Atenção integral às pessoas com doenças raras e sua interface com a atenção primária
Hector Yuri Conti Wanderley1 No Brasil, qualquer doença que afeta até 65 pessoas em cada 100.000 é considerada rara, no Espírito Santo existem mais de 300 mil capixabas vivendo com uma doença rara. É como imaginar que em cada ônibus que está circulando cheio temos pelo menos quatro passageiros com doenças raras lá dentro. Apesar de raras quando separadas, como grupo, elas afetam entre 8­10% da população e compartilham características importantes, por exemplo: dificuldade de acesso ao sistema de saúde, atraso no diagnóstico definitivo e consequentemente no plano de ação de cuidados, falta de informações sobre a sua doença, opções limitadas de tratamento e maior impacto emocional (sensação de isolamento e exclusão ou mesmo demonstrando sintomas depressivos e/ou de ansiedade). Em média, uma pessoa com doença rara demora mais de 5 anos para chegar a um diagnóstico adequado, nesse período ela foi avaliada por pelo menos 8 médicos diferentes (quatro da atenção primária e quatro da atenção especializada), recebendo em torno de 3 diagnósticos inadequados até o definitivo. Do ponto de vista dos profissionais que cuidam de pessoas com doenças raras, a maioria relata dificuldade em coordenador os cuidados necessários, acesso a equipes de saúde e contato com outros profissionais de apoio e serviços de referência. Ou seja, atualmente, as pessoas com doenças raras esbarram em dificuldades tanto no diagnóstico quanto no seu tratamento. Em 2014, o Ministério da Saúde publicou a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e definiu atribuições da atenção primária nesses cuidados. Também existe uma portaria estadual sobre o tema (Portaria 027­R de 16/04/2014), porém ainda sem ações operacionalizadas e resultados concretos. Apesar de ainda não termos uma tradução concreta das políticas acima na prática, um ponto que é consenso em todas as discussões sobre a atenção às pessoas com doenças raras, inclusive em outros sistemas de saúde, é o papel central da atenção primária. Em especial, esses profissionais possuem diversas qualidades importantes para uma boa interação com as pessoas com doenças raras, dentre as quais podemos destacar: ­ Entendimento sobre o impacto de uma doença no indivíduo, na sua família e na comunidade; ­ Habilidades em promoção da saúde, técnicas de triagem e aconselhamento; ­ Vínculo mais próximo e contínuo com o paciente. As experiências de outros sistemas de saúde, como o britânico e o australiano, demonstram que não necessariamente existe a necessidade de um conhecimento profundo em genética médica ou biologia molecular por parte dos profissionais da atenção primária, mas sim: ­ Saber reconhecer padrões associados com doenças raras nos diferentes ciclos da vida;
­ Encaminhar de forma adequada aos serviços de referência, promovendo um diagnóstico precoce;
­ Coordenar e manter o acompanhamento adequado em conjunto com serviços de referência. Interessante é que a política nacional para as pessoas com doenças raras já descreve todos esses papéis como ações fundamentais da atenção primária. Não é uma tarefa simples ou fácil, é necessário um conjunto de ações integradas, partindo de políticas públicas para resultados operacionais concretos, envolvendo educação permanente sobre o tema, mecanismos de suporte diagnóstico com equipes de referência e apoio matricial, formação de redes, infraestrutura adequada tanto de informática e comunicação para utilizar ferramentas que facilitam acesso à informações e abreviam odisseias diagnósticas e melhoram o tratamento das doenças (como o telessaúde) quanto oferecer locais com estrutura física mínima para a atenção às pessoas com doenças raras. Para quem tiver vontade de saber um pouco mais sobre o tema, termino com algumas recomendações de endereços eletrônicos: Um resumo das principais situações presentes na atenção primária (​
red flags​
) que devem fazer você suspeitar de uma doença rara, baseado em um artigo publicado no ​
Primary Care​
: http://staff.washington.edu/sbtrini/Genetic%20Concepts%20and%20Skills/Red%20Flags.pdf O site sobre atenção primária e genética do sistema de saúde britânico (NHS) é uma excelente fonte sobre o tema: http://www.geneticseducation.nhs.uk/for­practitioners­62/genetics­primary­care Da mesma forma que o site que disponibiliza o Australian Handbook for General Practitioners – Genetics in Family Medicine: http://www.nhmrc.gov.au/health­topics/genetics­and­human­health/health­practitioners/genetics­family­medicine­australian­han E saiba mais sobre a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS): http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html 1
Médico geneticista. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9069142152835003
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