Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem
12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR AS EXPRESSÕES GRÁFICAS DE HUMOR NA HISTÓRIA:
UMA METODOLOGIA DE LEITURA PARA AS FONTES TEXTO-VISUAIS
THE GRAPHIC EXPRESSIONS OF HUMOUR IN THE HISTORY:
A READING METHODOLOGY FOR THE TEXT VISUALS SOURCES
Michele Bete Petry1
[email protected]
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir os usos das expressões gráficas de humor
como fontes para a pesquisa e produção teórica em História. Em primeiro lugar,
apresentamos considerações referentes a algumas produções historiográficas
contemporâneas que as tomam como documentos de análise. Em seguida, propomos uma
metodologia de leitura histórica para as fontes texto-visuais a partir de caricaturas,
charges e cartuns produzidos por Sérgio Bonson.
Palavras-chave: expressões gráficas de humor, fontes, História.
Abstract :
The paper aims to discuss the usage of graphic expressions of humour as sources for the
research and theoretical production in History. Firstly, we present considerations
concerning some contemporaries historiographics productions that take them as documents
of analysis. Thus, we propose a historical reading methodology for the text visuals sources
through caricatures, charges and cartoons produced by Sérgio Bonson.
Keywords: graphic expressions of humour, sources, history.
Construir uma narrativa da História sobre os processos sociais, políticos, econômicos
e culturais desenvolvidos em diferentes tempos e espaços implica apreender as
subjetividades que circulam e se movimentam por eles. Nesse sentido, os estudos mais
recentes da História Cultural nos indicam uma série de “novos” caminhos para alcançarmos
análises mais adequadas de um cotidiano bastante fluído. Temas antes pouco visitados e
territórios pouco visibilizados têm ganhado espaço nesta perspectiva, como as
representações históricas por meio das expressões gráficas de humor. À medida que
portam discursos sobre tempos e memórias, as caricaturas, charges e cartuns constituemse em fontes significativas para a construção de narrativas históricas. No entanto, ainda
pouco exploradas nesse campo de saber, elas parecem não ser reconhecidas como fontes
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Graduação em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2008). Mestranda do Programa de Pós
Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR singulares de estudo que necessitam de uma compreensão mais apropriada e de
tratamentos metodológicos específicos. Por isso, neste trabalho, apresento inicialmente
uma análise sobre os usos das expressões gráficas de humor em duas produções
historiográficas contemporâneas para, em alguma medida, compreender sua relevância e
discutir possibilidades de abordagem.
Assim, a primeira delas se refere ao trabalho de Marilda Lopes Pinheiro Queluz,
Humor e Guerra nas Charges de Belmonte e J. Carlos, que objetiva perceber “críticas e
protestos aos acontecimentos do final da década de 30 e início dos anos 40” (QUELUZ,
2008: 1) no Brasil por meio do diálogo entre as charges de Belmonte e J. Carlos publicadas
em jornais e revistas do período. A autora compreende as charges ligadas tradicionalmente
à relação humor-política, atribuindo-lhe uma “vocação combativa e militante” (QUELUZ,
2008: 1)que pode ser identificada, em alguma medida, nas figuras apresentadas e descritas
por ela. No que se refere às produções de J. Carlos, Queluz destaca que “através do
dinamismo das imagens, das formas orgânicas e dos traços sinuosos, J. Carlos propunha um
ritmo de leitura com “jeito brasileiro”” (QUELUZ, 2008: 3) que aproximava “os eventos
internacionais ao cotidiano dos cariocas” (QUELUZ, 2008: 3), como “a associação entre os
vários usos das máscaras e dos desfiles, comparando ao [sic] carnaval com a guerra”
(QUELUZ, 2008: 1).
Nela há a configuração de dois planos e cores distintas, um que traz à frente um
homem portando a inscrição “Guerra” em uma parte da sua fantasia de cor vermelha, e
outro, que coloca soldados combatentes ao fundo nas cores preto e branco. Abaixo lemos:
“Mascaras... – Há povos menos carnavalescos que transformam a fantasia na mais rude
realidade”. A percepção de elementos como estes é fundamental para o entendimento
dessa charge datada de março de 1939. No entanto, a autora não os descreve e nem os
utiliza para realizar uma discussão sobre o tema apresentado. Nesse caso, a charge vem
para fortalecer o argumento de que o chargista “parecia propor ao leitor uma
cumplicidade com a própria cultura” (QUELUZ, 2008: 1). Esse emprego das expressões
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR gráficas de humor é uma tônica no referido trabalho e pode ser exemplificado quando nos
reportamos às referências da autora sobre as produções de Belmonte. De acordo com ela,
Belmonte coloca os personagens da guerra em outros textos, em cenas
conhecidas, revestindo-os com trajes e falas de outras épocas e lugares,
construindo alegorias, paródias, permitindo ao leitor comparações
temporais, recheando as imagens de intertextualidade, citações e
referências que pedem um público atento e com alguma erudição. O efeito
de sentido criado parece ser o de sermos levados à cena da guerra, tendo
em alguns casos, o personagem Juca Pato o papel de nos jogar no centro
das decisões e articulações políticas. Hitler, por exemplo, foi representado
como Gulliver de Swift, o gigante que se levanta para tomar conta da
Europa e estica seu pé até a Inglaterra;22 como cardeal23, como Sansão
(Fig.3) que teve seus cabelos cortados por Dalila (Wisnton Churchill), como
Salomé, pedindo a cabeça da Polônia (Fig.4), como Manolita24, uma
espanhola que lia as cartas, entre outros. (QUELUZ, 2008: 6)
Muito curiosos para identificar em seus desenhos esse trânsito por épocas, lugares e
modos de ser, para interagir com esses personagens, cenas e ações, somos colocados
frente à ausência dessas expressões e à impossibilidade de (re) significá-las. Das cinco
representações citadas neste recorte podemos visualizar no trabalho, sem outros aspectos
interpretativos, apenas duas delas, as referidas figuras 3 e 4, enquanto as outras constam
somente como referências bibliográficas em nota de rodapé. Na tentativa de
compreendermos a escolha da autora sem desvalorizar o estudo produzido, poderíamos
dizer que a problemática encontrada reside mais na inexistência de um caminho
metodológico para tocar essas fontes do que em sua relevância para a autora, uma vez que
para ela o “viés do humor, traz elementos importantes na construção dos significados, no
olhar cotidiano para o que acontecia no mundo” (QUELUZ, 2008: 7).
Também por esse viés, o historiador Elio Chaves Flores busca elaborar uma
narrativa sobre as Representações cômicas da República no contexto do Getulismo,
partindo da análise de uma “série de caricaturas publicadas em jornais e revistas na
duração entre 1930 e 1954, confrontando a intertextualidade dessas imagens com alguns
discursos satíricos e irônicos produzidos por memorialistas” (FLORES, 2001: 133). O autor
pretende “demonstrar que uma determinada cultura política não escapa ao patético e ao
cômico registrados pelas narrativas visuais e textuais” (FLORES, 2001: 133), fazendo uso,
por exemplo, de uma charge criada por Théo para a revista Careta no ano de 1952 com o
título de “Os sonhos do Proclamador”.
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR OS SONHOS DO PROCLAMADOR
GETÚLIO – Que tal a República
DEODORO – Irreconhecível...
A charge aqui apresentada é descrita em detalhes por Flores, que depois a insere no
corpo do texto e, por ela, estabelece um diálogo com aquele tempo e outras memórias:
as imagens do ato fundador ganham destaque, em primeiro plano, nas
insígnias e vestimenta militar do velho general de barbas brancas que se
apóia, indelevelmente, na espada da ordem e se mostra com o olhar
patético diante da pergunta de um político que estava no comando
republicano há mais de duas décadas. “Que tal a sua República?”, isto é,
aquela de 1889, tem ares de uma pergunta distanciada, como se o autor da
mesma já aguardasse pela resposta de um Deodoro fora do tempo, e que
somente poderia resmungar um lacônico “irreconhecível...” (FLORES,
2001: 134)
Ao fazer isso no decorrer de seu trabalho, o autor assume como procedimento de
análise o “que Bakhtin definiu como “método histórico-alegórico” que” (FLORES, 2001:
136), nesse caso, “consiste em desvendar, por entre as imagens performadas, tramas de
acontecimentos que, de uma forma ou de outra, sedimentaram universos simbólicos e
fomentaram a cultura política da República”(FLORES, 2001: 136). Desse modo,
concordamos com Flores que as expressões gráficas de humor podem ser entendidas como
um texto icônico que “ao assumir o lugar de um objeto, de um acontecimento ou ainda de
um sentimento incorpora funções sígnicas” (FLORES, 2001: 138). Nesse sentido, a produção
gráfica de humor mobiliza um universo de signos e “interage com o processo histórico em
que se constitui. Ela é dinâmica, sendo sempre reiterada e atualizada” (QUELUZ, 2008: 1)
pelo contexto e práticas dos sujeitos que a envolvem e a ela estão circunscritos, tornandose, portanto, um meio de representação sobre a história.
Buscando ressaltar essa dimensão no uso das expressões gráficas de humor,
identificamos nas produções historiográficas analisadas tratamentos distintos: um, que
incorpora as fontes ao corpo do texto e outro, que as designam como anexos ou
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR ilustrações. Em ambos os casos, porém, notamos a ausência de uma descrição referente ao
tipo de fonte empregado no estudo e à presença de um caminho metodológico em sua
análise, fundamental quando consideremos a possibilidade de captar horizontes temporais,
espectros da memória e de discursos por meio das caricaturas, charges e cartuns, e
imprescindível quando assumimos o caráter científico da produção historiográfica.
Assim, apresento aqui as expressões gráficas de humor como objetos de um estudo
que vem sendo desenvolvido recentemente por mim, sob a orientação dos professores Dr.
Emerson César de Campos, Dr. Alexandre Fernandez Vaz e Dr. Mario Cesar Coelho, a partir
do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Caricaturas, charges e cartuns: um estudo
sobre as expressões gráficas de humor como fontes para a pesquisa em História e das
pesquisas atuais em nível de Mestrado. As reflexões delas derivadas nos conduziram a este
artigo no sentido de provocar uma reflexão sobre as possibilidades históricas dessa fonte e
os modos de sua apropriação por nós historiadoras e historiadores. Desse modo, propomos
uma abordagem conceitual e uma metodologia de leitura para as expressões gráficas de
humor.
Em um primeiro momento, observamos que por transitarem entre os domínios do
visual e do escrito, as expressões gráficas de humor parecem estar situadas em um ‘entre lugar’ nas fontes de produção do conhecimento. Não se constituem todas elas em
documentos visuais porque às vezes são também escritos e não são apenas escritos porque
em alguns momentos são somente visuais. Assim, embora não exista uma regra
determinante, as caricaturas, charges e cartuns são sempre produções visuais que
assumem como variável a inclusão ou não do texto, uma escolha que parte do autor de
acordo com o valor de comunicabilidade estabelecido, podendo ser ele de auto-suficiência
ou complementaridade.
Portanto, quando a imagem e o texto integram uma mesma expressão gráfica de
humor, ambas as formas não funcionam como suportes um do outro. O texto não é legenda
e a imagem não é ilustração. Uma não vem para comentar “a imagem que, sozinha não é
totalmente entendida” (SANTAELLA, 1999: 55) e nem a outra para simplesmente
complementar o texto (SANTAELLA, 1999: 54) que foi apresentado. Os dois elementos, ao
contrário, possibilitam alcançar o sentido desejado pelo autor, conferindo a essa produção
artística uma forma única de se fazer. Se comunicarem pelo texto e pelo visual, essas
expressões podem ser compreendidas, então, como fontes texto-visuais.
Desse modo, a identificação de narrativas históricas nas expressões gráficas de
humor passaria pela análise de duas estruturas, a da forma: por meio dos elementos
centrais e das categorias de análise; e a da linguagem do texto e/ou da imagem: por meio
das figuras de palavras e pensamento.
Para compreendermos melhor essas noções,
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR tomaremos como base algumas expressões gráficas de humor produzidas pelo artista
catarinense Sérgio Bonson, com a ressalva de que não se encontram datadas por terem sido
coletadas de um sítio eletrônico.
A primeira delas traz como sujeito/personagem o cartunista florianopolitano,
chamado Zé, no exercício de seu ofício. A imagem sugere um tom amistoso, porém
humorístico pelo exagero de seu nariz. Ao provocar o riso, o desenho se torna instrumento
de zombaria da vida cotidiana. Assim, podemos entender a caricatura como um desenho
burlesco com foco em um personagem sem estar obrigatoriamente relacionada a conteúdos
satíricos, porém, sempre ligada à existência de discursos se queiram exaltadores, críticos
ou neutros, porque até estes são representações de um olhar sobre um tempo e uma
memória. Nesse caso, ambos falam do presente, sobre e para ele. A caricatura é,
portanto, uma produção do cotidiano sobre determinados indivíduos para aqueles que
vivenciam um momento histórico comum e compartilham o imediatismo da memória
coletiva.
Já na imagem seguinte, temos um quadro intitulado “Gás Boliviano” que traz como
personagens um liquidificador e dois homens caricaturados. Enquanto o primeiro inala uma
substância em pó diz aos outros: “Valeu moçada, to ligadão!!!”. Podemos notar que a
situação se desenrola na cidade de Florianópolis, uma vez que enxergamos ao fundo a
ponte Hercílio Luz. A cena caracteriza uma crítica ao sistema de abastecimento da rede de
energia na cidade, ao mesmo tempo em que ironiza a solução encontrada: “Calma pessoal!
Vem aí termelétrica com GÁS BOLIVIANO!”. É possível, ainda, que exista nessa referência
ao gás vindo da Bolívia uma alusão ao uso da cocaína, fortemente calcada em estigmas que
de alguma forma provocariam prejuízos e/ou danos.
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR Nesse caso, a partir de sujeitos e situações foi possível construir uma cena de
horizonte maior que dialogasse com o tempo e a memória do presente. Essa perspectiva
compõe fundamentalmente o conceito pensado para a charge. Ela pode ser percebida,
pois, como uma manifestação artística do presente, marcada por memórias instantâneas
que carregam um discurso satírico, não sobre um sujeito em particular ou uma situação
singular, mas sobre ambos combinados. Uma charge trataria de acontecimentos diários a
partir de traços que desejam ironizar atitudes e questionar idéias ou comportamentos que
de maneira geral partem da esfera pública da sociedade e alcançam significação no âmbito
privado, porquê invocam posicionamentos e apreendem relações desenvolvidas em
diferentes cenários de um mesmo tempo, o presente. De modo distinto, temos na próxima
imagem outra estrutura da forma.
Aqui, observamos a existência de três quadros precedidos pelo título “Bala
Perdida”. O primeiro deles apresenta o desenho da ponte Hercílio Luz ao fundo e no plano
anterior um casal acompanhado por um guia turístico que lhes diz “Esta es la nuestra
puente Hercílio Luz”. No quadro seguinte, o mesmo guia mostra-lhes outra construção
importante da cidade ao dizer “Esse es nuestro mercado público”. Já no último quadro, ele
aparece junto ao casal de turistas correndo em direção contrária, apontando para uma
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR bala que surge ao alto e gritando “E aquela es nuestra bala perdida!”. Assim, num
primeiro momento referencia-se a contemplação de monumentos históricos da capital
catarinense e em outro, os problemas que ela possui.
À medida que é estabelecida uma saturação temporal e o movimento entre
sujeitos, situações e histórias, simples ou complexas, consideramos que o desenho
apresentado seja um cartum. De modo geral, um cartum e uma tira cômica ou uma história
em quadrinhos, de modo específico, não dependem da atualidade nem da alusão a sujeitos
conhecidos em uma situação para existir. Eles possuem uma forma própria e livre para
tocar personagens diversos, seres conhecidos, homens ordinários ou mesmo fantásticos
através de discursos também satíricos que transitam entre acontecimentos diários,
recentes ou de passados distantes, que articulam as múltiplas memórias e lembranças na
continuidade de cenas representadas em quadros e tiras. Portanto, o cartum sugere uma
dimensão temporal que funde horizontes e aproxima a memória da narrativa histórica,
possibilitando a construção de uma hermenêutica do cotidiano.
Contudo, a partir das considerações apresentadas podemos afirmar que a distinção
entre os três gêneros das expressões gráficas de humor reside na composição do que
chamamos elementos centrais e categorias de análise. Os primeiros estariam colocados na
escolha de representação: sujeito, situação e narrativa histórica.
Para a caricatura, o
sujeito. No caso da charge, sujeito e situação. No que diz respeito ao cartum, sujeito,
situação e narrativa histórica. Quanto às categorias de análise, estas fariam referência ao
tempo, à memória e ao discurso. Na caricatura, o discurso seria elaborado com intenção de
culto e/ou sátira enquanto na charge e no cartum ele seria fundamentalmente satírico. No
que se refere ao tempo e à memória, a dimensão do presente estaria colocada na
caricatura e bem delineada na charge, ao contrário do cartum, em que poderia haver
também a fusão do presente e passado.
Sendo, então, as caricaturas, charges e cartuns construções imagéticas e textuais
mobilizadoras de um complexo código de signos materiais e imateriais que operam no
domínio do visual concreto e da representação mental, nos interessa compreender, ainda,
a decodificação de tais códigos a partir da constituição da linguagem e suas aplicações
específicas a cada expressão gráfica de humor. Tratando-se de fontes estruturadas a partir
de duas formas complementares por suas particularidades, o texto e o visual, seria de
mister importância o conhecimento das linguagens verbais e visuais empregadas, sobre
uma, pela leitura de palavras, e sobre a outra, pela ‘leitura de imagens’. Nesse sentido,
estudiosos da semiologia estabeleceram um amplo plano de discussão do qual é possível
tomarmos como contribuição para este estudo algumas concepções teóricas.
No que se refere propriamente às expressões gráficas de humor, a transposição de
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR elementos lingüísticos às imagens seria consistente em alguns aspectos já apontados pelo
historiador Rodrigo Patto Sá Motta. Embora afirme que “as caricaturas têm especificidades
e singularidades que configuram uma linguagem própria” (MOTTA, 2006: 28), Motta sugere
que algumas relações entre a linguagem verbal e visual poderiam ser aplicadas ao estudo
das expressões gráficas de humor, como as figuras de linguagem, aqui abordadas enquanto
figuras de pensamento e figuras de palavras.
Para observarmos a presença dessa
estrutura de linguagem no texto e/ou na imagem, tomaremos de modo simples os
exemplos de uma charge e um cartum apresentados anteriormente.
Recordemos o personagem do liquidificador, à medida que o desenho de algo
inanimado assume ações de natureza humana e a ele se atribuem sentidos, há a
transformação de um ser inanimado em animado e, portanto, o uso da personificação, uma
figura de pensamento. Já no que se refere aos quadrinhos que se encerram com a bala
perdida, notamos que ao utilizar a bala como símbolo da violência, o desenhista fez uso de
uma figura de palavra, recurso denominado linguisticamente de metonímia. Como bem nos
lembra Motta, ela “consiste na figura de retórica em que o todo é representado por uma
de suas partes, ou em que um objeto é designado por uma de suas características”, o que,
nesse caso, ocorre em relação ao primeiro quando se transpõe o significado do desenho.
Admitindo que as expressões gráficas de humor possuam um conteúdo codificado
em recursos de linguagem é possível identificarmos uma gramática da língua também nas
imagens. Sem que houvesse a intenção de classificar meramente um desenho às referidas
figuras, pretendemos demonstrar que a leitura de caricaturas, charges e cartuns, embora
determinada pelas subjetividades que acompanham cada leitor, alcançará o caráter de
objetividade dessa fonte quando dominar os instrumentos adequados para sua
decodificação. Nesse sentido, importa considerar que as caricaturas, charges e cartuns são
produtos da vivência cotidiana, e portanto, constituídas no “agora” para o “instante-já”.
Justamente por captarem o imediatismo da memória coletiva é que podem ser tomadas
como fontes de pesquisa para a História, mas ao fazermos isso, é preciso inseri-las no
processo de curta e/ou longa duração.
Por esse motivo, apontamos a necessidade de um olhar atento e observador aos
pontos de intersecção entre a fonte texto-visual e seu meio de veiculação, ou seja, entre
as expressões gráficas de humor e os jornais. É importante que uma leitura sobre essas
fontes passe por dois níveis de análise na imagem, o da internalidade e o do suporte, bem
como pela investigação de estudos já realizados sobre o tema e/ou período apresentados
na fonte texto-visual para sustentar a compreensão e a elaboração da narrativa histórica.
Esse momento do estudo em que são combinados pistas e indícios pode ser caracterizado
como o cruzamento de fontes e dados, no qual o humor aparece como um elemento que
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12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR imprime o tom da mensagem e que liga a produção da fonte a sua recepção, o autor ao
leitor e a fonte ao historiador.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. São Paulo: Editora Hucitec, 1987.
FONSECA, Joaquim da. Caricatura: a imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e
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FLORES, Elio Chaves. Representações cômicas da República no contexto do Getulismo.
In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA - vl. 21, nº 40. São Paulo, 2001.
LAGO. Pedro Corrêa do. Caricaturistas Brasileiros. Rio de Janeiro: Sextante, 1999.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Jango e o Golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Jorge
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PETRY, Michele Bete. Caricaturas, charges e cartuns: um estudo sobre as expressões
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disciplina de Orientação do Trabalho Monográfico no Curso de História da Universidade do
Estado de Santa Catarina – UDESC, 2008.
QUELUZ, Maria Lopes Pinheiro. Humor e Guerra nas Charges de Belmonte e J. Carlos. In:
Anais
Anpuh.
Disponível
no
endereço
eletrônico:
www.anpuh.uepg.br/Xxiiisimposio/anais/textos/. Acesso em: jun. 2008.
SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. IMAGEM: cognição, semiótica, mídia. São Paulo:
Iluminuras, 1999.
Sítio eletrônico das expressões gráficas de humor produzidas por Sérgio Bonson.
www.cidadesilustradas.quadrinho.com
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