SUMÁRIO
Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................ 11
Contextualização da disciplina .................................................................................. 12
UNIDADE I
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA
1.1 - Explicação do termo Teoria
1.2 - Especificidade do Literário (Ciência Analítica X Ciência Fenomenológica)
1.3 - Teoria: Cientificismo X Teoria: Fenomenologia (Eduardo Portella)
1.4 - Posicionamento crítico em favor da Fenomenologia (Eduardo Portella)
O Dever da Crítica Literária em Relação ao estudo da obra de arte literária
1.5 - Explicação do termo Crítica
1.6 - Objetivo da Crítica Literária (visão cientificista)
1.7 - Crítica Literária e Teoria Literária:
A Crítica como consciência do Fato Literário (visão fenomenológica)
1.8 - Retrospectiva: A Natureza do Fenômeno Literário
UNIDADE II
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA: CARACTERES (CARÁTERES) INTERDISCIPLINARES
2.1 - O atual caráter interdisciplinar da Teoria Literária
2.2 - Crítica de Eduardo Portella sobre as terminologias Teoria da Literatura e Teoria
Literária
2.3 - Crítica e História Literária
2.4 - Crítica e Sociedade
2.5 - O percurso histórico da Crítica Literária
2.6 - Reavaliando a atuação da Crítica Literária (Neuza Machado)
UNIDADE III
CRÍTICA LITERÁRIA: MODERNIDADE X PÓS-MODERNIDADE
3.1 - Modernidade
3.2 - Modernidade: Imanência e Imediatismo (≠ de transmanência)
3.3 - Pós-Modernidade
3.4 - Temas e Variações da Pós-Modernidade
3.5 - Sobre a Poesia Pós-Moderna
3.6 - Sobre as Sociedades Capitalistas Pós-Modernas
3.7 - Pós-Moderno / Pós-Modernismo (Nicolau Sevcenko)
3.8 - Pós-Moderno / Pós-Modernismo (Jair Ferreira dos Santos)
3.9 - Pós-Moderno / Narrativas
3.10 - Tendência Literária
3.11 - Narrativa Pos-Moderna/Pós-Modernista de 1a Geração
3.12 - Narrativas Pós-Modernas/Pós-Modernistas de 1a e 2a Gerações
3.13 - Sobre o Marxismo Independente de Georg Lukács como auxiliar nos estudos de
literatura pelo ponto de vista de Teofilo Urdanoz
3.14 - Modernidade/Pós-Modernidade: características sócio-culturais e ficcionais
(Século XX ao início do Século XXI)
3.15 - Sobre a Ficção Pós-Modernista (2a Geração Brasileira) de Rogel Samuel (Neuza
Machado)
3.16 - Leitura Crítico-Reflexiva de Neuza Machado (Sobre O Amante das Amazonas de
Rogel Samuel)
QUADRO-SÍNTESE DO CONTEÚDO
PROGRAMÁTICO
UNIDADE
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
I - Teoria Literária X Crítica Literária
Explicação do termo Teoria
Especificidade do literário
Teoria: Cientificismo X Teoria: Fenomenologia
Posicionamento crítico (Fenomenologia)
Explicação do termo Crítica
Objetivo da Crítica Literária (cientificismo)
Crítica Literária e Teoria Literária (Fenomenologia)
A Natureza do Fenômeno Literário (retrospectiva)
Levar ao aluno informações que definem a
situação do texto literário (Arte Literária),
chamando a atenção para os aspectos que
possam orientar teoricamente e criticamente suas leituras.
II - Teoria Literária e Crítica Literária
- O atual caráter interdisciplinar da Teoria Literária
- Crítica de Eduardo Portella sobre as terminologias
Teoria da Literatura e Teoria Literária
Crítica e História Literária
Crítica e Sociedade
O percurso histórico da Crítica Literária
Reavaliando a atuação da Crítica Literária
Levar o aluno a reconhecer no texto literário a categoria genérica do mesmo.
III - Crítica Literária: Modernidade X Pós-Modernidade
Modernidade
Modernidade: Imanência e Imediatismo
Pós-Modernidade
Temas e Variações da Pós-Modernidade
Sobre a poesia Pós-Moderna
Sobre as Sociedades Capitalistas Pós-Modernas
Pós-Moderno/Pós-Modernismo
Pós-Moderno/Narrativas
Tendência Literária
Narrativa Pós-Moderna/Pós-Modernista de 1a Geração
Narrativas Pós-Modernas/Pós-Modernistas de 1a e 2a
Gerações
Sobre o Marxismo Independente de Georg Lukács
Características Sócio-Culturais e Ficcionais da PósModernidade
Sobre a Ficção Pós-Modernista no Brasil
Leitura Crítico-Reflexiva de O Amante das Amazonas
(romance de Rogel Samuel) – Neuza Machado
Levar o aluno a reconhecer a Literatura da
Pós-Modernidade.
CONTEXTUALIZAÇÃO DA DISCIPLINA
A disciplina Teoria Literária IV, acrescida de saberes de Crítica Literária, visa
reafirmar e consolidar o leque de informações que foram utilizadas no decorrer dos
cursos de Teoria Literária I, Teoria Literária II e Teoria Literária III, e, ao mesmo
tempo, apresentar as renovadas e/ou inovadas orientações teórico-críticas do atual
momento histórico, orientações estas que permitirão a sempre necessária e exigida
reciclagem de um contínuo e atualizado conhecimento do texto literário (seja o texto
pesquisado literatura-arte ou não). A Crítica Literária, enquanto conhecimento que
busca a capacidade de julgar as camadas particulares do texto-arte e/ou paraliterário, e
enquanto complemento indispensável às diversas diretrizes teóricas (replenas de
conteúdos universais), sempre estará em evolução, acompanhando o próprio processo
transformador da disciplina aqui realçada, apresentando-se, por este aspecto, como
contribuinte interdisciplinar, imprescindível, para que o estudioso da literatura possa
interagir com todas as camadas de qualquer texto literário (as camadas visíveis e as
camadas invisíveis).
Este conhecimento se somará às informações dos cursos anteriores, pois, além
de permitir a continuação das explorações de todas as possibilidades e fundamentos da
Teoria Literária, afora o perrmanente reconhecimento dos papéis da mimésis e da
catársis no fenômeno literário, o analista e/ou intérprete continuará a ter condições de se
disciplinar a estudar, com reanimado empenho, e, por tais motivações, continuar a
desenvolver o senso crítico no intuito de prosseguir em estudos posteriores, tais como
Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu em Teoria Literária e Literatura propriamente
dita, brasileira ou estrangeira, ou mesmo em Cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu, ou
seja, um Mestrado e, posteriormente, um Doutorado.
Reafirmando as anteriores contextualizações — dos anteriores Instrucionais de
Teoria Literária —, as informações, contidas nesta disciplina, tendem a provocar no
estudioso da literatura, agora produtor de literatura-técnica, a continuação do gosto pelo
crescimento intelectual, o qual o levará a pesquisas posteriores (Artigos, Ensaios,
Monografias, Dissertações, Teses), assim, desenvolvendo e ampliando o seu saber ao
longo do tempo. Sem as informações teórico-críticas avançadas, já reconhecidas e
respeitadas, e as posteriores, ao término do Curso de Letras, o candidato a professor de
literatura (brasileira, portuguesa, inglesa, hispano-americana ou de qualquer outra
nacionalidade) não conseguirá atingir o necessário suporte para o seu próprio
desenvolvimento intelectual, ético e profissional.
UNIDADE I
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA
Objetivos Específicos:
• Quanto à Teoria Literária: Levar o aluno a reavaliar as informações teórico-críticas
adquiridas anteriormente, as quais, nos cursos anteriores, definiram a situação do
texto literário (texto-obra e/ou paraliterário), com isto, chamando a atenção do
analista e/ou intérprete para os aspectos que tipificaram e orientaram a sua leitura.
• Quanto à Crítica Literária propriamente dita: Possibilitar ao estudioso da literatura
a faculdade de analisar e/ou interpretar a obra-de-arte literária auxiliado pelo atual
arcabouço crítico-literário, principalmente a construção textual crítico-literária que
corresponde ao século XX e início do século XXI (avaliadoras e reconhecedoras da
grandeza de obras narrativas modernistas e pós-modernistas, obras estas inovadoras,
em prosa e em versos, e poemas líricos das mesmas estéticas) e reconhecer
(continuamente e fenomenicamente) a Natureza Específica do Literário.
1.1
- EXPLICAÇÃO DO TERMO TEORIA
O QUE É TEORIA?
“Nos estudos literários e culturais, nos dias de hoje, fala-se muito sobre teoria
— não teoria da literatura, veja bem; apenas “teoria” pura e simples. Para qualquer um
fora do campo, esse uso deve parecer muito estranho. “Teoria do quê?” você gostaria de
perguntar. É surpreendentemente difícil dizer. Não é a teoria de qualquer coisa em
particular, nem uma teoria abrangente de coisas em geral. Às vezes, a teoria parece
menos uma explicação de alguma coisa, do que uma atividade — algo que você faz ou
não faz. Você pode se envolver com a teoria; pode ensinar ou estudar teoria; pode odiar
a teoria ou temê-la. Nada disso, contudo, ajuda muito a entender o que é teoria.
A “teoria”, nos dizem, mudou radicalmente a natureza dos estudos literários,
mas aqueles que dizem isso não se referem à teoria literária, à explicação sistemática
da natureza da literatura e dos seus métodos de análise. Quando as pessoas se queixam
de que há teoria demais nos estudos literários nos dias de hoje, elas não se referem à
demasiada reflexão sistemática sobre a natureza da literatura ou ao debate sobre as
qualidades distintivas da linguagem literária, por exemplo. Longe disso. Elas têm outra
coisa em vista.
O que têm em mente pode ser exatamente que há discussões demais sobre
questões não-literárias, debate demais sobre questões gerais cuja relação com a
literatura quase não é evidente, leitura demais de textos psicanalíticos, políticos e
filosóficos difíceis. A teoria é um punhado de nomes (principalmente estrangeiros); ela
significa Jacques Derrida, Michel Foucault, Luce Irigaray, Jacques Lacan, Judith Butler,
Louis Althusser, Gayatri Spivak, por exemplo.
Então, o que é teoria? Parte do problema reside no próprio termo teoria, que faz
gestos em duas direções. Por um lado, falamos de “teoria da relatividade”, por exemplo,
[ou seja] um conjunto estabelecido de proposições. Por outro lado, há o uso mais
comum da palavra teoria.
“Por que Laura e Michel romperam?”
“Bom, minha teoria é que ...”
O que significa teoria aqui? Em primeiro lugar, teoria significa “especulação”.
Mas uma teoria não é o mesmo que uma suposição. “Minha suposição é que ...”
sugeriria que há uma resposta correta, que por acaso eu não sei: “Minha suposição é
que Laura se cansou das críticas de Michel, mas descobriremos com certeza quando
Mary, a amiga deles, chegar aqui”. Uma teoria, por contraste, é especulação que poderia
não ser afetada pelo que Mary diz, uma explicação cuja verdade ou falsidade ser difícil
de demonstrar.
“Minha teoria é que ...” também pretende dar uma explicação que não é óbvia.
Não esperamos que o falante continue: “Minha teoria é que é porque Michel estava
tendo um caso com Samantha”. Isso não contaria como uma teoria. Dificilmente é
preciso perspicácia teórica para concluir que, se Michel e Samantha estavam tendo um
caso, isso poderia ter tido alguma relação com a atitude de Laura para com Michel. O
interessante é que, se o falante dissesse: “Minha teoria é que Michel está tendo um caso
com Samantha”, de repente a existência desse caso torna-se uma questão de conjectura,
não mais certa, e portanto uma possível teoria.mas geralmente, para contar com uma
teoria, uma explicação não apenas não deve ser óbvia; ela deveria envolver uma certa
complexidade: “Minha teoria é que Laura sempre esteve secretamente apaixonada pelo
pai e que Michel jamais conseguiria se tornar a pessoa certa”. Uma teoria deve ser mais
do que uma hipótese: não pode ser óbvia; envolve relações complexas de tipo
sistemático entre inúmeros fatores; e não é facilmente confirmada ou refutada. Se
tivermos esses fatores em mente, torna-se mais fácil compreender o que se entende por
“teoria”.
Teoria, nos estudos literários, não é uma explicação sobre a natureza da literatura
ou sobre os métodos para seu estudo (embora essas questões sejam parte da teoria e
serão tratadas aqui, (...). É um conjunto de reflexão e escrita cujos limites são
excessivamente difíceis de definir. O filósofo Richard Rorty fala de um gênero novo,
misto, que começou no século XIX: “Tendo começado na época de Goëthe, Macaulay,
Carlyle e Emerson, desenvolveu-se um novo tipo de escrita que não é nem a avaliação
dos méritos relativos das produções literárias, nem história intelectual, nem filosofia
moral, nem profecia social, mas tudo isso combinado num novo gênero”. A designação
mais conveniente desse gênero misturado é simplesmente o apelido teoria, que passou a
designar obras que conseguem contestar e reorientar a reflexão em campos outros que
não aqueles aos quais aparentemente pertencem. Essa é a explicação mais simples
daquilo que faz com que algo conte como teoria. Obras consideradas como teoria têm
efeitos que vão além de seu campo original.
Essa explicação simples é uma definição insatisfatória, mas parece realmente
captar o que aconteceu desde o decênio de 1960: textos de fora do campo dos estudos
literários foram adotados por pessoas dos estudos literários porque suas análises da
linguagem, ou da mente, ou da história, ou da cultura, oferecem explicações novas e
persuasivas acerca de questões textuais e culturais. Teoria, nesse sentido, não é um
conjunto de métodos para o estudo literário, mas um grupo ilimitado de textos sobre
tudo o que existe sob o sol, dos problemas mais técnicos de filosofia acadêmica até os
modos mutáveis nos quais se fala e se pensa sobre o corpo. O gênero da “teoria” inclui
obras de antropologia, história da arte, cinema, estudo de gêneros, lingüística, filosofia,
teoria política, psicanálise, estudos de ciência, história social e intelectual e sociologia.
As obras em questão são ligadas a argumentos nessas áreas, mas tornam-se “teoria”
porque suas visões ou argumentos foram sugestivos ou produtivos para pessoas que não
estão estudando aquelas disciplinas. As obras que se tornam “teoria” oferecem
explicações que outros podem usar sobre sentido, natureza e cultura, o funcionamento
da psique, as relações entre experiência pública e privada e entre forças históricas mais
amplas e experiência individual.
Se a teoria é definida por seus efeitos práticos, como aquilo que muda os pontos
de vista das pessoas, as faz pensar de maneira diferente a respeito de seus objetos de
estudo e de suas atividades de estuda-los, que tipo de efeitos são esses?
O principal efeito da teoria é a discussão do “senso comum”: visões de senso
comum sobre sentido, escrita, literatura, experiência. Por exemplo, a teoria questiona
• a concepção de que o sentido de uma fala ou texto é o que o falante “tinha em mente”,
• ou a idéia de que a escrita é uma expressão cuja verdade reside em outra parte, numa
experiência ou num estado de coisas que ela expressa,
• ou a noção de que a realidade é o que está “presente” num momento dado.
A teoria é muitas vezes uma crítica belicosa de noções de senso comum; mais
ainda, uma tentativa de mostrar que o que aceitamos sem discussão como “senso
comum” é, de fato, uma construção histórica, uma teoria específica que passou a nos
parecer tão natural que nem ao menos a vemos como uma teoria. Como crítica do senso
comum e investigação de concepções alternativas, a teoria envolve um questionamento
das premissas ou pressupostos mais básicos do estudo literário, a perturbação de
qualquer coisa que pudesse ter sido aceita sem discussão: o que é sentido? O que é um
autor? O que é ler? O que é o “eu” ou sujeito que escreve, lê ou age? Como os textos se
relacionam com as circunstâncias em que são produzidos?
O que é um exemplo de uma “teoria”? Ao invés de falar sobre a teoria em geral,
vamos mergulhar direto em (...) textos difíceis (...) dos mais celebrados teóricos para ver
se podemos entendê-los.” (Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria Literária: Uma
Introdução. Tradução de Sandra Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 11-14)
Ler proposta de Jonathan Culler (op. cit.: 14-26) de dois casos
relacionados, sobre teorias contrastantes que envolvem críticas de
idéias do senso comum sobre “sexo”, “escrita” e “experiência”: a
teoria de A História da Sexualidade, de Michel Foucault, e a teoria de
Confissões (livro escrito no século XVIII) de Jean-Jacques Rousseau,
obra citada por Jacques Derrida (pós-estruturalista do século XX) em
Of Grammatology, Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1976.
“A teoria é intimidadora. Um dos traços mais desanimadores da teoria
hoje é que ela é infinita. Não é algo que você poderia algum dia dominar, nem
um grupo específico de textos que poderia aprender de modo a “saber teoria”. É
um corpus ilimitado de textos escritos que está sempre sendo aumentado à
medida que os jovens e inquietos, em críticas das concepções condutoras de seus
antepassados, promovem as contribuições à teoria de novos pensadores e
redescobrem a obra de pensadores mais velhos e negligenciados. A teoria é,
portanto, uma fonte de intimidação, um recurso para constantes roubos de cena:
“O quê? Você não leu Lacan! Como pode falar sobre a lírica sem tratar da
constituição especular do sujeito?” Ou “como pode escrever acerca do romance
vitoriano sem usar a explicação que Foucault dá sobre o desenvolvimento da
sexualidade e sobre a histerização dos corpos femininos e a demonstração que
Gayatri Spivak faz do papel do colonianismo na construção do sujeito metropolitano?”
Às vezes, a teoria se apresenta como uma sentença diabólica que condena você a
leituras árduas em campos desconhecidos, onde mesmo a conclusão de uma tarefa trará
não uma pausa mas mais deveres difíceis. (“Spivak? Sim, mas você leu a crítica que
Benita Parry faz de Spivak e a resposta dela?”)” (Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria
Literária: Uma Introdução. Trad.: Sandra Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 23-24)
Texto humorístico: “Você é um terrorista? Graças a Deus. Entendi Meg dizer
que você é um teorista?” (Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria Literária:
Uma Introdução. Tradução de Sandra Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 24)
“A impossibilidade de dominar a teoria é uma causa importante de
resistência a ela. Não importa quão bem versado você possa pensar ser, não pode
jamais ter certeza se “tem de ler” ou não Jean Baudrillard, Mikhail Bakhtin,
Walter Benjamin, Hélène Cixous, C.L.R. James, Melanie Klein ou Júlia Kristeva,
ou se pode ou não esquecê-los com segurança. (Dependerá, naturalmente, de
quem “você” é e quem quer ser). Grande parte da hostilidade à teoria, sem dúvida,
vem do fato de que admitir a importância da teoria é assumir um compromisso
aberto, deixar a si mesmo numa posição em que há sempre coisas importantes que
você não sabe. Mas essa é uma condição da própria vida.
A teoria faz você desejar o domínio: você espera que a leitura teórica lhe dê
os conceitos para organizar e entender os fenômenos que o preocupam. Mas a
teoria torna o domínio impossível, não apenas porque há sempre mais para saber,
mas, mais especificamente e mais dolorosamente, porque a teoria é ela própria o
questionamento dos resultados presumidos e dos pressupostos sobre os quais eles
se baseiam. A natureza da teoria é desfazer, através de uma constatação de
premissas e postulados, aquilo que você pensou que sabia, de modo que os efeitos
da teoria não são previsíveis. Você não se tornou senhor, mas tampouco está onde
estava antes. Reflete sobre sua leitura de maneiras novas. Tem perguntas
diferentes a fazer e uma percepção melhor das implicações das questões que
coloca às obras que lê.
Essa brevíssima introdução não o transformará num mestre da teoria, e não
apenas porque ela é muito breve, mas porque esboçam linhas de pensamento e áreas de
debate significativas, especialmente aquelas que dizem respeito à literatura. Ela
apresenta exemplos de investigação teórica na esperança de que os leitores achem a
teoria valiosa e cativante e aproveitem para experimentar os prazeres da reflexão.”
(Conferir: CULLER, Jonathan. Teoria Literária: Uma Introdução. Tradução de Sandra
Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999: 24-25)
1.2 - ESPECIFICIDADE DO LITERÁRIO (CIÊNCIA ANALÍTICA
X CIÊNCIA FENOMENOLÓGICA)
“A formação de um conceito para a palavra especificidade, pelo ponto de vista
cientificista, um conceito que diligencia analisar apenas as linhas do enunciado (ou seja,
os aspectos visíveis do texto), determina ao analista ou intérprete da literatura um
entendimento fechado, estático e formal. A literatura (literatura-arte) torna-se
simplesmente um objeto, não possibilita desenvolver uma apreciação reflexiva que
revele o lado oculto do texto, elimina-se a idéia de compreensão das camadas profundas
(isto em relação apenas ao texto-arte) uma vez que o pesquisador se vê obrigado a
analisar rigorosamente apenas as camadas expressivas do discurso literário.
Pelo ponto de vista fenomenológico, observa-se o texto-arte como um
fenômeno, em princípio, estático, como é visto pelos cientificistas rigorosos, mas, logo
a seguir, tal fenômeno torna-se dinâmico, graças à compreensão e ao conhecimento do
leitor, quando este empreende um estudo consciente das mensagens interlineares,
mensagens reveladoras, produtoras de novos conhecimentos, mensagens que estarão
sempre e sempre se renovando, pois, com o passar do tempo, novos leitores estarão
também em comunhão anímica com tais textos (textos-arte, que fique bem entendido),
desenvolvendo renovados diálogos ao longo dos séculos (pelo menos, enquanto tais
textos existirem)”.
(Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, no prelo)
FENÔMENO Î aquilo que se manifesta [o já manifestado
(estático) e o que ainda está se manifestando (dinâmico)]
1.3 - TEORIA: CIENTIFICISMO X TEORIA: FENOMENOLOGIA (EDUARDO PORTELLA)
POSICIONAMENTO CRÍTICO CONTRA A CRÍTICA DE BASE CIENTIFICISTA EM
RELAÇÃO AOS TEXTOS LITERÁRIOS CONSIDERADOS ARTE
“A partir do instante em que o pensamento ocidental fez a sua opção
declaradamente científica, as outras formas de conhecimento, apreensão ou
manifestação do real, foram sendo progressivamente desvalorizadas. Compreende-se:
uma história escrita à imagem e semelhança dos modelos científicos guarda, no seu
incontido unidimensionalismo, uma profunda indiferença para com as demais figuras de
verdade. Todo o empenho dessa civilização cientificizante se foi concentrando na tarefa
de desenvolver e aperfeiçoar uma técnica ─ a técnica da transformação do mundo. E de
tal modo esse programa se impôs, que a nova bíblia decorrente chegou a considerar
irrealtudo o que não fosse passível de transformação. A arte, imediatamente, passou a
ser a pátria da irrealidade. Mas enquanto perdurou e perdura o homem, ela sobreviveu e
sobrevive. Através de uma vida constantemente ameaçada, mas sobrevive. Porque o seu
lugar na estruturação da existência humana não é um lugar supletivo ou acidental. A
arte é dimensão fundadora do homem”. (Conferir: PORTELLA, Eduardo. Fundamento
da Investigação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1974: 29-30)
1.4 - POSICIONAMENTO CRÍTICO EM FAVOR DA FENOMENOLOGIA (E. PORTELLA)
O DEVER DA CRÍTICA LITERÁRIA EM RELAÇÃO AO ESTUDO DA OBRA DE ARTE LITERÁRIA
“Enquanto a ciência é, toda ela, uma redução à homogeneidade, a obra de arte se
oferece como um conjunto heterogêneo. Mas heterogêneo precisamente pela força de
atuação da linguagem; cujo desempenho fundamental consiste em promover
permanentemente a abertura do sistema sígnico. E assim a crítica literária deve
preservar a heterogeneidade para implicitar ou explicitar a verdade da obra. Deve
crescer por dentro. O que somente será possível mediante a restauração da marca
original do literário. O literário não é apenas discurso, porque dá origem ao discurso.
Não fala; faz falar. É o pré-texto instaurando o entre-texto. Como penetrar nessa
estrutura heterogênea? Não basta o conhecimento da estrutura específica de cada nível,
da episteme de cada área. É imprescindível estar de posse de um saber integrado e
integrador de toda a constelação elaborada pelo entre-texto. Perceber a dinâmica que
alimenta as categorias fundadoras; estilo, individualidade, ambiente, forma, sons, todos
os diferentes recursos da unificação da obra, já que toda essa complexa e matizada
polivalia desemboca no único estuário unificador: a obra. A apreensão dessa
disseminação terá de processar-se no interior da dialética deidentidade (linguagem, prétexto) e diferença (língua, texto)”. (Conferir: PORTELLA, Eduardo. Fundamento da
Investigação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1974: 69-70)
1.5 - EXPLICAÇÃO DO TERMO CRÍTICA
DEFINIÇÃO E OBJETIVO
CRÍTICA (Etimologia):
“O termo crítica deriva do grego KRÍNEIN, que significa “julgar”, através do
feminino da forma latina CRITICU(M). KRITÉS significa “juiz” e KRITIKÓS, “juiz” ou
“censor literário”.
“A palavra crítica, ou qualquer de seus sinônimos, enriqueceu-se de sentido e
tornou-se universalmente aceita como designativo de análise, interpretação e julgamento
da obra de arte, ou de objetos paralelos (crítica da situação econômica, crítica do
progresso científico, etc.), ou ainda indicativo dos modos de julgar (crítica histórica,
crítica oral, crítica jurídica, etc.).
Em razão da elasticidade semântica adquirida, a palavra também recorre no diaa-dia para emoldurar juízos ou opiniões a favor ou contra [designação errada].
No curso do tempo, aos poucos o vocábulo crítica veio ganhando significados
novos, até chegar à indeterminação semântica dos nossos dias (abarca atividades
múltiplas e diferenciadas: desde artigos de jornal à tese universitária, passando pelas
monografias, ensaios, artigos de revista, conferências, etc., tudo recebe indistintamente
o apelativo de crítica. Como se não bastasse, aglutina-se a atividades vizinhas, numa
inter-relação verdadeiramente labiríntica; a historiografia literária, que possui métodos e
objetivos próprios, não dispensa o suporte da crítica; a análise literária conduz
necessariamente à crítica e dela recolhe esclarecimentos, etc.).” (Conferir: MOISÉS,
Massaud. A criação literária. 5. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1973: 289-290)
1.6 - OBJETIVO DA CRÍTCA LITERÁRIA (visão cientificista)
“Para a crítica literária o que interessa é averiguar os processos literários que o
autor empregou para traduzir a sua visão de mundo”. (Massaud Moisés, Ibidem)
1.7 - CRÍTICA LITERÁRIA E TEORIA LITERÁRIA
A CRÍTICA COMO CONSCIÊNCIA DO FATO LITERÁRIO (Visão fenomenológica)
“O conhecimento literário não pode prescindir de uma base teórica, que o
sustente sem limitá-lo, que o livre dos “achismos”, sem confiná-lo numa única
perspectiva.” (Conferir:
FATO Î coisa ou ação feita;
Î caso;
Î acontecimento;
Î feito;
Î aquilo que realmente existe, que é real;
Î FENÔMENO (Filosofia).
TEORIA LITERÁRIA Î fornece elementos para a apreensão do
FENÔMENO LITERÁRIO.
A aprendizagem teórica não pode estar desvinculada do contato profundo e constante com o texto literário.
A teoria nasce do texto e para ele se volta. O texto literário guarda a teoria, implícita ou explicitamente.
TEORIA E CRÍTICA Î inter-relação teórico-analítica para o reconhecimento do texto literário.
LITERATURA Î caracteriza-se
pela pluralidade de sentidos.
TEORIA LITERÁRIA Î aberta às múltiplas dimensões do seu objeto
de estudo (a Literatura).
TEORIA LITERÁRIA Î caráter interdisciplinar e, ao mesmo tempo,
independente.
“A Teoria Literária assume um caráter interdisciplinar porque assimila os
conhecimentos de ciências afins tais como a sociologia, a antropologia, a lingüística, a
história, a psicanálise, todas voltadas igualmente para manifestações do ser e do fazer
humanos. Este inter-relacionamento amplia e enriquece o estudo da Literatura. (...) A
crítica, qualquer que seja a via de acesso escolhida (sociológica, psicológica,
lingüística...), não pode descartar-se de sua dupla feição: enquanto crítica obedecerá a
um rigor, que lhe é garantido pelo método de abordagem e, enquanto literária, incluirá
literariamente o sentido que, na literatura, ultrapassa o campo do conhecimento com o
qual se articulou, na construção do modelo de leitura.” (Conferir: SOARES, Angélica
Maria. “A Crítica”. In: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis:
Vozes: 90-91)
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA
1) TEORIA LITERÁRIA Æ Disciplina de configuração autônoma (porém de caráter
interdisciplinar).
CRÍTICA
*pratica concretamente o
sistema de ensino de
literatura
TEORIA
(NÚCLEO)
MÉTODO
* TEORIA Æ suporte para ensinar
literatura
LIMITES DA TEORIA LITERÁRIA ÆTeoria: Não pode desequilibrar as relações de
poder das outras disciplinas literárias (limite
que não pode ser violado).
ÆLimites: Impedem que a Teoria Literária se
transforme numa disciplina dominadora e
repressiva.
2) ALARGAMENTO INTERDISCIPLINAR Æ É uma natural conseqüência do seu
progresso técnico.
METODOLOGIA ALTERNADA:
*
ANTROPOLOGIA
TEXTO LITERÁRIO
LINGÜÍSTICA
PSICOLOGIA
*Disciplinas aparentemente dissociadas
DIREITO
TEORIA LITERÁRIA
SOCIOLOGIA
SEMIOLOGIA
FILOSOFIA
HERMENÊUTICA
ANTROPOLOGIA
ETC.
* União para a DECIFRAÇÃO do enigma do homem.
(Ponto de vista de Eduardo Portella, na década de setenta – Livro de Portella: Teoria
Literária, editora Tempo brasileiro)
INVESTIGAÇÃO LITERÁRIA = CRÍTICA LITERÁRIA
1.8 - RETROSPECTIVA: A NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO
“Há inúmeras correntes teórico-críticas formalizando idéias de como interagir
com o texto literário; há formas teórico-críticas cientificistas de como recortar o texto,
seja ele paraliterário ou texto-arte, e deter-se em um dos referentes, para investigá-lo,
mas, subentendido, os outros dois sempre estarão presentes. É importante que os três
referentes estejam sempre interligados, para que o leitor possa desenvolver uma análise
consciente do que se encontra visível no objeto de sua investigação (ponto de vista
cientificista). Mas, o entendimento e/ou reconhecimento das entrelinhas (o que se
encontra invisível no texto-arte), desenvolvido por intermédio do CONHECIMENTO
particular de cada leitor (ponto de vista fenomenológico), é algo que a investigação
cientificista não poderá alcançar.”
(Neuza Machado, Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, no prelo)
TEXTO = HOMEM + REALIDADE + EXPRESSÃO
TODO TEXTO É O RESULTADO DE UMA LEITURA
LEITOR + TEXTO = relação objetiva e subjetiva.
LEITURA = PRODUTIVIDADE (enquanto modalidade de relação radical do homem com a realidade)
TEXTO = elaboração humana, trabalho
TRABALHO = ação humana (pela qual o homem textualizando, significando o real se significa)
Por um lado:
Esta elaboração humana só encontra sua plenitude na medida em que ao elaborar ele
colabora (pressupõe o outro, socializa)
ação humana: “o homem, textualizando, significando o real
se significa”.
TEXTO
Ação
significativa
=
TRABALHO
ação humana: “ao elaborar (o texto como trabalho) o
homem co-labora (pressupõe o outro, socializa-se)
LEITURA
Î “supõe colaboração, porque o texto não se lê, o instrumento não se lê”;
Î “pressupõe o outro”;
Î “pressupõe colaboração”.
Por outro lado:
Tal noção evidencia que o texto não se limita ao escrito, implicando sobretudo o oral.
Uma fotografia, uma estátua, um instrumento, etc., é um texto / expressa uma relação do
homem com o real.
Entre tantas modalidades de texto, quando um texto é especificamente literário?
(LITERÁRIO AQUI
=
LITERATURA-ARTE)
UNIDADE II
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA LITERÁRIA: CARACTERES (CARÁTERES) INTERDISCIPLINARES
2.1 - O ATUAL CARÁTER INTERDISCIPLINAR DA TEORIA LITERÁRIA
“A Teoria Literária assume um caráter interdisciplinar porque assimila os
conhecimentos de ciências afins tais como a sociologia, a antropologia, a lingüística, a
história, a psicanálise, todas voltadas igualmente para manifestações do ser e do fazer
humanos. Este inter-relacionamento amplia e enriquece o estudo da Literatura. (...) A
crítica, qualquer que seja a via de acesso escolhida (sociológica, psicológica,
lingüística...), não pode descartar-se de sua dupla feição: enquanto crítica obedecerá a
um rigor, que lhe é garantido pelo método de abordagem e, enquanto literária, incluirá
literariamente o sentido que, na literatura, ultrapassa o campo do conhecimento com o
qual se articulou, na construção do modelo de leitura”. (Conferir: SOARES, Angélica
Maria. “A Crítica”. In.: SAMUEL, R. (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis:
Vozes, 1999: 90-91)
2.2 - CRÍTICA DE EDUARDO PORTELLA SOBRE AS TERMINOLOGIAS TEORIA DA
LITERATURA E TEORIA LITERÁRIA
“O estudo moderno da literatura fez emergir, e potencializou progressivamente,
uma disciplina portadora de movimentada biografia, ou de honrosa ascendência, a que
se vem chamando indiscriminadamente de Teoria Literária ou Teoria da Literatura.
Trata-se de disciplina estruturalmente ambígua, irresistivelmente interdisciplinar, ao
mesmo tempo autônoma e supletiva.
Preferimos a primeira opção terminológica porque, se Teoria da Literatura diz
nominalmente todo e qualquer conceito que se dirige ou se aplica ao texto poético,
Teoria Literária é antes uma modalidade reflexiva que surge ou se instala a partir do
literário.
Essa pequena controvérsia terminológica seria irrelevante se não escondesse ou
abrigasse um entendimento da própria matéria. A interdisciplinariedade (sic) referida foi
se ampliando de tal maneira que se transformou numa interdisciplinariedade,
estabelecendo estranho contraponto onde se observa de um lado a orgia teórica e do
outro a insensibilidade literária. O novo saber começou correndo o risco de se converter
num departamento menor de instituições maiores, especialmente da Lingüística, da
Antropologia e da Psicologia. E a ânsia de objetividade incrustada no modelo cultural
da nossa era estimulou e promoveu essas conexões aprisionadoras. Do mesmo modo, e
como conseqüência, tiveram de processar a condenação da Estética. Mas a demissão da
Estética se apresentava por meio de raciocínios simplificados que, ao contrário de
mostrar os sinais do cadáver apodrecido, deixava aparecer um corpo pleno de vida e
múltiplas vibrações. Aquela Estética proclamada morta talvez só tenha existido na
decodificação insuficiente de leitores desinformados.
A arte permanece como uma modalidade do real. E o processo diferenciante
passa a ter sentido se admitimos que nem toda realidade é arte. Descrever a diferença da
arte na identidade do real, faz parte ou indica uma problemática que escapa à visão
míope da funcionalidade. É justamente em meio a essa tensão infindável que o entretexto proclama a sua autonomia. Entre-textualizar quer dizer autonomizar”. (Conferir:
PORTELLA, Eduardo. Fundamento da Investigação Literária. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1974: 151 - 152)
“Tenho uma tendência pouco freqüente a celebrar a especialização. Houve época
em que cheguei a celebrar a especialização, porque imaginava que se as disciplinas se
verticalizassem, se salvariam. Progressivamente, porém, fui percebendo que as
disciplinas se fechavam em guetos, que com isso mesmo elas não perceberam que o
saber dispõe de uma estrutura plural, que era fundamental estabelecer alianças,
parcerias, modalidades de cooperação pluridisciplinar para que elas pudessem ressurgir.
Então, neste caso específico, a interdisciplinaridade não constitui um espaço de abrigo,
de proteção, mas uma base de lançamento: é por ali que os conhecimentos em crise
circularão. Os conhecimentos que precisam de novas alianças para se reerguerem se
encontrarão.
A transdisciplinaridade, contudo, só desponta no cenário intelectual a partir de
um determinado período ao longo de 30 anos, os 30 anos de 1968. Inicialmente, até
1968, houve o império da análise estilística nos estudos literários. A análise estilística já
foi vanguarda.já tinha sido pouco antes a “nova crítica” e, com a chegada de 1968,
irrompeu uma espécie de desconstruçionismo ambicioso, que invadiu as margens
dediferentes áreas do conhecimento. Ele invadiu também a área do saber literário e, com
isso, prestou alguns serviços, ao desmontar alguns sistemas altamente instalados.
Instalados de maneira inflexível, como se não houvesse lugar para certas
permeabilidades, coabitações, regimes de convivência. Com a descontração, geramos
alguns paradigmas desconstrucionistas. Esses paradigmas tiveram um papel
fundamental, na medida em que contribuíram para desestabilizar um conjunto de
princípios rigidamente constituídos. A chegada, portanto, desse esforço de
desconstrução teve um papel essencial ─ o de abalar nossas certezas.
Todos sabem que nós vivemos, em alguns instantes quase dramaticamente, esse
tipo de transformação. Mas, de qualquer maneira, absorvemos com serenidade a
avalanche do desconstrucionismo e, ao mesmo tempo, fomos capazes de procurar saídas
para o impasse que ele gerou. Porque após duas, três gerações, não se pode mais viver
só de desconstruir. Me parece que hoje, 30 anos depois, nós já podemos dizer basta à
desconstrução. Ela desempenhou um papel histórico fundamental, ela contribuiu
inegavelmente para alterar certo regime de propriedade intelectual. Mas, já precisamos,
nesse final de milênio, nesse final de reconstrução de uma história perplexa, e de uma
história seguramente incerta, nós precisamos rever este conjunto de princípios que
fizeram a glória da desconstrução.
Nesse (Naquele) período de domínio total da desconstrução, um grupo de
pessoas tentou fazer uma leitura hermenêutica da literatura. Essa leitura não tinha a
menor aceitação no quadro de trabalho então vigente. Era considerada uma inutilidade,
ou uma aberração, ou uma imprudência teórica, ou as três coisas simultaneamente.
Porque essa nova modalidade de interpretação significava uma espécie de núcleo de
resistência a essa voracidade formalizadora. Era o período em que a lingüística
modelizava para todas as outras disciplinas.
Lembro-me que a sociologia se amparou enormemente na lingüística. Que
disciplinas complexas, como a neurologia ou como a própria filosofia, em certos
instantes, começaram a modelizar em função dos parâmetros científicos dispostos pela
lingüística. O momento era residualmente de combate ao impressionismo e aquelas
possibilidades de formalização eram extremamente bem-sucedidas e bem recebidas.
Evidentemente, neste quadro de predominância dos modelos formalizantes,
representados sobretudo pelo estruturalismo, aliado, mais do que aliado, da lingüística, a
proposta hermenêutica era considerada de pouca cientificidade, de capacidade reduzida
para dar conta de uma relação mais objetiva com o texto.” (Conferir: PORTELLA,
Eduardo. “Os Paradigmas do Silêncio”. In: LOBO, Luiza (Org.). Globalização e
Literatura. Discursos Transculturais. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999: 11-13)
“A partir do esforço de verticalização, quando a consciência crítica da literatura
assumiu o comando dos estudos literários, deixando de lado o palpite emocionado mas
ingênuo, a investigação literária registrou algumas atitudes básicas, importantes.
A primeira tomada de posição aconteceu com a chamada NOVA CRÍTICA, que
abrigava vários tipos de análise literária, desde a análise estilística alemã ou espanhola
até o new criticism anglo-americano.
A segunda opção crítica [filológica], embora podendo ser enlaçada com a
primeira, identifica-se por um rigor sistemático e por uma amplitude de visão, que
justifica plenamente o tratamento autônomo (isto, quando exercida por representantes
da força criadora de um Leo Spitizer, de um Erich Auerbach, de um Damaso Alonso, de
um Hugo Friedrich).
O terceiro momento tem na Lingüística o seu modelo e o seu padrão de
verdade.” (Conferir: PORTELLA, Eduardo. “Limites Ilimitados da Teoria Literária”. In.:
PORTELLA, Eduardo (org.). Teoria Literária. R. J.: Tempo Brasileiro, 1977: 9)
2.3 - CRÍTICA E HISTÓRIA LITERÁRIA
“Crítica e História Literária são encaradas atualmente de muitas perspectivas.
Em meio aos múltiplos ensaios e posições teóricas torna-se cada vez mais difícil abrir
um caminho de apreensão e compreensão mínima, não só do objeto como das próprias
metodologias. É que, a par das múltiplas pesquisas de que resulta uma bibliografia
numerosa, muitas vezes de difícil acesso, elabora-se uma nomenclatura especialíssima.
Sucede então que em vez de aquelas esclarecerem cada vez mais o objeto pesquisado,
tem-se um resultado inverso. Acresce que a mudança constante deixa o leitor
interessado – o qual procura um acesso a tal conhecimento, confuso e desanimado. De
fato, nem sempre isto é inevitável, porque o conhecimento do literário se constitui cada
vez mais crítica e reflexivamente.” (Conferir: CASTRO, Manuel Antônio de. “Crítica e
História Literária”. In.: PORTELLA, Eduardo (Org.) Teoria Literária. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1975:19)
HISTÓRIA LITERÁRIA Æ SUPÕE UM ENFOQUE TEÓRICO-CRÍTICO.
*A posição crítica resulta de uma teorização do que seja determinado objeto.
*A teoria literária, ao teorizar sobre o objeto (obra literária), automaticamente institui
um método, decorrente da própria teoria e do objeto de enfoque.
TEORIA
OBJETO
MÉTODO
MÉTODO Æ caminho para
REALIZAÇÃO METODOLÓGICA (se pode dar em forma de):
*proposições (teorizações);
*forma prática (ensaios, história literária)
Partindo do princípio de que não há prática sem teoria, “acontece muitas vezes que a
prática é uma teoria que se desconhece. Temos assim, inevitavelmente, um primeiro
nível de relacionamento entre Crítica e História Literária.”(Conf.: CASTRO, op.cit.: 19)
2.4 - CRÍTICA E SOCIEDADE
DICIONÁRIO:
CRÍTICA
Î Faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito, em particular as de
caráter literário ou artístico;
Î A expressão da crítica, em geral por escrito, sob forma de análise, comentário
ou apreciação teórica e/ou estética;
Î Discussão dos fatos históricos;
Î O conjunto daqueles que exercem a crítica; os críticos;
Î Juízo crítico; discernimento; critério;
Î Apreciação minuciosa, julgamento;
SOCIEDADE
Î Agrupamento de seres que vivem em estado gregário (sociedade humana;
sociedade de abelhas; etc.);
Î Conjunto de pessoas que vivem em certa faixa de tempo e espaço, seguindo
normas comuns, e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo; CORPO
SOCIAL (a sociedade medieval; a sociedade moderna; etc.);
Î Grupo de indivíduos que vivem por vontade própria sob normas comuns;
COMUNIDADE (sociedade cristã; sociedade dos hippies);
Î Meio humano em que o indivíduo se encontra integrado (A sociedade
constitui-se de classes de diferentes níveis);
Î Relação entre pessoas; vida em grupo; participação; convivência;
comunicação (O homem precisa da sociedade dos seus semelhantes);
Î Reunião de indivíduos que mantêm relações sociais e mundanas (os prazeres
da sociedade; homem de sociedade);
Î Grupo de pessoas que se submetem a um regulamento a fim de exercer uma
atividade comum ou defender interesses comuns (agremiação; centro; grêmio;
associação [Sociedade brasileira de autores teatrais; Sociedade protetora dos animais,
etc.] );
Î Companhia de pessoas que se agrupam em instituições ou ordens religiosas;
Î Parceria; associação;
Î Etc.
2.5 - O PERCURSO HISTÓRICO DA CRÍTICA LITERÁRIA
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As primeiras manifestações no final do século XIX: Crítica Biográfica
(Romantismo); Crítica Impressionista (Impressionismo) e Crítica Determinista
(Realismo/Naturalismo): “O século XIX tem uma especial importância, pois é
quando nascem as principais idéias e ciências que vão formar o século XX. No
século XIX aparecem Hegel e Marx, o positivismo e o evolucionismo. A razão, a
racionalidade desta época atinge o máximo de seu apogeu com o capitalismo
europeu. (...) O século XIX assiste ao nascimento de um conflito teórico prático até
agora não superado, e modificou o velho mundo: as idéias liberais e neoliberais
democráticas da burguesia ocidental predominaram. Correntes filosóficas
fundamentavam dois tipos de teoria literária, dois modos de ler o texto, um
tradicional e o outro prospectivo, que tinha os olhos no futuro, nas transformações
sociais.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis:
Vozes, 2002: 61-62);
“Século XIX no Brasil. No Brasil havia um ambiente de estagnação intelectual,
salvo pelo gênio de uns poucos críticos extraordinariamente ativos, como Tobias
Barreto (1839-1889), que superava a sua época. Tobias Barreto revolucionava e
escreveu grandes obras – hoje desconhecidas. // O meio cultural do Brasil persistia
reacionário, não aceitando nada que exigisse algum esforço de compreensão ou que
lhe mudasse o gosto, a idéia.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria
Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 73);
O Formalismo Russo (Círculo Lingüístico de Moscou, 1914): “Caracterizando-se
pela recusa aos elementos extratextuais, como fonte de explicação da obra literária,
através de seu método descritivo e morfológico (Eikhenbaun), os formalistas vão
procurar distinguir, no próprio texto, as características que o tornam literário, a sua
literariedade. Conferir: SOARES, Angélica Maria. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel
(Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 95);
“A primeira notícia que se dá sobre o Formalismo Russo diz que nasceu no Círculo
Lingüístico de Moscou (1914-1915) e durou até 1924-25, quando o patrulhamento
ideológico bruscamente interrompeu suas pesquisas, não sem o fuzilamento de
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alguém, como o do lingüísta Polivanov. Nessa época foi fundada a Associação para
o estudo da linguagem poética, chamada de Opaiaz, que também não escapou ao
início do stalinismo. Não era para estranhar: o chefe do formalismo, Chklovski,
atacava o marxismo. (...) // Os que deixaram trabalhos pioneiros foram Chklovski,
Eikhenbaurn, Jakobson e Tinjanov. A grafia destes nomes varia muito, e a
pronúncia geralmente se desconhece: Jakobson disse que seu nome se dizia
/Jacobêu/. (...) // A literatura, entretanto, é explicada no formalismo como uma
função da linguagem, a função poética: que dá ênfase à própria mensagem (uma
contradição, já que se omitia o estudo da mensagem).” (Conferir: SAMUEL, Rogel.
Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 78-79);
Opoiaz (Associação Para o Estudo da Linguagem Poética, 1917): “Um movimento
de crítica literária, estreitamente ligado aos movimentos artísticos de vanguarda” e
ao Formalismo Russo. (Conferir: SOARES, Angélica Maria. “A Crítica”. In.:
SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 95);
A Dialética Hegeliana: A Fenomenologia do Espírito de Hegel é um texto que só
deve ser compreendido na integralidade de seu método (o sistema é um todo, ou “o
verdadeiro é o todo”*, dizia ele), em que um fato gerador é racionalmente verificado
como matriz de uma determinada forma de pensar o mundo, e qulquer parte se torna
obscura se não for vista como parte dele. O sistema da ciência – como diz Hegel,
denominaria a atividade filosófica – tem unidade interna que tudo sistematiza, e
quem se propõe a pensar sem sistema, não faz ciência, apenas emite opiniões e
convicções, como na cultura de massa, opiniões que só se justificariam dentro de um
conteúdo sistemático que tem um princípio, ou seja, aquilo que determina tudo o
mais na construção da grade lógica. O sistema hegeliano, tal como se apresenta na
Fenomenologia, é um círculo que se fecha sobre uma totalidade, mas se abre à
contingência, ao não-necessário; e também se abre à liberdade, à revolução, pois é
filho da Revolução Francesa, e Hegel foi o primeiro a submeter a dialética da
filosofia à História. Além disso, a liberdade em Hegel significa poder ser, e tal
sistema deve conter em si uma capacidade, na medida em que nele sejamos
conduzidos a ver que nós produzimos o saber ou, dito de outro modo, na medida em
que descubramos que a realidade é produzida por nós mesmos, como na Democracia
Representativa.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.
Petrópolis: Vozes, 2002: 63-64). *NOTA DE ROGEL SAMUEL: HEGEL.
Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, p. 31. Tradução de Paulo Meneses.
Estilística: um ramo da Ciência da Linguagem (apogeu: anos 30/40): “Charles
Bally (!865-1947), discípulo de Saussure,foi quem primeiramente colocou a
estilística como ramo da ciência da linguagem. Ele propõe uma estilística
fundamentalmente lingüística, ainda não voltada para os aspectos da função estética
da língua literária”. (Conferir: SOARES, Angélica Maria. “A Crítica”. In: SAMUEL,
Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 98-99).
Nietzsche e a Crítica dos Valores: “A crítica (toda a filosofia de Nietzsche é
crítica) determina conceitos de valor, noção de valor que implica num certo
investimento crítico contra: 1) de um lado, os valores aparecem como princípios
pressupostos (existindo como tais); 2) de outro lado, ao contrário, contra valores de
que derivam avaliações, “pontos de vista de apreciação”, de onde esates valores
derivam (são fenômenos criados). Estas avaliações não são valores, mas maneiras de
ser, modos de vida daqueles que julgam, avaliam e criam seus próprios princípios
sobre os quais são construídos os valores (a democracia, o socialismo). / A filosofia
crítica de Nietzsche* tem dois movimentos inseparáveis: todas as coisas e todas as
•
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origens de qualquer valor se referem a valores, para depois referir estes valores a
outra coisa que seja a origem (dos valores) e que decida o valor (dos valores), como
o “bem” e o “mal”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.
Petrópolis: Vozes, 2002: 70);
(* NOTA DE ROGEL SAMUEL: DELEUZE, Gilles. Nietzsche et la philosophie.
Paris: PUF, 1983, 282 p.)
O New Criticism norte-americano dos anos quarenta do século XX: “Na década
de 30 surgiu, nos Estados Unidos, o New Criticism (Nova Crítica) / O new criticism
acabou com a crítica que se publicava nos jornais, acusada de impressionista, de
não-científica. Passou a ser exercida unicamente pelos professores universitários,
que só deviam ver os elementos “intrínsecos”, formais, sendo abolidas as
verificações “extrínsecas”, históricas e sociológicas. // Os próprios escritores
tiveram máxima influência naquele momento, dentre eles Paul Valéry, Ezra Pound,
Henry James, T. S. Eliot. / Acreditava-se que a crítica podia ser produto da
experiência. Eliot dizia: “A crítica honesta e a sensibilidade literária não se
interessam pelo poeta, e sim pela poesia”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo
Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 81);
“A nova crítica se propõe a romper com a hermenêutica (interpretação de texto),
com a ontologia (estudo metafísico ou do ser), com a filologia (interpretação a partir
de figuras de linguagem previamente dadas) e com a leitura de texto que empresta a
este a noção de “intenção do autor” ou se rege pelo perfil biográfico do mesmo.
Dentro de uma noção de autonomia do texto estético, a nova crítica propõe para o
texto poético uma “leitura microscópica” (close reading), isto é, imanente do texto
literário, com uma análise a partir do significado do próprio texto, e não de um
contexto histórico, biográfico ou externo a ele, como seria o caso também de uma
leitura de fontes. A obra é o próprio testemunho do autor. / O crítico busca portanto
os significados denotativos e conotativos das palavras, ambigüidades tensões de
vocábulos e sintagmas, imagens, metáforas e símbolos dominantes ou recorrentes,
processos retóricos na composição de cada gênero a partir do enredo, personagens,
atmosfera, temas principais e secundários. Na “leitura microscópica” o crítico se
aproxima do texto com objetividade e precisão, como um anatomista que estuda o
tecido ao microscópio, embora sem esquecer do aspecto humano da obra. A ênfase
está no objeto analisado, a obra, e não no sujeito que a analisa, ou mesmo nas
origens e efeitos daquela. (...) / O objetivo da nova crítica é aproximar o crítico do
texto poético e afastá-lo da interpretação ontológica ou hermenêutica, que especula
sobre a essência, ou da interpretação sociológica ou histórica, que extrapola os
limites do texto.” (Conferir: LOBO, Luíza. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.).
Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 102-104);
A Nova Crítica Americana no cenário cultural brasileiro dos anos 50/60 do
século XX: “As proposições teóricas da Nova Crítica foram introduzidas no Brasil
por Afrânio Coutinho. Sua atividade infatigável, de um verdadeiro profissional das
Letras e não um mero diletante, provocou uma renovação dos estudos críticos
literários e abriu-lhe novos rumos. Entre os numerosos escritos destaca-se A
literatura no Brasil, onde pôs em prática os princípios da Nova Crítica.”. (Conferir:
CASTRO, Manuel Antônio de. “Crítica e História Literária.”. In: PORTELLA,
Eduardo (Org.) Teoria Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975:31);
E Estruturalismo: Reunião de pesquisas analítico-cientificistas (anos 50/60 do
século XX - Modelos de Análise; Gramática Geral da Narrativa): “Trazendo a
herança do Formalismo Russo e recebendo a influência do grande desenvolvimento
•
•
que tiveram os estudos lingüísticos, com a publicação póstuma do Cours de
linguístique générale (1916) do genebrino Ferdinand de Saussure (no qual Bally e
Sechehaye reuniam anotações de aula de três cursos do mestre), aparecem, sob o
rótulo do estruturalismo, pesquisas diversas sobre a análise do texto literário, toas
elas guiadas pelo reconhecimento da obra como uma estrutura, isto é, um sistema de
relações, um todo formado de elementos solidários, tais que cada um depende dos
outros e não pode ser o que é, senão devido à relação que têm uns com os outros.
Cada elemento teria uma maneira de ser funcional, determinada pela organização do
conjunto e, conseqüentemente, pelas leis que a regiam. Apreendendo-se o texto
literário como estrutura verbal, essas leis eram buscadas na lingüística e, a partir
delas, criaram os estruralistas, desde os primeiros trabalhos de Roland Barthes
(1915-1980) ou de Tzvetan Todorov, modelos de análise que conduziam a uma
possível gramática geral da narrativa”. (Conferir: LOBO, Luíza. “A Crítica”. In.:
SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 104105);
Sociologia da Literatura: “Lukács estuda a forma romanesca caracterizando a
existência de um herói problemático, isto é, o romance seria a história de uma
investigação degradada (ou demoníaca), pesquisa de valores autênticos num mundo
inautêntico (degradado). E se caracterizaria pela ruptura insuperável entre este herói
e o mundo, quando se dariam duas degradações: a do herói e a do mundo.”
(Conferir: SAMUEL, Rogel. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de
Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 108-109);
Semiologia da Literatura: “A Semiologia (também chamada num sentido
filosófico, semiótica) é a ciência dos signos. Seu criador foi C. S. Peirce (18391914), que definiu o signo como um primeiro que mantém com um segundo,
chamado objeto, uma relação triádica capaz de determinar um terceiro, o
interpretante do sentido do signo. Ou seja, um signo se traduz por outro signo, no
qual se desenvolve. / O interpretante do signo na mente das pessoas se forma
quando elas se encontram em relação de comunicação com aquilo que representa
alguma coisa para alguém. / A semiologia estuda os meios de comunicação, que
podem ser: 1) vocal: ações envolvidas na fala; 2) não-vocal: comunicações que não
se utilizam da fala como o gesto, o sinal com o dedo; 3) verbal: comunicações que
não usam a língua codificada. Há comunicações vocal-verbais, como as palavras;
vocal não-verbal, como a entonação, a ênfase; não-vocal verbal, as palavras escritas;
não-vocal, não-verbal, como os elementos faciais, os gestos. / Pearce fez a distinção
de ícone, índice e símbolo. O ícone retrata o objeto, um signo determinado por seu
objeto através da natureza interna dos dois. Por exemplo, uma onomatopéia ou
fotografia. O ícone imita o objeto, tem pelo menos um traço em comum com ele,
como as caricaturas. / O índice tem uma relação real, causal, direta com seu objeto,
aponta para o objeto, assinala-o É o signo determinado pelo objeto em virtude de
uma relação real que com ele mantém. Por exemplo, a fumaça índice do fogo. / O
símbolo não imita nem indica nada, mas o representa de maneira arbitrária. É um
elemento determinado pelo seu objeto convencionalmente, como uma bandeira ou
um nome de batismo. / O ícone imita de fora: a fotografia. O índice tem uma relação
real e contínua com o objeto: a fumaça em relação ao fogo. O símbolo não tem
nenhuma relação com o simbolizado. Mas o signo marca sempre a intenção de
comunicar um sentido. Chama-se significação esta relação entre significante e
significado. Quando um significante se refere ou sugere vários significados há
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literariedade.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.
Petrópolis: Vozes, 2002: 84-85);
Hermenêutica Antiga (religiosa) X Hermenêutica Literária (profana): “O termo
“hermenêutica” tem origem em Hermes, divindade-intérprete a quem era confiada a
transmissão das mensagens do destino dos mortais. E, como atividade de
interpretação, da hermenêutica podemos traçar um longo caminho que vem desde a
época clássica ateniense até os nossos dias. Nosso propósito, no entanto, é aqui
apresentar algumas de suas características atuais, com relação à crítica literária.
Colocando-se em oposição a uma postura epistemológica, a hermenêutica substitui a
tarefa analítico-descritiva por um trabalho de interpretação, que parte do texto e se
encaminha para uma reflexão sobre a ess~encia humana.
Alicerçando-se filosoficamente, os postulados dessa proposta de compreensão
existencial da obra literária estão hoje ligados, sobretudo, à conceituação de história
de Wilhelm Dilthey, à ontologia [ontologia = Filosofia que trata do ser enquanto
ser, isto é, ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e
a cada um dos seres] de Martin Heidegger e à hermenêutica filosófica de HansGeorg Gadamer. (...).
Eduardo Portella esclarece, em seu Fundamento da Investigação Literária, que
para além da estrutura pronta, do sistema de signos, do texto, constitui-se a literatura
por uma força de criação da linguagem, energia geradora do texto, que, estando por
trás dele e mantendo-se em permanente tensão com ele, faz com que seu sentido
penetre no não-dito, pelo pré-texto. O texto poético seria sempre, portanto, um
entretexto, uma entidade dinâmica resultante da tensão texto/pré-texto. E caberia ao
intérprete apreender a literatura enquanto processo de entretextualização, através de
um modelo aberto e transmanente, construído com consciência de que o sentido da
obra não se esgota numa perspectiva, pois que a imagem poética é, a todo o tempo,
uma coisa nova, nos dirigindo para possibilidades ilimitadas.
Emmanuel Carneiro Leão, em vários ensaios do seu Aprendendo a pensar, remetenos para a necessidade de uma crítica que se exerça literariamente, para que mais se
aproxime do processo de constituição da obra. (...)
A razão hermenêutica seria, portanto, conscientemente inconclusa e antiimpositiva,
mantendo, muitas vezes, a pergunta como única resposta possível, deixando, tantas
vezes, que o poema fale, ao invés de falar por ele, pois a imagem poética, como
lembrou Otávio Paz, não pode ser explicada com outras palavras, senão pelas da
própria imagem, que, enquanto imagem, já deixaram de ser simplesmente palavras.
A imagem, segundo o crítico mexicano, nos convidaria sempre a recriá-la, a revivêla: proposta que nos parece muito tem a ver com a da leitura poética.” (Conferir:
LOBO, Luíza. “A Crítica”. In.: SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de Teoria
Literária. Petrópolis: Vozes, 1999: 117-119);
“De acordo com Ricoer e Gadamer, a hermenêutica vê os textos como expressões da
vida social fixadas na escrita, através de fatos psíquicos, de encadeamentos
históricos. Sua interpretação consiste, então, em decifrar o sentido oculto no
aparente e desdobrar os diversos graus de interpretação ali implicados.
Só há interpretação quando houver ambigüidade, e é na interpretação que a
pluralidade de sentidos se torna manifesta.
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Na realidade, a hermenêutica é a compreensão de si mediante a compreensão do
outro: o máximo de interpretação se dá quando o leitor compreende a si mesmo,
interpretando o texto.
A tática da interpretação aparece sempre que há ambigüidade, mas compreender não
significa a repetição do conhecer. A hermenêutica postula uma superação: ela se
quer uma teoria e uma arte, fazendo da leitura uma nova criação; e dela se exige
uma reflexão que leve à ação.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria
Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 86);
A Crítica Filosófica de Gaston Bachelard: Gaston Bachelard (1884-1962) se
caracteriza pelo trabalho dedicado à pesquisa da epistemologia. Seus trabalhos sobre
a imaginação revolucionaram o campo da crítica literária francesa e deram origem,
durante os anos 50, aos estudos das imagens, ou à crítica temática. Bachelard
trabalha com as imagens da terra, água, ar e fogo como contexto metodológico para
a sua pesquisa da imaginação. Nesses quatro elementos tradicionais considerou os
componentes principais de todo o universo imaginativo. Sua meta era estudar a
imaginação como forma de consciência, conceito que pareceu indispensável a ele
para que estudasse a criação poética. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de
Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 89-90);
Conceitos psicanalíticos na elucidação de textos literários do século XX
(Psicocrítica): “É grande a apropriação da psicanálise pela recente teoria literária,
especialmente com respeito ao trabalho de Freud e Lacan. Em particular foi usado o
método da teoria da subjetividade para colocar a questão do falar, escrever e ler em
relação aos sistemas simbólicos e às representações inconscientes. Estudou-se,
também, assim, a função da fantasia e do desejo no texto literário. (Conferir:
SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 91-92);
Crítica Marxista e Neomarxista: “Nos anos 70 os intelectuais romperam ao
mesmo tempo com o capitalismo e com o comunismo do regime de Stalin.
Desenvolveram-se novas tradições esquerdistas e marxistas até então reprimidas,
principalmente na Inglaterra, como correntes alternativas do marxismo
revolucionário ligado à política de massas luxemburguista, trotskista, maoísta.
Simultaneamente, os vários legados do marxismo ocidental, nascido de Lukács,
Korsch e Gramsci, tornaram-se importantes, sob a influência do marxismo de Sartre,
Lefèbvre, Adorno, Marcuse, Della Volpe, Colletti, Althusser e outros. (...)
A crítica marxista é baseada na teoria histórica, econômica e sociológica de Karl
Marx e Friedrich Engels. De acordo com o Marxismo, a consciência de uma
determinada classe em um determinado momento histórico deriva do modo de
produção material. O jogo de convicções, valores, atitudes e idéias, que constituem a
consciência de classe, forma uma superestrutura ideológica, e esta superestrutura
ideológica é amoldada e determinada pela infra-estrutura material ou base
econômica. Conseqüentemente, o termo marxismo vê o produto de forças históricas
e uma relação dialética entre trabalho literário e base sócio-histórica. A crítica
dialética marxista focaliza as conexões causais entre conteúdo, ou forma de uma
obra literária, e os fatores sociais, econômicos, de classe ou ideológicos, que
amoldam e determinam aquele conteúdo ou forma. Por exemplo, escritores
burgueses propagam a ideologia burguesa que busca inevitavelmente universalizar o
status quo, vendo isto como natural e não como fato histórico. A noção de que há
uma correspondência entre consciência de classe, ideologia do trabalho e a base
sócio-histórica na qual emerge é freqüente no Marxismo. Mas Fredric Jameson
mostra a influência de uma determinada matéria-prima social, não só no conteúdo,
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mas na forma mesma das obras. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de
Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 93-97);
A Estética da Recepção de Base Alemã (Diálogo com o Texto) Presente no
Cenário Cultural Brasileiro, no final do século XX: “A crítica literária
desenvolvida na Alemanha Ocidental durante os anos 60 e 70 inclui a Escola de
Constance que se volta para a recepção de textos literários, ao contrário dos métodos
que enfatizam a produção ou sua leitura. Essa escola fez sucesso na Alemanha
durante uma década como “teoria da recepção” ou como “estética da recepção”, mas
não foi muito conhecida até quando os trabalhos mais importantes foram traduzidos,
como os de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser.
Surgiu durante o movimento estudantil que pedia reformas educacionais e
questionava os métodos tradicionais na Universidade Experimental de Constance,
fundada em 1967. Surgiu quando uma conferência de Hans Robert Jauss (1967) foi
pronunciada, sobre o que se chamou de Estética da Recepção, e era uma tentativa de
superar o formalismo e a crítica marxista.
Segundo Jauss, o marxismo representava uma aproximação positivista, e o
formalismo tinha uma percepção estética que isolava a arte de seu contexto
histórico. Por isso, ele tentava fundir as melhores qualidades do marxismo e do
formalismo, propondo alterar a perspectiva pela qual nós normalmente
interpretamos os textos literários. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de
Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 117-118);
Os novíssimos rumos da Crítica Literária no Panorama Mundial: “Como a
crítica sociológica, a crítica marxista se orienta para a realidade social que
condiciona as obras de arte, como na teoria de Frankfurt e em Benjamin.
A nova esquerda hoje é representada por Hobsbawm, que fez a interpretação do
século XIX; Jameson, que escreveu sobre pós-modernidade; Robert Brenner, que
ofereceu uma interpretação econômica do desenvolvimento capitalista desde a
Segunda Guerra Mundial; e também Giovanni Arrighi, sobre estrutura temporal
mais extensa. Tom Nairn e Benedict Anderson são importantes autores sobre o
nacionalismo moderno. Regis Debray desenvolveu uma teoria da mídia
contemporânea. Terry Eagleton desenvolveu seus estudos no campo literário. T. J.
Clark nas artes visuais e David Harvey na reconstrução da geografia. Nos campos da
filosofia, sociologia e economia, estariam incluídos os trabalhos de Habermas,
Bordieu, Fredric Jameson, Edward Said e Perry Anderson.” (Conferir: SAMUEL,
Rogel. Novo Manual de Teoria Literária. Petrópolis: Vozes, 2002: 96-97);
A Crítica Literária no Brasil: Nestes anos iniciais do Terceiro Milênio, que
rumo devemos tomar? (Repensar as palavras de Eduardo Portella, publicadas em
1970).
“Sem dúvida um pensamento que não se arme dialeticamente permanecerá
inteiramente perdido diante de um fenômeno tão multidimensional como é o
literário. Na chave da dicotomia, as categorias se opõem excluindo-se mutuamente.
Somente os pensadores tricótomos pensam no eixo da contradição, admitindo um
terceiro elemento como mediador dialético. E só estes possuem olhos para penetrar
nas esquinas secretas dos caminhos da arte.” (Conferir: PORTELLA, Eduardo.
Teoria da Comunicação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970: 61-62.)
“Decodificação não quer dizer necessariamente coincidência ou acordo; quer dizer
apenas a ultrapassagem da incompreensão. Porque o único que se lhe pede é que
esteja ancorada no porto seguro do entendimento.” (Conferir: PORTELLA, Eduardo.
Teoria da Comunicação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970: 25.)
2007: “Postul(o) uma contribuição satisfatória para o entendimento atual do literário,
uma contribuição entre duas grandes correntes críticas (a cientificista e a
fenomenológica) em benefício da correta decodificação e interpretação do texto
literário, para que a compreensão fique “ancorada no porto seguro do entendimento”
[como a quer Eduardo Portella]. Ao reivindicar uma colaboração da Semiologia com a
Hermenêutica, não quero (parodiando Eduardo Portella) repudiar o silêncio, que se
encontra palpitante no interior da Obra Literária, e reverenciar a “loquacidade
enganadora de um analismo que, em nome da objetividade, se mostra impermeável ao
subjetivismo”. Ao contrário, proponho um labor crítico dialético, usando dos
ensinamentos de ambas as correntes, para que esse silêncio seja rompido. Reivindico
uma colaboração consciente entre as duas correntes (afirmo que esta colaboração, que
muitos dizem existir nestes anos iniciais do Terceiro Milênio, não se efetua na prática
em nossos dias), para que este “silêncio” se ouça acima dos estudos esquemáticos
(estudos de origem estruturalista) e promova a compreensão dos sentidos corretos do
texto literário.”* (Conferir: MACHADO, Neuza. “Reavaliando a atuação da Crítica
Literária”, item 2.18 deste Manual)
*(Nota de Neuza machado: Conferir: PORTELLA, Eduardo. Teoria da Comunicação
Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970: 25.)
2.6 - REAVALIANDO A ATUAÇÃO DA CRÍTICA LITERÁRIA (NEUZA MACHADO∗)
Sem dúvida um pensamento que não se arme dialeticamente permanecerá inteiramente perdido
diante de um fenômeno tão multidimensional como é o literário. Na chave da dicotomia, as
categorias se opõem excluindo-se mutuamente. Somente os pensadores tricótomos pensam no
eixo da contradição, admitindo um terceiro elemento como mediador dialético. E só estes
possuem olhos para penetrar nas esquinas secretas dos caminhos da arte.1
APRESENTAÇÃO
Esta reflexão teórico-crítica tem por fim provar a possibilidade de uma
colaboração da Semiologia de Segunda Geração (Estudos Analíticos da Literatura) com
o desenvolvimento da Hermenêutica de um determinado texto (âmbito do
Conhecimento).
Não se trata de qualquer texto, como se verá, já que cada obra impõe o seu
próprio método de análise e/ou interpretação. Mas, no tipo de texto que pretendo
intermediar criticamente (A hora e vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, o qual
fez parte de minha Dissertação de Mestrado, e, posteriormente, de minha Tese de
Doutorado), a Semiologia de Segunda Geração (de Roland Barthes, Umberto Eco e
Anazildo Vasconcelos da Silva), certamente, oferece um corpo teórico, para a análise, e
colabora com a posterior interpretação hermenêutica, possibilitando uma interação
paradigmática consciente, de acordo com as exigências críticas atuais, voltadas à
interdisciplinaridade.
Para que esta propedêutica não se desvirtualize (já que a direciono aos alunos de
graduação em Letras), começarei resenhando o livro de Emerich Coreth, Questões
Fundamentais de Hermenêutica2, sobre a história do problema hermenêutico. A seguir,
desenvolverei alguns dos principais elementos metodológicos do movimento
∗
Neuza Machado é doutora em Ciência da Literatura / Teoria Literária pela Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1
PORTELLA, Eduardo. Teoria da Comunicação Literária. R. J.: Tempo Brasileiro, 1970: .61-62.
2
CORETH, Emerich. Questões Fundamentais de Hermenêutica. São Paulo: Ed. Da Universidade de São
Paulo, 1973.
hermenêutico do século XIX e verei o relacionamento dialético entre Hermenêutica e
Ciência, a partir de Richard Palmer3 e Paul Ricoer4, discutindo as noções de
compreensão, interpretação e o problema do método crítico. Ressalto que apoiar-meei nas conclusões do Professor Eduardo Portella (escritas na década de setenta, mas
ainda atuais), para superar determinados impasses teóricos, já que colocarei a
Semiologia de Segunda Geração (própria para análises literárias) como Ciência Auxiliar
à compreensão dos sentidos. Para tal empresa, utilizarei também alguns postulados do
semiólogo italiano Umberto Eco. Assim, nas páginas finais desta propedêutica,
retomarei os ensinamentos de Ricoer e Eduardo Portella, esperando demonstrar então a
possibilidade da Semiologia da Literatura realizar com a Hermenêutica um criador
diálogo, uma contribuição criadora para o entendimento atual do fenômeno literário.
Quero esclarecer ainda que, ao postular a possibilidade de uma colaboração entre
Semiologia e Hermenêutica, não é minha intenção comparar o método de uma Ciência
com o de outra. Ambos (os métodos) possuem, segundo o meu ponto de vista,
qualidades próprias. A experiência de contemplação da obra tem de abranger os dados
visíveis e não-visíveis. Esta experiência de contemplação da obra é um conhecimento
(nomenclatura hermenêutica). Não há como separar forma e conteúdo. Direi ainda,
apoiada em Gadamer: o essencial na experiência estética de uma obra não é o conteúdo
nem a forma, mas a matéria significada, ou seja, um mundo com a sua própria dinâmica.
Não pretendo comparar dois métodos científicos, mas admitir que um (o semiológico)
pode colaborar com o outro (o hermenêutico).
HERMENÊUTICA E SEMIOLOGIA: UM PROBLEMA DA CRÍTICA LITERÁRIA ATUAL
Neste início de século XXI, observa-se um fenômeno significativo no que
concerne à Crítica Literária (aliás, este fenômeno já é antigo no Brasil: seus primórdios
se localizam nos anos oitenta): há um impasse de teorias diversificadas, várias maneiras
de se penetrar no universo do texto, e isto traz, para a Ciência da Interpretação, a
dúvida, quanto a direção a ser seguida, na realização do trabalho crítico. Ressalte-se o
fato de que todas as teorias convivem nos meios acadêmicos brasileiros, senão em
harmonia total, pelo menos se respeitando cordialmente, evitando, assim, as
divergências que existiram nos anos setenta. Nos anos sessenta, não será demais
lembrar, o Estruturalismo (no que se refere à literatura e seu entendimento, um ponto de
vista analítico repressor) imperou nas Universidades. Nos anos cinqüenta, os
universitários que se dedicavam ao estudo da literatura estavam submetidos às diretrizes
teóricas (também analíticas e repressoras) do New Criticism americano, divulgado aqui
no Brasil, pelo Professor Afrânio Coutinho, com o nome de Nova Crítica.
Por tais motivos, compreende-se que não há como escolher um partido teórico
único no âmbito da Literatura-Arte se há atualmente a facilidade de se conhecer cada
feição crítica e avaliar-lhe suas contribuições, em função do desvelamento e
compreensão do texto. Restará ao crítico literário brasileiro hodierno, antes de fazer
uma escolha consciente, observar as sugestões oferecidas pela própria obra, pelo próprio
texto, relacionando razão e compreensão: A obra impõe a sua verdade e, portanto, o
seu próprio método a ser utilizado. Não se pode dissociar a Crítica da Arte.
Em conseqüência deste impasse, a maneira de como interpretar um texto literário
tornou-se um problema nos meios acadêmicos. (Não estou referindo-me aos teóricos
conceituados). O que se observa atualmente, entre os alunos de Letras, é a utilização
3
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
RICOER, Paul. Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
4
aleatória de todas as correntes críticas. Há um cruzamento de nomenclaturas que, ao
invés de esclarecer a mensagem, torna-a ilegível.
Reconheço que este problema se origina no fato de o aspirante à função de
Crítico Literário não possuir um conhecimento de base, já que o mesmo desconhece os
postulados fundamentais de cada corrente crítica.
No que se refere à Hermenêutica, por exemplo, o problema torna-se mais grave,
por esta ter sua origem nos primórdios da História religiosa do homem ocidental. Falase muito em Hermenêutica, mas não há, nos meios acadêmicos, um conhecimento
correto em relação à mesma. Desconhecem-se seus questionamentos de origem, sua
ligação com os Textos Sagrados, as divergências que a marcaram no decorrer de sua
história a sua posterior incursão nos domínios da Filosofia e da Literatura.
Por estas razões, farei uma breve retrospectiva da História da Hermenêutica,
desde o seu advento, em que o que a preocupava era o problema da correta interpretação
dos Textos Sagrados. Esta retrospectiva baseia-se em dados oferecidos por Emerich
Coreth (op. cit.), e tem por objetivo inicial reconhecer a história do problema teológico
e a sua ligação com as questões hodiernas da Hermenêutica, ou seja, a questão do
conhecimento ao se contemplar as obras literárias não religiosas. A seguir, por esta
mesma retrospectiva, buscarei um diferente olhar crítico, o qual irá proporcionar-me a
defesa de meu objetivo central: provar a possibilidade de uma colaboração
consciente da Semiologia da Literatura com o desenvolvimento da Hermenêutica
de um determinado texto.
UMA RETOMADA DA HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA
Muito antes de se pensar na Hermenêutica como a concebemos hoje, ou seja,
como Ciência da Interpretação e da Observação Crítica – ciência que questiona a correta
interpretação dos textos literários –, já a questão era problematizada pelos intérpretes
(os antigos “escribas”) das mensagens contidas no Antigo Testamento. Emerich Coreth,
ao se referir aos escribas, situa-os como os primeiros exegetas que procuravam
questionar a importância de uma correta interpretação dos Textos Sagrados. Observe-se
que esses textos anunciavam o nascimento do Salvador, e os mesmos eram interpretados
por sacerdotes rudes, os quais legaram à posteridade suas interpretações ambíguas.
Com o advento do Novo Testamento, as ambigüidades se desfazem, pois quem as
esclarece não é outro senão o próprio Filho de Deus, o Salvador esperado. Segundo
Coreth, o Novo Testamento se coloca, desde as primeiras páginas, como o único
intérprete autêntico das Mensagens Sagradas. Reavaliando as palavras de Coreth por
uma diretriz interpretativa, isto se deve ao aval de Jesus Cristo, ao procurar elucidar,
para as multidões que o acompanhavam, todas as ambigüidades do Antigo Testamento
anteriormente questionadas, algumas que foram interpretadas incorretamente, de acordo
com o que nos passa o Novo Testamento.
Jesus Cristo posicionou-se como o fecho de um ciclo da História dos hebreus e a
estrutura basilar de uma nova etapa da História da humanidade. Se graças à sua
interpretação os Textos Sagrados ficaram devidamente esclarecidos, ou se o povo
acatava os ensinamentos sem formular questões, quanto à profundidade do que era
recebido – haja vista as parábolas simplificadas –, o mesmo não aconteceu
posteriormente. Coreth alerta para toda uma problemática da compreensão, tanto do
Antigo quanto do Novo Testamento, envolvendo os exegetas dos Textos Sagrados,
desde o século II d. C. Menciona as divergências existentes entre os padres que seguiam
as orientações da Escola de Antioquia, em contraponto com os postulados da Escola
Alexandrina. Situa esse momento como marco de um futuro problema hermenêutico,
pois, se uma Escola procurava ressaltar o sentido histórico contido na Bíblia (Escola de
Antioquia), a outra colocava em evidência a necessidade de se atingir o sentido
espiritual que se evolava das páginas sagradas. Esses dois pontos de vista divergentes
atestam o caráter polêmico da Bíblia (como repositório das mais diversas expressões
literárias), sem, contudo, despojar-se de sua condição de reveladora da palavra de
Deus. Atestam, inclusive, a dificuldade do intérprete de ater-se a uma interpretação
consensual. Coreth informa ainda que Orígenes [um estudioso preocupado em unir a
investigação histórico-filológica do texto a uma noção distinta dos vários sentidos que
se podem destacar do mesmo] procurava ligar as duas correntes conscientemente,
procurando desenvolver uma investigação cuidadosa. Prosseguindo em sua
recapitulação histórica do problema teológico, ressalta, cuidadosamente, as divergências
de opiniões entre São Jerônimo e Santo Ambrósio, bispo de Milão, e orientador de
Santo Agostinho em sua redescoberta do Cristianismo.
No que se refere a Santo Agostinho, é importante destacar seu caráter
conciliador, ao procurar aliar as duas formas de interpretar a Bíblia. Isto se prende ao
fato de que o mesmo vivenciou várias formas de vida contemplativa, antes de se
converter definitivamente ao cristianismo. Conhecendo-se suas transformações
existenciais e religiosas, não é difícil compreender o porquê dessa atitude conciliadora
(também destacada por Coreth). De origem cristã, o futuro Bispo de Hipona
desenvolveu sua inteligência dentro de conceitos filosóficos e científicos distantes dos
ensinamentos religiosos de sua infância. Estudou retórica, leu os professores e poetas
latinos, desenvolveu estudos referentes às Ciências Humanas (foi aluno de Varrão) e,
posteriormente, aderiu-se à doutrina Maniqueísta, abandonando os postulados cristãos
da revelação sobrenatural da palavra de Deus, em benefício de uma orientação religiosa
fundamentada apenas no conhecimento racional. Não satisfeito com esta doutrina,
torna-se discípulo de Ambrósio, Bispo de Milão. Por tais razões, mesmo abandonando
os conceitos da razão pura e retornando às normas do Cristianismo, o ex-estudioso das
teorias de Varrão, ex-professor de gramática e retórica, ex-maniqueísta, jamais pode
eliminar de sua vida o que foi aprendido e vivenciado. Restou-lhe uma atitude
conciliadora: interpretar a Bíblia observando o elemento sobrenatural, sem abdicar do
racional.
O problema da compreensão dos Textos Sagrados continuou repercutindo nas
etapas seguintes da Era Moderna: a reforma luterana em oposição à Igreja Romana,
posteriormente a Contra-Reforma [numa tentativa de recuperar o anterior poder
religioso, naquele momento em decadência], passando pelo pensamento Iluminista e sua
visão racional da mensagem divina, até chegar a Hegel e outros pensadores.
No século XIX, inaugura-se o movimento hermenêutico, propriamente dito. É
nesse momento que vamos encontrar a palavra hermenêutica como sinônimo de
investigação e compreensão do texto ainda religioso, visando a opor-se à pesquisa
histórico-crítica, método que tem sua origem na obra polêmica de David Friedrich
Strauss, A Vida de Jesus, e que procurava ressaltar, na Bíblia, a história do Antigo
Oriente, preocupando-se em estudar os aspectos lingüísticos e culturais em detrimento
do sentido sobrenatural contido nos Textos e revelador dos desígnios de Deus. O
movimento hermenêutico opunha-se ao método histórico-crítico, mas, ao mesmo tempo,
não desprezava a contribuição valiosa oferecida por essa forma de investigação crítica
da Bíblia e, inclusive, destacava seu caráter esclarecedor. Não se tratava exatamente de
uma oposição, mas de conciliação, postura que outros exegetas da Bíblia adotaram, no
transcorrer da História Religiosa do Homem.
Observando a repercussão histórica do problema teológico, pelo ponto de vista
crítico de Emerich Coreth, contido no livro já citado, pude encontrar o cerne de meu
questionamento sobre o problema da Crítica atual, em outras palavras, a base para o
meu próprio postulado que, a partir de agora, desenvolverei, ou seja, o problema atual
dos vários paradigmas analítico-interpretativos que convivem, mescladamente, no
âmbito da Ciência da Literatura. Trazendo à luz os problemas que afligiam os
intérpretes da Bíblia no passado, Coreth procurou demonstrar a perenidade dos conflitos
interpretativos, tanto na área das Ciências Exatas, quanto na das Ciências Humanas,
inerentes à História da Humanidade. Diz ele, falando especificamente do problema
hermenêutico:
Em todo caso, põe-se aqui já o problema em toda a sua amplitude, evidenciando que a
questão hermenêutica da atualidade não é, no fundo, nova, mas retoma um antigo
problema, ainda que de um outro modo e sob novos pontos de vista.5
O que marca o movimento hermenêutico do século XIX não é seu caráter
opositor e, ao mesmo tempo, conciliador, mas o fato de que, por intermédio dele, o
posicionamento crítico, marcadamente religioso, desprende-se dos Textos Sagrados,
alcançando os domínios da Filosofia e da Literatura. A Crítica passa a centralizar-se no
problema da compreensão do texto como linguagem, questionamentos esses que
levaram ao entendimento da essência do Homem e do Universo, e que estavam antes
restritos ao âmbito dos estudos teológicos.
Quanto à Literatura, nosso tema de reflexão crítica, a Hermenêutica passa a
promover a compreensão dos textos, tornando-se conhecida como a teoria que permite
compreender e, posteriormente, explicar o que foi compreendido. Compreensão não
como faculdade de compreender, como se vê nos dicionários, mas como maneira de
ser e relacionar-se com os seres e com o ser, no dizer de Ricoer.6
Sem deixar de pertencer aos domínios da investigação teológica (o que se
conhece como Hermenêutica Específica), a Hermenêutica da Filosofia e da Literatura
expande-se, e passa a centralizar na linguagem do texto (seja religioso, histórico ou
literário) a sua busca de compreensão da essência do Homem e de sua atuação como
ser-no-mundo, passando também a possibilitar ao investigador uma maior amplitude de
visão, permitindo-lhe o alcance dos sentidos do texto investigado.
No que se refere à interpretação literária, faz-se necessário, agora, um
esclarecimento. Observe-se que compreender um texto não é suficiente, necessita-se de
uma operação ou transação que possibilite esclarecer e decifrar o significado da obra.
Necessita-se saber distinguir o que realmente quis-se anunciar; quais as mensagens
contidas em um texto que se produz em uma linguagem pluri-ambígua. Impõe-se assim
um método de abordagem transmutativo, uma atitude mediadora entre compreensão e
explicação (posicionamento fundamental da Hermenêutica). A este método de
abordagem dá-se o nome de interpretação. Como interpretar fundamenta-se em
postulados científicos, alguma coisa diferente da compreensão como elemento do
universo crítico-filosófico hermenêutico (fenomenológico), subentende-se que não há
como fugir a um inter-relacionamento entre Hermenêutica e Ciência. Uma questão que
foi observada nos anos setenta permanece ainda insolúvel neste início de terceiro
milênio, incomodando a maior parte dos profissionais da Ciência da Literatura,
simpatizantes do antigo método da análise literária estruturalista. No momento em que
se propõe uma nova atitude didática, uma aproximação necessária entre o professor e
seus alunos, não há mais como promover o distanciamento. Se o professor for realmente
5
CORETH (1977), p. 6
RICOER (1977), p. 17
6
um artífice de categoria, em sua disciplina de estudos literários, saberá como promover
o entendimento e o diálogo receptivo.
INTERCÂMBIO ENTRE CIÊNCIA E HERMENÊUTICA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO
Quando se retoma o posicionamento de Richard E. Palmer7, apresentado nos
anos oitenta, recusando-se a reconhecer no método científico uma atitude válida para o
esclarecimento do texto, volta-se à questão, já assinalada pelos exegetas da Bíblia, de
opor-se ou aderir-se a uma conciliação entre o sentido apreendido e a forma de
esclarecer o que foi decifrado. Palmer desenvolve e reconhece a necessidade de se
procurar um método, ou teoria que possibilite a decifração da marca humana contida
na obra literária. Método e Teoria são palavras que fazem parte do universo teóricocrítico das Ciências Exatas; decifrar não é o mesmo que compreender, portanto, não
se visualiza outra saída para a Crítica Literária atual: pressupõe-se um intercâmbio entre
Ciência (análise) e Hermenêutica (conhecimento), em benefício da verdadeira
compreensão do texto literário.
Palmer diz:
É certo que os métodos de “análise científica” podem e devem ser aplicados às obras,
mas ao proceder deste modo estamos a tratar as obras como objetos silenciosos e
naturais. Na medida que são objetos, são redutíveis a métodos científicos de
interpretação; enquanto obras, apelam para modos de compreensão mais sutis e
compreensíveis.8
Palmer não procura separar interpretação e compreensão, apenas não concorda
que as obras sejam observadas como objetos silenciosos. É lógico que há, hoje, várias
formas de interpretar e avaliar a mensagem do texto [um fenômeno da globalização],
mas todas passam por pressupostos científicos, inclusive a interpretação que se faz,
atualmente, por uns poucos iniciados, dentro do que se impõe como Crítica Receptiva.
Como sabemos, esta diretriz crítica é exatamente a tal forma conciliadora, retirada de
um pensamento tricótomo (relembrando aqui a epígrafe desta propedêutica, de autoria
de Eduardo Portella), revestida com um título pomposo  Estética da Recepção , mas
que tem suas raízes na Hermenêutica e Dialética.
A Hermenêutica, como a concebemos atualmente, também é Ciência, ou por
outra, é um postulado científico, porquanto passa por uma averiguação que não se pode
localizar no âmbito apenas da compreensão divinatória, se me reporto aos ensinamentos
de Schleiermacher. Há de se acrescentar à intuição espontânea o esclarecimento da
Verdade Científica. Nesta manifestação do intelecto está a faculdade de percepção do
Homem atual. Sem se pleitear confundir compreensão com faculdade de compreender,
faz-se necessário observar o Homem e o Mundo pós-modernos, e, conseqüentemente, a
obra literária, que os problematiza dentro de sua realidade. Realidade esta, não será
demais lembrar, que já se encontra mascarada por opiniões ou juízos conflituosos, que
longe estão do padrão comunitário dos antigos dogmas religiosos. Sem se pretender
confundir compreensão com faculdade de compreender, faz-se imprescindível observar
o Homem como ser-no-mundo, como ser específico de um mundo que, ao longo do
século XX, foi-se deteriorando, gradativamente, fragmentando-se, e encaminhando-se
para um ponto que, segundo as reflexões de Baudrillard9, em seu livro América, será um
ponto de fuga em direção ao Nada.
No que se relacione ao texto literário, e de acordo com os postulados
hermenêuticos, concebemo-lo como repositório da problemática social e psíquica que
7
PALMER (1986), op. cit.
Idem, p. 19
9
BAUDRILLARD, Jean. América. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
8
envolve o Homem e o Mundo. Para que haja uma interpretação consciente de um texto
literário, há a necessidade de o intérprete estar preparado para captar a ambigüidade, a
pluralidade de sentidos que uma obra da arte literária oferece. A obra literária é um
enigma; é preciso decifrar esse enigma, trazer à luz os sentidos ocultos, os quais
subjazem nas entrelinhas. Assim, para um reconhecimento crítico seguro, faz-se
indispensável um conhecimento analítico que propicie, depois da análise evidentemente,
a compreensão dessas camadas invisíveis. Por esta linha conciliadora (exigência deste
momento pós-moderno), o intérprete se apropria do papel de leitor participativo,
incorporando-se ao texto interpretado, pois, graças a uma prévia compreensão do que se
passa no universo da linguagem literária (seja ela poética ou ficcional), passa a
compreender a mensagem do outro. O texto se coloca como mediador entre a obra e o
intérprete. Este só compreende e interpreta porque possui já uma compreensão anterior
de sua própria atuação como ser-no-mundo, e, assim, está apto para compreender o que
se encontra subentendido nas entrelinhas do enunciado criativo. Compreendendo,
liberta-se; interpreta-se a extensão do ato de compreender. Compreendendo o texto, o
intérprete dispõe-se a observar suas próprias preconcepções do mundo, e dele mesmo,
que se acham inseridas em sua consciência transmutativa.
O texto é também mediador entre compreensão e interpretação.
Compreendendo-o e interpretando-o hermeneuticamente, interpreta-se a própria
consciência, desvenda-se o próprio inconsciente. Compreendendo o outro, interpretando
seus questionamentos, sua posição diante do Mundo e do enunciado, passa-se a
compreender as próprias indagações e as indagações do Universo; permutam-se
conhecimentos; exerce-se o ato (ou hábito) de questionar e/ou responder, ou mesmo de
se buscar a resposta através da polissemia da palavra, promovedora de uma série de
significações.
Mas, se a compreensão do texto literário proporciona concebê-lo como
repositório da problemática social e psíquica que envolve o Homem e o Mundo, é
também lícito repetir que estou aqui a referir-me ao Homem e ao Mundo atuais. Estes já
vivenciaram novas etapas de vida; novos conhecimentos se foram agregando aos do
passado. Não é o caso de avaliar se tais conhecimentos foram benéficos ou não, o fato é
que eles se materializaram, e é impossível pensar em desfazer-se deles.
E eis que chego, agora, ao ponto central de meu postulado: Como conceber um
método crítico satisfatório, se no universo da Crítica Literária atual há diversos
encaminhamentos que propiciam o desvelamento do texto?
É bom reafirmar que a questão não é nova. Desde o advento da Lingüística, e o
posterior surgimento dos postulados científicos, penetrando o universo da obra literária
e tentando decodificá-la unicamente por meio da análise explícita, que o problema se
faz presente nos domínios da Crítica.
Se nos últimos decênios do século dezenove a compreensão hermenêutica, ao se
desprender dos Textos Sagrados, possibilitou uma amplitude de visão, centralizada no
texto profano e na sua ambigüidade, permitiu também, gradativamente, o
desenvolvimento de diferentes abordagens, todas de caráter científico.
A chamada Teoria do Conhecimento Literário passou a ceder a vez às análises
científicas, ou seja, cedeu a vez às análises fechadas e auto-suficientes, e, quando já se
pensava que a supremacia do posicionamento científico era um fato concreto e
irreversível, ressurge a Hermenêutica (e ressurgirá sempre que houver necessidade de
mudanças], dessa vez provando que [e eis nesta prova algo de científico), além do texto
explícito (a linguagem escrita), há outras camadas da obra literária dignas de serem
observadas e compreendidas.
Os antagonismos existentes entre as duas facções eram visíveis nos anos setenta,
e é naquele momento que encontro, no que se relaciona especialmente à Crítica
Literária, no Brasil, o professor Eduardo Portella, preocupado com o cientificismo
crítico, que aqui se aportara nos anos cinqüenta e sessenta, e que se fechava em
prepotentes modelos de como se interpretar os textos literários. Observe-se a sua
posição defensiva, a respeito da questão a qual seria examinada no decorrer de sua
teorização acentuadamente hermenêutica e que está registrada em seu livro
Fundamentos da Investigação Literária.
Recusamo-nos inicialmente a imaginar a crítica literária fechada em si mesma,
entregue a uma estranha forma de autodevoramento. Criticar é rasgar novos horizontes
de compreensão. Uma crítica enclausurada será fatalmente uma crítica cega,
provinciana ou parasitária. O seu entendimento superlativo pressupõe a consciência de
sua interdisciplinaridade.10
Penso também, resguardada por Eduardo Portella, que “criticar é rasgar novos
horizontes de compreensão”; reconheço, como profissional de Letras, que não se pode
prescindir, nos estudos literários, da contribuição da Crítica Hermenêutica, propulsora
do alcance das camadas mais profundas da obra literária e diretriz consciente da
compreensão de suas mensagens unívocas, que se encontram camufladas nas
entrelinhas. Mas, assim como Eduardo Portella já observava, na década de setenta, a
“progressiva pressão dos modelos científicos no âmbito do fazer ou do saber literário”11,
e se preocupava em desenvolver uma espécie de reciclagem terminológica, visando se
posicionar hermeneuticamente, abolindo de suas teorizações qualquer contato
epistemológico, assim, também, encontro-me agora, nesta propedêutica e em meu
próprio campo de trabalho. Usando outras palavras, tenho consciência de que a questão
permanece, aqui no Brasil (não estou a referir-me aos posicionamentos americanos e
europeus), apesar da afirmação de uns poucos teóricos, os quais divulgam que a tensão
entre as duas correntes inexiste. Para tal comprovação, bastará ao crítico tricótomo fazer
uma avaliação do que ocorre, em termos de ensino da Literatura, nas diversas
Universidades do país.
Atualmente, ao invés da “pressão”, o que existe são trilhas díspares, abertas a
todos incondicionalmente, e que levam o analista desavisado e/ou o pseudo-intérprete
da obra literária a desenvolver uma crítica aleatória, misturando os conceitos e as
terminologias dos diversos tipos de crítica literária. É lícito lembrar que estes diversos
paradigmas são importantes, mas deveriam ser teoricamente bem encaminhados.
Ainda, apoiando-me no pensamento do professor Eduardo Portella, continuo
repetindo a sua assertiva: “criticar é rasgar novos horizontes de compreensão”. Penso
que todos esses encaminhamentos críticos são válidos, desde que se saiba situá-los
corretamente. Penso no texto como mediador de compreensão e somente ele dirá qual a
forma de desenvolvimento crítico a ser seguida. Cada texto impõe a própria Verdade, e
não é lícito que o crítico se afaste desta Verdade compreendida.
Se hoje, em nossos meios intelectuais, não há mais a “pressão dos modelos
científicos no âmbito do fazer ou do saber literário”, como muitos afirmam, infere-se
que estas linhas críticas díspares reverteram-se em um novo problema. Urge reordenar o
desordenado por meio de uma conciliação crítica satisfatória. A Semiologia de Segunda
Geração, proposta por Umberto Eco nos anos oitenta, continua válida, uma vez que,
pressionada pelas exigências críticas da Fenomenologia, a mesma reconheceu a sua
validade apenas para os estudos analíticos preliminares, lineares, aceitando as
10
11
PORTELLA (1981), p. 22
Ibidem
posteriores incursões do analista-intérprete nas camadas invisíveis da obra. Esta
aceitação deveu-se unicamente aos plurissignificativos textos [de poesia e prosa] dos
escritores do século XX, os quais naturalmente se obrigaram a interpretar criativamente
a sua desordenada realidade. Assim, a Semiologia de Segunda Geração (anos oitenta),
de Umberto Eco, de Roland Barthes e outros, reivindicando somente a decodificação do
texto literário, por meio de esquemas objetivos, e certa ao aceitar que se desenvolva
posteriormente qualquer tipo de interpretação, desde que se respeite seus postulados
básicos, o que reconheço como postulados preliminares, limitados apenas ao texto,
enquanto camada explícita da obra literária], aliada conciliadoramente à Hermenêutica,
ou qualquer outra linha crítica sócio-fenomenológica, parece-me a solução ideal, pelo
menos momentaneamente (não se deve perder de vista o fato de que a Crítica Literária
deverá, forçosamente, adaptar-se aos valores estéticos das épocas vindouras). Presa ao
meu momento histórico-estético (um momento de transição secular e milenar), penso
em uma conciliação entre análise e interpretação. Mais precisamente, como base
analítica, só vejo a Semiologia de Segunda Geração como colaboradora de uma
interpretação extra-texto. Aos Estudos Semiológicos de Segunda Geração, conhecidos
como Crítica Semiológica, não importam se a posterior interpretação (do que foi
decodificado por meio de esquemas) é semi-hermenêutica (termo de minha autoria, pois
a crítica autenticamente hermenêutica não se permite misturas), psicanalítica ou
sociológica. Importam-lhes que a interpretação seja pertinente e não se distancie em
demasia do universo pesquisado, distorcendo a mensagem explícita e/ou unívoca do
texto literário. É bem verdade que a Semiologia, enquanto suporte analítico, não
possibilita a compreensão do sentido que se oculta ali, ao desenvolver seus estudos
esquemáticos, mas não impede que se observe a posteriori as outras camadas.
Atualmente, os já renovados semiólogos da literatura têm consciência de que a
linguagem do texto-arte é pluri-ambígua, permitindo diversos pontos de vista
interpretativos. O problema se atém somente ao fato de que não há um consenso
pertinente, que esclareça a desordenação crítica atual, observada no entrelaçamento
aleatório das diversas e confusas nomenclaturas.
A partir de agora, entro no núcleo temático deste empreendimento: superar o
impasse teórico-crítico, no âmbito específico da Crítica Literária, entre análise
(cientificismo) e interpretação (fenomenologia).
A Semiologia de Segunda Geração, tal como a entendo e pratico, não é uma
teoria reducionista, não reduz a obra literária a um mero objeto de análise sem vida. Há,
realmente, aqueles semiólogos que assim procedem. Eu defendo, aqui, as idéias de
Roland Barthes e Umberto Eco, provedoras de uma Semiologia (para o texto literário)
aberta, uma Semiologia que seja, e não mais que isto, um ponto de partida para a
posterior interpretação hermenêutica. Esta minha Semiologia agregada à interpretação
fenomenológica do tipo praticada pelos semiólogos acima citados, visa a decodificar os
signos e sinais contidos no texto, nas mensagens, nos relatos, mas passa adiante,
ultrapassando o sistema de signos e chegando, mais precisamente com Barthes, quase ao
nível do texto literário propriamente dito.
Umberto Eco, um dos baluartes da “arte” de como desenvolver uma leitura
semiológica do texto literário, na introdução de seu livro Leitura do Texto Literário12,
coloca em evidência a necessidade de uma cooperação interpretativa nos textos
literário, não sem antes assinalar o fato de que esta cooperação interpretativa é,
realmente, um problema a ser avaliado.
12
ECO, Umberto. Leitura do Texto Literário. Lisboa: Presença, 1983.
Como uma obra de arte poderia, por um lado, postular uma livre intervenção
interpretativa por parte dos próprios destinatários e, por outro, exibir características
estruturais que estimulam e ao mesmo tempo regulam a ordem das suas
interpretações?13
Como exemplos de seu questionamento, Umberto Eco, referindo-se a um estudo
de Jakobson, sobre “Les chates”, de Baudelaire, procura demonstrar, em benefício da
compreensão, “a função ativa desempenhada pelo leitor na estratégia poética do
soneto”.14
Quando publicou o seu livro Obra Aberta15 Eco já fora criticado por LéviStrauss, que não concordava com a sua concepção de que a obra é aberta à interpretação
do leitor. Para Lévi-Strauss, a obra é fechada, dotada de propriedades precisas que
somente o posicionamento analítico justifique.
Reportando-se à análise feita por Jakobson, Umberto Eco se defende e
demonstra que o próprio Jakobson já previra a cooperação do leitor [talvez
inconscientemente], ao desenvolver categorias, observadas através de um ponto de vista
estruturalista, acerca das “funções da linguagem”. Tais categorias falavam de “emissor,
destinatário e contexto” como “indispensáveis ao tratamento do problema da
comunicação, mesmo da comunicação estética”.16 Umberto Eco assinala, ainda, que um
texto como “Les chats” reivindica a cooperação do leitor, assim como deseja também
que este ensaie uma série de opções interpretativas, e defende a sua tese de que é
possível uma abertura interpretativa do texto, mesmo sendo adepto dos postulados
semiológicos.
Postular a cooperação do leitor não significa contaminar a análise estrutural com
elementos extratextuais. O leitor, como princípio ativo da interpretação, faz parte do
quadro generativo do próprio texto.
Se até mesmo os reenvios anafóricos postulam cooperação por parte do leitor, então
nenhum texto escapa a esta regra.17
Se antes a intervenção interpretativa era vista com desdém pelas normas
estruturalistas [portanto, exclusivamente científicas], e totalmente eliminada em
proveito de um estudo objetivo e metodológico, agora a mesma passou a ser respeitada,
mas, ainda há opositores, oriundos das antigas exigências estruturalistas, que se recusam
a uma necessária reciclagem crítica. Então, se a questão permanece sublinearmente
(interagindo nas diversas Universidades do país), porque não buscar a conciliação, por
meio de um renovado ponto de vista crítico, aceito por todos, e que seja devidamente
registrado nos meios intelectuais. O semiólogo Umberto Eco, com seus
questionamentos dos anos oitenta (quase à moda hermenêutica), permitiu uma abertura,
permitiu-se conciliar pontos de vista divergentes em prol de uma consciente
compreensão do texto.
Procuro articular as semióticas textuais com a semântica dos termos, limitando o
objeto do meu interesse aos processos de cooperação interpretativa.18
Logo, para Umberto Eco, o “sentido” dos significados é tão importante quanto o
desenvolvimento de uma articulação semiológica com os textos literários. E, para ele,
não é lícito “isolar estruturas formais”, ou seja, desenvolver “análise de aspectos
significantes” sem acatar, de antemão, uma interpretação, um preenchimento dos
13
Idem, p. 7
Idem, p. 9
15
Idem, p.8
16
Ibidem
17
ECO, op. cit., p. 9
18
Idem, p. 11
14
espaços das entrelinhas (espaços estes que jamais poderão ser tachados de vazios,
quando, ao contrário, são plenos de significações), os quais só poderão ser revelados por
meio da colaboração do leitor.
Percebe-se que Umberto Eco não é avesso a uma interpretação hermenêutica,
mesmo que, por motivos óbvios, não assinale em seu trabalho esta provável
concordância. A Ciência é um fato palpável em nossos dias. Prepotente ou não, ela fazse presente em nosso cotidiano e, como sempre se observou, não se eliminam da
História do Homem os conhecimentos que foram revelados e que vão sendo
sucessivamente manifestados.
Assim, a Hermenêutica atual se vê em face de uma questão, qual seja a de usar
uma metodologia, sem se submeter às imposições da Ciência. O problema foi detectado
por Eduardo Portella, no início da década de setenta, passou pelos anos oitenta e
noventa, e, segundo minhas observações acadêmicas, continua insolúvel, neste início de
Terceiro Milênio.
Como forma de revisão do impasse gerado nos anos setenta, recupero, aqui, o
posicionamento de Eduardo Portella, delineando a sua concepção de expressão crítica, e
defendendo uma disposição acentuadamente hermenêutica.
O empreendimento metodológico que levamos a efeito, embora obediente a
determinados padrões de rigor que são eminentemente científicos, em nenhum instante
quis comprometer a natureza peculiar do fenômeno literário.19
Como se observa, não estou extrapassando limites ou colocando o termo dentro
da jurisdição científica. Muito menos me coloco como adepta inconteste dos postulados
da crítica de base científica, quando reconheço a priori a importância da Hermenêutica,
para que se desenvolva uma compreensão autêntica do sentido do texto. Apenas admito
uma cooperação semiológica, repito, de Segunda Geração, uma vez que, nestes meus
anos de magistério, ainda não reconheci novos segmentos da Semiologia Literária (é
bem possível que, no âmbito da Lingüística, tal fato tenha acontecido). Admito a
cooperação semiológica porque, não se pode negar, a Semiologia, aquela que lida
especificamente com a forma literária, permite que se observe o texto translucidamente,
promovendo a correta compreensão da mensagem implícita nele.
Repetirei mais uma vez: sou partidária de uma saudável conciliação entre
ciência e fenomenologia. A ciência explica e a fenomenologia esclarece (a postulação
de uma episteme, como base de estudos críticos, será sempre necessária ao estudioso da
literatura). Como já observei antes, pela ótica de Paul Ricoer, ao adepto da
Hermenêutica atual se coloca a alternativa entre compreender e explicar a mensagem e
esta alternativa só se realiza por intermédio da interpretação. É ainda pelo ponto de vista
de Ricoer que continuo a refletir esta questão tão antiga em nossos meios e, ao mesmo
tempo, tão atual.
Vejo a história recente da hermenêutica dominada por duas preocupações. A primeira
tende a ampliar progressivamente a visada da hermenêutica, de tal modo que todas as
hermenêuticas regionais sejam incluídas numa hermenêutica geral. Mas esse
movimento de desregionalização não pode ser levado a bom termo sem que, ao mesmo
tempo, as preocupações propriamente epistemológicas da hermenêutica, ou seja, seu
esforço para constituir-se em saber de reputação científica, estejam subordinadas a
preocupações ontológicas segundo as quais compreender deixa de aparecer como um
simples modo de conhecer para tornar-se uma maneira de ser e de relacionar-se com
os seres e com o ser. O movimento de desregionalização se faz acompanhar, pois, de
19
PORTELLA (1970), op. cit., p. 22.
um movimento de radicalização, pelo qual a hermenêutica se torna, não somente geral,
mas fundamental.20
Assim, num primeiro posicionamento, a Hermenêutica preocupa-se mais com a
linguagem, mais especificamente, com a linguagem escrita. Isto acontece porque a
linguagem escrita reflete uma característica peculiar da linguagem humana (a
polissemia), quando se observa o significado das palavras fora de seu contexto
expressivo. Por meio desta constatação, passa-se para um segundo posicionamento, no
qual se exige sensibilidade e compreensão, porque, ainda segundo Ricoer,
(...) o manejo dos contextos (...) põe em jogo uma atividade de discernimento que se
exerce numa permuta concreta de mensagens entre os interlocutores, tendo por modelo
o jogo da questão e da resposta. Esta atividade de discernimento é, propriamente, a
interpretação: consiste em reconhecer qual a mensagem unívoca que o locutor
construiu apoiado na base polissêmica do léxico comum. Produzir um discurso
relativamente unívoco com palavras polissêmicas, identificar essa intenção de
univocidade na recepção da mensagem, eis o primeiro e o mais elementar trabalho da
interpretação. É no interior desse círculo bastante amplo de mensagens trocadas que a
escrita demarca um domínio limitado, chamado por W. Dilthey (...) de expressões da
vida fixadas na escrita. São elas que exigem um trabalho específico de interpretação,
por razões (...) que se devem justamente à efetuação do discurso como texto. Digamos,
provisoriamente, que, com a escrita, não se preenchem mais as condições da
interpretação direta mediante o jogo da questão e da resposta, por conseguinte, através
do diálogo. São necessárias, então, técnicas específicas para se elevar ao nível do
discurso a cadeia dos sinais escritos e discernir a mensagem através das codificações
superpostas, próprias à efetuação do discurso como texto.21
Ricoer já postulava, nos anos setenta, como se vê, uma Hermenêutica que se
baseasse em pressupostos científicos. O termo discernir, por exemplo, distancia-se em
muito dos postulados hermenêuticos anteriores, os quais pregavam apenas uma
compreensão para uma posterior explicação, à moda dos exegetas da Bíblia. Discernir
remete-me aos postulados semiológicos, os quais indicam a forma exata de como
distinguir, diferenciar, separar, apartar, identificar, palavras-chave que conduzem à
decodificação (termo também usado por Ricoer, nesta longa citação que destacamos
acima), e que, de acordo com a nomenclatura semiológica, servem para destacar os
referentes, os sememas, os semas, as isotopias  núcleos que compõem o todo do
texto ; palavras-chave que permitem discernir a verdadeira mensagem do texto-arte,
evitando que se desenvolva uma crítica distanciada do seu sentido exato, e que poderá
ser destacado na interpretação.
Foi Schleiermacher o primeiro a se conscientizar da necessidade de uma
reavaliação dos pressupostos hermenêuticos. Antes dele, as questões se localizavam nas
duas formas, já assinaladas no início de minha considerações, de como se interpretar os
Textos Sagrados, e numa análise filológica dos textos greco-romanos. Portanto, foi a
partir de Schleiermacher que a “arte de compreender” desenvolveu-se até chegar ao
ponto em que se encontra agora.
É de meu particular interesse lembrar que a Semiologia desenvolve uma técnica
objetiva, cerceando, num primeiro momento, por intermédio de estudos esquemáticos, a
compreensão espontânea do intérprete, mas, repito, depois dos estudos semiológicos, o
texto se ilumina, permitindo que se observe o seu próprio reverso. Depois da análise, o
intérprete passa a observar o que se esconde nas entrelinhas do literário.
20
21
RICOER (1977), op. cit., p. 18
RICOER (1970), op. cit., p. 19
Retomo, agora, as reflexões de Eduardo Portella, para, novamente, concordar
com a sua assertiva de que “criticar é rasgar novos horizontes”. Se não há como
“pensar a literariedade sem ser em tensão (ou, direi por minha vez, em colaboração)
com a cientificidade, porque não submetermo-nos a um encontro que se efetive para
além da recusa passional ou da submissão ingênua: seja um diálogo criador”.22
Ainda em relação ao termo decodificação, de largo uso na crítica de base
cientificista, Eduardo Portella esclarece:
Decodificação não quer dizer necessariamente coincidência ou acordo; quer dizer
apenas a ultrapassagem da incompreensão. Porque o único que se lhe pede é que esteja
ancorada no porto seguro do entendimento.23
Não foi outra coisa o que propus aqui. Postulei uma contribuição satisfatória
para o entendimento atual do literário, uma contribuição entre duas grandes correntes
críticas (a cientificista e a fenomenológica) em benefício da correta decodificação do
texto literário, para que a compreensão fique “ancorada no porto seguro do
entendimento”. Ao reivindicar uma colaboração da Semiologia com a Hermenêutica,
não quero (e, aqui, quero pedir licença para parodiar Eduardo Portella) repudiar o
silêncio, que se encontra palpitante no interior da Obra Literária, e reverenciar a
“loquacidade enganadora de um analismo que, em nome da objetividade, se mostra
impermeável ao subjetivismo”. Ao contrário, proponho um labor crítico dialético,
usando dos ensinamentos de ambas as correntes, para que esse silêncio seja rompido.
Reivindico uma colaboração entre as duas correntes (afirmo que esta colaboração, que
muitos dizem existir, não se efetua na prática, em nossos dias), para que este “silêncio”
se ouça acima dos estudos esquemáticos (que, em absoluto, não são por mim rejeitados),
ou seja, estudos de origem estruturalista (simplesmente, análise), e promova a
compreensão dos sentidos corretos do texto literário (planos invisíveis).
(Texto de Neuza Machado. Este texto pertence aos Apontamentos de Teoria
Literária e Crítica Literária, um livro que está sendo elaborado pela autora e
que será publicado em breve por sua editora particular, NMachado, editora da
autora, registrada no ISBN – Rio de Janeiro)
ATENÇÃO: A Crítica Literária, como explicação e decodificação
(analismo) e/ou reflexão e interpretação (fenomenologia) de obra
literária, deverá se posicionar em permanente transformação,
seguindo as diretrizes impostas pelos próprios textos literários em
evolução, ou seja, deverá se desenvolver de acordo com o momento
histórico de tais textos (utilizando as técnicas analíticas e/ou estudos
fenomenológicos do momento presente). Por este ponto de vista, não
há como enquadrar uma obra pós-moderna, por exemplo, em
instruções e modelos críticos já desatualizados, os quais não darão
conta das referidas análises e/ou interpretações. O estudioso e/ou
professor deverá estar sempre em permanente reciclagem intelectiva.
22
23
PORTELLA (1970), op. cit., p. 22.
Idem, p. 25.
UNIDADE III
CRÍTICA LITERÁRIA: MODERNIDADE X PÓS-MODERNIDADE
3.1 - MODERNIDADE
“Na Modernidade a reificação humana transforma o humano em objeto social,
na massa, imanente ao todo. As sociedades modernas são sociedades de massa e
estamos nelas como água dentro da água, para usar a metáfora de Bataille. O
capitalismo de massa é imanente ao todo. Se sair dessa imanência, morre.
Na massa, a individuação não é nem coisa nem homem. Fica no meio do
caminho que vai daquela para este. Pois as coisas estão no nível da terra, do planetário,
sem um sentido dinâmico que lhes dê vida. As coisas mesmas, em si mesmas, são o
não-sentido, se nós as imaginamos sem uma consciência que as pense, que transforme
as coisas em objetos do pensamento. A coisa, como tal, não é ainda objeto (do sujeito),
não é ainda objeto do conhecimento, pois o objeto passa a existir de um sujeito que o
pensa. O vazio das coisas é o terror que se limita a ver o horizonte vazio e oco, espécie
de lugar sem alma, lugar da morte, paisagem lunar.
Na medida em que nós possamos ver no ser humano também uma coisa, seu
absurdo não será menor do que o das pedras, mas ele não é sempre redutível à realidade
inferior que atribuímos às coisas. Pois o problema que se avista na reificação é a
incomunicabilidade, o absurdo de viver no mundo despovoado de sentido, de não
participar da história, de não compreender o todo, de ignorar as causas das decisões dos
acontecimentos. O moderno se encontra num limite. O afastamento da natureza, onde
era exigido o exercício pleno dos sentidos, trouxe o artificialismo da vida tecnológica,
uma espécie de inteligência sem alma. Nosso mundo é o mundo eletrônico dos
microcomputadores, porta-vozes de uma felicidade sem alma, anestésica, onde tudo
funciona sem nervo. A sociedade parece ter sido transformada em objeto da ciência,
imanente ao todo.” (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria Literária.
4.ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 135-136)
3.2 - MODERNIDADE: IMANÊNCIA E IMEDIATISMO (≠ DE TRANSMANÊNCIA)
“O mundo da Modernidade é o da imanência e do imediatismo, (...). A
transcendência pertence a uma categoria humana anterior de consciência em relação às
coisas. A vacuidade do olhar que vê o vídeo revela a imanência existencial não mais
exercendo o seu poder de transcendência. A transcendência pertence a uma categoria
humana anterior, de consciência em relação às coisas. A vacuidade do olhar que vê o
vídeo revela a imanência existencial não mais exercendo o seu poder de transcendência.
Objeto é o emprego que a tecnologia moderna faz das coisas tornadas úteis,
práticas, aperfeiçoadas, interrompendo-se a continuidade harmoniosa e natural em que
se encontravam.
O olhar que vê o objeto não é o mesmo olhar que vê a coisa dada na natureza.
Assim como o olhar que vê o vídeo não é igual ao olhar que olha a flor. Olhar a flor faz
a redenção daquele olhar capaz de transcendência. O vídeo fez o olhar desaprender, o
olhar não mais decodifica a flor. A flor agora vem pronta, como produto industrial, não
é a flor da margem da estrada. O olhar já não pára na margem da estrada, para a
contemplação da flor. Pois a contemplação pertence a um passado, algo remoto e
histórico. A contemplação não é mais possível na técnica que tudo traduz, no fato
matematizado. A técnica revela o esquecimento do olhar.
A técnica nos prepara para aceitar esta imanência, que submete o sujeito ao jugo
do objeto. Ensina-o a ser “feliz”. Os habitantes do Estado científico se submetem sem
protesto ao mundo dos objetos, sem experimentar um horror à reificação.” (Conferir:
SAMUEL, R. Novo Manual de Teoria Literária. 4.ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 136)
3.3 - PÓS-MODERNIDADE
“Nos manuscritos conhecidos como Grundisse, ou Fundamentos da crítica da
economia política, viu Marx que, à medida que se desenvolve a grande indústria, a
criação da riqueza dependeria menos do tempo de trabalho do que de poder dos fatores
tecnológicos postos em ação durante esse tempo de trabalho, fatores esses que estão
ligados ao nível geral da ciência e progresso tecnológico como aplicação tecnocientífica
à produção industrial.
Essa passagem das relações sociais de produção de uma situação de trabalho
físico para um processo de trabalho intelectual que exige conhecimento específico do
sistema de automação e informatização da sociedade não deve ter modificado
completamente a base econômica da sociedade.
Por base econômica se entende um conjunto dialético constituído pelas forças
produtivas e pelas relações de produção. A força de trabalho foi aperfeiçoada pelo
conhecimento tecnocientífico. E na posição das classes sociais dos países desenvolvidos
se tem o novo “proletário” de colarinho branco, esse novo grupo social de produção em
novas formas de repartição dos produtos que geraram a “sociedade globalizada”.
Na chamada sociedade “pós-moderna” não parece ter havido mudança estrutural
da base econômica. Essa sociedade pós-industrial continua capitalista. A apropriação
privada dos meios de produção persiste hoje camuflada em capitalismo de Estado, ou de
empresas de capital aberto. E o caráter social da produção ainda repousa na contradição
entre capital e trabalho.
Hoje, o capital pertence aos países desenvolvidos, enquanto o ônus do trabalho
pertence aos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.
Pós-modernidade é um nome genérico dado para formas culturais de um período
que aparece desde os anos 1960. Abrange certas características como reflexão,ironia e
um tipo de arte que mistura o popular e o erudito.
Embora o termo tenha sido primeiro usado na arquitetura (Jencks), hoje descreve
a literatura, artes visuais, música, dança, filme, teatro, filosofia, crítica, historiografia,
teologia, e qualquer atividade de cultura em geral. É visto ora como uma continuação
dos aspectos mais radicais da Modernidade; ora, ao contrário, como marcador de uma
ruptura com ela.
A Pós-modernidade uniu a lógica cultural do capitalismo tardio (Jameson); a
condição geral de conhecimento em tempos de tecnologia da informação (Lyotard); a
substituição de um foco da epistemologia modernista por uma ontologia (MacHale); e a
substituição do simulacro pela realidade (Baudrillard).
Por um lado, a literatura pós-moderna foi chamada de literatura de
reabastecimento (Barth); por outro, de literatura de uma economia inflacionária
(Newman).
Em resumo, há pouco acordo nas razões de sua existência ou na avaliação de
seus efeitos.
Não obstante, um estudo das preocupações que se sobrepõem aos vários tipos de
arte e discursos nos quais o termo é usado pode definir certos denominadores comuns
que servem para compreendê-la.
Ela envolve a combinação aparentemente paradoxal de autoconsciência e algum
tipo de fundamento histórico, porém, ironizado. Por exemplo, o que foi chamado de
metaficção historiográfica (HUTCHEON, Poetics) é uma ficção preocupada com seu
estado de ficção, de narrativa ou de linguagem, e também fundamenta alguma realidade
histórica verificável.
Os discursos pós-modernos instalam e subvertem convenções; e normalmente
tratam essas contradições com ironia e paródia. Empregando formas e expectativas
tradicionais e as destruindo ao mesmo tempo, os discursos Pós-modernos conseguem
apontar as convenções como convenções, e isto inclui estruturas ideológicas como
capitalismo,patriarcado, imperialismo e mesmo humanismo.
O discurso Pós-moderno também desafia limites fixos entre os gêneros, entre
tipos de arte, entre teoria e arte, entre arte erudita e cultura de massa.
As interpretações e avaliações da Pós-Modernidade radicalmente discrepantes
são em parte o resultado de sua incerteza política, inscrevendo-se, mas também
subvertendo vários aspectos da cultura dominante. Essa dubiedade política estratégica é
o denominador comum de muitos discursos pós-modernos e é também uma das razões
para as diferenças de opinião sobre a validez e valor da pós-modernidade que
problematiza temas como história, representação, subjetividade, ideologia e pobreza.
(...).
A objetividade racional pós-moderna afasta as imprecisas determinações do
sujeito, objetivando o próprio sujeito. O indivíduo, criado pelas novas relações sociais,
se torna objeto de controle, mas cujos desejos devem ser satisfeitos de alguma maneira e
cujas necessidades novas devam ser satisfeitas no mercado. Mascara-se, com a
decadência do bem-estar da classe média, um gigantesco aparato científico de
dominação policial por meio do conhecimento dos mecanismos internos do desejo
produzido, tornando o sujeito um objeto de um sistema de resultados.” (Conferir:
SAMUEL, R. Novo Manual de Teoria Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 161-164)
3.4 - TEMAS E VARIAÇÕES DA PÓS-MODERNIDADE
“Num texto composto de séries descontínuas, John Cage (apud “Temas e
variações”, publicado em Arte e palavra, do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ,
1987) conseguiu resumir um ideário da condição pós-moderna, seus temas verbais e sua
experiência de vida da seguinte forma:
• Não-invenção: que se opõe ao finalismo progressista;
• Renúncia ao controle: que se opõe ao controle do Estado social;
• Afirmação da vida: ecologicamente;
• Imitação da natureza: no seu modo simples de ser;
• Multiplicidade: individualista;
• Pluralidade dos centros;
• Individualismo;
• Terminais domésticos dos computadores;
• Coexistência das dessemelhanças;
• Nenhuma idéia de ordem;
• Sensação de um processo contraditório e sem objetivo: que caracteriza a formação
de qualquer nova realidade ainda em estágio anárquico;
• Indeterminação;
• Aventura: na vida e na cultura;
• Passagem do medo para o amor;
• Ser conduzido por pessoa (e não por idéias ou livro);
• Fim da ideologia;
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Sensação de bem estar e segurança derivada do capitalismo de serviços;
Indeterminação do certo e errado ao mesmo tempo (o capitalismo de serviço cria
ampla margem de segurança como os direitos humanos);
Capacidade de sair do zero (de iniciar e de ser);
Possibilidade de ajudar sem fazer nada (fim da violência como modo de agir; fim da
idéia de luta de classes);
Tédio mais atenção (capacidade de ser sujeito o tempo todo, uma sensação de que a
sociedade está organizada e o futuro garantido como seguro social, educação
permanente, etc.);
Atividade em lugar de comunicação;
Comunicação em lugar de informação;
Informação para levar à ação;
Desmassificação do indivíduo;
Estar fora de moda (criar a própria moda individual);
Fim dos meios de comunicação como elementos formadores da opinião pública;
Entendimento pessoa a pessoa;
Valorização dos diálogos, das conversas, da consciência interpessoal;
Encontro para fazer algo junto;
Anonimato (fim da busca da fama)”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de
Teoria Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 164-165. Observação: Os
marcadores são de responsabilidade da conteudista deste Instrucional)
3.5 - SOBRE A POESIA PÓS-MODERNA
“Diz Cage:
Poesia é não ter nada a dizer e dizer: não possuímos nada.
Ele vê [Cage], porém, uma incerteza pairando no ar: a desconfiança na
competência da educação como elemento de hominização; vê importância, agora, de
estar perplexo; vê todos em direções diferentes numa anarquia mental; vê a valorização
do budismo: a mente silenciosa”. (Conferir: SAMUEL, Rogel. Novo Manual de Teoria
Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 165)
3.6 - SOBRE AS SOCIEDADES CAPITALISTAS PÓS-MODERNAS
“Nas sociedades capitalistas ricas aparece o desemprego como opção: a
desistência de possuir (a capitulação): o objetivo é não ter objetivo”. (Conferir:
SAMUEL, R. Novo Manual de Teoria Literária. 4. ed. Petrópolis:Vozes, 2007: 165)
3.7 - PÓS-MODERNO / PÓS-MODERNISMO (NICOLAU SEVCENKO)
RECAPITULAÇÃO (Este capítulo poderá ser encontrado também no Instrucional de
Teoria da Literatura II, página 96)
(In.: OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (Org.). Pós-modernidade. 1.ed. Campinas:
Unicamp, 1987. Pp. 43 - 55)
Resumo:
PÓS-MODERNO Î Supõe uma reflexão sobre o tempo (por exemplo: Era Medieval /
Era Moderna / Era Pós-Moderna) // A que tempo se refere? – Não a um tempo
homogêneo, linear, em que se possa estabelecer um recorte e fixar uma data decisiva,
um ato inaugural, como se poderia esperar da visão simplista da história, na qual somos
zelosamente educados. Não se pode definir um início preciso e, embora se prenuncie e
se deseje uma superação, ela não é nunca o fim. (p.45)
ATITUDE PÓS-MODERNA Î Atitude nascida do espanto, do desencanto, da
amargura aflitiva, que procura se reconstruir em seguida como alternativa parcial,
desprendida do sonho de arrogância, de unidade e poder, de cujo naufrágio participou,
mas decidiu salvar-se a tempo, levando consigo o que pode resgatar da esperança. (p.45)
QUE NAUFRÁGIO? QUE CATÁSTROFE FOI ESSA?
[O autor analisa a partir de Walter Benjamim: Naufrágio e catástrofe produzidos pelas
“caldeiras insaciáveis da locomotiva do progresso.” (p.47)] (Cf.: Walter Benjamim)
[Naufrágio e catástrofes provindos “da racionalidade, do maquinismo, da transformação
da sociedade num gigantesco autômato auto-regulado, em que a arte, a técnica e a vida
se fundiriam numa unidade revitalizadora. Uma utopia da igualdade perfeita, produzida
pela razão, governada pela técnica e desfrutada pela arte.” (p.47)] (Ler Benjamim)
[Os Artistas se identificaram no início com a militância surrealista, ou seja, “a plenitude
da máquina em seu máximo desempenho. (...) Os próprios Artistas viam-se como um
movimento, um núcleo de combate, uma vanguarda. Metáforas técnicas e militares que
prenunciavam já a guerra tecnológica e o planejamento totalitário das sociedades.”
(p.47)]
“Quando Benjamim analisa o quadro de Paul Klee as ilusões já se haviam consumido. A
técnica derivada da razão instrumental, apropriadora, planejadora, ao invés de libertar,
submetera os homens ao império da máquina genocida, dotada de uma capacidade
destrutiva sem precedentes. A herança de Prometeu, ele descobre afinal, é a águia que
devora as vísceras de cada um e não a redenção da humanidade. Ele e Klee se sentiram
traídos, mas muitos intelectuais e artistas envolvidos na vanguarda dispuseram-se de
boa vontade a colaborar com os novos poderes, na Europa e nos Estados Unidos,
sobretudo depois da guerra. Revelação final: a vanguarda em si não foi traída, ela
mantinha no seu íntimo uma correspondência com as forças do progresso.” (p. 47, final,
e p.48)
[Análise do quadro de Klee “Angelus Novus” – pp.48-49)
Por que chamá-lo de “Angelus Novus”?
1o) “Os anjos são intemporais, não têm vontade própria, são governados pelo desígnio
divino e por isso mesmo a natureza ou as forças do mundo celeste jamais atuam sobre
eles. // Se a tempestade letal do progresso, que vem do paraíso, decorreu da vontade
de Deus, esse anjo não mais obedece, mas resiste aos propósitos do Supremo.”
2o) ANJO DA HISTÓRIA
Î “anjo decaído e sua rebeldia o tornou impotente para auxiliar os vencidos, mortos e
humilhados.”
Î “não mais sintonizado com o poder”
Î “ele próprio está condenado a ser um vencido e enxovalhado”
Î “sua natureza de ser destinado à vida eterna o submete ao castigo de assistir
paralisado à destruição do mundo e à degradação de si mesmo [ele cuja
missão precípua é agir e salvar]”
ANGELUS NOVUS (QUADRO DE PAUL KLEE) Î METÁFORA DE PÓS-MODERNIDADE
“Não deve haver dúvida quanto ao sentido desta metáfora: o ANGELUS NOVUS
representa a própria condição do artista e do intelectual depois que o sonho modernista
perdeu a sua inocência. A expressão “novo” justifica-se assim pela mudança de
perspectiva criadores aturdidos. Eles já não voam na mesma direção e na mesma
velocidade do vento do progresso. Já não gozam do privilégio de se fundirem com a
fonte única de todo poder, de toda vontade e de toda justiça. Não estão mais voltados
para o infinito radiante do futuro e sim para a tragédia impronunciável do passado. Não
acreditam mais no absoluto, nem se deixam levar por suas falsas promessas. Estão sós,
reduzidos aos limites estreitos de sua fraqueza, seu horror e sua fúria. Essa é a condição
do novo que se manifesta após a modernidade. (p.50)
A CONSUMAÇÃO DO PROJETO DA MODERNIDADE PELA RAZÃO PLANEJADORA
“A consumação do projeto da modernidade pela razão planejadora não significou o seu
ponto final, embora alguns intelectuais e artistas tenham iniciado a crítica das
vanguardas, depois que serviram na encruzilhada entre o planejamento totalitário e o
terrorismo genocida, a maior parte manteve-se fiel a uma prática artística que, após a
guerra, recebeu a consagração de estilo oficial das galerias e de governos
comprometidos com a reconstrução, o desenvolvimento e o progresso. Marx já disse
que a história não se repete senão como farsa, ao que caberia acrescentar que a arte não
retoma sua aura senão como fuga. O que antes era moderno, agora se tornou pastiche,
simulação, impostura: um gesto repetitivo, anódino e frouxo.” (pp.50-51)
Não há como querer datar com precisão o início do PÓS-MODERNO.
Benjamim pode ter sugerido que esse marco é a Segunda Guerra.
ESSE PENSAMENTO É QUESTIONÁVEL.
Em Kafka também existe uma sugestão a respeito.
ATITUDES DA RAZÃO PLANEJADORA (p.52)
Î Atitude de rejeição da herança socrática da unidade, transcendência e supremacia
dos princípios da razão, da verdade e do belo;
Î Atitude de repúdio à redução de toda realidade e toda experiência à homogeneidade
e coerência das representações metafísicas (o que é chamado de espírito moderno desde
o Renascimento e o Iluminismo), podem ser encontradas em Mallarmé, Joyce e Borges.
As vanguardas tiveram um papel decisivo na destruição de uma ditadura da
representação realista, segundo os cânones autoritários das “belas artes”.
Î As vanguardas abriram caminho para o questionamento da suposta autonomia da
arte, expuseram e tematizaram os artifícios da composição e exigiram a liberdade
radical da imaginação criadora.
Î As vanguardas substituíram a tirania do “bom gosto” burguês pela da “utopia
compulsória” da razão planejada e do maquinismo. (p.52)
“O movimento modernista nunca foi homogêneo. Do Futurismo ao Dada medeiam as
distâncias que vão de um discurso colado à arregimentação fascista à denúncia visceral
de qualquer engajamento. Da mesma forma não há qualquer unidade dentre as
experiências artísticas e filosóficas que têm sido postas sob a legenda do PÓSMODERNISMO.” (P.53)
PÓS-MODERNISMO Î Não há sequer acordo sobre o significado desse termo.
Î Para os americanos: mera correspondência na área cultural do advento da tecnologia
pós-industrial, baseada nos recursos da cibernética e informática.
Î Para alguns autores: crítica voltada à negação total das vanguardas, que exalta o
período anterior ao modernismo e se inclina para um retorno às fontes da história e do
passado.
Î Outros ainda denunciam como uma mera pasteurização dos cacoetes das vanguardas,
sem vitalidade e sem compromissos.
Î Todas essas concepções são de fundo reacionário e esvaziam o sentido crítico
profundo do movimento.
Î Há autores que se autoproclamam pós-modernista. Há latências passíveis de
discussão como os riscos do esteticismo hermético de Aldo Rossi, ou da fetichização do
passado em Palladio, por exemplo, para só falarmos da arquitetura. Há o
monumentalismo autoritário e a sedução comprometedora pela técnica de Philip
Johnson e dos autores do edifício do Centro Pompidou. O pós-moderno sem dúvida traz
ambigüidades – aliás é feito delas – e deve ser criticado e superado. É isso que ele
propõe: a prudência como método, a ironia como crítica, o fragmento como base e o
descontínuo como limite. (pp. 53-54)
PÓS-MODERNO
Î Anseio de uma justiça que possa ser sensível ao pequeno, ao incompleto, ao
múltiplo, à condição de irredutível diferença que marca a materialidade de cada
elemento da natureza, de cada ser humano, de cada comunidade, de cada circunstância,
ao contrário do que nos ensinam a metafísica e o positivismo oficiais. A sensibilidade
para a expressão inevitável do acaso, do contraditório, do aleatório. O espaço para o
humor, o prazer, a contemplação, sem outra finalidade senão a satisfação que o homem
neles experimenta. O aprendizado humilde da convivência difícil mas fundamental com
o imponderável, o incompreensível, o inefável – depois de séculos de fé brutal de que
tudo pode ser conhecido, conquistado, controlado. (p.54)
3.8 - PÓS-MODERNO / PÓS-MODERNISMO (JAIR FERREIRA DOS SANTOS / TRECHOS)
In.: OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (org.). Pós-Modernidade. 1a ed.
Campinas: Unicamp, 1987. P. 59-69.
RESUMO:
Para a identificação da literatura Pós-Modernista (Século XX):
Barth (escritor americano) Î verbos no passado; // Deus, ou qualquer outro grande
referente tipo História, Natureza, Conhecimento são liquidados como abonadores da
ordem ou de um sentido para o universo e a vida; e em seguida é anulado o realismo, a
mais cara das convenções literárias, com sua fé de sapateiro numa realidade objetiva
que seria singelamente captada na linguagem por um sujeito-narrador atento e forte, em
franca afinidade com as coisas.
PÓS-MODERNISMO
Î Literatura bem-humorada, fantasiosa, sem “iluminações”, problematizando ao
máximo a percepção da experiência e da própria literatura. (p.59)
Î Entropia (desordem) e anti-realismo são os decalques, na literatura, do capitalismo
pós-industrial, baseado na tecnociência e na informação, em ascensão nos Estados
Unidos da América há duas décadas. Receptor de mensagens aleatórias, emitidas pela
“mass media” e os sistemas informatizados, o indivíduo percebe o mundo e a História
como um espetáculo entrópico (desordenado), fragmentário, sem totalidade e irracional,
enquanto à sua volta a realidade se dissolve numa colagem de signos e simulacros cujos
referentes são remotos ou se perderam. Nesse cosmos tendente ao caos, sem princípio
unificador seja ele cristão ou newtoniano, o sujeito é, quando muito, um átomo
estatístico surfando nas ondas do provável e do incongruente. (p.60)
Î Anos 60: Nova sensibilidade, não linear, não livresca – quântica no seu feitio
descontínuo – estava sendo modelada pela TV, a moda, a publicidade, o design, o rock.
Era Pop e gregária, dionisíaca e contracultural, experimentadora e sem hierarquias,
enfeixando o que seria a revanche pós-moderna dos sentidos contra a inteligência
modernista. O consumo desbancava a Bíblia, McLhuan abalava Marx e Dylan
silenciava Eliot. Aos escritores americanos do pós-guerra, como Barth, Pynchon, Heller,
Vonnegut, Brautingan, só restava não se oporem a essa sensibilidade pelo
intelectualismo, mas pesquisar um estilo ou anti-estilo para expor sua face apocalíptica,
sua farsa terminal, engendrar uma antiforma para o absurdo sob o guarda-chuva nuclear,
numa era de mutação cultural. (p.60)
Î Década de 60 (nos EUA): O romance tradicional perdera a eficácia e a credibilidade.
A nova complexidade cultural e social ultrapassava seus meios de espelhar a realidade.
Î Anteriormente: Dos Passos, Hemingway, Faulkner tinham feito a glória trágica do
indivíduo e do tempo esfacelados, tinham explorado os conflitos da consciência
alienada a poderosas forças sociais. (...) Esses meios explorados por esses escritores
agora pareciam canhestros ante um mundo informacionalmente hiperbólico. (p.61)
Î 1963: Thomas Pynchon Î incoerência grotesca mas talentosa (Romance V)
Î ROMANCE V: Alguma coisa experimental e lúdica igual ao modernismo emergia
irredutível, no entanto, ao modernismo, excluindo muitos dos seus dogmas. Vinha sem
revelações epifânicas; descartava o privilégio do artista como guia para iluminar os
porões da subjetividade; substituía a psicologia por uma sociologia meio alegórica meio
delirante; trocava a originalidade formal pela reciclagem, em paródia, dos vários
gêneros; desfazia ou recompunha o enredo sem aludir a uma mítica tomada como
quintessência da realidade; criava enfim sem se pretender “cultura superior”. (p. 61-62)
ROMANCE TRADICIONAL (MODERNO) X ROMANCE PÓS-MODERNO
Argumento de Barth:
(...) numa ambiência niilista, desencantada, o romance tradicional, calcado na ilusão
verossímil, é um flatus vocis... A solução seria jogar esse impasse intelectual contra
si mesmo. Isto é, o romance deve se tornar uma imitação deliberada do romance,
dos gêneros literários ou de qualquer outro texto apto a injetar-lhe sobrevida. Era a
hora da metaficção, literatura sobre literatura, texto que expõe sua fraude e renega
o ilusionismo. (p.62)
O BURLESCO (AUTODEVORAÇÃO CRIADORA)
O burlesco (exagero cômico) vai ser o tom dominante da metaficção. Uma estética
jocosa, fantasista, não-modernista, do absurdo passará por ele. Gênero menor, modo
temático e estilo narrativo, o burlesco, em ação na literatura inglesa desde o século
XVII, surrupiado ao francês Searson, é um dispositivo de paródia que faz rir pela
incongruência entre o fundo e a forma (algo assim como transpor a Eneida com a
linguagem virgiliana para o meio de uma família calabresa vivendo hoje no Brás). Para
fazer rir, o burlesco convoca toda a baixaria: sexo, violência, drogas, loucura, perversão,
escatologia, em outras palavras, a parte maldita com a qual o pós-modernismo, sem
ilusões ante a sociedade tecnológica, desanca o projeto Iluminista em sua crença na
emancipação do homem pelo conhecimento e progresso. Nessa mesma trilha, o
burlesco é ainda a ponte intertextual por onde os autores pós-modernos cruzam o
fosso (bem modernista) entre arte culta e arte de massa: ficção científica, romance
policial, conto de fadas, pornografia, western e quadrinhos são alegremente
canibalizados pelos espíritos mais requintados. (p.62)
METAFICÇÃO
Não é apenas uma fisiologia do escabroso e do bizarro, nem os funerais de gêneros que
se esgotaram. A metaficção é um contra-romance que imita o romance. Ela quer ser
uma nova epistemologia literária, um desmascaramento das convenções ficcionais
mantidas intactas pelo próprio modernismo, e por aí, criando mundos verbais
alternativos, ser um ataque à atualidade, na qual, segundo Borges, é total a
contaminação da realidade pelo sonho. (p.63)
NARRATIVA PÓS-MODERNA (ESSA IDÉIA JÁ SE TORNOU CHAVÃO)
Î Vitimada pela entropia (volta à desordem), caotiza espaço, tempo e enredo.
Î Enredo: destruído por saturação (Ler Barth) // Acontecem mais coisas do que a
memória pode reter ou seria necessário; ou simplesmente o descartar (ler Donald
Barthelme).
Î Não existe curva dramática na narrativa pós-moderna // A curva dramática
inexiste e o fim não traz mensagem ética; é antes lugar para glosas. Exemplo: Em Lost
in the Funhouse, Barth-Narrador propõe e rejeita vários finais.
Î PERSONAGENS: Cômicos (a começar pelo nome) // São emblemas
bidimensionais com rala psicologia, como se extraídos das histórias em quadrinhos; //
São palhaços como nós do acaso (seus desastres não levam à compaixão mas ao riso,
pois lembram, na sua inanidade, na sua estupidez, ou na sua frieza, os bonecos
beckettianos, em que filósofos europeus têm lido o eclipse do sujeito.
Î TÉCNICA NARRATIVA: Está voltada à incerteza, que na metaficção é endêmica
(uma doença). O labirinto é também instável. Pessoas ou pronomes narrativos podem
se permutar até no meio de uma frase e ficamos sem saber quem está narrando. //
Perda da unidade de tom; // Carga de incerteza, que provoca resistência à leitura,
representa a opacidade do mundo à interpretação, o que é obtido mediante a
desestabilização de elementos antes intocados da gramática narrativa. // Constatação
da narrativa pela narrativa [exemplo (início de um conto): “Percorro a ilha e eu a
invento”]. Segue-se, em 55 fragmentos, uma desova, em abismo, de contos de fadas
mortos pela narração, mal nascem na narrativa, centrados nos motivos da varinha e do
beijo mágicos. (Ler The Magic Poker, de Robert Coover); // No conto “A frase”, de
Donald Baethelme, o personagem é a própria frase que está sendo escrita sem ponto
algum por oito páginas. (p.65)
INTERTEXTUALIDADE
Se a intertextualidade – sistemática, carnavalesca – é marca de nascença no pósmodernismo, Nabokov (escritor russo) é seu rebento mais radical. Seu fantástico Pale
Fire (1962), cujo humor e inteligência metem no chinelo as Écritures, fatura Tel Quel,
parodia ao mesmo tempo thriller de espionagem, estudo literário e análise filológica, até
consumar-se em delirante máquina intertextual. Pois seu personagem é um poema de
999 versos escrito por John Shade possivelmente a partir de conversas com seu vizinho
Kimbote. Mas Kimbote, que tenta provar sua participação na criação do poema, é um
homossexual lunático que se crê o exilado e perseguido rei de Zembla, e, com isso, a
narrativa nos mantém até o fim flutuando, incertos, entre dois textos e vários níveis de
realidade: o objetivo, o delirante, o ficcional. (p.66)
METAFICÇÃO AMERICANA (Plural nas suas vertentes)
Î prosa especializada em poesia concreta
Î romances
Î pornografias
Î formalismo ultrachic
Î narrativa picaresca (ironias)
Î Em comum: Recusam a dourar o bezerro da ciência e da tecnologia na América pósindustrial, e porque, esteticamente, ostentam inventividade e consistência à prova de
qualquer crivo crítico. // Os autores de metaficção americana (alguns) pedem
atenção especial.
THOMAS PYNCHON (1937): “Entropia” (conto); V (romance); The Crying of Lot
49 (romance – 1966);
JOHN BARTH (1930): The Floating Opera; Chimera; Letters; Sabbatical; Giles
Goat-Boy (Giles, o Menino-Bode, 1966, 810 páginas); Giles, o Menino-Bode, de John
Barth: Alegoria = paródia da Bíblia; releitura de Édipo, com uma paráfrase em versos;
farsa da guerra fria entre EUA x URSS; reciclagem burlesca do mito do herói errante
(Wandering hero), chupado confessadamente ao livro The Hero With Thousand Faces,
de Joseph Campbell. Seu alvo predileto, no entanto, é a ciência. Todos os cientistas são
cretinos ou defeituosos, e, logo na terceira página, Max Spielman, pastor de Giles e
Psicoproctologista matemático, desvenda o mistério do Universo medindo o ânus das
cabras, com uma das quais é amasiado. A metáfora universitária esculacha não só a
política como também o ensino americano, onde o passar (pass) ou esmerdear (flunk) é
convertido em princípio absoluto. Os computadores, que são autoprogramáveis,
simbolizam a troca da liberdade frente ao destino pela tecnologia, mas também
permitem ao ecletismo pós-moderno de Barth a deglutição literária da ficção científica.
Em seu pique à [à moda de] Rabelais, símbolos e metáforas a serviço da burla
filosófica, Barth castiga numa só verdade: sendo ilusório o heroísmo, viver é passar da
fantasia ao saber, da ingenuidade à consciência, mas inutilmente. Se estamos perdidos
no mito, estiolamos no saber. Da ilusão perigosa à ciência triste, o percurso é pela
desmistificação e o ridículo. Somos uma lucidez desencantada. Se não há fins ideais que
norteiem os meios, o niilismo bate no coração do conhecimento.
O americano, dizem, vai à Disneylândia para sentir que fora dali sua vida é real. O pósmodernismo está ancorado aqui: na insustentável leveza de não crer nem na realidade
nem na ficção. Nesse desvão descrente passeiam os simulacros ofertados pelos mass
media, os modelos computacionais, a tecnociência – nova ordem na qual a simulação do
romance pela sua destruição ainda é subversiva, porque invoca clownescamente, se não
verdades, ao menos possibilidades atravessadas pelo absurdo, o que é sempre
inquietante. Não é outro o motivo da generosa acolhida que essa literatura teve entre os
jovens.
Na origem dessa virada estética sem dúvida está o fato de que, sem projeto histórico
além do consumo, sem novos ideais em substituição aos valores tradicionais, a
sociedade pós-industrial abandona o artista à deriva de um pacto patafísico com a
entropia: se a desordem é o destino, vamos rir enquanto é tempo. Pois ele sabe que a
arte, na visão pós-moderna, não passa de um “sublime excremento” e que chegou tarde
demais. Sua voz é vazia, glacial, alusiva, inumana, retrô. O que afinal, para ainda dar o
que pensar, não é um privilégio pós-moderno. Como transcreve Barth num
surpreendente ensaio publicado nos anos 70, The Literature of Replenishment, o escriba
egípcio Khakheperresemb já se queixava 200 anos antes de Cristo: “Tivesse eu frases
desconhecidas, palavras singulares numa língua jamais usada...” (pp. 70-71)
3.9 - PÓS-MODERNO / NARRATIVAS
ANOS 60 (MOMENTO DE TRANSIÇÃO PARA O PÓS-MODERNISMO NA LIT. BRASILEIRA)
• Nova sensibilidade não linear, descontínua (modelada pela TV, a moda, a
publicidade, o design, o rock);
• Pop X gregária;
• Dionisíaca X contracultural;
• Experimentalista X sem hierarquias;
•
•
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•
•
REVANCHE PÓS-MODERNA DOS SENTIDOS
MODERNISTA
A IDEOLOGIA AMERICANA DIRECIONANDO
CONSUMO E DESBANCANDO A BÍBLIA
CONTRA
A
INTELIGÊNCIA
McLhuan abalando Marx
Bob Dylan silenciando T. S. Eliot.
3.10 - TENDÊNCIA LITERÁRIA
•
•
•
•
Sensibilidade (oposição ao intelectualismo);
Pesquisa de um estilo, ou anti-estilo, para expor a face apocalíptica da realidade;
Engendramento de uma anti-forma para o absurdo (localizado sob o teto nuclear);
Tendência literária inserida numa Era de mudanças culturais.
ANTES DE 60 (MODERNISMO)
• Exploração dos conflitos da consciência (alienada a poderosas forças sociais)
DEPOIS DE 60 (PÓS-MODERNISMO)
• EXPLORAÇÃO DE UM MUNDO INFORMACIONALMENTE HIPERBÓLICO;
• ALGO MEIO PARECIDO COM A TENDÊNCIA MODERNISTA (EXPERIMENTAL E
LÚDICA), MAS EXCLUÍNDO MUITO DOS SEUS DOGMAS.
EXEMPLOS:
•
•
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•
•
•
Excluindo as revelações epifânicas (Clarice Lispector e Guimarães Rosa Î
epifânicos);
Descartando o privilégio do Artista como guia para “iluminar” os porões da
subjetividade;
Substituindo a psicologia por uma sociologia meio alegórica, meio delirante;
Trocando a originalidade formal pela reciclagem, em paródia dos vários gêneros;
Desfazendo e recompondo o enredo, sem aludir a um arcabouço mítico (o mítico
com quintessência da realidade);
Criação sem pretensão a uma “cultura superior”;
Testamento com alegorias onde o apocalipse é um thriller à moda dos quadrinhos.
•
•
•
•
•
Literatura-Paródia ou Literatura de Exaustão;
Homenagem aos autores de antes;
Sacralização desses autores (principalmente, de Jorge Luis Borges): notas de péde-página a textos imaginários;
Ambiência niilista, desencantada;
Embate intelectual: Literatura X literatura;
•
Impasse intelectual (o intelectual-indivíduo contra o mundo intelectual
circundante) // A narrativa ficcional imitando deliberadamente a narrativa
ficcional, os gêneros literários ou qualquer outro texto apto a injetar-lhe
sobrevida (METAFICÇÃO: literatura sobre literatura / texto que expõe sua
própria fraude e renega o ilusionismo);
PÓS-MODERNISMO:
AUTODEVORAÇÃO CRIADORA (os instrumentos ainda estavam
por inventar, ou reinventar, por isto, o indivíduo-narrador busca no exagero
o tom dominante de sua metaficção) Î ESTÉTICA DO ABSURDO
Características da Literatura Pós-Modernista:
♦ Romance-Ensaio
Î Detém-se na análise de fatores íntimos e reações psicológicas familiares;
Î Situado na confluência do existencialismo e do realismo crítico, exprimindo com
sutil e desencantada lucidez uma problemática do nosso tempo e situação;
Î Expressão da vivência do tempo, das relações entre o passado e o presente;
Î Escrita revolucionária. A caneta como arma, ou então, como um juíz implacável,
questionando, indagando, apontando as falhas do Sistema. Só que este “juíz” não
tem respostas para os seus questionamentos e indagações e não tem poder
ideológico suficiente para consertar os “erros” que incomodam.
♦ Escrita-Pesquisa
Î Não há um projeto ficcional que a sustente;
Î Narrador: não sabe o que vai escrever;
Î Obra: é a ficção acontecendo; o mundo ficcional se movimentando e, ao mesmo
tempo, sendo construído desordenadamente; Literatura-Viva;
Î Tentativa de preenchimento discursivo (diferente da forma romanesca tradicional
com princípio, meio e fim).
MUNDO REAL (VITAL)
- Caótico e confuso
- Fragmentado
- Inautêntico
- Realidade vital absurda
- Homem-objeto
X
MUNDO FICCIONAL
- Caótico e confuso
- Fragmentado
- Inautêntico
- Realidade ficcional absurda
- Personagem-objeto
Outras características:
♦ Vida existencial e vida ficcional: várias dimensões que se interpenetram, cada
uma possuindo leis próprias e particulares. Por exemplo: vida social, vida
íntima, vida conjugal, vida religiosa, etc.
♦ O romancista não aceita o tempo cronológico, linear, previsível, assim,
observa-se a confusão espacial e temporal, produzida pelo monólogo interior
ou diálogo entre vários “eus” ficcionais que, na verdade, representam uma
outra forma de monólogo interior do próprio ficcionista.
3.11 - NARRATIVA PÓS-MODERNA/PÓS-MODERNISTA DE 1a GERAÇÃO
♦ REJEITA OS VALORES FICCIONAIS JÁ CONHECIDOS;
♦ REGISTRA, POR MEIO DE UM TURBILHÃO DE PALAVRAS, A AVENTURA
EXISTENCIAL DE UM HERÓI PROBLEMÁTICO, O PRÓPRIO NARRADOR,
ALTER EGO DO ESCRITOR PÓS-MODERNO;
♦ O HERÓI PROBLEMÁTICO DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX E INÍCIO
DO SÉCULO XXI É O PRÓPRIO ESCRITOR (HERÓI PROBLEMÁTICO DE UMA
NARRATIVA PROBLEMÁTICA).
Rejeitando os valores já conhecidos da ficção linear, problematizando a realidade
ficcional, o escritor do século XX e início do século XXI só tem duas saídas:
1o) Como porta-voz da realidade vital, ele imagina também uma realidade
objetiva (social ou psicológica). Sua proposta inicial: oferecer aos leitores seu
testemunho pessoal de uma realidade que ele almeja decifrar. Ele está vivendo um
momento de crise, não sabe como enfrentar o porvir, e a sua obra torna-se o meio
de expressão desse desequilíbrio (ou seja, de como estar e permanecer no mundo).
2o) A realidade é apenas um pretexto para o seu narrar. A forma (a palavra) é mais
importante para a realização da narrativa. A forma que dará consistência à sua voz
ininteligível, monocórdia, solitária, repleta de “rumores brancos” (ler: Rumor
Branco, de Almeida Faria, 1962, ficcionista português). A forma abrangendo,
atropeladamente, toda essa realidade. O escritor esvazia as imagens tradicionais,
ficcionais, que dão consistência a essa realidade; contesta, desarticula, rejeita as
técnicas discursivas já sacralizadas.
3.12 - NARRATIVAS PÓS-MODERNAS/ PÓS-MODERNISTAS DE 1a E 2a GERAÇÕES
Em busca da linguagem primordial. O homem primitivo (o primeiro de uma Nova
Era) se apoderando da linguagem, afastado das regras idiomáticas que
conduziram a humanidade até então.
ESCRITOR PÓS-MODERNO/PÓS-MODERNISTA DE 2a GERAÇÃO: É o
Senhor Absoluto dessa linguagem e, já que não há regras a seguir, está livre para
utilizá-la do jeito que quiser.
3.13 - SOBRE O MARXISMO INDEPENDENTE DE GEORG LUKÁCS COMO AUXILIAR NOS
ESTUDOS DE LITERATURA PELO PONTO DE VISTA DE TEOFILO URDANOZ
URDANOZ, Teofilo. História de la Filosofia. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1985
(Vol. VIII): 33-37.
Georg Lukács Î iniciador da corrente de marxistas independentes que surgiram fora
da Rússia Soviética. // Lukács alcançou especial notoriedade por seus vários desvios da
ortodoxia marxista, durante sua longa vida. E também por sua grande fama e influência
sobre a corrente neomarxista, graças a sua fecunda atividade literária, como crítico de
arte e teórico da estética marxista. (op.cit.: 33)
MARXISMO REVISIONISTA
Lukács Î pensador marxista, inconformista e recalcitrante.
Î abre caminho a uma série de marxistas independentes do mundo ocidental.
Î não se satisfaz com o socialismo materialista, que impunha o abandono
da cultura das ciências do espírito.
“A longa e turbulenta vida de Lukács é um caso típico de pensador marxista
inconformista e recalcitrante que posteriormente vai servir de exemplo e abrir o
caminho a uma série de marxistas independentes do mundo ocidental, recusando-se a
ligar-se aos rígidos cânones dogmáticos do marxismo-leninismo.” (op. cit.: 34)
“As interpretações pessoais da filosofia marxista desenvolvidas por Lukács
renovam, a seu modo, os desvios esquerdista e direitista que foram dados nas discussões
internas do marxismo russo. Sua obra, de 1923, História e Consciência de Classe, que
revela uma profundeza especulativa superior à dos marxistas de então, representa o
revisionismo de esquerda, semelhante ao professado na Rússia por Deborin, ainda que
de signo mais radical. No prólogo posterior, de 1967, esclarece (explica) seu sentido,
dizendo que o livro ‘significou o intento, provavelmente mais radical, de reatualizar o
revolucionário de Marx, mediante uma renovação e continuação da dialética hegeliana e
seu método. A empresa resultou porque, paralelamente, ou seja, naqueles mesmos anos
se faziam cada vez mais intensas, na filosofia burguesa, as tendências à renovação de
Hegel. (op. cit.: 37)
3.14 - MODERNIDADE/PÓS-MODERNIDADE: CARACTERÍSTICAS SÓCIO-CULTURAIS E FICCIONAIS
(SÉCULO XX AO INÍCIO DO SÉCULO XXI)
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Transformação do mundo: rompimento com as tradições seculares;
Descaso;
Corrupção;
Construção e Destruição;
Progresso técnico;
Industrialização avançada;
Ligação de longas distâncias;
Crescimento rápido;
Desenvolvimento acelerado;
Realce dos valores econômicos;
Novas tecnologias;
Desapego à religião;
Criação de novos conceitos religiosos;
Emancipação das áreas do saber;
Apropriação e reformulação dos saberes (religiosos e/ou filosóficos) de culturas
antigas e/ou exóticas e transformação das mesmas em literatura direcionada à massa.
3.15 - SOBRE A FICÇÃO PÓS-MODERNISTA (DE 2a GERAÇÃO) DE ROGEL SAMUEL
(NEUZA MACHADO
“É evidente que, em relação às obras, as idéias permanecem sempre breves, e que nada pode
substituir as primeiras. Um romance que não fosse mais do que o exemplo de gramática que
ilustra uma regra ─ ainda que acompanhada de sua exceção ─ seria naturalmente inútil: bastaria
o enunciado da regra. Exigindo para o escritor o direito à inteligência de sua criação, e insistindo
sobre o interesse que a consciência de sua própria pesquisa representa para ele mesmo, sabemos
que é sobretudo ao nível do estilo que esta pesquisa se realiza, e que no instante da decisão nada
está claro. Assim, após ter indisposto os críticos ao falar da literatura com a qual sonha, o
romancista se sente repentinamente desarmado quando esses mesmos críticos lhe pedem:
“Explique-nos portanto por que você escreveu esse livro, o que significa, o que você pretendia
fazer, com que intenção você empregou esta palavra, por que construiu esta frase desse modo?
Diante de semelhantes perguntas, seria possível dizer que sua “inteligência” não lhe serve para
mais nada. O que ele quis fazer foi apenas aquele livro mesmo. Isto não quer dizer que ele está
sempre satisfeito com esse livro; mas a obra continua a ser, em todos os casos, a melhor e a
única expressão possível de seu projeto. Se o escritor tivesse tido a faculdade de dar uma
definição mais simples de seu projeto, ou de reduzir suas duzentas ou trezentas páginas a uma
mensagem em linguagem clara, de explicar o funcionamento de seu projeto palavra por palavra,
em suma, de dar a razão de seu projeto, não teria sentido a necessidade de escrever o livro. Pois
a função da arte não é nunca a de ilustrar uma verdade ─ ou mesmo uma interrogação ─
antecipadamente conhecida, mas sim trazer para a luz do dia certas interrogações (...) que ainda
não se conhecem nem a si mesmas.” (Conf.: ROBBE-GRILLET, Alain. Por um novo
romance. Ensaios sobre uma literatura do olhar nos tempos da reificação.
Tradução: T. C. Netto. São Paulo: Documento, 1969: 11)
“Com estas palavras de Alain Robbe-Grillet, sobre o novo romance (não apenas
francês), o fenômeno literário que marcou o globalizado e caótico século XX (o século
que propiciou a difícil transição histórica da modernidade para a pós-modernidade),
palavras estas escritas no final da década de cinqüenta, exprimo o meu empenho de
dialogar reflexivamente com a obra de Rogel Samuel denominada O Amante das
Amazonasi (publicada em segunda edição, em 2005, pela editora Itatiaia de Belo
Horizonte). Recupero as asserções de Robbe-Grillet sobre o narrador do século XX
(neste momento interativo da crítica literária no Brasil, e neste início de século XXI),
porque medito sempre o enigma criador do ficcionista do todo do século passado,
independente de sua localização de nascimento, e percebo que as “inovações”
ficcionais, daquele momento, continuam hoje sob “renovadas” roupagens, e as questões
teórico-críticas (que enlaçam o escritor ficcional), levantadas por Robbe-Grillet,
continuam ainda a fazer parte da realidade sócio-intelectual do crítico literário
brasileiro. Retomo o assunto, porque, nestes tempos pós-modernos, tempos
globalizados, o escritor (seja de qualquer nacionalidade, poeta ou ficcionista ou
dramaturgo ou outro direcionamento literário) se coloca na obrigação de explicar a sua
criatividade à chamada imprensa cultural dominante. É matéria verdadeira que somente
algumas questões visíveis são questionadas, porque, as invisíveis vão estar resguardadas
no plano particular do autêntico texto-obra, a exigir que o leitor-especulador do
momento histórico de sua publicação, ou de épocas futuras, as venha examinar. Sem o
aval das explicações exigidas (uma vez que os textos ficcionais da pós-modernidade são
de difícil entendimento), o escritor dos dias de hoje não se contempla reconhecido pela
mass media como criador literário, perdendo por tal desvalimento a oportunidade de ser
lido, o que, convenhamos, é o anseio normal de quem escreve.
Esta propedêutica, objetivando espelhar a posição do crítico literário atual, se
fez/faz-se necessária, porque a enxergo apontada em minha direção, uma vez que, para
interagir com a diferenciada obra ficcional de R. Samuel, respeitante ao espaço
geográfico do Amazonas ─ social e mítico ─, lugar pouco conhecido à minha própria
percepção intelectiva, movi-me, inicialmente, em busca das estimáveis explicações do
próprio escritor, acauteladas nas diversas entrevistas por ele permitidas aos jornalistasinternautas.
Por intermédio das Entrevistas, Rogel Samuel ofereceu, aos leitores de seu
romance, encaminhamentos seguros sobre a natureza de sua criatividade ficcional a qual
reputo como autenticamente Pós-Moderna/Pós-Modernista de Segunda Geração.
Autêntica, porque há no momento inautênticos autores que se fazem passar por
ficcionistas pós-modernos, mas que são, em verdade, escritores-mercadores de uma
literatura de massa sem nenhum crédito no âmbito da Arte Literária. Apenas foram
conceituados pela mídia enganosa deste momento sócio-intelectual como bons
escritores, para visarem ao lucro em detrimento da qualidade de um texto. O romance de
Rogel Samuel, pelo exame teórico-interpretativo-reflexivo, ultrapassa tais exigências
comerciais, pelo fato de ser uma narrativa de alto nível criativo e se inserir no que
qualifico como peculiar obra pós-moderna.”
3.16 - LEITURA CRÍTICO-REFLEXIVA DE NEUZA MACHADO (SOBRE O AMANTE DAS
AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL
(Conferir: literaturarogelsamuel.blogspot.com.br)
O início do capítulo quarto do nosso “O amante das amazonas” ou “PAXIÚBA”
diz assim:
“E chega que alguém diz: “Bons dias” (a voz como era?) - sim, que quem se
introduz nesta estória e então fala é o enorme bugre caboclo Paxiúba, naquela época
com cerca de dezenove anos, mas já bem dotado de grande, de nome, de alto, de um
metro e noventa e dois de altura, ah, bem me lembro inteiro dele sim, a gente fica velho
mas, antes de morrer, a memória a gente aviva, e nela vive, até o tampo do tempo nos
apagar, gatão lustroso que passa sua língua, nada, no para, o esquecido, tal que logo
desaparecemos que vai ser como se nem nunca tivéssemos existido, nem mesmo como
personagem de ficção que é o que é. Mas o olho burro tudo vê, e registra ─ mosca da
vida sobre a rosa de sangue e da conversa vã. Pois sim. Que diz-que Paxiúba era filho
de um negro barbadiano da Madeira-Mamoré com uma índia Caxinauá que não conheci,
e se tomou lendário e eterno ─ ele-mesmo se aproximando assim, remando silencioso e
feroz pela face da manhã, no luxo de frente do porto do Laurie Costa, que ficava na
margem esquerda do Igarapé do Inferno, submerso e distribuído pelo prestigioso vale.
“Pois se aproximava somente para dizer: “Bons dias”, e assim se referia a uma
certa e acocorada Zilda, esposa do Laurie Costa, lavadeira das roupas, agachada sobre a
prancha lisa, lixiviada, de Itaúba, tabuão de sabão, ─ ela nem o tinha visto e pressentido
em suas costas feito um jacaré inteiro estirado imenso ─ Paxiúba na montaria,
espetáculo bom de ver, mas literário, mas enorme de belo, que já o conheci assim,
escuro caboclo e tigre, grandão, desenvolto, olho de cobra, de bicho, poderosamente
selvagem, no vivo, no ensolarado do olho amarelo, luminoso, feroz, sobre musculatura
nobre de dar inveja às estátuas do Louvre, erguida cabeça sobre o pescoço grosso,
sólido, de muito viva, e guerreira, assassina, arisca subjetividade ─ era assim que ele
vinha, cínico, atravessador, a ninguém poupando ou aturando, nem a juiz, como se
dissesse: “te conheço: sei quem és” ─ o certo da culpa, gesto indecente e ameaçador, de
assustar policial ─ seu poder vinha do cheiro de camaru que arrancava da vítima fácil
confissão antecipada, sim, enfraquecia e anestesiava a gente, nos dando um sono sob
seu pulso, que se sabia dele em quem nunca se pôde confiar ─ impondo mole aquilo que
o sustentava nos seus sangrentos desígnios e poderes, saberes e prazeres, o que
encontrava no fundo de nós-mesmos, arrancados e submetidos à acessibilidade, ah, o
bruto, mas fundamental, da impressão fugidia para a certeza, correta e culposa, que
coage, que oprime, na lógica da nossa tenebrosa região infantil, a revelar-se, impelida, à
força hipnótica, para fora, para novas submissões, e sorrisos, se infiltrando nas fendas
do poder de onde imperava, ardiloso e interno, na interseção vazia e na interdição da
resposta, na inversão das forças a ré, malandragem desmascarava única nobreza,
qualquer dignidade sobrevivente: “Diga sua verdade” ─ era a linguagem da ordem de
seus olhos no risco do seu sorriso sensual e perverso, sublinhado por esboço de pecado
que nos fotografava, que nos dizia, no espelho avaliado das baixezas. Paxiúba era bom
de não se encontrar de repente, na estrada deserta. Exigia prudência, medo e prática
muda da obscura familiaridade com a ternura se via na transmissão de seu segredo. Em
uma palavra: explícito. Quando se retirava, a gente se persignava. Porque se efetivava
guerreiro de épocas irregulares, de tempo inverso, remotíssimos mecanismos ardilosos,
das possibilidades do corpo, privilegiadas, sexuais, capazes de muito realizar,
sedimentando o músculo vivo e assumido. Paxiúba, emblema da Amazônia amontoada
e brutal, sombria, desconhecida, nociva. E a montaria, transpostos os espaços da
vigilância, esbarrava nela, na prancha do cais onde Zilda lavava roupa branca e pura,
iluminada, a espuma saindo e se indo assim de sabões e bolhas de vidro, se esparzindo
na bordadura branca da superfície do rio espelhado de sol e na purificação religiosa da
água.”
A LEITURA DE NEUZA MACHADO (MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda
da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel. Rio de Janeiro: N.
Machado, 2008. 105p.) se inicia desse modo:
“Manifestado à moda dos lendários heróis de misteriosas histórias de cerimônias
e cultos diversos, Paxiúba é a encarnação mítico-ficcional de antigos guardiões
extravitais (de qualquer arcabouço esotérico da humanidade; humanidade esta quase
sempre conduzida por elementos das forças sobrenaturais), os quais povoaram, ao longo
do tempo, a poderosa imaginação reduplicada, sintagmática, do mundo dos conceitos
veneráveis. Paxiúba se configura como o símbolo das forças da natureza selvagem do
Amazonas (no caso, o estrato mítico-substancial da sociedade indígena amazonense) e,
acima de sua aparência exterior, a matéria épica se faz presente no relato ficcional,
realçando o prestígio prosopopaico de sua natureza humana.
“Se me encontro aqui como apreciadora de obra ficcional da pós-modernidade,
envolta em minhas próprias teorizações analítico-fenomenológicas sobre um assunto no
qual eu mesma me alterco constantemente, confirmo que em O Amante das Amazonas
há um altíssimo grau de entropia no sistema de narração (ausência da ordem narrativa à
moda tradicional). Para explicitar o seu personagem mítico-ficcional Paxiúba, o criador
pós-modernista de Segunda Geração se vale dos enclaves narrativos, tão do gosto dos
escritores pós-modernos/pós-modernistas da Primeira Geração. Entretanto, enquanto
autor-criador de um novo direcionamento estético-ficcional, mais de acordo com a
vivência do homem do século XXI, objetivou abandonar o estereótipo (lugar comum)
do personagem reificado (inacreditável, fantasioso) da primeira fase, procurando
descortiná-lo por meio de um olhar diferenciado (o ser mítico a se transformar em
humano), circunscrito a insólitos acontecimentos dinamizados. (Preciso esclarecer que
os escritores do final do século XX, dos anos 80 para cá, perceberam as qualidades
intrínsecas das regras sócio-culturais do século XXI, e, por sua vez, como participante
ativo daquele momento, o narrador rogeliano enxergou criativamente a mudança que já
se avizinhava).
“A entropia narrativa, no século XX, surgiu das pioneiras modalidades sócioculturais capitalistas, intermediárias de uma novíssima ciência, baseada em um conjunto
de métodos científicos, de novas modalidades existenciais que visavam resolver os
problemas do homem pós-moderno. Fundamentado-se em normas predominantemente
científicas e em transmissões de notícias generalizadas oferecidas pelos meios de
comunicação em evidência naquele momento (rádio, televisão e cinema), as mensagens
saíam de uma realidade cotidiana, poderosa, mas que já chegavam descaracterizadas aos
destinatários, propiciando espetáculos insólitos. Assim, a técnica discursiva da
propaganda impôs suas diretrizes no universo ficcional da pós-modernidade, naquela
Primeira Geração de escritores ficcionistas, obrigando-os a “criar” seus textos ─
sintagmáticos ou paradigmáticos ─ pelo ponto de vista de uma realidade liquidificada,
reduzida a diversas cópias (ou colcha-de-retalhos, ou patchwork quilt) de conceitos
vitais diversificados e entrelaçados, conceitos esses vistos pelos críticos da literatura do
final do século XX como simulacros de uma realidade há muito despojada de suas
características fundamentais.
O bugre Paxiúba, que chega dizendo “Bons dias” à lavadeira Zilda (nesta
segunda etapa da narrativa), não é um simples personagem reificado. Ele possui um
nome que o dignifica. Em seus domínios míticos, ele é Pati’ ïwa que, em tupi, significa
“palmeira dos igapós”, uma planta palmácea, das regiões amazonenses alagadas pela
chuva (igapós), que mede cerca de dez a quinze metros de altura. A dimensão ficcional
do Manixi (o Palácio e as terras que o cercam) pertence à matéria mítica. O bugre
Paxiúba traduz a heroicidade dos lendários habitantes de um lugar de pura maravilha (e
a palavra maravilha aqui não possui sentido telúrico). Aquele índio mestiço ─ filho de
uma índia caxinauá e de um negro barbadiano ─ jamais poderá ser conceituado como
um personagem sem nome, o que caracterizou as narrativas do Primeiro Momento PósModerno/Pós-Modernista. Paxiúba não poderá ser avaliado como um personagem
menor, sem qualidade literária, a se debater no Caos das chamadas narrativas insólitas,
porque sua grandeza mítica se solidifica até ao final narrativo, mesmo quando o núcleo
ficcional se traslada para a Cidade de Manaus.
No máximo, se me predisponho a avaliá-lo somente pelo ponto de vista das
regras estruturais da ficção (analise cientificista), uma vez que o próprio narrador
concedeu-me esta incursão teórico-crítica, ao revelá-lo como “espetáculo bom de ver,
mas literário”, ou seja, índio-bugre “enorme tetrápode”, aventuro-me a dizer que o
caboclo Paxiúba se presentificou, na ficção rogeliana, por meio da narração simbólica,
passada de geração a geração, como demonstrativo do valor das origens do homem
amazonense. Assim, aqui, por intermédio da palavra do escritor, nomeando-o como
“literário”, apresenta-se uma diferenciada força da matéria mítico-ficcional. Todos os
adjetivos qualificativos, utilizados pelo ficcionista, impelem o leitor a concebê-lo como
um ser extraordinário. E o extraordinário jamais significará a realidade vital
sedimentada no racionalismo cientificista. A perfeição mítica, dos primeiros segmentos
narrativos, o coloca em uma posição privilegiada: Paxiúba, o “poderosamente
selvagem”, possui uma “musculatura nobre de dar inveja às secularmente conceituadas
estátuas do Louvre, pois possui a cabeça erguida sobre o pescoço grosso, sólido, de
muito, e guerreira, assassina, arisca subjetividade”. E quem confirma a grandeza de
Paxiúba, sabe o por quê de tal afirmação. As estátuas do Museu do Louvre foram,
muitas vezes, analisadas, ou mesmo interpretadas pelo escritor, um homem que nunca
se recusou às aventuras das viagens internacionais, um conhecedor inconteste das
reverenciadas obras dos grandes artistas de todos os tempos, obras estas destacadas nas
famosas paredes e galerias do Museu francês.
“A água doce é a verdadeira água mítica”ii, assim afirmou Gaston Bachelard.
Paxiúba “se introduz na história e então fala” porque, para criar o espaço tridimensional
do Manixi ─ sócio-mítico-ficcional ─, patrocinado pelo elemento água (garantindo-lhe
perenidade), e para, posteriormente, lançá-lo no imaginário-em-aberto do leitor
reflexivo, o narrador pós-modernista de Segunda Geração percebeu a necessidade de
uma outra renovada e poderosa chave, para abrir-lhe a porta da dimensão mítica,
sobrenatural, de uma terra desconhecida. Na primeira etapa da narrativa rogeliana, a
chave resguardada pelos “parentes” possibilitou ao narrador-personagem Ribamar de
Sousa a interação com os aspectos históricos visíveis daquela realidade diferenciada. O
tio Genaro e o irmão Antônio, possuidores da primeira chave, conheciam somente as
duas margens conceituais do Igarapé do Inferno e umas poucas trilhas terrestres do
Manixi. Não eram natos do lugar, portanto, não poderiam propiciar ao narrador do
século XX um incomum reconhecimento das peculiaridades mítico-ficcionais, ainda não
nomeadas, daquele fabuloso espaço sócio-substancial. Por conseguinte, urgia encontrar
uma solução que o levasse a interagir com as aquáticas sinuosidades desconhecidas da
narrativa, ou seja, intuir uma singular chave transcendental. E eis que Paxiúba se
introduz na história, diferenciado dos “parentes”, revelando o poder de fala dos antigos
narradores de tempos heróicos.
“A voz como era?”, indaga o primeiro narrador, maravilhado com a sua nova
direção ficcional. Paxiúba, o bruto, possui o poder da voz que representa o herói mítico.
Assim, como uma divindade semi-humana, possui voz tonitruante. Somente os heróis
mitificados possuem voz poderosa. Este “herói” é o possuidor da chave simbólica que
fará o primeiro narrador, agora também mitificado, a percorrer com o próprio olhar
diferenciado, a mão dinamizada e o imaginário fantasticamente iluminado, os limites
mágicos do Manixi. “Ah, bem me lembro inteiro dele sim, a gente fica velho, mas, antes
de morrer, a memória a gente aviva, e nela vive, até o tampo do tempo nos apagar”,
revela o primeiro narrador. As lembranças fazem parte da memória, e na memória se
concentra o poder mítico. A memória mítica só resguarda tempos heróicos e seres extrareais, mesmo assim, não se pode duvidar de sua verdade. A verdade mítica será sempre
renovada, revestida por novas roupagens. Neste intervalo narrativo-ficcional, o narrador
terá de passar pela iniciação do conhecimento primordial e sobrenatural. Páginas
adiante, o segundo e verdadeiro narrador entrará ficcionalmente e vitoriosamente no
“quarto escuro” do repouso fervilhante, para de lá sair renovado. Neste segundo
momento ficcional, Paxiúba é o representante da chave mítica (chave mágica). A
terceira chave, transcendental (oriunda do plano da consciência dinamizada), aquela que
vigorou/vigora no imaginário-em-aberto do escritor Pós-Moderno/Pós-Modernista de
Segunda Geração, desde o início da narrativa, só será percebida e interpretada pelos
leitores-eleitos “incomodados” quando o segundo narrador se predispuser a aparecer no
fluxo interativo do recontar renovado.
No entanto, este narrador da pós-modernidade, narrador do escritor do final do
século XX e princípio do século XXI, querendo ou não, pois se vê envolvido pelas
diferenciadas normas ficcionais de seu momento social, terá de se valer da técnica do
olhar simulador para apresentar o Manixi, o espaço sócio-ficcional de sua narrativa.
Assim, o Palácio do Manixi e as terras que o rodeiam terão de aparecer em toda a sua
grandiosidade e imponência, à moda dos simulacros televisivos e cinematográficos que
imperaram (imperam) em sua atualidade. Por enquanto, a saída digna, irrepreensível,
para que, posteriormente, o verdadeiro narrador possa desmistificar a sua própria
realidade vital e a sua outra diferenciada realidade sócio-ficcional, é buscar nos
domínios do mito uma diretriz qualificada que apresente, aos leitores do momento e aos
leitores do futuro, a suntuosidade exigida pelo hodierno momento histórico das
grandezas simuladas. O arcabouço mítico será sempre uma dimensão que em todo
tempo satisfará tais requisitos. Paxiúba é o guardião da chave. O narrador terá de eleválo à categoria de herói mítico-ficcional. No entanto, como semi-humano, o seu aparecer
glorioso, ao longo da segunda etapa da narrativa, não representará um simulacro. A
verdade da ficção-arte do Pós-Moderno/Pós-Modernismo de Segunda Geração
ultrapassa os limites da simulação do fingir depreciativo (simulacro), para, em seguida,
alcançar a glória do fingir da literatura-arte (recriar). E convenhamos: são poucos os
escritores eleitos para tal missão, neste tempo presente de incomuns calamidades.
“Mas o olho burro tudo vê, e registra (...)”. O teórico da literatura de orientação
fenomenológica, neste início de século e de milênio, não poderá desprestigiar as
expressões ficcionais que o “incomodam”. Por que “olho burro”? Será que este “olho
burro” representa o olhar do primeiro narrador, um ser híbrido, resultante do
cruzamento entre o telúrico e o espetaculoso, aquele representante dos narradores que
vêem em demasia? Mas, a realidade ficcional do século XX e início do século XXI está
ali a exigir-lhe (ao narrador da primeira fase ficcional) um cenário grandioso para
apresentação do personagem mítico que se aproxima. Então, quem tem consciência
desse “olho burro” é o segundo narrador, possivelmente, narrador de um terceiro
narrador, o qual intui, por sua vez, uma possível quarta chave (imaterial), propiciadora
de uma insólita condução para o quarto cogito, onde se percebe o Tempo Espiritual.
(Esse terceiro narrador se encontra muito bem camuflado nas tramas ficcionais do
romance, nesses primeiros capítulos da narrativa). Ou será que “olho burro” representa
outra expressão já conhecida, ou seja, “dar com os burros n’água”, o que, em outras
palavras, significaria a perda momentânea do poder narrativo singular, exclusivo da
ficção paradigmática. O olho do escritor-artista paradigmático não “registra”, recria a
realidade que o cerca. No entanto, continuo aqui a resistir às assertivas ficcionais
rogelianas. Se me atenho à idéia de uma afirmação diferenciada, consciente da
capacidade criativa do escritor, infiro que o “olhar” esclarecido, intelectual, do segundo
narrador, acompanha por sua vez a perspectiva visual do primeiro narrador. O “olho
burro tudo vê, e registra ele-mesmo” a aproximação de Paxiúba, “remando silencioso e
feroz pela face da manhã, no luxo de frente do porto do Laurie Costa”, criativamente
secundado pelo olhar talentoso do escritor ficcional da pós-modernidade. Os narradores
sintagmáticos não possuem tal visão diferenciada. Assim, o “olho burro”, explícito na
narrativa rogeliana, sublinearmente e paradoxalmente, se transforma em “olho
inteligente”, se for avaliado pelo ponto de vista do crítico fenomenológico. Por meio de
um narrar paradoxal, o incomum ficcionista de O Amante das Amazonas revelou (revela
e revelará), aos “incomodados” leitores de seu romance, a indiscutível qualidade de sua
ficção.
O “olhar inteligente” do narrador, nesta segunda fase da criação ficcional, se
sustentará pela ligação da forma de expressão da linguagem mítica com as inovações da
linguagem ficcional da pós-modernidade. Assim, o nomear enigmático colabora com o
narrado pós-moderno, oferecendo-lhe, nesta segunda etapa do romance, um princípio
ficcional à moda do narrar mítico-lendário, mas, paradoxalmente, imbuído de
expressões dialetais familiarizadas. “Pois sim. Que diz-que Paxiúba era filho de um
negro barbadiano da Madeira-Mamoré com uma índia Caxinauá que não conheci, e se
tornou lendário e eterno”.iii
Na primeira fase, a busca de conhecimento histórico ofereceu-lhe também um
princípio ficcional. Ribamar de Sousa começa a sua trajetória diferenciada, de Patos,
Pernambuco (realidade histórica), ao Manixi Amazônico (realidade ficcional),
assinalando a data do início de suas peripécias existenciais em busca do extraordinário:
“madrugada do Natal de 1897”iv. O princípio assinalado denuncia a caminhada do
homem do século XX: aquele que não pode mais se estabelecer em seu meio
comunitário, pois, adulto, sujeito a uma vida de mendicância, terá “de começar a correr,
prisioneiro das colocações, e a seguir estrada com tigelinha de flandres”v. Este
princípio, á moda tradicional, nesta ficção anticonvencional, só se tornou possível, em
plena pós-modernidade entrópica, graças ao auxílio da História. As chamadas narrativas
de estruturas inovadoras da pós-modernidade, principalmente as da Primeira Fase, não
se atêm ao tempo vital (tempo linear, do relógio), são narrativas de acontecimento,
visualizando apenas o presente e não preocupadas com um clímax que as leve a um
fecho à moda tradicional.
No entanto, se atento para os enclaves que superexcedem no todo deste romance
em especial, recupero uma terceira fase, autenticamente reveladora das imposições
respeitantes às inovadoras formas estruturais de narrar da pós-modernidade. No capítulo
sete, o arcabouço mítico desaparece para oferecer o espaço ao narrador da fase final do
século XX. O próprio título do capítulo já é por si uma revelação peculiar: “SETE:
DESAPARECE”. Quem desaparece? Do desaparecido, falarei depois. Por ora, a palavra
desaparece se projeta como um referente (um sinal) de finalização da narrativa mítica e
de nova mudança narrativa: do mítico para o plano da ficção-arte (a anterior sinalizou a
caminhada do histórico para o mítico). No capítulo seguinte (capítulo Oito), há um
“ponto” indefinido direcionando a mudança de estilo narrativo, revelando a decadência
da realidade sócio-substancial amazonense, apresentada inicialmente pela maneira de
narrar grandiosa da linguagem histórico-lendária.
Contudo, ainda não me desenredei de Paxiúba. O arcabouço mítico-ficcional
diferenciado exige-me novas reflexões sobre este poderoso personagem. Ele, neste
momento em que o reflito, está vindo ao encontro de Zilda, a “esposa do Laurie Costa,”
(...) “lavadeira pessoal do Palácio, das roupas brancas, exceto as lavadas em Lisboa”vi.
Ele está vindo também ao encontro de minhas reflexões teórico-críticas. Vejo-me em
expectativa: assim como a outra energética Zilda, a da mitologia germânica, a
poderosíssima guerreira da vitória, a guerreira de ferro, terei de vencê-lo teoricamente e
reflexivamente ─ pela razão, pelo conhecimento, pela ponderação inovadora ─, terei de
vencer suas guardas míticas e seus desafios existenciais. Não posso deixar-me seduzir
teluricamente pelo seu fabuloso porte, descomunal, colocando-me em perigo diante das
já insuficientes e, ainda, exigidas análises significativas (dogmáticas), as quais estão
aqui a digladiarem-se com as minhas inferências fenomenológico-interpretativas.
Paxiúba surge no desenrolar ficcional pós-moderno como personagem “cínico,
atravessador”, anunciando que, mesmo possuidor de uma aura mítica (que, pelo ponto
de vista épico, deveria ser de autêntica pureza), ele não será concebido como tal. Seu
papel é o de “atravessador”, de intermediário entre as três dimensões da efetiva ficção
criativamente alterada: a sócio-substancial, a mítico-substancial e a ficcional-arte.
Desde o seu surgimento até ao final da escrita rogeliana, ele atuará com desenvoltura
nestes três planos da criação literária. Seu poder será atuante. Pari passu com o primeiro
personagem-narrador, a sua importância se revelará sempre ativada.
“Seu poder vinha do cheiro de camaru”. Em volta da Alta Palmeira dos Igapós
(Paxiúba), com seus três caules indivisos (o social, o mítico e o ficcional) e sua mítica
coroa de flores (o cocar), manifesta-se a interferência do cheiro do camaru, uma
pequena árvore de flores aromáticas, de fruto indeiscente (que não se abre
espontaneamente ao atingir a maturação). O cheiro agradável, afrodisíaco, verbenáceo,
impregna criativamente todos os capítulos referentes a Paxiúba. Ao longo da leitura, o
cheiro vai anestesiando inclusive o leitor. Eis o poder indiscutível do herói ficcional. Eis
o poder indiscutível desta narrativa especialmente. Seu personagem não é apenas um
simples simulacro, como os personagens representantes das ficções paraliterárias (os
representantes dos textos de novela televisiva e cinema, ou mesmo das novelas
paraliterárias ─ lineares, sintagmáticas ─, produzidas para a massa). Paxiúba terá vida
ficcional permanente, enquanto o romance existir e houver leitores-eleitos. A FicçãoArte não se materializa apenas para o entretenimento do leitor. A Ficção-Arte exige do
ficcionista (incluindo posteriormente o leitor) a plena-atenção, como recomenda com
encômio a filosofia budista (normas filosófico-religiosas que, não por acaso,
administram a vida espiritual do escritor aqui destacado).
Paxiúba, o bruto, o fundamental, o da impressão fugidia para a certeza, correta e
culposa, aproxima-se do porto do Laurie Costa, porque o semi-humano (o semideus)
interessou-se por uma mortal, uma comum lavadeira do Palácio Manixi. Ele terá de
tomá-la sexualmente do Laurie Costa, o marido, para, assim, transitar livremente na
dimensão humana. (Assim se comportou Júpiter, ao se relacionar com Alcmena, esposa
de Anfitrião; assim se comportaram os Anjos do único Deus dos Hebreus, nos
Evangelhos Apócrifos, ao se relacionarem com as “filhas dos homens”). Entretanto, é o
cheiro do camaru (camará, cambará) que vigora “na interseção vazia” entre o dito e o
não-dito desta obra ficcional incomum. Paxiúba, graças ao perfume do camaru,
ultrapassa as regras do narrar mítico, “fundamental”, para vigorar na “lógica da
tenebrosa região infantil”, energeticamente ficcional, de quem escreve. Ele se revela
não apenas pelo poder do mito, mas por meio da “força hipnótica (do pensar
efervescente, do repouso ativado), para fora, para novas submissões”. Ele é o somatório
de todos os indígenas, bugres e caboclos que povoaram o arcabouço mítico-infantil do
ficcionista nascido ali, naquelas paragens, a manifestarem-se, exigindo dele que, mesmo
saindo de seu lugar de origem, não poderá deixar de revelar as suas impressões
primeiras, as suas particularidades e as particularidades de seus contemporâneos.
O discurso mítico é a oratória da “ordem”, é a explanação (oral ou escrita) de
fatos e seres grandiosos (humanos ou não), estruturalmente inseparáveis da tradição de
um povo. Paxiúba possui a chave da verdade mítica de quem escreve, mas, quem terá de
manuseá-la é o primeiro narrador (narrador do segundo), enquanto personagem
principal das ocorrências narradas. Paxiúba possui o poder de mando, assim como os
grandes guerreiros e personalidades notáveis do passado. E os legendários heróis do
passado mítico (passado que se perde nas fendas do tempo, anterior aos severos dogmas
do cristianismo) não conheceram a natureza íntima da bondade. A “ordem” dos olhos e
o “sorriso sensual perverso” caracterizam a face reduplicada do personagem Paxiúba. O
ser mítico é selvagem, primitivo. Possui o que Max Weber classificou como “poder do
ontem eterno” ou “poder do carismático-guerreiro”. A “ordem” dos olhos é para que o
narrador diga somente verdades (apreciáveis ou não), mesmo que o narrar mítico da
pós-modernidade seja a edificação intelectual de uma narrativa em prosa, idealizada. A
Floresta Amazônica, revista ficcionalmente pelo escritor nascido ali, em suas
imediações, concentra a essência do mito de antigas eras, mas, aqui, insolitamente
revestido pela roupagem do arcabouço mítico-lendário dos índios daquela localidade. A
pureza mítica poderá ser classificada como a integridade vivencial do ser primitivo,
aquele que não foi maculado por exigências ideológicas (sociais ou religiosas). O ser
primitivo não conheceu (não conhece) o ônus do pecado cristão. Paxiúba não é cristão.
É um ser original. Então, quem reconhece o “sorriso sensual e perverso, sublinhado por
esboço de pecado” a fotografá-lo, é o narrador. A “ordem” mítica dos olhos de Paxiúba
possui a pureza do primitivismo heróico. O bugre não sabe o que seja pecado, e não
creio extratexto que Frei Lothar (um outro personagem importante) o tenha catequizado.
Quem se percebe avaliando o “sorriso sensual e perverso” de Paxiúba é o narrador.
Quem avalia o olhar do “pecado” o fotografando é o narrador, aquele que,
historicamente, conhece os dogmas do cristianismo, no que tange a relacionamentos
sexuais. As “baixezas” do olhar de Paxiúba saíram do “espelho” simbólico-ficcional
duplicado e “sublimado” de quem narra, não da pureza primitiva do mito.
Paxiúba “se efetivara guerreiro de épocas irregulares, de tempo inverso”
(invertido), possuidor dos “remotíssimos mecanismos ardilosos, das possibilidades do
corpo”, ou seja, “remotíssimos mecanismos ardilosos” da urgência sexual. O guerreiro
de épocas contrárias às regras (de civilidade), nesta dimensão da narrativa ficcional
rogeliana, é a personificação do ser mitológico. Este ser em especial (o Paxiúba)
conhece as normas e os preconceitos sexuais do ser civilizado, por isto é “capaz de
muito realizar sexualmente, pois sabe sedimentar (endurecer), a partir de seu apetite
carnal fabuloso, “o músculo vivo e assumido”. Seu poder é o da força bruta. Se há algo
que deseja, ele o toma. Por isto, “era bom de não se encontrar de repente, na estrada
deserta”. Por isto, a exigência da cautela, da precaução. Por isto Zilda, a esposa do
Laurie Costa, “uma certa e acocorada lavadeira das roupas (roupas do Palácio),
agachada sobre a prancha lisa do tabuão de sabão”vii, se assusta com o “regular da
urgência daquele olhar”viii.
“Paxiúba, emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria, desconhecida,
nociva”.ix Por que o narrador visualiza “Paxiúba (como) emblema da Amazônia
amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”? Paxiúba é o símbolo do guerreiro
mítico, gerado por seres excepcionais: a índia caxinauá e o negro barbadiano. O pai de
Paxiúba, para o projeto mítico-ficcional em questão, teria de ter uma ascendência
diferenciada, notável. Paxiúba teria de ser oriundo da fusão do lendário indígena com o
fantástico do imaginário africano. Há poucos negros no Estado do Amazonas. O “pai”
teria de se constituir diferente dos outros pais das miscigenações usuais da realidade dos
costumes amazonenses. O caboclo, originário da mistura entre o índio e o branco, não
possui o porte, o vigor deste personagem. Paxiúba é o “emblema”, o símbolo dos
poucos “bugres”, representantes da raça forte que por ali transita. Para a “Amazônia
amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”, o autor reserva os símbolos
depreciativos. “Amazônia amontoada”: todos os estratos sociais (brasileiros e
universais) que para ali vão, em busca de riqueza fácil. “Amazônia brutal”: espaço
geográfico onde se digladiam, em prol do rendimento pecuniário, seres grosseiros e
violentos, já maculados pelas regras insanas do capitalismo selvagem. “Amazônia
sombria”: receptáculo de seres tristes, lúgubres, despóticos, capazes de quaisquer ações
de conseqüências desagradáveis para alcançarem seus intentos progressistas.
“Amazônia desconhecida”: espaço geográfico ignorado politicamente (pelo menos,
durante a ocasião do desenvolvimento do projeto ficcional), “terra de ninguém” onde se
faz presente a lei do preferencialmente forte, social e miticamente apresentada.
“Amazônia nociva”: Amazônia em que todos estes danos, apresentados pelo narrador,
ameaçam destruir a hegemonia da nação brasileira. Paxiúba é o “emblema” (símbolo)
porque, por intermédio de sua face sócio-substancial, duplicada pela ficção, o narrador o
coloca como “pistoleiro do rei”, o capanga profissional, o assecla do poderoso dono do
Manixi. E, para ser o “emblema” do Amazonas e sustentar a honraria, o candidato ao
cargo e ao título teria (terá) de ostentar (mesmo que não fosse / que não seja imortal) a
poderosa face do mito.
“Paxiúba, pistoleiro do rei”. A partir desta assertiva, inicia-se a transformação
dimensional do personagem. O semi-humano Paxiúba foi apresentado aos leitores,
anteriormente, à moda dos lendários heróis mitificados, mas, como assecla do poderoso
dono do Manixi, vigorará, daqui para frente, como personagem da dimensão sóciosubstancial. A proposta ficcional do escritor amazonense não lhe concedeu o direito de
gloriosamente retornar à (retomar a) dimensão mítica, uma vez que Paxiúba não é herói
de narrativa épica. Mesmo assim, até aqui, os adjetivos abonadores caracterizam o herói
lendário, e os adjetivos que não combinam com a aura do mito saem da perspectiva
diferenciada do escritor da segunda fase do pós-modernismo brasileiro de Segunda
Geração. Neste interregno mítico-ficcional, Paxiúba caracteriza o “soldado”, o assecla,
o jagunço, o matador profissional, o lugar-tenente dos antigos e poderosos donos-deterra do Brasil, regidos há bem pouco tempo por normas políticas imperiais.
“E naqueles mesmos dias ocorreram grandes fatos em outros lugares e horas,
históricos e decisivos para a sucessão desta ficção e que relatarei no momento oportuno,
mais que para tanto ainda tenho de revelar surpresas de muitos outros ocorridos”x. O
desenrolar narrativo de “grandes fatos (...) históricos e decisivos” e as “surpresas de
muitos outros ocorridos” ficcionais, daqui para frente, serão relatadas pelo segundo e
principal narrador, estrategicamente fortalecido pelo incomum imaginário-em-aberto do
escritor.
Nos capítulos da terceira fase da ficção rogeliana (do capítulo oito em diante), os
quais, pelo meu ponto de vista, explicitam com maior vigor o já mencionado
imaginário-em-aberto supraverdadeiro, Paxiúba reaparecerá como personagem
simplesmente ficcional. Em uma narrativa autenticamente ficcional (fenômeno da Era
Moderna) o poder mítico se fragiliza. Se, como exemplo, recupero, aqui, o Quixote de
Miguel de Cervantes, a minha explicação se produzirá sem custo teórico. A partir da Era
Moderna, a postura ideológica do herói característico de um passado épico não mais se
adequava às novíssimas exigências sócio-culturais que estavam a comandar aquela
realidade. Por isto, a nomenclatura diversificada para significar o personagem central de
Cervantes: herói da triste figura. Por esta razão, a renovada necessidade de
descaracterizar o mito de Paxiúba (e finalizá-lo), no desenrolar narrativo ficcional
rogeliano (a supremacia pura / mítica / significativa do personagem, mesmo nas
urgências sexuais). A partir do capítulo dez, Paxiúba desenvolverá mais os atributos
animalescos instintivos do homem da realidade sócio-substancial, a violência dos
sentidos, excesso dos propósitos, o inconsciente imperando sobre a razão, em
detrimento dos genuínos e transparentes arroubos sexuais que caracterizaram, no
segundo segmento narrativo, a sua personalidade mítica. A decadência do Manixi (a
sócio-substancial somada ao mítico-substancial) proporcionou o esboroamento da
fantástica força do personagem (a redução da importância mítica do bugre em pequenos
fragmentos ficcionais, o lento desmoronar de sua imponência, levando-o para um estado
de velhice e morte, de acordo com as normas vitais). Por exemplo, por ocasião da
agonia do Manixi (op. cit.: 102), ainda no auge de sua força sexual, Paxiúba se
aproxima perigosamente de Maria Caxinauá, dominando-a sexualmente. As “mãos
enormes” e os “braços do ser monstruoso” que a agarraram, já não refletiam a posse
sexual do ser puramente mítico. Quem agarra Maria Caxinauá é o “mulo” Paxiúba, “a
besta selvagem” já maculada por instintos da energia telúrica, originária da matéria
primordial.
O personagem lendário desta narrativa, o Paxiúba, nos últimos capítulos, passa a
interagir (pela ótica interativa do narrador principal) com as induções visíveis e
invisíveis do capitalismo desenfreado (benéficas ou maléficas), intrínsecas no plano
sócio-substancial relativo à decadência do aparato capitalista do Manixi (o Manixi
mítico permaneceu/permanece intacto, pois o narrador principal, por intermédio de seu
narrador-auxiliar, na página 103, afirma que “a floresta vencera”). Posteriormente,
envolvido por tais induções, disseminadas na maneira de pensar dos personagens
relacionados com o aparato empresarial amazonense, Paxiúba começa a perder a sua
aura guerreira ─ o brilho mítico, explícito, que o dignificava ─, terminando sua
existência de uma forma diferente do narrar fabuloso, ou seja, pela forma exigida pelo
vital, acionada pelo dinamismo cíclico da ficção.
É bem verdade que a dimensão ficcional do Manixi, o lugar onde o poder mítico
de Paxiúba se fez/se faz visível, já estava maculado por valores capitalistas, desde o
início da trajetória ficcional do primeiro narrador Ribamar de Sousa (e isto será
decodificado nos próximos capítulos desta minha apreciação fenomenológica),
entretanto, nas duas primeiras fases do romance, o espaço de concepção da obra se
projetou por meio da fusão do sócio-substancial com o mítico-substancial (o que os
teóricos da literatura em prosa denominam como realismo-mágico). Na primeira etapa,
reinou o narrador Ribamar, como representante da dimensão sócio-substancial. Na
segunda etapa, o (verdadeiro) narrador, criativamente, cedeu o privilégio ao bugre
Paxiúba, pois se percebeu motivado a reclamar a aura lendária do gigantesco
personagem, para iluminar e revigorar o seu desenrolar narrativo. Eis aqui a razão
(fenomenológica) da imponência do personagem. No entanto, a aura de Paxiúba não
permanecerá visível nos capítulos subseqüentes da terceira fase ficcional (e final). E a
nova face de Paxiúba começa/começará a aparecer a partir da decadência exterior do
Manixi, sustentada e assinalada por ocasião de seu encontro voluptuoso com a
Caxinauá.
No capítulo intitulado DEZESSETE: A RUA DAS FLORES, o bugre Paxiúba
reaparece como homem “original” (ser primitivo), ao aproximar-se de Conchita Del
Carmen, “uma mulher gorda, muito gorda e muito sexy”, “a dona da Rua das Flores”,
“o mais belo jardim humano” da prostituição bem-educada da cidade de Manaus, uma
Transvaal incrustada nos domínios do Mito Indígena e recriada pela arte ficcional
rogeliana (de uma forma nunca vista em outros escritores da pós-modernidade).
Paxiúba se “afigurou”xi como homem ─ primitivo ─ diante de Conchita Del
Carmen. Transitando dentro dos limites poderosos de um complexo populacional
urbano, calcogênico, repleto de emanações terrestres, Paxiúba perde a aura lendária,
aquela aparência miticamente iluminada que o caracterizou, quando de sua atuação
como ser extraordinário, o “emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria,
desconhecida, nociva”.
“Meio envergonhado, como convinha tratar a uma senhora-dama, ele veio
dizendo uns “bons dias...”. Aquele que, “meio envergonhado”, se aproxima dizendo uns
“bons dias” à senhora-dama Conchita Del Carmen, não é o mesmo Paxiúba que
“assustou” a lavadeira Zilda com a urgência de sua mítica necessidade sexual.
Nesta seqüência da narrativa rogeliana, Paxiúba perde a sua primazia heróica,
pois penetrou no Olimpo telúrico da prostituição do recinto de Transvaal, e quem se
coloca em evidência agora é o narrador da fase final do século XX, oferecendo aos
leitores de seu romance a possibilidade de alcançarem o reverso da medalha da
narrativa em prosa que caracteriza a escritura literária da era pós-moderna. A partir do
capítulo oito, a sensibilidade criativa, já distinguida desde as primeiras linhas do
romance, alcança um reanimado pódio ficcional. Nesta seqüência, já não há lugar para
as ações engrandecidas de Paxiúba, ou mesmo dos outros personagens (brancos ou
índios) situados nas fronteiras do Manixi. Em princípio, o ficcionista se mobilizou em
função de uma vigorosa retomada dos valores histórico-sociais do Estado do Amazonas,
espaço geográfico brasileiro de onde se originaram os créditos culturais que
sedimentaram sua caminhada vivencial. O narrador rogeliano, no início da narrativa,
retoma ficcionalmente o grandioso passado histórico do Amazonas (em sentido positivo
e negativo), para reagir paradoxalmente contra as injustiças, sócio-políticas, que aos
poucos propiciaram a decadência do lugar. O descendente de um povo mitificado, o
amante (cultural, intelectual) das lendárias guerreiras amazonenses, o admirador
inconteste da grandiosidade histórica do lugar, percebe que há mistérios a serem
revelados. Esses mistérios, ao contrário das regras oficiais da narrativa ficcional, terão
de ser engendrados ficcionalmente por sua sensibilidade ímpar, e esta sensibilidade de
ficcionista incomum não se enquadra (não se encaixilhará jamais) em padrões préestabelecidos. Depois da grandiosa extensão territorial do Manixi, inédita e
diferenciada, (com o seu “magnífico, supremo, inominável, majestoso”xii Palácio),
surgem “ratos” na cidade de Manaus. Os “ratos” se manifestam depois da decadência e
“morte do Manixi”xiii, ativados pelo terceiro cogito do escritor-testemunha do
crepúsculo da era da borracha, surpreendido agora pela necessidade de contemplar para
a posteridade, mesmo que seja por intermédio de fragmentos narrativos, as frestas dessa
decadência (contrária às regras e aos bons costumes das puras e antigas sociedades
mitificadas, reverenciadas pelas gerações posteriores).
Revela-se, nos capítulos finais de O Amante das Amazonas, a autêntica
documentação (pelo ponto de vista ficcional) do que não se pode avaliar, porque a
presente história sócio-cultural do ficcionista pós-moderno ainda não se completou.
Urge fazer justiça aos seus naturais (ao seu povo, que sentiu na própria pele os estragos
da decadência); urge encontrar um justiceiro que aceite a co-participação em seus atos
de autoridade judicial. Urge eliminar o mito do grandioso em proveito do pequeno, do
incompreensível, das migalhas de pão que caem da mesa dos antigos poderosos, agora,
decadentes.
Gaston Bachelard, em A Terra e os Devaneios do Repousoxiv, cita Tristan Tzara:
“Aumentadas no sonho da infância, vejo de muito perto as migalhas secas de pão e a
poeira entre as fibras de madeira dura ao sol”. A Manaus da ficção rogeliana saiu do
arcabouço vivencial infanto-juvenil. O narrador principal foi testemunha dos últimos
estilhaços do esplendor da borracha, do que restou da grandeza capitalista. Foi
testemunha da decadência. Foi ele que viu, por intermédio de sua sensibilidade provinda
naturalmente da infância, os “ratos”, como “um traço cinematográfico, contínuo”, se
infiltrando “entre as frestas da construção carcomida”xv de sua anterior realidade sócioexistencial. Assim, percebe-se a urgência em causar a morte do mito (autoritário,
exemplar), adotando ficcionalmente o descontínuo existencial do momento, em prol de
uma futura nova ordem fundamental (pós-moderna). Por este ângulo interpretativo,
Paxiúba terá de morrer, “afigurado” como homem primitivo (Paxiúba, o Mulo). Alguém
terá de apertar o gatilho e eliminar o mito, transmutado em ser primitivo, da face do
Amazonas. Para tanto, o narrador delega esse poder a um outro personagem, o Benito
Botelho. “Benito atirou no meio do tórax, matando-o. Benito o matou, sim. O morto era
Paxiúba, o Mulo.”xvi
Pela ótica da crítica literária cientificista-estruturalista, cerceadora, terá de existir
uma razão para a morte do bugre. Por enquanto, fica a pergunta à moda
fenomenológica: Qual foi o motivo (real ou ficcional) que levou o personagem Benito
Botelho a matar Paxiúba? Sobre este assunto, indagarei no capítulo a ele reservado.”
In: NEUZA MACHADO. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das
Amazonas de Rogel Samuel. Rio de Janeiro: NMACHADO, 2008. (No prelo - ISBN
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ii
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Ibidem.
Idem: 9.
v
Idem: 14.
vi
Idem: 37- 41.
vii
Idem: 37-38.
viii
Idem: 39.
ix
Ibidem.
x
Idem: 46 - 47.
xi
Ibidem.
xii
SAMUEL, Rogel, 2005: 151.
xiii
Idem: 90.
xiv
TZARA, Tristan. L’antitête. Lê nain dans soncornet, p. 44. In.: BACHELARD, Gaston. A Terra e os Devaneios do Repouso. 1. ed. brasileira. Tradução: Paulo Neves da
Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1990: 15.
iii
iv
xv
xvi
SAMUEL, Rogel, 2005: 89.
Idem: 138.
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crítica literária - Universidade Castelo Branco