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A lógica do Colégio Eleitoral
Beto
mar/08
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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA / Folha 01.11.2004.
A falta de conhecimento que vá um pouco além da mera superfície em relação às instituições políticas dos
EUA vem provocando, desde a eleição presidencial naquele país em 2000, uma série de interpretações a
respeito do Colégio Eleitoral americano que não levam em consideração aspectos importantíssimos capazes de
explicar a sua existência. O fato de o Brasil nunca ter sido verdadeiramente uma Federação faz muitos
observadores locais esquecerem as características essenciais desse tipo de organização do Estado.
A Constituição americana, primeiro exemplo de pacto federal entre Estados soberanos da história, garante uma
autonomia entre os participantes desse acordo que nem de leve se compara à que existe ou jamais existiu entre
as unidades da chamada Federação brasileira. O fato de essa união entre as 13 colônias que originaram os
EUA ter ocorrido há mais de 200 anos não altera a realidade de que elas eram como países independentes
quando se juntaram. Ninguém se surpreende com as precauções tomadas pelas nações da União Européia nos
dias atuais para, em seu projeto de Constituição, garantir algum tipo de equilíbrio entre população e
representatividade dos Estados membros na tomada de qualquer decisão que afete o conjunto do grupo. Assim,
por exemplo, o projeto de Constituição recém-aprovado e que vai ser encaminhado para o referendo de todos
os 25 países da UE prevê a necessidade de uma dupla maioria para aprovação de projetos: 55% dos Estados
membros, desde que representem pelo menos 65% da população da UE.
O Colégio Eleitoral que escolhe o presidente e o vice-presidente dos EUA foi concebido para garantir que a
vontade e os interesses dos Estados mais populosos não sobrepujassem sempre os dos demais componentes da
Federação. Isso faz todo o sentido. Não seria aceitável, por exemplo, que, na Assembléia Geral da ONU, as
decisões fossem tomadas por um sistema que reproduzisse a proporcionalidade entre os habitantes dos Estados
membros. China e Índia teriam vantagem permanente sobre todos os demais membros da ONU. O conceito
fundamental da Constituição americana é o de que ao Estado federal compete coordenar a pluralidade dos
centros de poder que o compõem.
O governo federal foi concebido para ter uma quantidade de poderes suficiente apenas para garantir a unidade
política e econômica de seus membros. Uma das razões da riqueza institucional americana é exatamente a
noção de que os Estados, os condados e os municípios decidem por conta própria grande parte dos temas de
seu interesse.
Pode-se argumentar que, nos quase dois séculos e meio que se seguiram à formulação constitucional do país, o
poder do Estado federal cresceu substancialmente. Talvez hoje em dia já tenha chegado a hora de rever
aqueles princípios. Mas continua não sendo absurda – e menos ainda divorciada da tradição histórica e cultural
dos EUA – a noção de que a simples soma de votos individuais de cidadãos seja insuficiente como único e
exclusivo critério para resolver quem deve ser o presidente do país.
No século 20, o problema nunca se pôs até o último de seus anos, 2000, porque em todas as eleições
presidenciais anteriores a vantagem de um candidato sobre os demais foi clara e inequívoca (embora, em
1960, na votação universal a diferença entre Kennedy e Nixon tenha sido inferior à verificada em favor de
Gore contra Bush em 2000). Além disso, o primeiro lugar no Colégio Eleitoral coincidiu com o vitorioso no
número absoluto de votos de eleitores.
Quando o país se rachou praticamente ao meio entre Gore e Bush, num virtual empate, a questão surgiu. Por
que seria mais legítima a vitória de um candidato que teve alguns poucos votos a mais do que o outro entre o
total de votantes do que a do candidato que ganhou em maior número de Estados da Federação? Numa
votação da Assembléia Geral da ONU, o que seria mais legítimo: uma decisão tomada com base na vontade de
uns poucos países muito populosos ou na da maioria absoluta dos países membros? A diversidade de
interesses entre Estados como Nevada, Nova York, Califórnia, Iowa, Novo México e Flórida é imensa. Algum
mecanismo deve existir para impedir que uma união entre os Estados com maior número de habitantes
esmague a vontade dos demais.
É certamente possível aperfeiçoar os mecanismos que existem. Talvez a proposta do Estado do Colorado (de
dividir os votos do Colégio Eleitoral proporcionalmente aos dos cidadãos) faça sentido. Ou a fórmula já
adotada pelo Estado de Maine (que radicaliza o princípio do Colégio Eleitoral, ao definir a escolha dos
integrantes do Colégio metade a partir da vitória em cada distrito eleitoral do Estado e a outra metade para
quem receber mais votos no Estado inteiro) seja a mais adequada.
O que não faz sentido é ridicularizar o Colégio Eleitoral americano, como se fosse ou uma invenção bizarra ou
um anacronismo absoluto. Afinal, com ele, há mais de dois séculos, os EUA vêm realizando eleições a cada
quatro anos sem nenhuma interrupção, mesmo em períodos de guerra civil e de guerra contra outros Estados,
sem nunca nenhum dos seus resultados ter sido contestado pela população. Se isso não avaliza um mecanismo
institucional como democrático, o que o fará?
Carlos Eduardo Lins da Silva, mestre em comunicação pela Michigan State University (EUA), livre-docente e doutor em
comunicação pela ECA-USP, é diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi correspondente da Folha em
Washington.
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A falta de conhecimento que vá um pouco além da mera superfície