outros), segundo o argumento que já se antecipa de
violação ao direito de ação, seria virtualmente impossível sustar protestos, posto que haveria sempre e
invariavelmente colisão com o artigo constitucional que assegura aos litigantes acesso ao Poder Judiciário e, neste
caso, haveria provimento jurisdicional limitando o direito de ação, pois no primeiro não se permitiria ao sedizente
credor a possibilidade em deduzir pleito falimentar e, no segundo, sequer a execução poderia ser manejada.
Obviamente não é isso que diz a Constituição Federal, que não fala em limites de
ação, mas sim de resguardar o acesso ao Poder Judiciário !!!
O que veda a Constituição é que, por lei, provimento jurisdicional ou convenção
entre as partes, seja tolhido o acesso à jurisdição.
Não é o caso aqui comentado e, tampouco, naqueles procedimentos cautelares
acima noticiados, posto que sempre restará acesso franqueado aos sedizentes credores:
Na sustação de protesto de nota promissória adjeta, retira-se a potencialidade
da ação falimentar mas permanece a possibilidade da execução;
na sustação de protesto de duplicata, retira-se a potencialidade da ação falimentar e ação
executiva mas permanece a possibilidade da ordinária de cobrança ou monitória; e,
finalmente,
no caso em exame, sequer se retira a possibilidade da ação de reintegração de posse (ou
qualquer outra), apenas nela não se faculta provimento liminar, não se podendo olvidar que
ainda seria facultado à arrendadora o manejo da ação executiva.
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E tanto é assim que, outras vezes, utilizadas ações cautelares para depósito de
valores realmente devidos e afastamento dos efeitos da mora, revelando liminar para afastar os efeitos de
notificações extrajudiciais e, consequentemente, impedir-se provimento liminar em reintegração de posse (os casos
igualmente versam sobre leasing financeiros) o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO tem assim se
posicionado:
EMENTA: Cautelar inominada preparatória de ação de anulação de cláusula de
contrato de arrendamento mercantil. Admissibilidade do depósito das prestações corrigidas.
Abstenção da prática de atos incompatíveis com esse deferimento, o que não implica em restrição
ao direito subjetivo processual. Possibilidade de ajuizamento das ações permitidas pelo contrato,
observada a prevenção, com submissão, apenas, como ré, ao ditame judicial. Decisão mantida.
Recurso não provido.
TJESP - 10ª Câm. Direito Privado, Agr.Instr. nº 35.593-4/0, Cia. Real de
Arrendamento vs. Transcontainer do Brasil, v.u., j. 25/03/1997, rel. Des. ROBERTO STUCCHI.
Sendo que do corpo do acórdão se colhe:
Nesse ângulo, a cautelar atípica apresenta-se como meio válido e modo seguro de
garantir o resultado final da lide principal e não poderia ser negada a pretexto de ação consignatória
mais adequada, e também eficaz para a paralela apreciação da metodologia utilizada no cálculo da
dívida. O provimento rogado poderia ser atendido, com aptidão para a correção da ameaça, e
não traz em si, nem mesmo em abstrato, remoto cerceamento ao direito subjetivo
processual.
Apenas para afastar a mácula da nulidade de cláusula contratual, são suspensos,
com limitação temporal, meios compulsórios do adimplemento.
Nem por isso a parte estará impedida de propor as ações que lhe competirem
contra a agravada. Não é vedado o acesso ao Judiciário, o que importaria, com indesculpável
ofensa à norma constitucional, em restrição ao direito subjetivo processual.
...
Estabeleceu-se a dissidência com resguardo a direitos, sendo evidenciado, por
outro lado, e ainda que em cognição sumária, a aparência de bom direito e o fundado receio de
que, antes do julgamento da ação principal; surgisse lesão grave de difícil reparação. Na lide
principal, os seus fins não devem afastar irreparáveis efeitos danosos, por vezes com variado e
imprevisível conteúdo, além da amplitude na extensão e na abrangência.
Assim, conjugados os seus pressupostos, a liminar deve ser mantida.
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Como se evidencia pelas decisões acima expostas, resta claro que afastada a
potencialidade de dano que pelos efeitos da mora a arrendadora pretendesse extrair (v.g. liminar em reintegração
de posse), não implica em subtrair-lhe o direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário.
Tanto aqui, como naquele caso, estaria franqueado o livre acesso à jurisdição, seja
a reintegração de posse, seja a execução, não sendo tolhido nenhum meio de ação (dentre tantas) às instituições
financeiras, restando apenas, e evidentemente, o resguardo à paridade de armas entre os litigantes (CPC, art. 125,
I), com a suspensão '.... com limitação temporal, meios compulsórios do adimplemento'.
Ou seja, se veda a chantagem por uma iníqua liminar de desapossamento !!!
Mais uma vez, em caso semelhante, se observe o que referenda o TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE SÃO PAULO, agora concedendo liminar onde, frente ao juízo singular, não havia sido obtida:
Trata-se de contrato de arrendamento mercantil tendo por objeto 02 caminhões
Volvo modelo NL 10.340.
A agravante reclama que o pacto adesivo contém cláusula complexa que deu
margem a cobrança de prestações escorchantes por parte da agravada.
Por sua iniciativa, foi realizada perícia contábil pela qual constatou que, desde o
início, o requerido vem cobrando valores a maior que o efetivamente devido em decorrência do
contrato. Juntou planilhas como prova do alegado (fls. 39/41).
...
Por isso, não se trata de extrapolar os limites dos direitos da agravante ou de
afrontar a ordem econômica vigente nem contrarias súmula do STF. Cada caso é um caso.
No caso "sub judice" existe o "fumus boni iuris" bem como o "periculum in mora",
posto que, se indevidas as quantias reclamadas, a reparação será difícil para a agravante.
Sendo assim, a liminar deve ser deferida, em parte, exclusivamente para que a
requerente afaste a mora depositando nos autos da cautelar as prestações vincendas de acordo
com os demonstrativos de fls. 39/41
TJESP - 9ª Câm. Direito Privado, Agr.Instr. nº 45.713-4/8, Transportadora Cortês
vs. Finasa Leasing, v.u., j. em 18/03/1997, rel. Des. THYRSO SILVA.
No caso acima referido, resta claro que afastada a potencialidade de dano que
pelos efeitos da mora a arrendadora pretendesse extrair (v.g. liminar em reintegração de posse), não implica em
subtrair-lhe o direito constitucional de acesso ao Poder Judiciário.
Mais explícita ainda foi a liminar obtida por empresa em face da BRADESCO
LEASING, onde indeferido o pleito antecipatório cautelar frente ao Juiz singular, a mesma manejou recurso ao
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egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO que, por intermédio de sua colenda 10ª Câmara de Direito
Privado (rel. Des. QUAGLIA BARBOSA, Agr.Instr. nº 59.265-4) deferiu as liminares postuladas, '... no sentido de
empecer os efeitos materiais de eventual apreensão de bens' com o deferimento dos depósitos cautelares
pugnados.
E justamente por isso, na mesma esteira dos julgados já anteriormente
mencionados é que o egrégio 2º TACiv.SP – 5ª Câm., Agr.Instr. nº 494.523-0-1 Rel. Juiz MANOEL DE QUEIROZ
PEREIRA CALÇAS, j. em 13/08/97, veio a decidir:
Por tais razões é que não vislumbro qualquer ofensa ao direito de ação,
assegurado pela Constituição Federal, em se permitir que o devedor, na condição de
consumidor, peça a proteção judiciária eficaz para não ser despojado de máquinas dadas em
alienação fiduciária, para garantir empréstimo bancário, enquanto pender discussão judicial
sobre a existência do débito reclamado e a apuração correta do valor eventualmente devido.
Vale a pena destacar recente acórdão da lavra do Des. ROBERTO STUCCI, do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no Agravo de Instrumento nº 35.593-4/0,
assim ementado:
"Cautelar inominada preparatória de ação de anulação de cláusula de contrato de
arrendamento mercantil. Admissibilidade do depósito das prestações corrigidas. Abstenção da
prática de atos incompatíveis com esse deferimento, o que não implica em restrição ao direito
subjetivo processual. Possibilidade de ajuizamento das ações permitidas pelo contrato, observada
a prevenção, com submissão, apenas, como ré, ao ditame judicial. Decisão mantida. Recurso não
provido".
No referido acórdão consta lapidar ensinamento que também se amolda à hipótese
vertente:
"... Apenas para afastar a mácula da nulidade de cláusula contratual, são
suspensos, com limitação temporal, meios compulsórios do adimplemento.
Nem por isso a parte estará impedida de propor as ações que lhe competirem
contra a agravada. Não é vedado o acesso ao Judiciário, o que importaria, com indesculpável
ofensa à norma constitucional, em restrição ao direito subjetivo processual. Que fique claro, está a
agravante inibida apenas de prática de atos incompatíveis com deferimento do depósito das
prestações, não sofrendo limitações senão as decorrentes de sua condição de ré, podendo
ingressar em Juízo, com as demandas que considerar necessárias"
Assim, considerando-se que os direitos do consumidor inserem-se no rol das
garantias constitucionais e levando-se em conta os direitos básicos do consumidor, previstos do
Código de Defesa do Consumidor, lei de ordem pública, especialmente à luz do artigo 83 daquele
"Codex", "in verbis": "para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela",
reconhece-se como legítima a utilização da ação de interdito proibitório para obstar a
pretensão liminar de busca e apreensão, quando verossímel e nos termos do artigo 6º, VIII, a
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alegação do devedor de exigência abusiva do credor garantido por alienação fiduciária.
Observe-se, ainda que nenhum risco ou prejuízo suportará o credor, pois, já garantido pela
alienação fiduciária, no caso, o MM. Juiz ainda determinou a prestação de caução idônea no prazo
de três dias, reforçando-se e adicionando-se a garantia em prol do credor.
Nesta ordem de idéias, qualquer argumento por sobre entendimento de
malferimento ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, manifestamente é improcedente, posto que a se lhe admitir,
seriam banidos do exercício da jurisdição uma série de ações que, como antes apontado, limitam o denominado
direito de ação (relembre-se: sustado o protesto de duplicata mercantil se veda, sem dúvidas, o ingresso pelo
portador de ação executiva).
Mais ainda, houvesse efetivo malferimento da norma constitucional, este se daria
em face do cliente, que não poderia, efetivamente, ter acesso à jurisdição '... para assegurar direitos simplesmente
ameaçados' (cfe. AFONSO DA SILVA).
Concluindo, há de se bem ver que não é vedado à arrendadora o exercício da ação
reintegratória nos moldes do art. 926 e seguintes do Código de Processo Civil, com as condicionantes do art. 265,
IV, 'a', do mesmo diploma legal, o que se deverá impedir são '... os meios compulsórios de adimplemento'. Isto é,
de com a liminar de desapossamento chantagear a um iníquo adimplemento e colocar ao cliente o uso anormal e
abusivo de um direito.
(*)
João Antonio César da Motta é advogado em São Paulo/SP, autor do
livro Os Bancos no Banco dos Réus, da Editora América Jurídica. Professor convidado junto ao
Congresso de Direito Bancário na Comunidade Européia (Lisboa-1997), ao 1º Simpósio
Internacional de Direito Bancário (São Paulo-1998) e ao Encontro Nacional de Responsabilidade
Civil (Recife-2000).
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A Proteção da Posse no `Leasing`. Uma Questão Vital.