b João Francisco Sanchez
Tavares
Especialista em Finanças pela
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Gerente de
Análise de Risco de Crédito
do Banco Bansicredi.
GESTÃO DE RISCOS EM COOPERATIVAS
DE CRÉDITO – CASO SICREDI
BOAS PRÁTICAS BANCÁRIAS MINIMIZAM RISCOS NAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO
Apesar de existirem há bastante tempo, as cooperativas de crédito
têm ganho notoriedade especial nos últimos tempos, fruto não só
do êxito negocial dos sistemas cooperativos nacionais, como do
forte estímulo à bancarização, empreendido pelo governo e pela
sociedade em geral.
As cooperativas de crédito são instituições financeiras que, como
cooperativas, devem, essencialmente, promover o
desenvolvimento econômico dos seus cooperados, ou seja,
daqueles que detêm seu capital, proporcionando-lhes custos
adequados às suas atividades. Objetivam promover a captação
de recursos financeiros para as atividades econômicas de seus
cooperados, a administração de suas poupanças e a prestação
de serviços de natureza financeira e bancária por eles
demandados. Portanto, são instituições financeiras em que os
usuários são também seus “proprietários”, com interesses não
só no atendimento de suas necessidades imediatas, como
também na perpetuação do negócio como apoio às suas
atividades.
Buscando trazer a análise para o campo prático, citam-se, como
exemplo, os mecanismos de gestão adotados no Sistema de
Crédito Cooperativo – Sicredi. O Sicredi é formado pelas
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Cooperativas de Crédito Singulares, suas Centrais, uma
Confederação, o Banco Cooperativo Sicredi S.A. e suas empresas
ligadas, BC Card e Corretora de Seguros. Está presente nos
estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás e São Paulo, além
de prestar serviços a cooperativas de outros estados. As 132
cooperativas de crédito formam uma rede de atendimento,
funcionando como um instrumento de organização econômica da
As 132 cooperativas de crédito do
Sicredi atuam como um
instrumento de organização
econômica da sociedade, tendo
como objetivo agregar renda ao
associado pela realização de
operações financeiras e pela oferta
de produtos demandados
sociedade, tendo como objetivo agregar renda ao associado pela
realização de operações financeiras e pela oferta de produtos
demandados, sempre valorizando o relacionamento com os
associados e com a comunidade.
O risco de crédito, um dos mais
importantes em qualquer tipo
de instituição financeira, é
administrado no Sicredi pela
definição clara da política de
atuação, uniforme para todas
as cooperativas que integram o
Sistema
b PRINCIPAIS RISCOS
Nesse contexto, as cooperativas de crédito estão sujeitas aos
riscos inerentes à atividade de intermediação de recursos, de
forma semelhante aos demais tipos de instituições financeiras.
Tais riscos podem ser resumidos nas seguintes principais
categorias1 :
b Risco de crédito;
b Risco de taxa;
b Risco de liquidez;
b Risco de mercado;
b Risco operacional;
b Risco de imagem.
A seguir, é analisada cada uma das categorias:
Risco de crédito
O risco de crédito é, sem dúvida, um dos mais importantes em
qualquer tipo de instituição financeira. Da qualidade de sua gestão
resulta o sucesso ou o fracasso. No Sicredi, o risco de crédito é
administrado pela definição clara da política de atuação, uniforme
para todas as cooperativas que integram o Sistema. Essa política
está alicerçada em quatro principais pilares:
b Adoção e padronização de critérios técnicos de análise e
aceitação de risco: as decisões de concessão ou não de limites
de crédito baseiam-se em claros critérios de classificação,
apoiados no uso de ferramentas informatizadas, que tornam
menos subjetiva a avaliação das propostas e dos proponentes
e evita a aceitação de riscos que não estejam adequados à
política de atuação do Sistema;
b Decisão colegiada: as alçadas de decisão são focadas em
comitês técnicos de crédito localizados nas próprias
cooperativas. Decisões individuais são muito limitadas. Tal
estratégia permite decisões com maior grau de acerto
decorrente de uma análise mais ampla e de um maior
comprometimento com os resultados;
b
b
Ação cooperativa: na gestão do crédito é possível utilizar a
proximidade com os demandantes para mitigar riscos. Essa
proximidade e o alto nível de conhecimento das atividades dos
associados permitem reduzir significativamente a assimetria
de informações, tornando mais efetivas as decisões. Além
disso, tratando-se de um negócio de todos os associados, há
uma tendência natural a uma “vigilância” entre os próprios
associados que têm consciência de quão é importante a
manutenção da saúde das operações em curso;
Acompanhamento: a política prevê claramente a importância
do acompanhamento das atividades dos tomadores de crédito
como forma de mitigar riscos decorrentes das decisões de
concessão e de facilitar a recuperação de operações com
eventuais sinais de fragilidade.
Além dos pilares acima descritos, cabe ainda salientar que o
crédito é bastante pulverizado. A base normativa atual (descrita
na Resolução 3106 do Conselho Monetário Nacional) estabelece
uma concentração máxima de 10% do patrimônio de uma
cooperativa por tomador. Prudencialmente, o Sicredi adota tal
percentual não para tomadores, mas sim para grupo de tomadores
e adota ainda limitadores em relação à carteira de crédito da
cooperativa.
Risco de taxa
Os riscos de taxa, no Sistema Sicredi, são mitigados pela utilização
de dois mecanismos. Em primeiro lugar, há um planejamento
financeiro centralizado, que tem condições de “enxergar”
sistemicamente o comportamento de todas as variáveis que
influem na precificação de operações ativas (crédito) e passivas
(captação). A partir dessa capacidade de diagnóstico, surge então
o segundo mecanismo que é a definição técnica e sistêmica das
taxas a operar em todos os produtos oferecidos pelas
cooperativas a seus associados. Não há, portanto, subjetividade
ou empirismo na precificação, sendo as taxas definidas de acordo
com as características dos produtos e linhas, as estimativas de
variáveis macro e microeconômicas e as características
financeiras do Sistema e de cada cooperativa, começando pela
utilização de uma estrutura técnica especializada e centralizada.
Além da fiscalização das
Centrais (conforme prevê o
Banco Central), as
cooperativas são auditadas
indiretamente por todas as
demais cooperativas que
compõem o Sistema Sicredi,
por intermédio de mecanismos
informatizados de auditoria
indireta
1 A maioria dos autores cita ainda riscos soberanos, riscos legais, riscos de câmbio e/ou adotam outras tipologias. Optou-se por concentrar o texto nas
principais categorias efetivamente incidentes sobre as instituições financeiras de natureza cooperativa, apesar dos demais não serem desprezados em sua
gestão.
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b
Risco de liquidez
Seguindo a mesma linha de raciocínio, há um nível técnico de
liquidez exigido e definido de acordo com as características dos
passivos (captação de recursos) das cooperativas. A liquidez,
portanto, é uma espécie de colchão de recursos, mantido
disponível para garantir a manutenção da estrutura financeira. A
manutenção dessa liquidez, definida com base em critérios
técnicos, garante a exigida robustez financeira, em função de
possíveis oscilações de origem macroeconômica ou,
especificamente, dentro dos mercados em que atua cada
cooperativa. A liquidez é direcionada normativamente a aplicações
de curtíssimo prazo e, normalmente, em títulos do Governo
Federal ou Banco Central. Todo esse mecanismo funciona
diariamente, iniciando por processos automatizados de
centralização financeira.
Risco de mercado
Todas as instituições financeiras estão sujeitas ao risco de
mercado, que pode ser definido como os possíveis impactos nos
resultados, decorrentes de mudanças nos mercados em que
atua, como por exemplo preços de ativos, volatilidade de mercado,
taxas de juros ou liquidez do mercado. Entretanto, a exposição a
este tipo de risco depende muito do tipo de atuação da instituição,
seu apetite ao risco e a abrangência de suas operações.
As cooperativas têm como foco básico de sua atuação os seus
associados, sendo os recursos por elas administrados
direcionados ao crédito a estes ou a aplicações de grande liquidez
e baixíssimo risco, como foi explicitado anteriormente. Esse
direcionamento faz com que os ativos das cooperativas estejam
muito pouco sujeitos aos riscos de mercado.
Risco operacional
O risco operacional tem recebido especial atenção dos mercados
financeiros nos últimos anos, tendo motivado, inclusive, a revisão
do Acordo de Basiléia, que estabelece uma série de mecanismos
prudenciais recomendáveis às instituições. As cooperativas de
crédito estão expostas também a riscos dessa natureza. Os
mecanismos de gestão desse tipo de risco, no Sicredi, estão
alicerçados em dois grandes pilares:
b Treinamento: significativa parcela do risco operacional de
qualquer instituição decorre do despreparo de seus operadores
e gestores. O Sicredi mantém uma forte estratégia de
treinamento e formação, que abrange desde operadores de
sistemas até gestores e futuros gestores;
b Automatização e padronização de procedimentos: todas as
tarefas têm apoio informatizado e todos os procedimentos e
aplicativos são manualizados e padronizados. O Sistema vem
ainda adotando tecnologias de vanguarda em seus aplicativos,
facilitando a tarefa dos usuários e reduzindo as possibilidades
de erros. Todo o processamento é realizado de forma
centralizada, reduzindo custos e riscos. Além disso, tanto os
dados quanto os meios de transmissão contam com
mecanismos de contingência.
Risco de imagem
A adoção de mecanismos padronizados e de critérios formais
de decisão reduz a possibilidade de eventos de risco que possam
implicar em prejuízos aos cooperados ou aos parceiros
(mercado financeiro) que interagem com o Sistema Sicredi. Evitase, assim, uma outra forma menos objetiva de risco, o de imagem,
que se materializa quando ocorrem prejuízos em função de
eventos negativos ligados à instituição ou a seus relacionados.
Além disso, há uma política padronizada de comunicação e
posicionamento junto ao mercado, que vai desde a uniformização
das estruturas físicas até as formas de relacionamento e
comunicação, sem, no entanto, deixar de preservar a autonomia
de cada cooperativa.
Sólida estrutura
Os pilares descritos estão alicerçados em aspectos indispensáveis
para que a estrutura funcione como previsto. Em primeiro lugar,
há um mecanismo de acompanhamento e fiscalização estruturado
e atuante. Além da fiscalização das Centrais (conforme prevê o
Banco Central), as cooperativas são auditadas indiretamente por
todas as demais cooperativas que compõem o Sistema Sicredi,
por intermédio de mecanismos informatizados de auditoria indireta.
Sobretudo, há uma sólida estrutura corporativa, fruto de anos de
estudos e discussões, incluindo a análise aprofundada dos
modelos mundiais mais bem-sucedidos (Holanda, Alemanha,
França, Espanha), em que os principais fundamentos são (i)
garantir que o poder de tomada de decisões nunca se distancie
de quem tem a responsabilidade por seus resultados; e (ii) que
todas as decisões e rumos emanem dos cooperados, a partir de
uma orientação técnica com grau de especialização adequado às
complexidades inerentes às instituições financeiras e com foco
na perpetuidade do negócio.
O modelo adotado tem-se mostrado adequado, não só pelo longo
período de existência das cooperativas que compõem o Sistema
(a mais antiga existe desde 1902), como também pelos resultados
que têm sido alcançados na ampliação dos meios de atendimento
das demandas dos associados. f
Para aprofundamento sobre gestão dos riscos em cooperativas de crédito, recomenda-se a
leitura da Resolução 3106 do Conselho Monetário Nacional, que descreve claramente as funções
das instituições que compõem um sistema cooperativo e o livro “Cooperativa de Crédito,
Instrumento de Organização Econômica da Sociedade” (Editora Rigel, 2002), escrito por Ademar
Schardong, presidente do Banco Cooperativo Sicredi.
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