PARÓDIA: UMA INTERFACE NA APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA
Valdir de Sousa Cavalcanti1
[email protected]
Abigail Fregni Lins2
[email protected]
RESUMO: Este artigo tem como objetivo relatar uma experiência de sala de aula do
Ensino Médio com alunos da 3ª série, no ano de 2007, ao usar a música (e sua
composição em forma de Paródias) no ambiente de ensino e aprendizagem da
Matemática. O assunto trabalhado foi números complexos, sob uma perspectiva
sócio-histórica, o presente estudo tem apoio teórico nos pressupostos de Vygotsky,
que discorre sobre a construção de sentido e de significado da aprendizagem. Neste
caso para compreensão dos aspectos envolvidos na utilização deste gênero –
paródia - no processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Tal abordagem de
ensino não só incentivou e despertou o interesse pela Matemática, como também
contribuiu para sua aprendizagem.
Palavras-Chave: Educação Matemática. Música. Ensino Médio. Aprendizagem.
1
Mestrando do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática da UEPB; Professor
de Matemática do Ensino Médio e do Curso de Licenciatura em Pedagogia.
2
PhD em Educação Matemática; Orientadora e Docente do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de
Ciências e Matemática da Universidade Estadual da Paraíba- UEPB.
1
Introdução
Neste texto apresentamos um relato de experiência, tendo como objeto de
estudo a relação entre a teoria e prática no ensino e aprendizagem da Matemática,
através da música em forma de paródias, composta por alunos da 3ª série do Ensino
Médio, no ano de 2007.
Procuramos desvelar, a partir de algumas fontes, como a música e sua
composição se constituem num campo efervescente na Matemática hoje. Algo a ser
concebido como um saber a ensinar Matemática visando à assimilação dos
conteúdos no Ensino Médio.
A partir da nossa experiência como professor de escola básica, pudemos
constatar, ao longo de nossa trajetória, que embora o estudo dos conteúdos do
Ensino Médio ocupe grande parte do currículo de Matemática da escola básica, a
literatura mostra preocupação por parte de educadores compromissados com a
educação, bem como a falta de interesse por parte dos alunos em relação à
aprendizagem dos conteúdos matemáticos, principalmente no que diz respeito ao
Ensino Médio.
Quanto ao uso da Música na sala de aula, pouco ainda se encontra com
relação a trabalhos de pesquisa tomando-a como recurso didático no ensino e
aprendizagem da Matemática.
Alguns professores/educadores matemáticos, entre eles, Negreiro, Batista,
Ferrari, já fazem uso da Música como recurso didático, apesar de nenhum deles
terem publicações acadêmicas a respeito, mas têm propriedade em falar sobre esse
recurso porque utilizam em suas salas de aulas já há algum tempo, mostrando que a
aprendizagem da Matemática não deve ser passada como outrora fizera tornando-a
uma disciplina técnica e sem funcionalidade, mas, que ao ensinar Matemática
ensinamos conceitos, procedimentos, atitudes, princípios nos quais os alunos vêem
como algo do cotidiano.
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Negreiro desenvolveu um CD (2002) com dez músicas compostas por ele,
tendo as letras voltadas a conteúdos matemáticos. Negreiro atua na Pedagogia e no
Ensino Médio, mostrando que a música pode ser um recurso interessante para as
aulas de Matemática, provocando envolvimento dos alunos e os auxiliando a superar
suas dificuldades.
Matemática e Música: uma abordagem de ensino
Trabalhar com a matemática e a música como uma abordagem de ensino
com os meus alunos durante alguns anos me mostraram a eficácia e relevância para
o ensino de uma disciplina como esta que muitas vezes é vista pelo aluno como a
mais difícil dentro do currículo da aprendizagem, e com este método tem sido
gratificante acompanhar o desenvolvimento destes alunos tanto em termos de
conteúdo como em termos de envolvimento e relacionamento entre eles e comigo
professor da disciplina. Apesar de esta abordagem ser nova em termos de pesquisa
científica, sabemos que a utilização da música juntamente com a matemática data
desde a antiguidade em que os estudiosos chegaram a utilizá-la como bem discorre
Granja dizendo:
A aproximação entre a Música e a Matemática é tão antiga quanto à
própria filosofia. Gradualmente, com a especialização das áreas do
conhecimento em disciplinas, a Música foi-se distanciando da
matemática ao ponto de muita gente achar no mínimo exótica essa
aproximação. (GRANJA, 2006, p. 98)
Gardner (1994), com seu trabalho sobre as inteligências múltiplas, aproximou
de novo esses dois conceitos, sobre música e matemática, embora com ressalva de
que a inteligência matemática não implica necessariamente o desenvolvimento da
inteligência musical ou vice-versa. Para ele, o ser humano possui um conjunto de
diferentes capacidades, entre elas, a Musical - associada à capacidade de se
expressar por meio da Música - ou seja, dos sons, organizando-os de forma criativa
a partir dos tons e timbres.
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Para Granja (2006), tratando do pensamento matemático e o pensamento
musical, ao aproximar esses dois conhecimentos, com suas semelhanças e
diferenças, amplia-se a rede de significações dos alunos. Conhecer é de certa
forma, conhecer o significado. E o significado, mais do que algo estático e pronto, é
construído a partir das relações que estabelecemos entre as coisas. Assim, tanto o
conhecimento matemático como o musical se tornam mais significativos à medida
que essas relações se constituem e se ampliam, vejamos:
Nossa posição é que existe uma forte semelhança entre o
pensamento matemático e o pensamento musical no que diz
respeito às buscas por padrões e regularidades. A matemática
estuda a regularidade presente nas formas e nos números. Na
música, busca-se a percepção das regularidades sonoras e
temporais. (GRANJA, 2006, p. 98)
Faria (2001), define que a música é um importante fator na aprendizagem,
pois a criança desde pequena já ouve música, a qual muitas vezes é cantada pela
mãe ao dormir, conhecida como cantiga de ninar. Na aprendizagem a música é
muito importante, pois o aluno convive com ela desde muito pequeno.
A música quando bem trabalhada desenvolve o raciocínio, criatividade e
outros dons e aptidões, por isso, deve-se aproveitar esta tão rica atividade
educacional dentro das salas de aula. No contexto escolar a música tem a finalidade
de ampliar e facilitar a aprendizagem do educando, pois ensina o indivíduo a ouvir e
a escutar de maneira ativa e refletida.
A música é uma arte que vem sendo esquecida, mas que deve ser retomada
nas escolas, pois ela propicia ao aluno um aprendizado global, emotivo com o
mundo. Na sala de aula, ela poderá auxiliar de forma significativa na aprendizagem.
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Segundo D’Ambrósio (1989, p.15), “a típica aula de Matemática ainda é uma
aula expositiva, em que o professor passa para o quadro negro aquilo que ele julga
importante”.
A questão central é desenvolver o uso de músicas nas aulas de Matemática
para despertar o interesse dos alunos com relação à aprendizagem da Matemática,
que segundo Vygostky (1982), ao tratar da aprendizagem humana o meio social é
determinante no desenvolvimento humano e o qual acontece fundamentalmente
pela aprendizagem da linguagem, que ocorre por imitação. No caso da abordagem
discutida aqui, os alunos, tendo um modelo, podem criar suas próprias composições
e, em interação com os colegas, irão assimilando os conteúdos e conceitos
matemáticos.
A seguir, discorreremos alguns constructos da teoria de Vygostky que se
adéquam ao discutido acima.
A Teoria Vygostkyniana e a Matemática
Ao utilizar a música para ensinar Matemática ativamos o processo de
construção do conhecimento no aluno bem como a facilitação da interação entre os
mesmo que de acordo com Vygotsky e Luria (1976, p. 9) afirmam “todas as
atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social
e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua
comunidade”.
O mesmo acontece nas aulas de Matemática quando utilizamos a música
porque esta já faz parte do meio social dos alunos, desta maneira a Matemática vai
sendo recriada, dando vazão a um novo histórico-social na vida dos alunos.
Segundo Vygotsky (1984) o processo de construção do conhecimento ocorre
em uma complexa dinâmica interativa, da qual participam três elementos essenciais:
o aluno, como sujeito do conhecimento; os conteúdos e os significados; o professor
que atua como mediador. Essa concepção supõe um caminho em direção à
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identificação e análise dos mecanismos mediante os quais ocorre o conhecimento,
sendo neste estudo voltado para o conhecimento matemático. Esta visão
Vygostkyniana corrobora com o estudo em questão, pois visualizamos os três
elementos de construção do conhecimento supracitados, onde o aluno atua na
construção do seu próprio conhecimento à medida que compõe as paródias com os
conteúdos de Matemática e seus significados e por fim, eu, enquanto professor faço
o papel de mediador do conhecimento.
Metodologia
Descrevo aqui a metodologia adotada com os alunos da turma em questão, 3º
série do Ensino Médio, no ano de 2007, a desenvolver o trabalho mencionado
acima, Música e Matemática e discuto uma das composições criada por um dos
grupos.
A partir dos trabalhos desenvolvidos por Negreiro, Batista, Ferrari, sendo eles
os compositores das músicas (paródias) e o professor da disciplina, nossa proposta
é a de provocar a criatividade nos alunos, para que eles próprios componham as
músicas (paródias) com os conteúdos matemáticos a eles apresentados.
Enquanto professor da disciplina de Matemática, uma vez tendo já discorrido
sobre o conteúdo da mesma - números complexos, trabalhando os conceitos e
aplicações, faço uma amostragem para os alunos, das paródias compostas pelos
alunos do ano anterior. Os conhecimentos podem ser utilizados para diversificar e
enriquecer as aulas dentro e fora de conteúdos específicos de Matemática, para
aproximar o aluno da Matemática através da Música. Após a divisão da turma em
grupos é sorteado os conteúdos ficando livre a escolha, pelo grupo, da música e do
ritmo
Os alunos foram divididos em três grupos de nove alunos. Cada grupo ficou
responsável pela escolha da música e composição da paródia com base no tema
números complexos. Todos os alunos aceitaram plenamente o desafio dessa
atividade lúdica.
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Escolhidos os ritmos e as músicas, pelos alunos, a próxima etapa foi escrever
a letra da composição da paródia. Cada grupo teve um prazo de quarenta dias para
finalizar a atividade proposta a eles.
Concluída a etapa sobre a composição das músicas, a etapa seguinte foi a de
gravarem, em estúdio a paródia escrita por eles. Todos os grupos optaram pela
gravação em CD. Os grupos, também chamados de bandas, denominaram-se por:
Os Complexados; Complexados e Os complexos. Os grupos, bandas, fizeram
suas apresentações na sala de vídeo da escola. Fechando assim o trabalho,
desafio, proposto a eles.
Os Complexados: uma banda
Um dos grupos, bandas, denominado Os Complexados, sendo este também
o titulo da composição escrita por eles, se inspiraram na música Whisky à GO GO,
uma das famosas músicas da banda brasileira Roupa Nova.
Abaixo a letra da Banda Os Complexados:
Chama-se Conjunto dos Números Complexos
Pares ordenados de números reais
Podem vir escritos na sua forma algébrica
Ou se quiser na trigonométrica
São divididas em duas partes, a real e a imaginária
Quando o imaginário é igual a zero
O complexo é chamado real
Quando o real é zero
Ele é chamado imaginário puro
Agora recordando a potência do i
Refrão:
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i elevado a zero é igual a um
i elevado a um igual a i
i ao quadrado é igual a menos um
i elevado a terceira é igual a menos i
Na igualdade de números complexos
É tão simples e até legal
Iguala imaginário com imaginário
Fazendo o mesmo no real
Mas já na soma ou subtração
É só ter calma sem afobação
Você junta real com real
Virando assim a igualdade, então
Juntando o imaginário
Agora relembrando a potência do i
Refrão novamente
A composição descrita acima, do grupo de alunos da Banda Os
Complexados, retrata o tema números complexos de uma forma lúdica, não se
detendo a memorização de procedimentos e regras.
Foi apreendido pelo grupo de alunos quais elementos compõe o conjunto de
números complexos, como descrito no início de sua composição:
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Chama-se Conjunto dos Números Complexos
Pares ordenados de números reais
Podem vir escritos na sua forma algébrica
Ou se quiser na trigonométrica
São divididas em duas partes, a real e a imaginária
Quando o imaginário é igual a zero
O complexo é chamado real
Quando o real é zero
Ele é chamado imaginário puro
Ficou claro também, aos alunos envolvidos nesta composição, a manipulação
de números complexos, como segue:
Na igualdade de números complexos
É tão simples e até legal
Iguala imaginário com imaginário
Fazendo o mesmo no real
Mas já na soma ou subtração
É só ter calma sem afobação
Você junta real com real
Virando assim a igualdade, então
Juntando o imaginário
Como também ficou bem entendido a eles como trabalhar potência com
números complexos:
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i elevado a zero é igual a um
i elevado a um igual a i
i ao quadrado é igual a menos um
i elevado a terceira é igual a menos i
Observamos que o grupo de alunos compreendeu a teoria do Conjunto dos
Números Complexos. Mostraram esta compreensão compondo e cantando, ao
contrário da aula expositiva, onde o aluno, geralmente, se detém apenas aos
procedimentos e aplicações do conteúdo.
Este trabalho de compor músicas envolveu também momentos de estudo do
grupo de alunos. Precisaram retomar o que haviam aprendido e trabalhado em sala
de aula, durante as aulas expositivas sobre o conjunto dos números complexos. Nos
momentos de estudo deles, precisaram tomar decisões, como por exemplo, o que
mais de importante se deve saber sobre números complexos, quais as regras
fundamentais dos mesmos e o que deveria estar presente na composição da música
que estavam criando. Ativando-se assim o processo de construção de conhecimento
do e no grupo, dando significado ao conteúdo abordado na composição e já
trabalhado em sala de aula.
Considerações Finais
A Matemática entra em cena constantemente desde o experimento de
Pitágoras até os dias de hoje. Cabe ressaltar que neste artigo não se pretende fazer
com que a Música explique completamente a Matemática, mas sim, estudar as
possíveis aplicações das relações entre a Matemática e a Música na construção do
processo de ensino e aprendizagem desta ciência.
Acreditamos, ao mostrar neste artigo o trabalho apresentado pelo grupo, Os
Complexados, que utilizar-se de melodia, e explorar a relação que existe entre
adolescentes e a música, auxilia no estudo e na compreensão de tópicos
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matemáticos. O que vem corroborar com o processo de construção do
conhecimento, segundo a teoria de Vygotsky: aluno, conteúdos e significados, e
professor enquanto mediador.
Nesse sentido, deixamos o convite para que se aprofunde a busca, em
particular a relação prática/teoria no ensino e aprendizagem da Matemática, através
da música em forma de paródias, possibilitando ao professor efetuar relações entre
Matemática e Música. Assim sendo, acreditamos ter sido gratificante e significativo
trabalhar uma abordagem de ensino por meio de uma atividade lúdica.
O conceito de mediação pedagógica de Moran leva-nos a refletir sobre o
papel do professor como articulador e condutor das ações junto aos alunos, sobre a
sua interferência como educador, e, também, sobre a importância da aprendizagem
significativa de um determinado conteúdo, que faz com que o aluno, como aprendiz,
interaja com o seu meio sociocultural, resultando na aquisição de conhecimentos
significativos que o ajudem a compreender o seu cotidiano.
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RODRIGUES, José Francisco. A matemática e música. Fórum Diderot, Sociedade
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Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
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