UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO – UNICID
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ADILSON ANTUNES
PEQUENINOS DO ALMANARA: UM
PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL
SÃO PAULO
2013
ADILSON ANTUNES
PEQUENINOS DO ALMANARA: UM
PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL
Dissertação apresentada como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação, na
Universidade Cidade de São Paulo, como requisito
exigido para obtenção do Título de Mestre na Linha de
Pesquisa Sujeitos Formação e Aprendizagem, sob a
orientação do Prof. Dr. Julio Gomes Almeida.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Julio Gomes Almeida
_______________________________
Profª. Drª. Margarete May Berkenbrok Rosito
_______________________________
Profª Drª Cileda Santana Perrela
_______________________________
Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID
A63
6p
Antunes, Adilson
Pequeninos do Almanara: um projeto de inclusão social /
Adilson Antunes --- São Paulo, 2013.
88 p.
Bibliografia
Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São
Paulo. Orientador Prof. Dr. Júlio Gomes Almeida.
1. Educação. 2. Comunidade. 3. Escola. 4. Criança. 5.
Inclusão social. I. Almeida, Júlio Gomes, orint. II. Título.
371.952
Aos meus pais Adirso e Neide, pelo
apoio e incentivo, pelo carinho em
todas as horas de minha formação.
Aos meus irmãos, Ivan e Fernanda que
tanto me incentivaram e me apoiaram
na trajetória desse curso.
A minha princesinha, a minha relíquia,
a minha inspiração de vida PIETRA.
A minha amorosa esposa Regiane, que
soube compreender minhas ausências,
algumas fases de maior irritação e
principalmente pela minha eventual
falha em lhe dar a merecida atenção e
carinho ao longo dessa missão.
Agradecimentos
Ao Professor Doutor Jair Militão da Silva, pelo carinho, pela alegria, pela
paixão de ensinar, pelo jeito de tratar os alunos com sua habitual educação,
além do exemplo digno de orientar os seus alunos.
Ao Professor Doutor João Gualberto de Carvalho de Meneses, por me
fazer compreender realmente o significado da Política maiúscula, no sentido
daquilo que nos aglutina como sociedade e a me interessar e respeitar a
importância das políticas públicas de educação.
Ao Professor Doutor Potiguara Acácio Pereira, pela sua demonstração de
experiência em pesquisa, em conhecimento, bem como seu grande entusiasmo
nas aulas, lembrança vívida que registrei e levarei como ativo importante para
minha vida profissional.
À Professora Doutora Margaréte Mayberkenbrock Rosito, pela simpatia,
carisma e pela dedicação em suas aulas em geral e a cada mestrando em
particular.
À Sheila Simone Alves e a Claudia Nise, pelo permanente
suporte
administrativo, permitindo aos mestrandos concentrarem-se e estar atentos a
todas as informações referentes aos processos pedagógicos que impactariam
no dia-a-dia da universidade e no curso em particular.
Ao Professor Mestre Bergson Peres de Almeida, por me oferecer a
oportunidade de poder enfrentar os desafios do ambiente acadêmico e a
capacidade de reinterpretar o sacerdócio de lecionar.
Ao meu primo Roberto, uma pessoa importante para a realização desse
trabalho e no seu incentivo para eu executá-lo.
Aos meus colegas de trabalho da Universidade, especialmente Claudia
Cortez, Samia, Mário Sigule, Marco Antonio Tieghi, José Luis Fernandes, Fábio
Gouveia, Mario Maeda e meu incentivador Rogério Traballi.
Aos meus queridos alunos da Universidade Paulista, alegria de meu
cotidiano, que souberam compreender e a relevar a minha falta de paciência
em alguns momentos em sala de aula.
Às crianças e adolescentes do Projeto Pequeninos do Almanara, alguns
dos quais nos primórdios do Projeto eram crianças e hoje são pais e chefes de
família, bem como as crianças e adolescentes que atualmente fazem parte do
projeto.
Aos meus estagiários e amigos da Universidade Paulista, Wagner,
Marcelo Inagaki, Wesley, Rafael Alves, Leonardo Tadeu, Bruno, Rogério,
Vanessa, Calegari. Sem a valiosa colaboração deles, o Projeto “Pequeninos
do Almanara” estaria ainda em estágio incipiente ou com várias lacunas.
À minha amiga Heloisa, que desde o começo formou comigo uma dupla
maravilhosa em todas as aulas e em todos os demais compromissos do
mestrado.
Agradecimento em Especial.
Ao Professor Doutor Julio Gomes, meu orientador, minha inspiração
cotidiana, sempre presente com a sua simplicidade, humildade, sabendo
conduzir com muita clareza e eficiência minha trajetória de mestrando.
Caro Mestre e professor, grato pela paciência, pelo carinho e dedicação,
sua mensagem está gravada e será uma fonte de iluminação e sabedoria nos
desafios que virão na minha nova fase da vida acadêmica.
RESUMO
A pesquisa pretende discutir a contribuição da educação comunitária para a
inclusão social de crianças em situação de vulnerabilidade. Foi assumido como
objetivo central verificar em que medida um projeto de iniciação esportiva
poderia se constituir em instrumento de inclusão social. Para realizar a
pesquisa foi adotada uma abordagem qualitativa e como procedimento de
coleta de dados recorri ao relato da minha experiência nesta atividade, a
revisão da literatura referente ao campo da educação comunitária e da inclusão
social e a um questionário composto por questões abertas e fechadas proposto
aos participantes do projeto e a seus familiares. Embora não se possam
considerar as atividades esportivas, culturais e de lazer como remédio para as
deficiências da população de baixa renda da periferia paulistana, foi possível
perceber e aquilatar que o projeto estudado conseguiu contribuir e permanece
contribuindo para melhorar a qualidade de vida de pessoas nesta comunidade.
Palavras chave: Educação. Comunidade. Escola. Criança. Inclusão Social.
ABSTRACT
This research intends to discuss the contribution of the community education for
social inclusion of children in vulnerable situations. It was assumed as the
central objective to verify how a Project of Introduction in Sports could be an
instrument of social inclusion. To conduct the research it was adopted a
qualitative approach and the procedure of data collection resorted to the
account of my experience in this activity, review of literature related to the field
of community education and social inclusion and a questionnaire consisting of
open and closed questions proposed to the project participants and their
families. Although we cannot consider the sports, cultural and leisure activities,
as a solution for all deficiencies of the low income population who lives in
neighborhoods located in the outskirts of São Paulo, the project studied may
possibly have contributed and helped to improve the quality of life of people in
the community.
Keywords: Education. Community. School. Child. Social Inclusion.
LISTAS DE SIGLAS
CAS - Coordenadoria de Assistência Social
CRAS – Centro de Referencia de Assistência social
CRECA – Centro de Referencia da Criança e do Adolescente
COGEAS - Coordenadoria Geral de Assistência Social
MEC – Ministério da Educação e Cultura
CEU – Centro Esportivo Universitário
CDM – Centro Desportivo Municipal
FUVEST – Fundação Universitário para Vestibular
UNESCO -
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
cultura para a infância e para a juventude.
CBF – Confederação Brasileira de Futebol
UNIP – Universidade Paulista
UNICID – Universidade Cidade de São Paulo
FPF – Federação Paulista de Futebol
UNE- União Nacional do Estudante
UEACS – Unidades de Educação e Ação Comunitária
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
Sumário
INTRODUÇÃO
12
CAPITULO 1 – HISTORIA DE VIDA COMO FORMAÇÃO
22
1.1 - Educação Básica: percursos
24
1.2 - Esporte: um sonho de vida
31
1.3 - Encontros que fizeram a diferença
43
1.4 - O ingresso na universidade: outro momento “charneira”
47
1.5 - O mestrado: um encontro com o significado
50
CAPITULO 2 – EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA: UM NOVO CAMPO DE
ATUAÇÃO
54
CAPITULO 3 – PEQUENINOS DO ALMANARA: UM PROJETO DE
INCLUSÃO SOCIAL
76
3.1 - Um bairro com a cara de São Paulo
79
3.2 - A escola
88
3.3 - Pequeninos do Almanara: espaço de vida e formação
90
3.4 - O projeto e a formação do educador social referencia
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
REFERÊNCIAS
104
12
INTRODUÇÃO
A pesquisa pretende discutir a contribuição da educação comunitária
para a inclusão social de crianças em situação de vulnerabilidade. Tem como
objetivo central verificar em que medida o Projeto Pequeninos do Almanara,
do qual participo há 16 anos vêm se constituindo em exemplo de inclusão
social. Pretende-se também verificar em que medida um projeto de iniciação
esportiva pode constituir-se em um espaço de educação comunitária que
contribui para os jovens encontrar um seu lugar na comunidade onde vivem,
participando
de
um
grupo,
desenvolvendo
atividade
esportiva
e
se
autovalorizando como cidadãos.
O projeto se desenvolve em um bairro da Zona Oeste da Cidade de São
Paulo. O referido projeto existe desde 1996 e funciona em uma escola da rede
pública estadual, a Escola Estadual “Olinda Leite Sinisgalli”, pertencente à
Diretoria de Educação Norte 1, que é situada na Rua Emílio Kemp, 126, no
próprio Jardim Almanara, Distrito da Vila Brasilândia, Zona Oeste da cidade.
Esta escola foi fundada em Janeiro de 1988 e passou a atender aos moradores
da região nesse mesmo ano, primeiramente para estudantes do primeiro e
segundo ciclos e atualmente para estudantes de 1º e 2º ciclos e ensino médio.
A realização desta pesquisa apresenta relevância nos aspectos pessoal
e social. A relevância pessoal é derivada do processo de medir
e avaliar
academicamente o projeto, executado até o presente e que permitirá construir
um significado mensurável do trabalho com essas crianças, podendo perceber
nele dimensões mais amplas do que aquelas que motivaram o seu
desenvolvimento inicial. Quanto a sua relevância social, tem seu interesse
derivado da sua serventia como referência para outros educadores que
aspiram ou desejam realizar atividades
com crianças e adolescente em
situações de vulnerabilidade e/ou estudar o assunto com base nessa
perspectiva.
13
O estudo também poderá servir para divulgar a experiência e seus
resultados obtidos, contribuindo para o surgimento de outros projetos com
mesmo perfil, voltados para o atendimento a crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade social.
Vulnerabilidade
social
é
um
conceito
multidimensional que se refere à condição de
indivíduos
ou
grupos
em
situação
de
fragilidade, que os tornam expostos a riscos e a
níveis significativos de desagregação social.
Relaciona-se
processo
ao
resultado
acentuado
discriminação
ou
de
de
qualquer
exclusão,
enfraquecimento
de
indivíduos ou grupos, provocado por fatores,
tais como pobreza, crises econômicas, nível
educacional deficiente, localização geográfica
precária e baixos níveis de capital social,
humano, ou cultural (sobre o conceito de
capital, ver BOURDIEU, 1987; 1989; 1990),
dentre outros, que gera fragilidade dos atores
no meio social.
Inicialmente o Projeto não possuía um vínculo com algum programa de
governo, na época não existiam ou não estavam implantados na região
programas voltados ao atendimento de crianças e jovens com esse enfoque (a
exemplo atual do programa “Projeto Bom de Bola – Bom de Escola”, com a
participação do Corpo de Bombeiros). O projeto foi desenvolvido graças ao
esforço dos participantes infantis e adolescentes, ajuda financeira de meu pai e
em menor escala dos pais mais aquinhoados de alguns deles. Após o
surgimento do Programa Escola da Família em 2005, implantado pela
administração estadual, o Projeto passou a ser realizado em parceria com a
Escola “Olinda Leite Sinisgalli”.
14
Nos primórdios do Projeto, ainda incipiente e com parcos recursos
econômicos e financeiros para sua realização, ele não tinha o reconhecimento
institucional por parte da direção da escola, que não sabia ou não levava em
consideração a existência do Projeto Pequeninos do Almanara. Assim, ela
permaneceu fechada para o Projeto durante algum tempo, não sendo permitida
a utilização de suas instalações desportivas. Após seu reconhecimento, ainda
em 1996, como opção de lazer para as crianças da vizinhança e sua condição
de associação informal sem interesse lucrativo, houve a liberação do espaço.
Como coordenador do projeto, não tive nem tenho qualquer vínculo
empregatício ou político com o Programa Escola da Família, mas desde 2005
conseguimos que o Projeto “Pequeninos do Almanara” fosse incluído na
grade de horários do programa ligado à escola. Portanto, desde então se trata
de um projeto comunitário que utiliza do espaço escolar, ou melhor, o Projeto
constitui um exemplo de apropriação do espaço público pela a comunidade
organizada.
A ideia de tornar o Projeto objeto de estudo, surgiu e foi amadurecida
durante o programa de Mestrado, quando fui encorajado por colegas e
professores a realizar a pesquisa nesse espaço de atuação. No início ainda
resisti um pouco ao desafio, porque tinha receios de que a Universidade, tendo
um vínculo ao Projeto me faria perder o controle das suas atividades e a
sinergia com os participantes e suas respectivas famílias. Felizmente, fiz a
opção que em certo sentido ajudaria a compreensão da minha prática
enquanto educador, considerando minhas atividades de coordenação do
Projeto desde a sua criação, naquele momento em bases empíricas de
tentativa e erro. A reflexão sobre esse trabalho levantou a uma questão
importante: em que medida o Projeto Pequeninos do Almanara tem
contribuído para a inclusão social dos seus participantes e familiares? A
pesquisa pretende encontrar pistas e resultados que ajudem a responder essa
questão de forma sistematizada e independente.
O Projeto surgiu com a perspectiva de criação de um espaço onde as
crianças e adolescentes do bairro pudessem participar de atividades esportivas
15
nos finais de semana, especificamente sua iniciação esportiva. A ideia era
evitar que eles optassem por alternativas perigosas e/ou formadoras de má
conduta, como vícios de fumar e bebidas, jogos de azar e mesmo consumo de
drogas pesadas. Seus objetivos iniciais e permanentes, intuitivamente à época
e avaliado à luz do conhecimento técnico atualmente, fica evidente que se
tratava de um projeto em sintonia com as demandas definidas pela UNESCO –
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura para a
Infância e para a Juventude.·.
A ideia de organizar um grupo envolvendo as crianças e jovens daquela
comunidade surgiu da observação da realidade local: elas viviam em um bairro
onde não haviam atividades oficiais ou informais de cultura, esporte e lazer e
estavam em situação de grande vulnerabilidade social. Essa vulnerabilidade
era aumentada pela falta de perspectiva de vida de seus pais, tornando-os
prisioneiros de um processo autofágico permanente. Diante desse quadro, em
uma conversa com meu pai numa certa data da minha adolescência surgiu à
ideia de convidá-las para formar um time de futebol. A situação das crianças da
minha vizinhança era semelhante à situação da maioria das crianças dos
extratos inferiores de baixa escolaridade e renda no Brasil. Viviam em situação
de vulnerabilidade decorrente, entre outros aspectos, fruto da desigualdade
social em que seus pais se encontravam, com subempregos e empregos de
baixa qualidade, com enormes jornadas de trabalho, que inclusive estendiamse pelos finais de semana, agravado pela ausência do poder público nos
quesitos de educação, saúde e segurança.
No plano nacional, na mesma época, para atender as questões
relacionadas à infância e a juventude, fruto da Constituição Federal de 1988,
foram adotadas políticas públicas consubstanciadas em projetos sociais
visando atender esse público que, em consequência da desigualdade social,
viviam em situação de vulnerabilidade. Entre esses projetos podem ser
destacados o Projeto Escola Aberta e o Escola da Família que contempla
pessoas de diferentes faixas etárias.
O Projeto Escola Aberta é um projeto inserido nas escolas públicas, que
permaneciam abertas à comunidade local nos finais de semana. Teve inicio em
16
outubro de 2004 e foi até setembro de 2005. Já o Projeto Escola da Família,
implantado nas escolas estaduais, foi criado em 23 de agosto de 2003 pela
Secretaria do Estado da Educação para desenvolver atividades de lazer e
cultura. Esses dois projetos tem linhas de atuação e perspectivas diferentes,
ainda que a finalidade seja parecida, ou seja, desenvolver atividades adicionais
nos campos educacional e desportivo com a comunidade, com estrutura
diferente.
Esses projetos, como tantos outros, não têm alcançado todo o universo
de crianças e jovens que teriam neles sua única ou principal alternativa de
lazer. Assim, muitas delas continuam perambulando pelas ruas e sem
perspectivas de mudança de vida, sendo expostas à exploração de trabalho
infantil e aos diversos tipos de abuso e violência de adultos mal intencionados.
Dessa forma, além da ampliação de projetos com
essas características é
importante a criação de novos projetos que efetivem políticas mais consistentes
de atendimento a esse público. É praticamente consenso em vastas camadas
da população a crença de que desenvolver um projeto social propondo lazer,
atividades culturais e desportivas, diminuiria a exposição dos jovens às drogas,
evitando assim a delinquência juvenil e problemas de empregabilidade e
realização pessoal na sua vida adulta. Todavia, há autores que contestam essa
ideia, como mostra o trecho seguinte:
“Em
razão
interpretações
equivocadas
e
desprovidas de embasamento teórico, passouse a acreditar que as ações sociais na área do
esporte
e
lazer
seriam
capazes
de,
isoladamente, solucionar inúmeras mazelas
sociais das populações ditas vulneráveis sem
levar em conta. Atribuiu-se ao esporte a função
de “tirar a criança e o jovem das drogas”, posto
que se especula que as ações de lazer sejam
responsáveis pela diminuição da violência.
Além disso, esses projetos seriam capazes de
melhorar o rendimento escolar e solucionariam
17
os
problemas
populações
de
educação
carentes
escolar
(CORREIA,
nas
2008;
ATAYDE, 2009.”.
Embora não se possa negar que o esporte e o lazer têm papel
importante no processo de formação do jovem e que a existências de espaços
como escolas, parques, CEU, CDM e outras opções favorecem à sua inclusão
social, não se pode trata-los, como bem mostra o autor, como remédio para
todos os males sociais. Afinal, como aponta Dowbor (2010) o grande pecado
da nossa sociedade é a desigualdade social. Ao referir-se ao papel da
educação no atual contexto social brasileiro esse autor assim se manifesta:
Nosso pecado original é a desigualdade, que é
a base do problema, porque nós temos uma
dramática desigualdade de renda. O país é
administrado assim, os bancos, por meio das
taxas de juros, promovem a concentração de
renda.
Os
grandes
grupos
econômicos
trabalham essencialmente com um consumo de
luxo e mantém essa concentração de renda...
(Dowbor, 2010: P. 166).
Muitas situações vivenciadas pelas crianças e adolescentes, sobretudo
aquelas que vivem nas periferias das grandes cidades, estão relacionadas à
questão da desigualdade social. Embora percebam o limite concreto imposto
pelas situações de desigualdades que enfrenta as crianças e jovens nos
tempos atuais, particularmente em certas regiões da cidade, do país e até do
planeta, muitas pessoas acreditam que a busca de uma sociedade mais justa
precisa ter espaços em suas vidas. Intuitivamente como já dito, foi esse o
entendimento que orientou os primeiros passos do Projeto Pequeninos do
Almanara, ou seja, a conversa com as primeiras crianças e adolescentes que
dele começaram a fazer parte. Após conversar com os primeiros interessados,
ficou evidente a atenção despertada na proposta e fui então conversar com a
18
diretora da escola sobre a possibilidade de utilização da quadra de esportes
para desenvolvimento das atividades no final de semana.
A resposta foi positiva e foi marcada a data do primeiro encontro. Todos
ficaram eufóricos com a notícia de que a partir de janeiro de 1996 estaríamos
começando um time de futebol do Jardim Almanara. A expectativa e a
motivação foram tão grandes, que ato contínuo as crianças foram se reunindo,
chamando conhecidos e colegas em um processo crescente de adesão. A
cada treino aumentava o movimento em torno da ideia de criação de um
espaço do qual eles pudessem participar de atividades esportivas. Hoje,
refletindo sobre o início do projeto, vejo que a organização do grupo
configurou-se como um autêntico processo de auto-organização, a partir da
aceitação da ideia apresentada nos organizamos para construir uma situação
que atendia nossos interesses.
O envolvimento efetivo dos integrantes do grupo é uma das marcas do
projeto desde o seu início. Os encontros acontecem aos sábados, no mesmo
horário, das 08:00 am às 13:00 pm, com duzentas (200) crianças e desde
2007, quando iniciei minhas atividades de educador na Universidade Paulista,
contamos com ajuda de estudantes do curso de Educação Física, que
encararam o desafio como sua atividade extracurricular e de serviço voluntário.
A participação deles tem sido crescente e deu ao Projeto a possibilidade de
desenvolver outras atividades, como Voleibol, Basquetebol, Ginástica e Dança,
estas últimas direcionadas aos pais dos alunos.
Como decorrência desse processo, o Projeto atualmente está mais bem
estruturado e mais amplo em razão das novas modalidades inseridas, e ao
longo dos anos pude perceber que oferecer ou promover saúde e bem estar é
exemplo de qualidade de vida.
Afortunadamente no Brasil de hoje há muitas instituições e entidades
trabalhando com crianças em situação de vulnerabilidade, mas não
exclusivamente nesse grupo. Além daquelas que atendem crianças há também
as que atendem outras faixas etárias, como as pessoas da chamada Terceira
Idade. Há também projetos que misturam as faixas etárias como é o caso da
19
Escola da Família. Buscar uma vida saudável, portanto sustentável, não tem
sido uma tendência somente local e nacional, mas também global.
Nos países considerados em desenvolvimento, entre os quais estamos
inseridos, as políticas públicas não têm sido suficientes para atender às
demandas sociais básicas, como saúde, educação, esporte, lazer e cultura; isto
tem sido complementado pelas inúmeras organizações não governamentais e
pessoas dedicando esforço no sentido de promover situações que melhorem a
vida de outras pessoas. Tomando como referência as crianças e adolescentes,
no Brasil há muitas dessas instituições com trabalhos voltados para o seu
atendimento e sem entrar no mérito político e ideológico dos projetos, vale
citar alguns deles: Instituto Dom Bosco, Ayrton Senna, Gol de Letra, Instituto
Deco e Fundação Cafu etc.
Essas instituições proclamam como sua finalidade desenvolver
atividades esportivas e principalmente educacionais, justamente para que as
crianças possam ser inseridas na sociedade com dignidade e se sentirem
realizadas pessoalmente. Muitas destas experiências são bem divulgadas
através da mídia e gozam de reconhecimento de grande parte da sociedade
brasileira que até mesmo contribui financeiramente com esses projetos.
Além dessas experiências, existem outras que, embora não contem com
tamanha divulgação e nem tanto recurso, se constituem em experiências
significativas para as crianças e adultos que delas participam. O Projeto
“Pequeninos do Almanara” é uma experiência comunitária, que funciona sem
muitos recursos financeiros, más que já atendeu um grande grupo de crianças,
tendo contribuído para a mudança de rumo do destino de algumas delas para
melhor. Essa é a razão principal da escolha de tal experiência como objeto de
pesquisa.
Para realizar a pesquisa adotei uma abordagem qualitativa e como
procedimento de coleta de dados recorri ao relato da minha experiência e
revisão da literatura referente ao campo da educação comunitária e da inclusão
social e a coleta de depoimentos, na qual ocorre o questionamento se o Projeto
Pequeninos do Almanara contribui ou contribuiu para sua formação. Esse
20
questionamento será proposto aos estagiários, aos atuais participantes, a exparticipantes do projeto e aos pais das crianças que dele hoje participam.
Pretende-se verificar em que medida pessoas envolvidas no Projeto o
consideram importante para suas próprias vidas ou para as vidas de seus
filhos.
Desta forma, espero que o trabalho possa colaborar para o estudo da
educação comunitária e sua contribuição para a inclusão social de crianças que
vivem em situação de vulnerabilidade social a partir da experiência concreta
desenvolvida no Jardim Almanara.
A citação permite refletir sobre dois aspectos importantes do Projeto
estudado: primeiro é o cuidado de não considerar as atividades esportivas
como a solução para todos os problemas e o segundo é entender que elas
podem ser a porta de entrada para o envolvimento dos jovens com ações
voltadas para a melhoria da qualidade de vida na sua família e na comunidade.
É uma ideia que levei a participação no qual as crianças estiveram
efetivamente envolvidas. Ao referir a noção de participação (Jair Militão Silva,
2003, p.11) assim se manifesta:
Participar é tomar parte de algo ou fazer parte
de algo. Há diferentes graus de participação: se
pensarmos em um jogo de futebol, veremos
que, por exemplo, uma será a participação dos
jogadores, outra do treinador, outra do gandula,
outra da torcida presente no estádio e outra,
ainda, a dos torcedores que ficam em casa
acompanhando pela a televisão ou pelo rádio.
Esses diversos níveis de participação implicam
em desiguais níveis de responsabilidade e, em
consequência, poderá haver maior ou menor
21
participação de uns e outros componentes da
situação considerada (Silva, 2003, p. 11).
Este trabalho esta organizado em três capítulos. O primeiro apresenta a
minha história de vida procurando destacar os motivos que me direcionaram a
desenvolver o Projeto. O segundo capítulo apresenta a educação comunitária e
de inclusão social buscando evidenciar o Projeto em estudo em face desses
dois conceitos. O terceiro capítulo apresenta a pesquisa realizada, destacando
o bairro aonde o Projeto se desenvolveu, descrevendo seu processo de
formação, sua estrutura física e as condições de vida da população que ali
habitam para então encontrar pistas que permitam entender como Projeto vem
contribuindo para a inclusão social da comunidade.
22
Capítulo 1 – HISTÓRIA DE VIDA COMO FORMAÇÃO
1 – Introdução
Neste capítulo apresento a minha história de vida buscando com isso
compreender os processos formativos aos quais fui submetido para então
compreender como os mesmos se fundiram para moldar-me como
ser
humano, chefe de família, educador e profissional.
Compreender estes processos emergiu com importância fundamental,
logo que defini como objeto de estudos o Projeto Pequeninos do Almanara,
uma vez que grande parte de minha vida esta ligada a ele, no processo de sua
coordenação e manutenção há mais de 16 anos. História de vida de um
profissional, segundo Furlaneto (2003) é um processo singular e não linear,
pois se trata de um caminho com muitas idas e vindas que se constitui por
meio de encontros que definem o tipo de pessoa e profissional em que cada
um se constitui.
Ao entrar em contato com trajetórias tão ricas e
plurais que poucas vezes seguiam caminhos
definidos
e
lineares,
percebemos
a
impossibilidade de construir um único modelo
de formação. As professoras e os professores
parecem seguir um eixo próprio de formação,
incluindo, em seu processo, experiências e
vivências que decorrem de escolhas pessoais.
Observando a trajetória de algum deles,
pudemos perceber que pareciam possuir um
professor interno, uma base da qual emanavam
suas ações pedagógicas que não representava
somente a síntese de seus aprendizados
teóricos, mas também de suas experiências
culturais vividas a partir do lugar de quem
aprende. (Furlaneto, 2003).
23
Neste trajeto realizamos encontros com diferentes significados, pois as
situações se apresentam com diferentes intensidades. Neste sentido pretendo
destacar os momentos mais significativos, a partir dos quais tive que fazer
mudanças importantes na minha vida profissional e pessoal. Nas palavras de
Josso (2001, p 16) preciso encontrar os meus “momentos charneira” e a partir
deles entender os caminhos que escolhi, desde a decisão de ser jogador de
futebol e após o término da carreira, trabalhar como professor de Educação
Física. Evoluir pelos caminhos pelos quais fui escolhido, principalmente quando
ainda adolescente, trilhava os caminhos da carreira de jogador de futebol, onde
era escolhido ou não pelos clubes, num processo atordoante e torturante de
avaliações e reavaliações de condições técnicas e de desempenho. Ao referirse ao “momento charneira” Josso assim se manifesta:
Momento
charneira
são
momentos
que
representam uma passagem entre duas etapas
da vida, um “divisor de águas”. Acontecimentos
que separam, dividem, articulam as etapas da
vida.
Momento
mais
importante
de
um
acontecimento. (Josso, p,16).
Outra autora que também considera importante a história de vida no
processo de formação do professor é Mizukami, para quem os relatos não são
lineares nem simétricos e retratam diferentes momentos das trajetórias.
Segundo ela, eles permitem uma visão, senão global, pelo menos a mais
aproximada possível da trajetória de vida.
Vários outros autores consideram a história de vida uma importante
fonte de informação para a formação do docente e por isso ela tem se tornado
uma base de dados importante quando a pesquisa busca entender a trajetória
de qualquer profissional. Entre estes autores podemos ainda destacar Novoa e
Tardif, entre outros que já dedicaram a pesquisar esse tema.
Por isso há nas pesquisas educacionais atuais grandes esforços para
reconhecer quais são os saberes dos professores e qual a sua origem com
objetivo de contribuir com a formação de novos profissionais. Até a década de
24
1980, apesar da denominação processo ensino-aprendizagem, as pesquisas
sobre história de vida, focavam muito mais no aluno, no modo como eles
aprendiam; hoje os saberes dos professores e o modo como eles são
adquiridos vem ampliando espaço, na academia, nos cursos de formação e
mesmo nas políticas públicas. Neste contexto ganha espaço o entendimento
que parte dos saberes dos professores vem da experiência e, com ele, o
entendimento segundo o qual a história de vida é uma fonte de estes saberes.
Ao se referir aos saberes da experiência, Tardif (2001) assim se manifesta:
Os saberes dos profissionais, quase sempre,
foram considerados como saberes de segunda
ordem, ou seja, não foram aproveitados pela
academia na formação de novos profissionais.
Segundo TARDIF, LESSARD & LAHUE (1991).
Para esse autor, durante muito tempo, os saberes dos profissionais
foram considerados como saberes de segunda ordem, ou seja, não foram
aproveitados pela academia na formação de novos profissionais. Entretanto,
outros autores em pesquisas recentes, vêm demonstrando a importância de se
trazer estes conhecimentos como uma forte contribuição à formação
profissional. Desta forma, pretendo apresentar um relato pormenorizado de
minha trajetória de vida buscando identificar nela elementos que permitam
compreender o meu processo formativo profissional.
1.1 – Educação Básica: percursos
Nasci num período muito fértil da vida brasileira, com o início de
campanha das primeiras eleições para governador e prefeitos de capitais após
um longo e nebuloso período de regime militar. Afinal, se 1981 foi um ano
desastroso sob o aspecto econômico, com uma grande recessão, marcado
pela condenação de Lula e outros sindicalistas em razão da Lei de Segurança
Nacional, do triste caso Riocentro, foi também marcado pelas lutas em prol das
liberdades democráticas que finalmente foram consolidadas na Constituição de
1988.
25
Sou o mais jovem dos três filhos do casal Adirso Antunes e Neide
Fatima Antunes. Meu pai é 1º sargento da Policia Militar de São Paulo
aposentado e minha mãe ainda trabalha na área de Promoção Social da
Prefeitura Municipal de São Paulo.
Meu pai é descendente de espanhol por parte da mãe, sendo seus avós
maternos oriundos da cidade de Málaga, Espanha. Eram agricultores e ao
chegarem ao Brasil como imigrantes dirigiram-se para o município de Borá,
próximo a cidade de Promissão, interior paulista. Trabalharam na lavoura, em
plantações de mandioca, cana de açúcar, milho, arroz, feijão e também
cuidaram de gado Os avós paternos eram pernambucanos e infelizmente meu
pai não teve oportunidade de conhecê-los, pois meu avô, Elpidio Antunes
Bezerra, como tantos outros retirantes do nordeste no inicio do século XX, saiu
muito jovem da cidade de Bucuí, Pernambuco, trazido pelos irmãos mais
velhos e nunca mais teve contato com seus pais. Pela trajetória e aprendizado
com seus pais, o meu avô, juntamente com seus irmãos, também se
direcionaram para a lavoura, indo
para o município do Goulart, cidade de
Birigui, interior do Estado de São Paulo, onde trabalharam por muitos anos no
sitio dos Moreiras.
Meu avô trabalhava na lavoura quando conheceu a minha avó Josefa
Rosa Sanches. Como seus pais, ela também era camponesa, adicionalmente
exercia as atividades de cuidar dos irmãos mais novos e fazia e vendia
artesanato para outros moradores da comunidade local. Iniciaram um namoro
segundo os rígidos costumes da época e se casaram após três anos de
namoro. Tiveram sete filhos, cinco mulheres e dois homens, sendo um deles
meu pai.
Eles moraram no bairro Borá, município de Avanhandava, interior do
Estado de São Paulo por dez anos, até que o meu avô acumulou recursos para
comprar um sitio na zona rural da cidade de Promissão, também situada no
interior do Estado de São Paulo, próximo à cidade de Bauru. A renda familiar
praticamente originava-se das atividades do seu pequeno sitio, através da
venda de leite e queijo, além de milho, arroz, feijão e café. Após oito anos, por
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volta de 1958, a família se mudou para a cidade de Promissão. Meus avós
compraram uma casa no centro da cidade, o que permitiu aos seus filhos mais
velhos
começarem
a
trabalhar
no
comércio
local
e
permitiu-lhes
consequentemente um aumento gradativo da renda familiar.
Depois de vários anos em Promissão, em 1968, empobrecidos pelas
mudanças promovidas pelo inicio do regime militar, que provocou forte êxodo
rural, meus avós optaram por virem para a capital de São Paulo,
especificamente no Bairro Jardim Almanara. Em São Paulo meu avô começou
a trabalhar como jardineiro na Praça Ramos, ocupando esse cargo até a sua
aposentadoria. A minha avó, devido a sua saúde debilitada, concentrou-se nos
trabalhos e afazeres domésticos. Ela faleceria em 1988, aos 74 anos de idade
e meu avô, meu ídolo e grande incentivador da minha adolescência no futebol
profissional, faleceria aos 96 anos em agosto de 2007.
A família de minha mãe era constituída pela minha avó Divina, nascida
no Paraná; foi empregada doméstica na cidade de Santo Antonio da Platina e
veio com essa profissão para São Paulo, onde trabalhou até o final de sua vida
em várias casas de família. Conheceu meu avô José Rodrigues por intermédio
de amigos, na Avenida Guido Caloi em Santo Amaro. Casou-se e teve seis
filhos, sendo dois homens e quatro mulheres. O meu avô Jose Rodrigues,
nascido na cidade de São Paulo, trabalhou toda sua vida profissional na fábrica
de bicicletas Caloi, exercendo a função de ajudante geral até aposentar-se.
Moraram no Jardim São Luis, Zona Sul de São Paulo, onde permaneceram até
o final de suas vidas. A minha avó faleceu em 1985 e meu avô faleceu em
1992.
Embora tenha tido uma infância pobre e bastante humilde, nunca faltou
o essencial em minha casa. Passamos por alguns momentos particularmente
difíceis, mas que sempre foram encarados com a dignidade, coragem e
perseverança de meus pais. Eles enfrentaram dois ou mais empregos ao
mesmo tempo, inclusive finais de semana, buscando alcançar o mínimo de
conforto material que permitisse aos filhos se desenvolver bem na escola, que
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sempre foi um motivo de preocupação, pois eles avaliavam a escolaridade
como única oportunidade de melhoria de nossas vidas no futuro.
Com eles aprendi a ter humildade, a respeitar o próximo, a ter dignidade
e ser honesto. Aprendi que lutar pelas coisas e saber conservá-las é a
essência da vida. Uma frase sempre citada pelo meu pai é: “planta para
colher”. Simples, mas que contem a sabedoria dos que sabem que as coisas
dependem muito de nós mesmos, após o mínimo de condição material
fornecida pelo Estado tenha sido solucionado: educação, saúde e segurança.
Aos seis anos comecei a estudar na Escola Tico e Teco, uma pequena
escola particular na região da Freguesia do Ó, onde fiz a pré-escola. Lá, pude
participar das primeiras experiências com pessoas fora do meu habitat familiar.
Pude vivenciar o máximo possível das atividades curriculares com uso do giz
de cera, pintura de guache, conheci a cartolina. Ali, uma das coisas que
provocava mais atenção era o diminuto parquinho, onde além das brincadeiras
de gangorra, balanço, tinha o horário de futebol com os outros meninos, cujo
“bola” eram os potinhos de Danone e as latinhas de refrigerante.
Esses momentos de futebol de potinho juntavam amigos como Antonio,
Fernando, Carlos, Daniel, Murilo e claro, o grande goleiro Rafael. Pessoas que
ainda tenho a oportunidade de rever, quando faço uma visita aos meus pais.
Infelizmente perdemos parte do vínculo de amizade, pois cada um prosseguiu
por um caminho distinto e a vida adulta não mais permitem os folguedos de
outrora.
Conheci lá as minhas primeiras professoras, a quem lembro com muito
carinho, Dona Lurdes e Dona Lúcia. Pessoas que realmente promoveram um
suporte para a base da minha vida adulta. Eram pessoas atenciosas,
carismáticas, muito profissionais e eficientes em seu oficio de ensinar, mas que
também sabiam exercer seu papel de educadoras à moda antiga, colocando de
“castigo” quando julgavam necessário, pois a ideia era manter a disciplina; esta
é provavelmente uma das poucas lembranças negativas que tenho do período.
Afortunadamente, no final das contas, as experiências vividas no Tico e Teco,
foram de suma importância para a minha vida, foi fantástico. Aprendi a
escrever o meu nome, fizemos tarefas em grupo, como desenhos, quebracabeça, etc.
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A escola era totalmente decorada com imagens de bichos coloridos,
estrelas e planetas. Era um ambiente muito agradável. A partir do momento em
que estive à vontade, comecei a fazer amizades, a aprender algumas
novidades oferecidas pelo ambiente, eu adorava frequentar a escola. Ainda
hoje passo em frente a ela e fico relembrando e saboreando alguns momentos
marcantes, de como era novo o edifício onde se localizava e bem pintada. O
prédio hoje, relativamente bem conservado, é usado como oficina mecânica de
autos.
As séries do primeiro ciclo, iniciadas em 1988, foi em escola pública,
denominada Escola Municipal Professor Antonio Prudente, que foi construída
no bairro em 1971 e onde praticamente toda minha família estudou: meus
irmãos mais velhos, primos e grande parte dos meus vizinhos.
Na Escola Antonio Prudente estudei da 1° série até a 4° série, no horário
das 7h00 ás 11h00 e depois da 5° série, foi obrigatório transferir-se para o
horário vespertino, ou seja, estudei a 5° série e a 6° série das 15h00 ás 19h00.
Nesse período, da 1° série até a 6° série, os meus pais sempre
estiveram tranquilos quanto a minha relação com a escola e seu corpo
docente, nunca tive problemas de disciplina, problemas com a administração
ou grandes problemas de notas e provas escolares. Eles sempre estiveram
presentes em reuniões de pais, inclusive a minha mãe até a 4° série me levava
e buscava na porta da escola. A partir da 5ª série passei a estudar no horário
vespertino, e como minha mãe trabalhava no mesmo horário,
obviamente
passei a frequentar a escola sozinho.
Em relação a minha conduta com os professores, sempre foi a melhor
possível, em razão da forte disciplina e educação ensinada pelos meus pais,
cujo mote nesse quesito era justamente respeitar os professores e nunca
arrumar problemas disciplinares. Os professores da época sempre me
apoiavam em situações de dúvidas com as matérias, principalmente a
disciplina de matemática, com a qual sempre tive problemas. Lembro-me de
alguns professores, ainda que não pelos seus nomes completos, como a
professora de Educação Física, o professor de Ciências, a professora de
Matemática. Nunca tive problemas de disciplina ou algum outro problema mais
grave, pois eu frequentava a escola para estudar. Obviamente havia os
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momentos de descontração, como nas horas de intervalo entre as aulas, no
recreio, onde praticávamos futebol de potinho de Danone, brincadeiras como
pega-pega e conversávamos sobre vários assuntos, com o futebol sempre
permeando essas conversas. Pude perceber nesse período qual a função de
um professor de Educação Física, onde a professora passava exercícios
físicos, atividades recreativas, como jogos de estafetas, futebol, voleibol,
basquetebol, handebol, e algumas atividades de corrida e atletismo.
A partir da sétima série, através do esforço de meu pai, fui estudar no
Colégio da Polícia Militar, pois ele ficou preocupado com o que passou a correr
num determinado momento na Escola Antonio Prudente, onde a violência e a
indisciplina já tomava conta de grande parte dos alunos. Essa decisão foi
tomada no final de 1994, quando meus pais decidiram fazer um novo esforço
financeiro para me proporcionar uma nova experiência em outra instituição
paga.
Ao iniciar o ano de 1995, cheguei ao colégio da Polícia Militar, situado na
Avenida Cruzeiro do sul, n° 250, Jardim Pari. Lembro muito bem da diferença
de estrutura física de uma escola para a outra, pois o Colégio da Polícia Militar
era tinha uma estrutura gigante, diversas salas de aula, laboratórios de Física,
Química e Biologia. Nas suas instalações desportivas, duas maravilhosas
quadras poliesportivas, duas quadras de voleibol, dois pátios para desenvolver
um recreio interessante e variado, palco para apresentações, pista de
atletismo.
A primeira sala onde pude estudar foi à sala 10, lembro-me da
professora de Matemática se apresentando e a novidade de frequentar uma
turma diferente. Posso considerar que foi realmente outro “momento charneira”
em minha vida a transferência de uma escola para a outra.
No Colégio da Polícia Militar percebi de forma marcante a diferença com
o que eu tinha vivido até então. Era obrigatório o uso de uniforme, que tinham
as seguintes cores e indumentárias: camiseta branca com a gola e mangas
azuis e vermelhas, a calça longa era azul. Antes do inicio da primeira aula do
dia, lembro-me de cantar semanalmente o Hino Nacional, Hino da Bandeira e o
Hino da Polícia Militar. No Colégio da Policia Militar pude vivenciar
praticamente os melhores momentos em uma escola, conhecer pessoas de
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perfis e atitudes diferentes, algumas das quais ainda mantenho a relação de
amizade.
Em relação aos professores, pude conhecer e conviver com vários deles
que serviram de alicerce para a formação da minha vida adulta. Entre eles, o
professor Guerra, de Educação Física, grande incentivador e que me ofereceu
todo suporte para a minha vida profissional de educador físico. Graças a seu
incentivo pude vivenciar várias atividades esportivas, como Olimpíadas
Internas e Externas, em muitas delas representando o Colégio, o que era
motivo de grande orgulho.
No início tive dificuldade de adaptação ao estilo de ensino do Colégio
Militar, que era uma escola rígida e com ensino centrado na transmissão de
conteúdos. A média para progredir de uma série para outra era 7.0, que
provocou um período inicial de grandes dificuldades. A adaptação foi
acontecendo aos poucos, pois não era tarefa fácil sair de uma escola pública,
onde convivia com professores com posturas diversas e errantes ir para um
colégio militar onde todos os professores pareciam pensar da mesma forma e
tinham que cumprir as mesmas ordens.
O Colégio focava muito a disciplina, a honra e o saber e tinha como uma
das metas principais a preparação dos alunos para o Vestibular da FUVEST
com vistas ao ingresso na Academia Militar do Barro Branco. Os três anos do
Ensino Médio foram uma experiência fantástica, pois tudo era diferente, novos
professores, com exceção do Prof. Guerra, disciplina de Educação Física, que
nos acompanhou até o término do curso. Desafortunadamente alguns bons
professores não nos acompanharam até o final do curso, entre os quais
destaco a professora Sueli, disciplina Matemática e Prof. Isabel, disciplina
Português.
As aulas eram voltadas ao desafio do vestibular, os professores eram
mais sérios, exigentes e ativos. Lembro-me do professor Bogus, disciplina
Física, um excelente professor, didática invejável, tanto teórica quanto prática.
Lembro-me do professor Armênio, disciplina Matemática, fora de série em seus
ensinamentos, entre tantos outros. A experiência e lembranças do Colégio
Militar não ficaram somente no campo dos estudos. São importantes também
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em minha memória afetiva as atividades extracurriculares, como Feiras
Culturais, recreios, intervalos e claro, as namoradas.
Durante a mesma época do Colégio da Polícia Militar, levava em
paralelo uma vida de atleta do futebol. Jogando futebol desde os cinco anos de
idade, não somente como lazer, mas também como opção de vida profissional,
conheci vários outros amigos e pessoas do meio futebolístico. Nessa
incumbência, lembro-me de meu pai me levar para jogar e praticar futebol,
passando por vários clubes, entre os quais destaco: ADPM (Associação
Desportiva da Polícia Militar), ADC Siemens, Clube Pequeninos do Jockey,
Portuguesa de Desportos, Associação Atlética Guapira, Associação Atlética
Francana, Clube Desportivo Caraguatatuba e União Barbarense Futebol Clube.
1.2 - Esporte: um sonho de vida
A motivação para a carreira de jogador de futebol surgiu desde os
primeiros momentos em que meu pai e meu avô me ensinaram a desenvolver
os toques básicos na bola de futebol, num acanhado corredor lateral da casa
do meu avô e principalmente no quintal de casa. Por ser policial militar, meu pai
sempre foi ativo fisicamente, em constante treinamento de exercícios físicos no
quintal, o que claramente me servia de bom exemplo. Com a tenra idade de
sete anos surgiu uma grande oportunidade de jogar futebol de forma
sistematizada na subsidiária brasileira da empresa Siemens, onde pratiquei e
participei das várias categorias de futebol até os doze anos.
Essa participação contou com o interesse genuíno de um vizinho nosso,
Joel, pai de Fernando e Alexandre, meus amigos de futebol de rua. Ele me viu
jogando na Escola Olinda Leite Sinisgalli, perguntou onde eu morava e quem
eram os meus pais e se colocou a disposição para levar-me a empresa.
Fiquei empolgado com a notícia e ansiei por toda a semana o momento
de fazer a minha avaliação. Conversando com Alessandro, outro vizinho mais
velho, que iria jogar futebol representando outra empresa, disse-me que tinha
uma chuteira que não lhe servia mais e gostaria de vender. Meu pai concordou
com a opção e me deu o dinheiro para efetivar a compra. Ainda lembro com
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muitas saudades o momento em que cheguei a minha casa, coloquei a
chuteira, quase com a mesma reverência que um cavaleiro poderia ter sentido
quando vestiu sua armadura pela primeira vez antes da batalha, sentindo-me
um verdadeiro jogador.
Chegou o grande dia, num bela manhã de um domingo no verão de
1986. Lembro-me que a Siemens era uma empresa enorme, com um centro
desportivo completo e que o campo de futebol era totalmente gramado e que
tinha uma lanchonete e dois vestiários.
Lembro-me do primeiro treinador, Zé Careca, pessoa que me deu os
primeiros ensinamentos técnicos da arte de jogar um bom futebol. Um senhor
carismático, forte atenção aos alunos e uma grande tranquilidade no trato
pessoal. Joguei sob sua liderança nessa categoria por dois anos, entre os
cinco e sete anos de idade e depois passei para outra categoria com outro
treinador e assim sucessivamente até os doze anos.
Foi um grupo fantástico, onde todos os domingos havia jogos contra
clubes, escolinhas e/ou agremiações de outras empresas. Tínhamos um grupo
de crianças onde todos sabiam jogar um bom futebol, tínhamos uma qualidade
muito boa. Nesse período não me lembro de algum problema com algum
colega do meu grupo ou de outra categoria que jogava pela empresa.
Sai da Siemens após um jogo entre nós e a ADPM - Associação
Desportiva da Polícia Militar. Findo o jogo amistoso, onde me sai muito bem,
meu pai foi conversar com Paulo, técnico da minha categoria na ADPM,
perguntando sobre a possibilidade de eu fazer um teste para jogar naquela
equipe. Vivi durante uma semana a grande expectativa de iniciar os
treinamentos na Associação Desportiva da Polícia Militar.
O clube já era um pouco mais profissional em relação à estrutura voltada
para o futebol. Havia dois campos, quadras e ginásios, além de uma base de
jogadores muito forte, onde cada um já era tratado como atleta. Finalmente
chegou o sábado tão esperado. Fomos ao vestiário para vestir os uniformes,
cada um que fazia o teste, levava o seu material de treino: camiseta, shorts,
meias e chuteiras.
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Fomos em direção ao campo, por alguma razão naquele dia cheio de
terra, onde alguns jogadores, entre os quais alguns que já treinavam no clube,
nos esperavam. Começamos com uma conversa com o treinador Roberto,
porque ele seria o técnico responsável pela avaliação e não o Paulo, com
quem eu e meu pai havíamos conversado uma semana atrás. O técnico se
apresentou e imediatamente mandou correr em volta do campo e desenvolveu
uma atividade de exercícios educativos e coordenativos.
Em seguida, desenvolveu uma atividade técnica, na qual uma questão
me preocupou: Roberto pediu que dominássemos a bola e não poderíamos
deixa-la cair ao chão. Ele jogou a bola em minha direção e realmente não a
deixei cair; a bola ficou dominada em meu pé por alguns segundos. Surgiu até
alguns comentários de admiração dos expectadores da arquibancada.
Esperava a mesma atitude do técnico, que contrariando minhas expectativas,
entendeu o lance como afronta a sua autoridade.
Apesar disso, o técnico Roberto considerou ao final minha situação
satisfatória, onde eu executei o fundamento técnico de forma correta e
esperada, mas talvez pela minha faixa etária, me achou muito jovem para
desenvolver o exercício igual a um adulto ou mesmo um jogador formado. A
visão dele acabou não me fortalecendo para que no decorrer do ano eu ficasse
a vontade e terminei ficando na reserva praticamente quase todos os jogos. Foi
difícil de controlar a frustração, mas consegui me motivar e seguir em frente.
No ano seguinte, veio outro técnico, Mazinho, pai do jogador Alemão, que era
meu parceiro de jogo desde o ano anterior.
Em 1994, sob a liderança do técnico Mazinho, formamos um grupo
extraordinário, lembro-me perfeitamente de todos os jogadores da equipe. Com
esse grupo chegamos a final do campeonato Associação Paulista de Futebol.
Nesse jogo final perdemos para a S.E Palmeiras, mas não tirou o mérito e a
alegria da experiência de chegar a uma final, principalmente pela presença de
toda minha família no suporte afetivo. O jogo foi no campo da empresa
Nitroquímica, localizada no bairro de São Miguel Paulista e acabamos
perdendo por 4x0.
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Em 1995 fui para outra agremiação, Pequeninos do Jockey. Um clube
situado na Zona Sul, uma equipe muito considerada no cenário do futebol e
que contava com um vínculo muito forte com o São Paulo Futebol Clube. Após
o técnico Benedito me observar em dois jogos em que eu defendia a ADPM em
uma semifinal de campeonato, eu fui convidado para ir lá fazer uma avaliação.
Avaliei se haveria condições de galgar algo mais nessa carreira de atleta
de futebol e aceitei o desafio. Foi um treino no sábado, ás 16h00 na Chácara
do Jockey Club, situado na Avenida Doutor Francisco Morato, Zona Sul de São
Paulo. Cheguei com a companhia inseparável de meu pai e fui direto para o
campo. Falei com o treinador responsável pela peneira, que me pediu para
fazer um aquecimento, pois iria me colocar para jogar. Tenho vívida a
lembrança de que os demais jogadores estavam uniformizados de vermelho e
branco, enquanto eu estava de camisa branca, short azul marinho e meião
branco.
Joguei nessa equipe por um ano, disputei campeonatos da Associação
Paulista, Campeonato Estadual de Futebol e outros. Essa experiência foi muito
conturbada, pois todos os integrantes eram adolescentes, cada jogador se
sentindo o “dono da verdade”, não respeitavam ou fazia pouco caso de outros
colegas, treinadores e seus auxiliares técnicos. Alguns deles também não
tinham pais, ou mesmo alguma estrutura familiar de suporte; naquele ambiente
cada jogador estava construindo a sua personalidade sem uma supervisão ou
dedicação de alguém querido e sem segundas intenções ou busca de
vantagens.
Agiam como um grupo de “panelinha”, extremamente competitivos e
juntos há muitos anos, alguns desde os sete anos de idade, sem oferecer
oportunidades
ou
aceitar
jogadores
oriundos
de
outras
agremiações
frequentarem ou participarem do meio, certamente com receio de perderem as
posições conquistadas.
Após um ano, oscilando entre os titulares e reservas, demonstrando a
cada jogo minha técnica e valor individual, acabei sendo aceito e me inserindo
no grupo. Passei dois anos jogando no clube Pequeninos do Jockey, disputei
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duas finais da Liga Paulista de Futebol, uma semifinal do campeonato estadual,
e fiz muitos gols importantes, principalmente contra o São Paulo Futebol Clube.
Nesse quesito lembro-me de um jogo no Morumbi, onde estava toda a minha
família, e marquei dois gols contra o São Paulo e nesse dia me senti o “cara”
do jogo. Mesmo assim, em algum momento o ambiente deixou de ser favorável
para mim, por ainda não ser parte integral do grupo dos jogadores e nem da
preferência do treinador.
Num belo sábado de dezembro de 1995, o penúltimo do ano, fizemos
um amistoso contra a Portuguesa de Desportos e ganhamos por 2x0. Nesse
jogo, fiz uma partida memorável, praticamente deu tudo certo: passe, chutes,
desarme e armação de jogadas. No fim do jogo surgiu o convite para jogar na
Portuguesa.
Em 15 de Fevereiro de 1996, meu pai me levou até o Centro de
Treinamento da Portuguesa, situado na Estrada Ayrton Senna. Chegamos as
8:00 am, horário marcado pela Portuguesa para ocorrer a avaliação. Fomos até
o portão principal para informar nossa presença e o porteiro nos pediu para
esperar o ônibus da equipe que estava por chegar. Na chegada, o Técnico
Cardoso desceu do ônibus e pediu-me para ir ao vestiário me trocar e que eu
me dirigisse ao campo três do Centro de Treinamento. Dirigi-me ao campo e
logo começou a conversa técnica, durante a qual o técnico explicou como seria
o treino e nos direcionou ao preparador físico para nos aquecer. Em seguida,
teve início o coletivo.
Jogamos 1h30 minutos e pude pegar bastante na bola, fiz gol, etc. Findo
o jogo, fizemos uma roda e o técnico falou que eu havia me saído muito bem e
que na manhã seguinte às 7:30 am estivesse no portão cinco do estádio do
Canindé, pois sairia com o grupo de ônibus em direção ao Centro de
Treinamento do Parque Ecológico.
Começamos a treinar semanalmente, entre as terças e sextas-feiras,
sendo que aos sábados disputávamos os jogos do Campeonato Paulista.
Fiquei por quatro anos na Portuguesa, fizemos um grupo bem unido e
orientado, primeiramente pelo técnico Cardosinho e depois o Gerson Sodré,
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que eram técnicos que exigiam disciplina, respeito e principalmente motivação
e união.
Com esse grupo fomos campeões paulista em 1998 e vice-campeão em
1999. Lembro-me de vários jogos importantes, como contra o Corinthians no
Parque São Jorge, São Paulo no Morumbi, onde marquei dois belos gols e
deixei entusiasmados meus pais, amigos e toda comissão técnica do clube. O
momento culminante do período foi atingido quando chegamos à final da Copa
São Paulo, perdendo o título para o Clube Atlético Cruzeiro.
O grupo de jogadores, todos nascidos em 1981, era um bom plantel de
excelentes jogadores individuais, mas com um grande problema de afirmação,
pois nas partidas decisivas, o time não jogava tão bem e os resultados eram
invariavelmente negativos. Creio que talvez faltasse um pouco de estrutura da
Portuguesa de Desportos: imagino que se tivéssemos um profissional de
psicologia para nos orientar e os técnicos tivessem melhor preparo formal,
teríamos obtido maiores resultados.
Ao longo da tentativa de tornar-me um jogador profissional, passei por
algumas alegrias e também grandes percalços: lembro-me de algumas
oportunidades, onde aparentemente uma chance se configurava, para logo
chegar um concorrente com o seu empresário e tomar a dianteira na vaga em
disputa. Exemplos claros ocorreram na Portuguesa de Desportos, onde eu tive
a oportunidade de jogar muito bem algumas partidas, com o claro incentivo de
pais, torcedores presentes e diretores, para em outros momentos ficar no
banco de reservas injustamente.
No Clube de Futebol Guaratinguetá, num outro exemplo dessa dicotomia
ao longo da carreira de jogador, o Técnico de Futebol Gilmar, após avaliação
técnica e de desempenho por vinte minutos, colocou-me no esquadrão titular
para um teste com sua equipe principal. Aquele momento pareceu que um
sonho iria se realizar, pois a estrutura do clube era boa, os representantes do
clube na época eram os ex-jogadores Cesar Sampaio e Rivaldo, com
passagens por grandes clubes como São Paulo e Palmeiras, o que realçava a
conquista de permanecer nos quadros do clube. Fiquei seis meses, sem
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identificar um empresário que me representasse ou uma pessoa cadastrada ao
órgão gestor do futebol brasileiro, CBF – Confederação Brasileira de Futebol.
Infelizmente, as oportunidades de jogar tornaram-se raras a partir do momento
em que o técnico Gilmar foi demitido no meio da temporada. Assim, perdia o
contato e a admiração do técnico que me avaliou e que conhecia o meu
trabalho. A partir daí, a minha situação no clube degringolou, passei a
frequentar mais amiúde o banco de reserva, inclusive às vezes ficando fora de
alguns jogos. Ao final da temporada, pedi para rescindir o contrato com o clube.
Através de amigos do Colégio Militar, soube de uma “peneira”
(expressão futebolística que explica o rápido processo de avaliação dos
candidatos que tentam uma oportunidade de jogar) que iria ocorrer no Clube
Juventus da Mooca. Após o rápido processo, tive a impressão que iria ficar,
pois sentia que havia jogado bem, estava no auge da compleição física de 15
anos de idade, marcado um gol na avaliação, participado em vários momentos
distintos, articulando jogadas ofensivas, tirando bolas da defesa, enfim, estava
confiante que tudo daria certo. Ao final do teste o avaliador nos reuniu no
centro do campo e nos dispensou sem maiores explicações, dizendo que a
equipe para aquela categoria estava completa, o que significou para mim mais
uma nova decepção.
Ao completar 15 anos de idade ainda não entendia que no mundo
futebolístico, a maior dificuldade não era apresentar um bom futebol. Havia a
barreira de enfrentar o meio externo ao jogo propriamente dito, os bastidores,
onde alguns pais com maior poder aquisitivo podem impor-se nos clubes (nas
categorias de base), dirigentes mal intencionados, empresários cafajestes,
clubes sem estrutura financeira para desenvolver um bom trabalho e
profissionais desmotivados.
Em janeiro de 2000, prestei vestibular para ingressar na Universidade
Paulista – UNIP, no curso de Educação Física e acabei passando. Em fevereiro
daquele ano já estava cursando Educação Física e essa seria a minha
segunda opção de carreira ou até mesmo o meu porto seguro; eu acreditava
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que estudando teria um arcabouço mais intelectual para
ser um melhor
profissional no futebol.
No mesmo período, também em meados de janeiro, a diretoria da
Portuguesa pediu para nos apresentar ao clube. Estranhei a solicitação, pois
normalmente a reapresentação seria em fevereiro. Na apresentação fomos
diretamente ao vestiário da categoria sub-20, categoria essa que antecede o
profissional, com jogadores de faixa etária entre dezoito anos e dezenove anos.
Estavam presentes o senhor Manuel da Lupa, o técnico Candinho e a
nova comissão técnica da categoria. Essa comissão era composta pelo
preparador físico Ricardo Corvet, Guaraci e o técnico Juninho, ex-jogador do
Corinthians nas décadas de 70 e 80. Tivemos quarenta minutos de conversa,
onde seriam escolhidos os jogadores para atuarem naquele ano, a nova
comissão técnica, dias e horários para treinamento, salários, etc.
Ao chegarmos ao Centro de Treinamento da Portuguesa de Desportos,
o treinador Juninho Fonseca separou o grupo participante da Taça São Paulo
dos os demais atletas. Assim, o grupo que treinava juntos há cinco anos ficou
com o preparador físico, e o outro grupo que era composto pelos jogadores
trazidos pelo Juninho, que foram para o campo de jogo. A sensação de
estranheza aumentava a cada momento para mim e meus companheiros, pois
o clima e o ambiente de grupo estavam conturbados. A diretoria do clube, que
havia participado de uma reunião prévia, explicou que tudo seria transparente,
embora o técnico estivesse calado e os demais componentes da equipe técnica
também sem maior ação.
Treinamos uma semana de condicionamento físico e na sexta-feira,
período da tarde, o técnico Juninho, que ainda não havia se dirigido ao nosso
grupo, pediu para calçarmos as chuteiras, pois ele iria comandar um treino
coletivo com o pessoal que havia trazido do Clube Atlético Ponte Preta de
Campinas.
Como havíamos treinado somente condicionamento físico a semana
inteira nós não estávamos em condições de sequer jogar por distração, quanto
mais participar de uma avaliação contra o pessoal que havia treinado a parte
técnica durante o mesmo período. O resultado foi inevitável e previsível,
perdemos de goleada. Ao termino do treino, o técnico Juninho nos reuniu e
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conversou por meia hora e ao final acabou nos dispensando do elenco. De
forma melancólica o grupo que já se conhecia há cinco anos estava se
desfazendo naquele momento e fomos direcionados para o Departamento
Esportivo para a rescisão de contrato de trabalho.
A maioria dos jogadores já esperava por aquela decisão, afinal havia
sido uma semana muito humilhante para todos e a forma como as coisas foram
conduzidas pelo técnico. Ficamos visivelmente tristes, no trajeto entre a
Marginal e o Canindé (estádio da Portuguesa), como se fosse um caminho ao
fim do mundo.
Ao chegar ao Canindé fui direto ao meu armário e imediatamente recolhi
as minhas coisas e após um rápido banho saí para resolver a documentação
da rescisão no Departamento Esportivo. Cheguei a minha casa e ainda
abalado, expus o ocorrido a meus pais. Chorei muito por toda a magoa
recalcada até àquela hora e recebi seu tão aguardado carinho e apoio.
Fiquei um mês sem clube. Treinava na academia, corria na rua, pegava
a bola e treinava em casa, mesmo com pouco espaço disponível. Recebi então
uma ligação de um amigo da Portuguesa, informando que o Clube Atlético de
Campo Guapira estava selecionando jogadores para disputar o campeonato
Paulista. Anotei o dia do teste e o local e fui treinar em uma terça-feira,
apresentando-me ao técnico Gelson, que me pediu o histórico do futebol e me
permitiu seguir com o teste.
No final do treino, o senhor Gelson informou que me deixaria treinar por
uma semana para uma melhor avaliação. Treinei a semana inteira e na sextafeira o técnico pediu a documentação para efetuar a inscrição do campeonato.
Nesse dia fiquei muito feliz, pois eu estava retornando a um clube e poderia
disputar um campeonato.
Treinei a semana inteira, treino físico, técnico, tático, inclusive treinei na
equipe titular. Ao final da semana, na sexta-feira pela manhã, saiu à escalação
para o primeiro jogo do campeonato Paulista contra a equipe do Osasco. A
organização do Guapira era bastante amadora e escassa, pois não tinha
concentração da equipe em hotel e sim na residência de cada um. Nesse jogo
foi importante para meu inicio no clube, pois marquei o primeiro gol logo no
inicio da partida, o que tirou meu nervosismo inicial e me fortaleceu
40
psicologicamente para a sequência do jogo.
Eu joguei lá por seis meses,
oscilando entre titular e reserva da posição. Após o final do primeiro turno,
surgiu o convite de um empresário do futebol de nome Jorge, dizendo que tinha
me observado nos últimos seis meses e que teria interesse em me representar
e ter os direitos da minha imagem e em troca iria arrumar uma equipe melhor
para jogar.
Meu pai e eu fizemos uma reunião com ele em seu escritório, localizado
no bairro de Perdizes. Lemos todas às clausulas do contrato e percebemos que
era uma opção viável para o seguimento da minha carreira. Assinei o contrato
e após quinze dias surgiria à proposta de jogar pela Associação Atlética
Francana, no interior de São Paulo.
Cheguei a Franca no dia 9 de julho de 2001, por volta das 19h00 e fui
recebido na rodoviária pelo senhor Adair, que se apresentou como diretor do
clube. Após o jantar nos dirigimos à residência dos atletas, localizada no centro
da cidade. No local me reuni com outros três jogadores, Carlo Eduardo, goleiro,
Betinho, lateral esquerdo e You, coreano que fazia uma espécie de estágio no
clube e jogava de atacante. Naquela mesma noite conversamos sobre a
trajetória de cada um e como era a equipe e seu estilo de jogo.
No dia seguinte teria o meu primeiro treino com a equipe sub-20, o treino
seria em um campo próximo, ao invés de ser no estádio Lancha Filho, de uso
do time principal. Naquele momento achei curioso uma equipe de segunda
divisão não treinar no local em que mandaria os seus jogos. Lá conheci o
técnico Claudio e todo o elenco. Logo no primeiro treino me sai muito bem,
peguei bastante na bola, armei jogadas, chutei a gol, me senti à vontade e foi
tudo muito bem.
Nesse dia treinamos dois períodos, manhã e tarde, e a partir daí
passamos a treinar praticamente a semana inteira dessa forma, exceto às
sextas-feiras, considerando que o jogo do campeonato seria no sábado, contra
a Lemense. Não participei desse jogo, por estar ainda em avaliação e teria
mais uma semana para decidir a minha vida profissional. O jogo contra a
Lemense foi 0x0, em Leme. O resultado foi considerado bom, pois jogo fora de
casa num campeonato muito disputado não é tão simples sair vencedor ou com
um empate.
41
Na segunda pela manhã, já teríamos um treino forte no aspecto físico e
no período da tarde enfrentamos algo da mesma natureza. Treinei a semana
inteira e nenhum sinal do técnico Claudio decidir pela minha participação, pois
já estava há quinze dias em Franca não tinha acertado sequer a documentação
e inscrição para o campeonato.
As férias escolares e as férias do colégio onde eu trabalhava estavam
acabando, o nervosismo aumentava, a pressão psicológica era muito forte, até
que no sábado seguinte, o jogo seria em casa, contra a Matonense e o
resultado do certame foi 1x1. Com esse resultado ficaria mais fácil a minha
permanência na equipe, pois não estavam desenvolvendo um bom futebol.
Começamos a semana seguinte de treino e por volta de quarta-feira pela
manhã, o senhor Adair e o técnico Claudio me informaram que eu seria inscrito
no campeonato e que iria para o jogo contra o Botafogo de Ribeirão Preto.
A notícia veio com sensível alivio, pois eu queria decidir o mais rápido
possível minha situação. Treinei mais empolgado e focado para o jogo. No
sábado onde aconteceria o jogo, acordei por volta das 9h00, tomei café e
retornei a minha cama para a concentração final antes do jogo. Estava deitado,
quando ouvi o senhor Adair me procurando e querendo falar comigo. Ele, por
razões até então desconhecidas, pediu para que eu levasse as minhas coisas
para o jogo e declarou que eu estava de passagem no clube e que se fosse por
sua decisão eu não estaria jogando. Fiquei revoltado com as sua afirmação,
pois me tirou da concentração e ainda me dirigiu palavras que poderiam afetar
o meu estado psicológico. Não me deixei abater pela atitude ridícula do
dirigente , ao contrário, a utilizei como fator de motivação. Fui para o jogo e ao
seu término fui considerado o melhor jogador da partida pela imprensa local.
Embora perdêssemos o jogo por 3x1, conquistei o respeito da equipe e
especialmente do técnico Claudio, que acreditava no meu potencial. Aldair
ficou possesso, pois o resultado da minha atuação o impediria de continuar me
cerceando.
Depois de algum tempo, mais familiarizado com o pessoal do clube, vim
entender que sua atitude provinha do fato dele querer colocar seu filho para
jogar na minha posição. Joguei nessa agremiação por mais um ano e meio,
oscilando entre a posição de titular e reserva. Aprendi muito ao jogar na
42
segunda divisão, ainda mais na Francana, que tinha um plantel recheado de
jogadores experientes como Garrinchinha, DaSilva, Nildo entre outros.
Após fazer uma boa campanha na série A2 do Campeonato Paulista
pela Associação Atlética Francana, meu representante Jorge me levou para
jogar pela equipe de XV de Caraguatatuba, que era considerada uma filial da
Portuguesa Santista. A estrutura desse clube não era muito adequada para
manter uma equipe profissional, com alojamentos impróprios, uniformes
incompletos e um mínimo de estrutura.
Joguei neste clube por três meses e resolvi rescindir o contrato e tentar
defender outra equipe, pois além da falta de estrutura, o grupo não era unido, a
diretoria
atrasava
constantemente
os
salários;
enfim,
uma
situação
insustentável. Fiquei parado por duas semanas e após esse período meu
representante me arrumou uma colocação na equipe da União Barbarense.
Joguei por quatro meses na série C do Brasileiro e aí sim pude perceber
finalmente que o encerramento da carreira esportiva como atleta estava
chegando. Meu estímulo pessoal já estava muito baixo e embora a estrutura do
clube fosse boa, os salários estavam sempre atrasados e a equipe não estava
indo bem, pois ganhamos apenas um dos sete jogos da primeira fase.
Com todos esses percalços, eu estava desanimando, e aí fui
percebendo que aos vinte cinco anos de idade, poderia me atrasar em relação
ao arranque da vida que havia planejado para mim.
Na carreira de jogador de futebol, o que conta basicamente é faixa etária
do profissional, quanto mais jovem melhor. É claro que todo atleta quer jogar
num clube grande como o Corinthians Paulista, SE Palmeiras, São Paulo
Futebol Clube e Santos Futebol Clube, mas até aquele momento eu estava
somente jogando em clubes inferiores e não havia ganhado até então uma
renda suficiente para me sustentar A vida profissional de um jogador do futebol
é muito curta, com duração média de dez anos e é nesse prazo que as coisas
devem acontecer favoravelmente para se obter um pé-de-meia para o póscarreira.
Eu poderia estender a tentativa de realização por um pouco mais, mas
queria também encarar outros rumos e como já havia frequentado a faculdade,
eu teria a chance de desenvolver outras atividades relacionadas aos esportes.
43
Hoje me pergunto se poderia ainda levar um pouco mais adiante a
alternativa de ser jogador. Felizmente a possibilidade de concluir a faculdade e
a segurança de desenvolver outra expectativa de vida me chamou a atenção.
Dessa forma, considerando que eu já estava há 15 anos na vida da bola,
gostaria de vivenciar uma experiência nova ainda que ligada ao esporte. Pelo
meu relato percebe-se que o cerne da minha infância e adolescência se passa
em clubes de futebol. Com tantos anos praticando futebol, pude observar o
quanto foi e é importante participar de um grupo, do coletivo, ou seja, convivi
em uma sociabilização total com pessoas que compartilharam comigo
momentos inesquecíveis através da prática esportiva do futebol.
Através da experiência em participar de tantas agremiações, pude
aspirar algumas coisas boas como observar atitudes positivas de treinadores
com seu elenco, de preparadores físicos com os atletas, os treinos tocados
pelos auxiliares técnicos. Pensava que no futuro eu poderia ser um profissional
dessa área, teria conhecimentos sobre fisiologia, psicologia com os jogadores,
aprender a treinar uma equipe de base e coisas do tipo.
Quando falo de participação de um grupo, que fique claro que nem
sempre é um mar de rosas, pois existem conflitos de ideias, de pensamentos,
embora afortunadamente em quase 15 anos de atleta, não me envolvi em
confusões maiores, seja com torcedores, jogadores ou diretoria. Nessa minha
vida pregressa, presenciei brigas de atletas em alojamentos, brigas de técnico
e diretoria, mas nunca me envolvi pessoalmente com algo dessa natureza.
Essa vivência no meio esportivo trouxe muita experiência em questão de
espírito esportivo, pessoal e claro, senso profissional. Tive oportunidade de
conhecer alguns aspectos positivos e muitos negativos de um mundo diferente
e muito pouco conhecido do grande público. Por fim, esse foi o meu grande
espelho acadêmico, pessoal e profissional.
1.3 – Encontros que fizeram diferença
Furlanetto (2003) destaca a importância dos encontros no nosso
processo formativo e posso dizer que no meu percurso encontrei algumas
pessoas que fizeram grande diferença na vida e entre elas está o China. Foi
44
quem mais me incentivou a desenvolver o curso de Educação Física até o final,
pelo seu modo de conduzir as aulas, trouxe-me uma experiência muito salutar,
na qual eu pude perceber com tranquilidade e paciência que era possível
realizar grandes tarefas em outras esferas da vida profissional.
Após dois anos afastado retornei ao meio escolar, dando uma pausa na
carreira de jogador, dada as condições vexatórias de remuneração,
incompatíveis com as minhas necessidades básicas e minha formação escolar
até aquele momento. Adicionalmente a idade já estava pesando no meu estado
psicológico, por isso me aproximei de novamente pessoas ligadas ao colégio
da Polícia Militar, como o China e a Claudia do Departamento de RH, que me
ofereceram a oportunidade de retornar como estagiário da disciplina Educação
Física.
Após uma vasta experiência em clubes, agremiações e escolas, tive o
privilégio de aprender por observação e avaliação comportamental de vários
novos professores, o seu desenvolvimento de trabalhos, a formatação das
aulas ministradas e atividades afins. Como estagiário eu ponderava que
deveria ter em mente esta avaliação, pois sabia intuitivamente que essa
experiência seria muito útil no futuro. Aprendi com os improvisos do professor
Romeu, que utilizava a calçada e panos para o desenvolvimento de
fortalecimento muscular, além dos trabalhos outros trabalhos específicos, sua
amizade, abordagem com os atletas, sempre de maneira suave e tranquila.
Outro profissional que me encantava com a didática de suas aulas era o
professor Guerra, que também desenvolvia um excelente trabalho de ensino
dos fundamentos de modalidades esportivas como Basquetebol, Voleibol,
Handebol, Futsal e Atletismo.
O professor Guerra fazia bem seu papel de educador, ia além dos
ensinamentos teóricos e práticos, também nos direcionando palavras de
estímulo para seguir com sucesso na
vida, a ser um bom cidadão e
responsável pelos nossos atos, enfim, o professor Guerra ia além da
pedagogia no seu estrito senso. Uma de suas frases memoráveis era: “O
ônibus da vida só passa uma vez”. Essa frase, com a entonação especial que
ele fazia ao cita-la, me marcou muito em todos os anos da faculdade e hoje
45
procuro transmiti-la com o mesmo tom de veracidade aos meus alunos do
Projeto Pequeninos do Almanara e também aos meus alunos universitários.
Ainda hoje tenho o privilégio do contato semanal com ele,
nos tornamos
amigos e colegas de profissão. Tivemos a oportunidade de realizar alguns
trabalhos juntos, desde o início de minha trajetória na universidade, onde
desenvolvemos diversos trabalhos como programa de avaliação física e
treinamentos com atletas do futsal.
No período em que eu fazia estágio no Colégio da Polícia Militar, havia
um rodízio com os professores, ou seja, a cada dia da semana eu participava
pela observação das aulas de diferentes professores. Assim, pude perceber
todas as variadas atitudes e as formas approach de trabalho de cada
profissional, o que ajudou sobremaneira para minha experiência pessoal e
principalmente profissional.
Assim, influenciado por pessoas como o China, amadureci a ideia de
organizar um projeto com as crianças do Jardim Almanara e aos encontros
com pessoas tão significativas somou-se à importância do esporte na minha
vida na decisão de desenvolver esse projeto.
.
Expectativa gera responsabilidade, o que leva
à necessidade de mais trabalho e a uma
atenção
ainda
maior
aos
detalhes.
(Bernardinho, 2006).
Essa decisão decorreu da percepção da carência de atividades no meu
bairro e ver tentas crianças que poderiam ser envolvidas com atividades que
ajudassem na sua formação humana e social e de como poderia criar um
projeto que ocupasse seu período de ócio.
Voltando a 1996, jogando pelo Clube Pequeninos do Jóckey, iniciei o
Projeto Pequeninos do Almanara, situado na Rua Emílio Kemp, Zona Oeste
de São Paulo. O Projeto começou tímido, com poucos recursos, na mesma rua
e contava basicamente com as crianças do meu entorno. Após conseguir
marcar alguns amistosos com agremiações muito melhor estruturadas,
46
começamos a reunir um grupo próximo de cem crianças ao ano (atualmente o
Projeto conta com a participação de duzentas crianças em diversas atividades).
Confesso que a ideia de iniciar esse projeto surgiu da percepção e da
influência
midiática,
principalmente
através
da
televisão,
que
citava
constantemente que o esporte e atividades físicas para crianças e
adolescentes poderiam melhorar suas vidas. No entorno de minha residência
havia muitas crianças que viviam ociosas e em situação de alta vulnerabilidade
social – potencialmente eu era um deles, em que pese ter uma família
estruturada onde os pais trabalhavam e nos sustentava. No caso da maioria
delas, as condições de vida e a ausência de um ou mais responsáveis as
deixavam a um passo da criminalidade. Lembro-me claramente da primeira
formação dos participantes dos Pequeninos do Almanara, entre eles
Fernando, Renan, Flávio, Robinho, Mauricio, Jonathan, Douglas e Renato.
Alguns jogos eu considero fundamentais para o nosso crescimento, fruto do
interesse despertado naquela pequena comunidade, pois participar desses
jogos era considerado relevante para aquelas crianças e adolescentes. Jogos
como contra a Portuguesa, dentro do Centro de Treinamento da Portuguesa,
acompanhado pelos meus colegas da faculdade e também o Professor Mario
de Ginástica, este um grande admirador do trabalho com as crianças.
Foi um jogo em que a motivação de enfrentar uma equipe de expressão
no cenário estadual e nacional do futebol, seria uma experiência para lembrar
resto de suas vidas. Outros jogos fundamentais foram contra o Clube Espéria,
após o qual alguns integrantes do Projeto Pequeninos do Almanara, entre
eles Leandro, Stephan, Victor, Bruno e Vitinho receberam o convite para
participarem da equipe e disputar o Campeonato Paulista de Futsal.
A minha função no Projeto era tipo “faz tudo”, de diretor da agremiação
(responsável por marcar os jogos e encontrar a estrutura adequada para levar
e trazer os integrantes) a treinador (ainda me vejo surpreendentemente
treinando cindo categorias, crianças e adolescentes de 07 a 16 anos de idade,
compromisso de todos os sábados do ano).
Era responsável por levar e lavar os uniformes de jogo, organizar a
alimentação,
lanches e
refrigerantes
(essa
diversidade de atividades
proporcionou-me aprender diversas funções como técnico de futsal e futebol,
47
preparador físico e administrador de uma equipe de futebol e futsal, além de
noções de psicologia desportiva).
Voltando ao período de estudante de Educação Física, um de meus
principais objetivos era me tornar preparador físico ao fim do curso, visando
sanar algumas dúvidas que eu acreditava ter tido como atleta. Durante o curso,
enviei meu currículo para alguns clubes, até que tive a oportunidade de ser
contratado pelo Boa Vista Futebol Clube como preparador físico.
Após um período de seis meses trabalhando neste clube marquei
diversos jogos entre sua equipe e o Pequeninos do Almanara, quando então
estes enfrentaram jogadores que ainda estão atuando no cenário atual,
Paulinho do Corinthians, Maikon Leite do Palmeiras e Oscar do Chelsea.
Um desses jogos foi um amistoso no Club Nipon, num ambiente
diferenciado, por conta da sua estrutura física, contra uma equipe de elite na
sociedade paulistana. O clube era muito bonito e foi mais uma oportunidade de
levá-los a lugares onde pudessem encontrar pessoas com diferentes histórias
de vida e que, sobretudo, valorizassem o esporte.
Outro jogo que marcou pela dedicação, pelo empenho dos integrantes
do Projeto, foi contra o SACI, uma equipe de ponta no cenário do Futsal. Foi
um jogo marcado por muitos gols e saímos com empate de 5x5.
Outros momentos marcantes foram às festas de encerramentos de ano,
eventos que também promoveram encontros interessantes. Esses eventos
ofereceram grandes experiências e contribuíram para que eu pudesse ter
desenvoltura em falar em público., em particular a festa de dez anos de Projeto
ocorrida em 2006, onde alugamos
uma quadra de futebol e fizemos a
retrospectiva do Projeto. Nessa ocasião falei por quase duas horas, lembrando
do início do projeto e passando por homenagens a ex-jogadores, ex-técnicos,
pais e jogadores atuais (especificamente nesse evento lembramos de um aluno
que havia falecido de meningite justo naquele ano).
1.4 – O ingresso na universidade: outro momento “charneira”
No ano de 2000 tive a oportunidade de ingressar numa universidade, o
que para mim foi outro momento marcante, pois era a realização do sonho de
48
fazer a faculdade de Educação Física, que imaginava que poderia me manter
atuando no plano desportivo, depois do final da minha carreira de atleta.
Em quatro anos da universidade pude aprender diversas situações
ligadas á Educação Física, disciplinas direcionadas a cultura do corpo, a
sociologia, as modalidades esportivas (futsal, basquete, voleibol e handebol),
pude aprender disciplinas direcionadas a treinamento esportivo, nutrição e
recreação. Adicionalmente, aprendi outras disciplinas ligadas a Educação
Física Escolar, às quais me ofereceram base para desenvolver atividades
diferentes para o ambiente de aulas escolares.
A universidade deu-me a percepção da importância da busca de
conhecimentos, que pude aplicar em minha vida profissional e também
alavancar o Projeto (grande laboratório para meu aperfeiçoamento técnico e de
educador).
Segundo PEREZ- GOMEZ (1992) o currículo
baseado na estrutura técnico-científica permite
ao aluno um contato tardio com a prática, com
normas e técnicas advindas do conhecimento
científico, nem sempre possíveis de serem
aplicadas no contexto real da sala de aula.
Lá tive o privilegio de fazer parte de um grupo que participava bem das
aulas, procurando desenvolver e compartilhar de quase todas as atividades e
opção
de ser
monitor do curso. A minha formação foi suficiente para
proporcionar-me ter a estrutura de conhecimento e conseguir chegar a uma
confortável posição profissional. Ao ingressar na universidade conheci outras
pessoas que também lideravam ou participavam de
projetos similares ao
Pequeninos do Almanara, o que deu oportunidades de marcar amistosos
entre eles.
Durante o curso tive outro “momento charneira” na minha vida, que foi
trabalhar com pessoas portadoras de deficiência física na Academia Fórmula,
num trabalho desenvolvido como técnico de futebol de amputados. Essa
49
experiência foi fundamental não somente para o meu crescimento profissional,
como principalmente no aspecto pessoal (tinha a ideia errônea de que os
deficientes locomotores teriam sérias limitações à atividade física e felizmente
me enganei, pois o trabalho físico era extremamente intenso e eles nunca
reclamaram em fazer essas atividades).
Nessa academia trabalhei por 18 meses, e colocamos integrantes para
disputas regionais de futsal, Ligas de atletas deficientes –amputados - e até
mesmo uma seletiva para o Pan-americano do Rio de Janeiro. Era uma equipe
muito unida, sob a liderança do capitão Rogério, que mantinha inalterada sua
autoestima em nível sempre elevado (não me recordo de ve-lo triste durante
nossa convivência). Uma de suas tiradas geniais era “se você andar comigo,
sempre andará com o pé direito”, o que obviamente era uma forma positiva de
encarar sua deficiência, já que ele não tinha a perna esquerda.
Foi uma grande alegria poder ajudar e desenvolver esse trabalho,
inicialmente motivo de receio pela novidade de trabalhar com pessoas
portadoras de deficiência física.
Outro grande momento ocorreu após um jogo amistoso entre
Pequeninos do Almanara e o Nacional Atlético Clube; ao final da partida, me
dirigi ao técnico Valdir, responsável pela categoria infantil do clube e indaguei
se havia a oportunidade de desenvolver um estágio como preparador físico. Ele
respondeu que se sentiria muito feliz em contar com o meu trabalho na sua
comissão técnica, que por sinal só tinha mais um integrante que fazia quase
tudo.
Apresentei-me numa segunda feira no Clube Nacional e fui direcionado
para falar com o senhor Carlinhos, diretor das categorias de base do clube e
acertamos um contrato de estagiário. Trabalhava de segunda a sábado, com
treinos na semana e jogos do Campeonato Paulista aos sábados. Foi uma
grande oportunidade, por que tive a chance de conhecer outros profissionais e
de realizar o sonho de atuar na profissão que havia planejado desde o início da
minha trajetória na universidade.
50
Neste mesmo ano trabalhei como professor eventual do ensino médio,
na Escola Olinda Leite Sinisgalli, onde tudo havia começado no ano de 1996.
Um dos grandes momentos dessa fase foi a participação da escola, num
campeonato patrocinado pela Nestlé. Nesse campeonato consegui reunir
grandes talentos de futsal oriundos da comunidade local em uma mesma
equipe.
Em 2004 retornei ao Colégio da Polícia Militar, dessa vez em outra
unidade, num retorno para ficar. Após cumprir um período de seis meses de
estágio, consegui ser efetivado como professor de Educação Física ao me
formar. Lá comecei a trabalhar dando aulas para alunos do ensino médio
(como vários outros profissionais da rede de educação, procurei e consegui
paralelamente outro emprego no período da tarde, atuando neste como técnico
de futebol em uma escola de futebol).
Durante os próximos dois anos nessa atividade dupla, comecei no
período noturno e a distância a um curso de pós-graduação em Metodologia e
Treinamento em Futebol e Futsal o na Faculdade Gama Filho.
A busca pela melhoria do currículo e do perfil de educador abriu as
portas para trabalhar na universidade UNIP – onde havia passado por quatro
anos de formação universitária. Após receber esse convite de trabalho do
professor Bérgson, que exercia e ainda exerce a função de coordenador geral
do curso de Educação Física da UNIP, ocorreram outras propostas
universitárias, entre as quais oportunidades onde também atuei como técnico
de futebol das universidades Mackenzie e Anhembi Morumbi.
Trabalho atualmente na UNIP como professor universitário, lecionando
aulas de Atletismo, Futebol, Corporeidade e Filosofia e Dimensões Históricas
da Educação Física. Com a carga horária e a importância da estrutura sob
minha supervisão, a necessidade de aperfeiçoar os estudos e conhecimentos
levou-me a opção de ingressar no Programa de Mestrado da Universidade
Cidade de São Paulo - UNICID em 2010.
51
1.5 – O mestrado: um encontro com o significado
Trabalhando como educador em uma universidade, surge a necessidade
de melhoria constante da formação acadêmica. Por um lado há a pressão do
próprio mercado de trabalho exigindo constante reciclagem e acumulo de
títulos universitários e por outro lado surge a necessidade de compreender o
significado do próprio trabalho que vinha sendo desenvolvido. A consequência
natural foi a busca de um programa de mestrado em educação que me
preenchesse a lacuna existente, agora sendo completada através Universidade
Cidade de São Paulo - Unicid.
Seguido de uma conversa com uma amiga da
UNIP, que estava
cursando o mestrado na instituição, avaliei a ideia de estudar o mestrado na
Unicid. Uma pesquisa mais aprofundada deu-me a convicção das fortalezas do
curso, principalmente pelo currículo, histórico acadêmico e carreira dos
professores orientadores e o conteúdo programático
O desenvolvimento de um projeto social durante dezesseis anos, as
aventuras da vida de atleta, as dúvidas sobre prosseguir na carreira, fizeramme avaliar se realmente eu teria o perfil de pesquisar a fundo e de forma isenta
algo que tem feito parte de minha vida desde o inicio da adolescência.
Como já lecionava na UNIP há sete anos, procurei fazer o mestrado na
linha de Sujeitos, Formação e Aprendizagem, porque o curso poderia
acrescentar ao meu perfil acadêmico algumas características de pesquisador,
com novas a possibilidade de novas oportunidades na carreira profissional e
pessoal.
O mestrado criou-me a expectativa de poder compreender melhor a
associação entre a prática diária e a teoria necessária para o próximo estágio
da minha carreira. A área em que atuo é basicamente a prática da disciplina
Educação Física e por conta disso, resolvi buscar mais experiências no
ambiente acadêmico teórico.
A professora Teresinha, considerando o background do meu projeto
social, avaliou comigo a importância do educador físico trabalhar com crianças
52
em situação de vulnerabilidade, surgindo então a ideia da pesquisa
cientificamente elaborada sobre ele, que recém está se tornando realidade.
Confesso que a noção da pesquisa está em novo patamar, pois somente com o
curso
realmente aprendi o que é pesquisar, ler diversos artigos, buscar
incessantemente por respostas para os questionamentos surgidos em sala de
aula de forma sistematizada. A oportunidade deu-me a obrigação de repassa-la
através do incentivo aos meus alunos em buscar pela pesquisa a
complementação da experiência necessária para ser um bom educador físico.
A base científica com a qual tive contato no programa trouxe outra visão
que valoriza mais ainda a função de professor e quem trabalha com educação
em geral.
A supervisão e liderança do Projeto “Pequeninos do Almanara” não
têm sido menores que o esforço despendido em seu início e mesmo após o
ingresso como docente na universidade, eu tive a oportunidade de melhora-lo
com o apoio de alunos do Curso de Educação Física da UNIP. A experiência
por um lado beneficiou os estudantes que puderam ter experiência prática no
seu processo formativo e por outro lado, também trouxe benefícios para o
projeto e para a comunidade, pois permitiu ampliar as modalidades esportivas
e promover outros atendimentos. Estamos aos sábados das 8h00 ás 12h00, na
mesma escola, com duzentas crianças na faixa etária que varia de 7 a 16 anos,
subdividida em cinco categorias.
Os recursos financeiros para manter nos uniformes, transporte e
alimentação vem da arrecadação de rifas, sorteios de camisa de futebol, bolas
e outros brindes. Parte da riqueza do Projeto, mas também parte de sua
fraqueza em ampliar o número de participantes e que ele nunca contou com
recursos externos à comunidade. Parte dessa fragilidade advém do meu receio
em perder a autonomia e a credibilidade do projeto ante a comunidade.
Ao longo dos anos, houve tentativas de apropriação do Projeto por
políticos ou candidatos a cargos eletivos que atuam no bairro; sempre recusei
porque a experiência prática de outros programas demonstra que eles
procuram inicialmente o projeto para angariar votos e tão logo passa o período
53
eleitoral são abandonados. Eventualmente, num futuro próximo, a busca por
patrocínio privado, de empresas ou associações privadas poderiam ser
avaliados e poderiam participar da tarefa de levar adiante a experiência até
então bem sucedida.
Encontrei no Projeto um caminho até então desconhecido, ao ver desta
experiência um significado maior que aquele atribuído inicialmente, pois além
de um projeto social passei a vê-lo também como uma possibilidade de
produção de conhecimento sobre um tema muito importante nos dias atuais
que é a inclusão social. A ideia de que ele possa também servir como atividade
extracurricular e como exemplo de alternativa educacional e não apenas como
mais um projeto assistencial.
A opção de buscar entender em que medida o Projeto contribuiu para a
inclusão social das crianças, decorreu da ampliação da minha visão para além
da educação escolar e do entendimento que hoje é muito valorizada a noção
de educação comunitária. O capítulo seguinte pretende apresentar um estudo
sobre essa modalidade de educação nem sempre valorizado pelo meio
acadêmico. Todavia ela presente e complementar em vários bairros periféricos
da cidade, na maioria das vezes por meio da ação de voluntários ou
organizações sociais preocupadas com a melhoria das condições de vida das
crianças que vivem em situação precária.
54
CAPÍTULO - 2 – EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA: UM NOVO
CAMPO DE ATUAÇÃO
Neste capítulo pretendo apresentar uma reflexão sobre a noção de
educação comunitária buscando com isso identificar o campo onde se situa o
objeto de estudo desta pesquisa. Para isso pretendo apresentar o conceito de
educação comunitária recorrendo ao estudo de
alguns autores que vem
trabalhando sobre ele.
A Educação Comunitária, segundo Silva (1996) é uma modalidade de
educação não formal e não sistemática, geralmente, para responder a uma
determinada demanda de um coletivo de pessoas. É mais que orientação, em
que as pessoas recebem apenas instruções, ela abrange diversos aspectos da
convivência social. Comenta Silva:
A Educação Comunitária, nos diversos lugares
e tempos em que se implantou, apresentou
características diversas, existindo mesmo tipos
antagônicos. Como traço comum, todavia,
entre as diversas modalidades, está o fato de
ser um processo coletivo, na maioria das
vezes, não formalizado como a educação
escolar tradicional, ou seja, que não se
apresenta sob a forma seriada, com avaliações
frequentes, rigidamente sistematizados, etc.( p.
13).
Orientação que caracteriza a transmissão de informações; o educador
deve e deverá ter como função também orientar os seus educandos a não
cometer nenhum erro, a não cometer atos de indisciplina, a ter uma vida de
qualidade, com trabalho digno, transmitir informações do mundo, da situação
real política, social e cultural, etc..
Educação comunitária pode possibilitar a compreensão da proposta, seu
55
significado, benefícios e garantir mudança e melhoria da qualidade de vida
individual e coletiva. Para Silva (1996), a participação não depende apenas da
boa vontade, nem se dá de forma espontânea e sem dificuldades, mas pode
ser “aprendida” ou “reaprendida”. Esse autor situa o surgimento da Educação
Comunitária no fim da Segunda Guerra Mundial, no Brasil quando emerge o
que na democracia como um valor universal. De fato é a partir deste momento
que emergem os movimentos contra a cultura, na esteira dos movimentos
antiautoritários com fortes questionamentos aos modelos entrópicos de
organização, pensados para reproduzir a ordem estabelecida. Entre as
instituições questionadas estava à escola que, embora seja concebida como
uma organização aberta, tem sua dinâmica orientada por práticas institucionais,
em grande medida comprometida com o controle social, efetivado por meio do
controle do tempo e do espaço dos que a frequenta à moda do que ocorre nas
instituições totais.
A educação comunitária emerge neste contexto e aos poucos vai se
constituindo como campo de conhecimento e atuação. Novamente na opinião
de Silva (1996), ela pode assim ser considerada porque possui objeto e formas
de tratamento próprias, como mostra o trecho seguinte:
A noção de campo vem cada dia mais se
tornando de grande valia para aqueles que
buscam de forma clara compreensão de
conhecimentos e práticas que se unificam em
torno de um mesmo objeto. A delimitação de
um dado campo de conhecimento e de atuação
deve
levar
em
conta
as
circunstancias
históricas que o constituíram, explicitando
também
principais
seu
objeto,
seus
contribuições
métodos,
e
as
avanço,
possibilitando àquele que se aproxime situar-se
convenientemente (SILVA, 1999: p.13).
Embora a educação comunitária possua um objeto próprio e métodos
56
próprios, traços que caracterizam um campo do conhecimento o autor destaca
também que nos tempos e espaços onde ela foi implementada assumiu
características diferentes. De fato não se poderia esperar outra coisa uma vez
que se trata de um campo que lida com as relações humanas e que, portanto,
são construídas e significadas no contexto histórico e social e na escola onde
as relações de poder preponderam.
A educação comunitária, como foi dito, ganhou maior expressão nos
diversos cenários sociais a partir dos anos 1960, quando as instituições
passaram a ser questionadas pelos movimentos antiautoritários mobilizados
pela perspectiva de construção de uma sociedade democrática e pela luta
contra o poder autoritário dessas instituições. Uma das instituições muito
questionadas foi a escola, sobretudo em função de seu caráter elitista, que
dificultava o acesso àqueles que não fizessem parte das elites dominantes.
Neste contexto emergem, por um lado, alternativas voltadas para a mobilização
popular com vistas à libertação dos grupos sociais que até então estiveram
privados dos bens sociais e culturais, entre eles a educação. Por outro lado,
iniciativas de movimentos voltados para a manutenção da nova ordem que
tinha como pano de fundo os interesses do bloco econômico liderado pelos
Estados Unidos. Em países como o Brasil e outros da América Latina essas
duas tendências organizaram movimentos e instituições sociais que se
desenvolveram e que acabaram se confrontando no movimento que resultou
na derrota dos movimentos de libertação e na instalação da ditadura militar.
No plano internacional este momento foi marcado pela chamada Guerra
Fria período marcado por grande disputa entre Estados Unidos e União
soviética pela hegemonia do planeta. Ao referir-se a esse momento da história,
Silva (1996) assim se manifesta:
Com o término da Segunda Guerra Mundial e o
surgimento da Guerra Fria na década de 50 e
em pleno vigor na década de 60, o mundo
passa a ser comandado pelas potências
hegemônicas, Estados Unidos da América e
57
União Soviética, que encontrando justificativa
teórica na doutrina da Geopolítica, procuram
submeter e liderar o bloco de nações que
agregam.
É
interessante
recordar,
que,
segundo a doutrina da Geopolítica, as nações
tem
tido
seu
destino
determinado
pela
localização geográfica onde se encontram.
Cada
agrupamento
de
nações,
situado
geograficamente próximo, possui um país líder,
geralmente com alto grau de industrialização,
devendo os demais subsidiar o processo
industrial
desse
país-líder,
fornecendo
a
matéria-prima necessária. Não deve haver
competição entre as nações de um mesmo
bloco, mas cooperação coordenada pelo líder.
Dessa perspectiva resultou a criação do bloco
soviético e do bloco americano (Silva, 1996,
p.14).
Esse foi um período, como bem assinala o autor, marcado por forte luta
ideológica onde a doutrina da Geopolítica organizava a vida política e
econômica das nações alinhadas com um bloco ou com outro. Desta forma,
embora houvesse grande investimento no poder bélico, a grande disputa se
dava no plano da cultura. Neste período assistiu-se grande investimento de
mecanismos de controle da educação, dos meios de comunicação de massa e
a propaganda passam a ter importância vital. Este período ganha grande
destaque a censura, a perseguição a quem discordava do regime e a difusão
da ideia de que havia um inimigo externo acolhido por alguns dentro do país.
Aqueles que acolhiam as ideias do inimigo deveriam ser eliminados junto com
elas. Neste período muitas pessoas foram mortas, acusadas de serem portavozes do comunismo. A Educação Comunitária passa a ser utilizada para
articular as pessoas em torno de projetos que neutralizasse pessoas e
instituições por meio dos quais o inimigo poderia adentrar o país e aí se
58
instalar. Apoiados nessa ideologia o governo militar sufocou a outra vertente da
Educação comunitária empenhada com as lutas populares, pelo golpe que,
embora chamado de militar, grandes potencias econômicas e políticas foram
apoiadas por setores importantes da sociedade civil. Desta forma, os Centros
Populares de Cultura, Movimento de Educação de Base, Juventude
Universitária Católica, União Nacional dos Estudantes entre outros foram
extintos e seus líderes passaram a ser perseguidos. Ganhou força então, outra
modalidade de educação Comunitária Voltado para a sustentação do sistema:
Silva (1996) cita alguns exemplos de movimentos organizados nesta
perspectiva:
Exemplo dessa modalidade de Educação
Comunitária foram a Aliança para o Progresso
na América Latina; o Projeto Rondon, no Brasil;
as Unidades de Educação e Ação Comunitária
- UEACs - no Vale do Ribeira , em São Paulo.
Estas últimas tiveram a intenção de funcionar
como movimentos de prevenção à contrainsurreição, mas, gradativamente, viram esse
caráter ser transformado, em face de atuação
de inúmeros educadores, tornando-se uma
outra espécie de Educação Comunitária (
SILVA, 1996: p.15).
Jair Militão Silva define esse tipo de Educação Comunitária como
voltado para preparar a população para defender-se do inimigo externo por
meio do combate a suas ideias encampadas por segmentos da população,
esse modelo é definido pelo autor como contra insurreição. A falar dessa
tendência o autor assim se manifesta:
Contra-insurreição: preparação da população,
para
defender-se
do
inimigo
externo
combatendo as ideias dentro do próprio país e
do mesmo bloco. Tem como característica a
59
postura aristocrática, sem a participação de
todos, com uma visão de mundo de que
existem dois tipos de pessoas: uma capaz de
governar e instaurar a ordem certa e outra que
deve ser governada, por ser incapaz de gerir a
própria vida e, muito menos ainda, influenciar a
vida coletiva de um país ou de uma cidade
(SILVA, 1996, p.21).
Contrapondo-se a esse modelo voltado para a manutenção do regime o
autor cita outra tendência que ele aponta como alinhada com o movimento de
libertação. No caso desse modelo a preocupação central é a construção de um
modelo social mais justo e assume a luta pela transformação do modelo
vigente. A emergência desse modelo coincide com os primeiros sinais de
fraqueza de o governo militar vigente. A sociedade civil – e mesmo
organizações políticas que viviam na clandestinidade – passam as pastorais
populares da Igreja Católica ou de Igrejas Evangélicas, movimentos de
Sociedades Amigos de Bairro, entidades sindicais e inserem-se em um dos
partidos políticos autorizados, com base popular onde passam a ocupar
posições de liderança social. As eleições de 1978 é um momento em que a
presença dessa tendência se consolida no cenário nacional. Reivindicações
que durante anos estiveram reprimidas emergiram com força em entidades
ligadas a questões sociais como a Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e a Universidade Metodista de Piracicaba, os Movimentos Operários no
ABC, o Movimentos Contra a Carestia, entre outros que compunham o
movimento pelas liberdades democráticas. Período em que se destacaram
pessoas como Franco Montoro, Ulisses Guimarães, Severo Gomes, Teotônio
Vilela, Tancredo Neves etc.
A Educação Comunitária como “movimento de libertação” – segundo
Silva 1999¨) na maioria das vezes, não tinham apoio governamental, por isso,
sempre teve grandes dificuldades, em obter recursos materiais e financeiros,
para montar lideranças na organização popular, também nos movimentos
populares, sindicatos, igrejas, organizações sociais. Contudo contava com a
60
força do povo, com o desejo de participação o que muito contribuiu para a
conquista do estado de direito na sociedade brasileira. A busca da criação de
uma sociedade mais justa, igualitária e com liberdade, torna-se o objetivo das
inúmeras iniciativas que surgem no âmbito da sociedade brasileira e a
Educação Comunitária consolida-se como um instrumento importante na
construção dos movimentos que articulam esses objetivos. Ao refletir sobre o
contexto social em que a educação comunitária destacou-se no processo de
formação social Silva (1996) aponta um conflito entre essa modalidade e a
chamada educação popular.
No Brasil a Educação Popular entendia a escola pública como o serviço
do Estado e, com interesses diferentes da população e, portanto, não se
uniram ao grande número de educadores atuantes nas redes de ensino regula,
como evidencia o trecho seguinte:
Ao se sentirem questionados e rejeitados pelos
movimentos populares que agiam fora do
ensino
regular,
comunidades
e
passaram
a
ver
nas
movimentos
que
se
aproximavam da escola, no mínimo, estranhos
que importunavam e, no máximo, verdadeiros
inimigos,
sonhadores
que
buscavam
a
realização de utopias, ignorantes da realidade
de dureza e dificuldade da escola pública
(SILVA, 1996: p.18).
A dificuldade de articulação da escola pública com os movimentos
sociais perdura até nossos dias. Talvez pela falta de autonomia vivenciada pela
escola embora seja esta uma condição preconizada pela lei. A escola pública é
hoje engessada por portarias e programas por meio dos quais os governantes
de plantão procuram garantir a efetivação de seus programas de visibilidade
muitas vezes sem olhar para as demandas da escola. Embora muito se fale da
necessidade de mudança da escola há sempre a impressão de que mudar é
aderir à ultima proposta. Mas a escola há muito já não acreditam no amanhã
61
cantante que embala os discursos que apresentam e concretizam as reformas.
Os discursos falam em mudanças, mas a criação de condições para que
mudanças de fato ocorram estão ainda bem distantes, pelo contrário as
escolas mais valorizadas são aquelas com índices aceitáveis no IDEB mesmo
quando se ocupam apenas da reprodução da desigualdade.
Uma terceira corrente apresentada por Silva (1996) é a educação
comunitária como autoajuda. Nesta perspectiva a principal característica dessa
proposta de educação é que todas as pessoas são consideradas responsáveis
pelo sucesso ou não do que lhes é proposto. O diálogo é o caminho para a
superação de conflitos e garantia do espírito democrático da comunidade. Essa
modalidade tem como objetivo principal levar todos os integrantes a
identificarem o problema e recursos disponíveis.
Ainda na perspectiva de Silva (1996) sejam as instituições de
natureza privada ou pública, pessoal ou institucional, que possam vir a ser
colocados à disposição de todos de modo a atender às necessidades
percebidas, o horizonte dessas ações é a melhora do padrão de vida de todos.
A essa perspectiva da educação comunitária como autoajuda, pretendo
mencionar mais adiante uma vez que esta é a perspectiva que me parece
conter elementos que estão presentes no Projeto Pequeninos do Almanara,
objeto deste estudo. Anteriormente ao Projeto e aos pontos que o identificam
com a educação comunitária, pretendo apresentar outros aspectos dessa
modalidade de educação para com isso evidenciá-la como um campo
abrangente.
A primeira questão que gostaria de destacar é que a educação
comunitária é uma dimensão social na qual é preciso tomar partido.
Diferentemente da escola formal em que muitas vezes o partido esta blindado
pela formalidade que organiza as práticas, na educação comunitária é preciso
tomar partido.
Um dos temas centrais quando se fala em Educação Comunitária é
a questão do poder; quer se trate da sua manutenção ou da luta para
conquista-lo. Esse tópico está sempre presente também nesta modalidade de
62
educação. Assim quando Jair Militão Silva (1996) cita diferentes modalidades
de educação comunitária é possível entender que cada uma delas se
caracteriza também por um tipo específico de relação com o poder.
Fonseca (1996, p.31). Assinala que “o tema do poder diz respeito a
nossa vida, ao nosso cotidiano, às 24 horas do nosso dia”. De fato esta é uma
realidade que não se pode negar. O poder está na vida da comunidade de
diferentes formas as vezes se coloca a serviço da libertação a serviço da
opressão. É sempre uma presença que não pode ser negada ou mesmo
subestimada. Ainda discutindo a questão do poder o autor evidencia o caráter
polissêmico desse termo, destacando que ele pode significar a figura central do
estado ou de uma organização ou as influências difusas exercidas por um
grupo social, como vemos a seguir:
Nosso dia a dia é marcado por relações de
poder. Abrimos o Jornal ou a revista semanal e
vemos,
no
noticiário
e
nas
reportagens
manifestações de exercício do poder. Na
família, na escola, no esporte, nas instituições
em geral e no governo exerce-se o poder.
Alguns influenciam, outros são influenciados;
alguns mandam, outros são mandados: alguns
gastam outros pagam a conta; alguns pagam
impostos,
taxas
e
contribuições,
outros
sonegam, conseguem subsídios, isenções e
anistias; alguns financiam privilégios de outros;
alguns pedem, outros exigem; alguns gozam
de privilégios, enquanto muitos não têm
respeitados seus direitos elementares; muitos
ganham pouco: poucos ganham muito; todos
têm direitos iguais, mas só perante a lei. .
(FONSECA, 1996: p.31)
O trecho acima mostra o poder como algo determinante na
63
convivência humana e marca diversas relações cotidianas. Desta forma se
expressa em hábitos relacionados a atitudes de ajuda ao próximo ou de
opressão. O poder, recorrendo ainda a Fonseca (1996) se manifesta de
diferentes formas como vemos no trecho seguinte:
Nas relações hierarquizadas, o poder se
manifesta, ostensiva ou veladamente: Estado e
cidadão, capital e trabalho, colonizador e
colonizado, dominante e dominado, opressor e
oprimido, elite e povo, marido e mulher, pais e
filhos,
patrão
e
empregado,
vendedor
e
comprador, preços e salários, professor e
aluno, médico e paciente,, homem e mulher,
adulto e criança, comerciante e consumidor,
vendedor comprador, avaliador e avaliado,
instancia superior e instancia inferior, imprensa
e anunciante, credor e devedor, carcereiro e
presidiário, guarda de transito e motorista,
polícia e bandido, servidor publico e usuário,
Fisco e contribuintes, Previdência Social e
Beneficiários, etc. Essas e muitas outras
situações são exemplos de poder exercido e
sofrido, aparente ou submerso, concentrado ou
compartilhado,
autoritário ou democrático.
(FONSECA, 1996: p.32)
Assim, vale discutir que relação é possível estabelecer entre a
educação comunitária e a estrutura de poder dominante na sociedade
brasileira. Retomando as diferentes modalidades de educação comunitária
apresentadas por Silva (1996) é possível afirmar que essa relação depende,
em grande medida, da modalidade de educação comunitária que se toma como
referencia. Então é o caso de se perguntar qual a modalidade de educação
comunitária desenvolvida no projeto, objeto desse estudo?
64
Não me parece possível encaixar o Projeto Pequeninos do
Almanara em uma das modalidades descritas, certamente não será possível
relacioná-lo com a modalidade definida como contra insurreição, contudo
percebem-se nele elementos dos outros dois modelos apresentados pelo autor:
aquele definido como libertador e aquele definido como autoajuda.
Outra questão importante que é possível discutir a partir do Projeto é
o papel da escola no atual contexto social. Neste sentido vale destacar que a
educação comunitária questiona o modelo de escola tradicional na medida em
que destaca a dimensão da participação da comunidade no processo e da
ajuda às pessoas naquilo que elas necessitam. Os sistemas de ensino nem
sempre dão condições para que a escola se organize em função das
demandas locais; pelo contrário, ultimamente o sistema tem mandado
cadernos que devem ser seguidos pelos professores chova ou faça sol.
Outrora a Escola e principalmente o professor tinha muito mais
autonomia do que os dias atuais, onde sistema escolar está praticamente
engessado.
Atualmente
o
professor
deve
seguir
apostilas,
cadernos
desenvolvidos por outros profissionais, e quando que vai lecionar a disciplina,
tem dificuldades em transmitir o conteúdo aos alunos na Escola, porque não
concorda com o conteúdo ou crê que poderia usar outra didática para a
transmissão do conhecimento. Quando eu estudei em colégios, pude observar
que o livro era a base escolar para o professor, mas a didática, o conteúdo era
mais bem desenvolvido, em razão da liberdade e flexibilidade do profissional
ministrar a sua aula.
A escola formal, tal como se constituiu e funciona na nossa
sociedade está voltada para a realização junto às novas gerações do ideal de
formação
assumido pela sociedade onde está inserida. Esse ideal de
formação não raro foi definido e aceito como bom em outro tempo e às vezes
em outro lugar, no entanto continua sendo imposto como bom também para o
aqui e agora. Esse pode ser um dos motivos para que à medida que a
sociedade e as relações que nela se estabelecem foram se tornando
complexas ela foi perdendo a capacidade de dialogar com os jovens, sujeito de
65
sua ação. Porto (1996) ao referir-se à educação assim se manifesta que:
a educação é um processo muito mais amplo e
anterior à existência da escola; ela ultrapassa a
mera ação de instruir e ensinar, para tornar-se
conjunto de práticas simbólicas basais, cuja
função é propiciar formas adequadas de
organizacionalidade aos grupos sociais. Nesse
sentido, a educação é um processo social que
se enquadra numa visão particular de mundo e
que permite ao grupo social estabelecer e
modificar
normas
comportamento,
e
desenvolver
modelos
e
de
expressar
crenças, ideias e valores, construir o saber
comum e modelos de trabalho, definir as
relações entre os membros, enfim, estabelecer
a forma particular como cada qual expressa e
materializa o seu dia a dia (PORTO, 1996,
p.59)
Talvez por esse motivo a escola venha perdendo cada vez mais
espaço nas preferências da juventude que tem a missão de educar as crianças,
os adolescentes e até mesmo alguns jovens-adultos. Esta apesar dos
discursos apelativos ou ameaçadores parece desejosa de uma distancia cada
vez maior deste modelo de escola e a escola parece desprovida de argumento
que promova uma aproximação.
A Escola possui o programa de buscar a comunidade e viver sua
realidade, contudo ainda falta uma aproximação em buscar e incentivar os
moradores e demonstrar que é possível e saudável a convivência da Escola e
a Comunidade e a importância da relação honesta das partes.
O Projeto evidencia o divórcio entre escola formal e as crianças,
quando percebemos que ele é desenvolvido lá há 16 anos e ainda não tivemos
auxílio de professores ou a parceria ampliada, a exceção da inclusão do
66
Projeto na grade de programação da instituição, como atividade complementar
do Programa Escola da Família.
Criado em 2005, no governo Mário Covas, quadro político do PSDB,
o programa tinha o objetivo de aproximar as comunidades e a Escola, para que
ocorressem lá atividades esportivas, culturais, educacionais, dentro de um
ambiente escolar e com a participação de funcionários públicos. Oferecer
recursos de lazer á comunidade, onde estaria sendo executada uma espécie
de “parceria” entre ambas as partes.
Vale destacar que a escola nunca nos atrapalhou o que, em certo
sentido, já era uma ajuda indireta, no entanto, uma parceria que envolvesse os
educadores da escola certamente poderia trazer melhores resultados para as
crianças.
A constatação de que o ambiente escolar é organizado por uma
cultura composta por uma dimensão técnica e racional e por uma dimensão
centrada nas vivências destaca-se com a importância da valorização de uma
cultura democrática. Ela entende-se nas maneiras como se organizam o tempo
e o espaço escolar como concretização da entrada de novos sujeitos sociais
nos processos de decisão, de implantação e de avaliação de propostas. Vale
destacar que a sociedade passa por várias transformações e que as pessoas
precisam se adaptar a elas, mas a escola formal parece ainda distante de
perceber essa necessidade de abrir-se para o seu entorno.
Numa
sociedade
líquida-moderna,
as
realizações individuais não podem solidificar-se
em posses permanentes porque em um piscar
de olhos, os ativos se transformam e passivos,
e as capacidades em incapacidades. As
condições de ação e as estratégias de reação
envelhecem
rapidamente
e
se
tornam
obsoletas antes de os atores terem uma
chance de aprendê-las efetivamente. Por essa
razão, aprender com a experiência a fim de se
67
basear em estratégias e movimentos táticos
empregados com sucesso no passado é pouco
recomendável: testes anteriores não podem dar
conta das rápidas e quase sempre imprevistas
(talvez
imprevisíveis)
mudanças
de
circunstâncias. (BAUMMAN, 2005: p.7)
O Contexto social faz emergir várias questões que o modelo
tradicional de escola não vem dando conta. Uma das questões fundamentais é
sua própria democratização. A democratização foi aos poucos sendo colocada
na ordem do dia a partir de meados do século passado quando se consolidou o
consenso em torno da ideia segundo a qual não era permitido não ser
democrático. Assim inicia-se a busca de democracia de fato no contexto em
que os discursos todos proclamavam a democracia como direito. No trecho
seguinte Jair Militão Silva faz referencia a esta situação:
Colocada como palavra de ordem, a democracia
vai paulatinamente, ganhando configurações
concretas,
adquirindo
os
mais
variados
coloridos, e mesmo regimes antagônicos entre si
são
chamados
de
democráticos.
Há
um
gradativo consenso mundial de que não é
permitido a um governo não ser democrático,
mesmo que na prática essa qualidade possa ser
encontrada apenas nos discursos. (SILVA, 1996,
p.88)
Vale destacar o papel dos movimentos sociais que com o aumento da
capacidade critica das populações chegam à compreensão de que é
necessário os governos superarem os discursos pró-democracia e assumir
práticas democráticas, como evidencia o trecho seguinte:
Todavia com a luta dos variados grupos sociais
e com o avanço da capacidade crítica das
populações chega-se à compreensão de que é
68
necessário
superar
democracia
por
democratização,
ou
os
discursos
pró-
práticas
reais
de
seja,
percebe-se
a
necessidade de implantação de condições
concretas para que as sociedades sejam
democráticas. As lutas pelos direitos humanos,
pela igualdade racial, pelos reconhecimentos
dos direitos das minorias, bem como as lutas
pela libertação das colônias africanas e os
diversos movimentos de libertação nacional na
América Latina e Ásia fizeram das três ultimas
décadas anos de luta pela democracia (SILVA,
1996, p.88)
O estabelecimento de condições concretas para o exercício de
práticas democráticas encontrou empecilhos diante da questão do poder
porque democratizar uma instituição ou uma sociedade de maneira geral
implica em alguém perder o poder. Contudo é importante destacar que o
processo de democratização não implica apenas na troca da pessoa que
comanda, mas, sobretudo implica na concepção de exercício do poder.
Considerando-se com Silva que “O objetivo do poder, tal como é exercido na
maioria das sociedades, é conseguir adesão permanente das pessoas ao
comando que lhe é dado” A tarefa subjetivação da noção de obediência foi
plenamente assumida pela Escola.
Esse processo de criação de identidades que
obedeçam
cegamente
ocorre
mediante
contínuo trabalho realizado sobre a auto
concepção da pessoa, fazendo com que lhe
pareça adequado e bom àquilo que realiza. Há
uma luta pela conquista do significado dos
acontecimentos que o poder a interpreta a seu
favor e assim ele procura efetivar a inculcação
de sua interpretação nas pessoas sob seu
69
domínio. É esse um trabalho de educação,
mesmo
que não se
concorde com sua
finalidade. Por isso, a escola pode exercer e de
fato tem exercido uma ação que fortalece o
poder existente. Igualmente a escola pode criar
identidades que se recusem a obedecer a
poderes desumanizadores e que inventem
novas formas de exercício de poder. (SILVA,
1996, p.90)
O grande desafio que se coloca para o educador comunitário é esse:
estabelecer uma dinâmica de formação que também envolva a participação
ativa das pessoas, não preocupada apenas com a formação de identidades
subalternas. Esse é um desafio colocado para todos os educadores, pois como
bem coloca o autor, a escola formal também pode e deve exercer essa tarefa.
Neste sentido coloca-se também o desafio para os gestores escolares:
incluírem novos sujeitos nas tomadas de decisão da escola incluindo entre
estes sujeitos, sobretudo os alunos que, por sua condição, estão ali para serem
formados. Esse processo é possível por meio da abertura da escola para a
comunidade como revela o trecho seguinte:
A abertura da escola promoveu a entrada de
novos sujeitos na sua gestão e, à medida que
outros sujeitos passaram a participar da
tomada de decisões, o diretor deixa de ser o
único responsável pelo sucesso ou fracasso
das iniciativas. A instituição de novas práticas e
a ampliação do leque de sujeitos envolvidos
promove mudanças no ambiente escolar, pois
desencadeia o movimento no sentido de que
sejam
repensadas
as
relações
que
se
estabelecem no seu cotidiano. (ALMEIDA,
2011.p.68).
70
O trecho nos apresenta a possibilidade de ocorrer uma aproximação da
educação formal com a educação comunitária. Essa é uma aproximação
possível e necessária em um contexto em que a possibilidade das pessoas
resolverem sozinhas os problemas é cada vez mais remota (a situação
particular de relativo sucesso de meus pais e seus filhos é praticamente um
ponto fora da curva).
Neste contexto a Educação Comunitária, pode constituir-se em
instrumento para mudança e melhoria de vida humana coletiva que pode ser
utilizada pelos profissionais da área da Educação ou de áreas afins.
A
experiência de vida em comunidade em que os próprios moradores de um
determinado lugar assumem a responsabilidade na busca de soluções para os
problemas e são consideradas responsáveis pelo sucesso ou não do que lhes
é proposto, como lazer, cultura, atividades esportivas, etc. Assim acredita-se
que o diálogo é o caminho para a superação de conflitos e, no caso, das
aflições, do medo do que está por vir.
Neste sentido o que acontece no Projeto Pequeninos do Almanara,
objeto deste estudo guarda muita proximidade com a Educação comunitária na
medida em que esta tem como objetivo principal, levar a todos os integrantes a
identificar o problema, identificar os recursos disponíveis e promover ações que
visem a resolução do problema. Silva (1996) classifica os projetos que dedicam
atenção às crianças como pertencentes a um dos tipos de educação
comunitária:
Exemplos de projetos específicos podem ser:
atenção às crianças cujas famílias não as
atendam
adequadamente;
apoio
aos
necessitados materialmente; atendimento aos
idosos;
atendimento
aos
desempregados;
desenvolvimento econômico comunitário, etc.
(SILVA, 1996, P.20).
Na origem do Projeto, refletindo agora – me parece bem presente essa
questão, uma vez que o ele, embora iniciado para atender crianças hoje atende
71
também outras pessoas da comunidade, não apenas porque não estão sendo
atendida adequadamente por suas famílias, mas porque este vem se
constituindo em uma alternativa de lazer e convivência na comunidade.
A Educação Comunitária é um processo educativo, é considerada
uma necessidade própria do ser humano durante toda sua vida, portanto,
entendê-la, também como um processo permanente na vida de cada pessoa.
Trata-se também de um possível instrumento para mudança e melhoria da
qualidade de vida humana coletiva. Outros componentes, como afetividade,
valores, identidade, memória solidificam o relacionamento e comprometem as
pessoas umas com as outras e todas com o trabalho a ser desenvolvido. A
educação comunitária acumula maior conhecimento sobre a atuação coletiva
dos seres humanos.
Apoio
comunitário
para
os
programas
desenvolvidos pelas escolas e outras agências
educacionais e
visando
conseguir
melhor
qualidade de vida para todos; ênfase no
atendimento das necessidades das populações
ditas especiais, tais como: jovens em situação
de risco, minorias, etc. (Jair Militão SILVA,
1996: p.20)
O Projeto começou a ser pensado em uma conversa com meu pai,
quando identificamos que as crianças que ficavam na rua sem o que fazer
poderia ter uma oportunidade de brincar sem correrem tantos riscos de se
machucar ou enveredar por caminhos perigosos. Adicionalmente, ao praticar
futebol, um esporte de contato físico, a ideia era monitorar as crianças e
oferecer-lhes atividades lúdicas em ambiente controlado. Naquela conversa,
embora não tivéssemos usado essa palavra, o que nos incomodava era a
situação de vulnerabilidade, ou seja, crianças com dificuldades econômicas,
sem estrutura educacional, saúde e até mesmo de alimentação na qual se
encontravam. Entendi que através desses anos, poderíamos contribuir para
melhorar a qualidade de vida daquelas crianças. Emerge aqui outra palavra
72
que não fez parte daquela conversa com meu pai, mas que hoje é importante
quando procuro o significado da experiência com os Pequeninos do
Almanara: inclusão social.
A principal consequência de um processo que tem na sua raiz a
desigualdade e a produção de diferenças e a falta de estrutura familiar,
governamental, econômica, social e a segunda é a hierarquização dessas
diferenças: os ricos e os pobres, os que têm e os que não têm; os que podem e
os que não podem e assim por diante. Existem situações simples ou
complexas que ilustram essa dinâmica perversa:
Uma das constatações que fiz assim que
cheguei foi que a escola se organizava sem
considerar o aluno. Então coloquei a situação
em discussão, sobretudo chamando a atenção
para alguns aspectos humanos, legais, éticos e
pedagógicos que vinham sendo contrariados
por atitudes da escola. Exemplos disso eram as
festas do sorvete nas quais se formavam duas
filas: uma dos que iam comprar e outras dos
que ficavam espiando para ver se alguma alma
caridosa lhes pagava o sorvete; outros eram os
passeios para lugares como o Playcenter para
onde ia uma minoria e a maioria ficava em casa
por não ter condições. Muitos professores
reclamavam
que
práticas
como
estas
prejudicavam o trabalho que eles desenvolviam
em sala de aula (ALMEIDA, 2003: p. 150).
Essa é uma situação que deixa evidente o problema da
desigualdade e falta de estrutura econômica, política e social, mas fica em
aberto às consequências desse tipo de situação no processo formativo da
pessoa. Embora seja conhecido que a formação humana não se dá de forma
73
mecânica e linear não se pode negar que a identidade humana recebe
influencia das vivencias que cada um experimenta
Diante
das
condições
perspectivas
de
que
desigualdades
apontam
sociais
na
sociedade brasileira, percebe-se a tendência à
estruturação
de
projetos
sociais
governamentais ou privados voltados atender
as necessidades das populações em condição
de vulnerabilidade social, isto é, a parcela da
população em situação de risco social, baixa
renda,
infraestrutura
precária,
atendimento
insuficiente e irregular dos serviços de saúde e
educação (CORREIA, 2008).
Nesta
linha
são
estruturados
projetos
como
Escola
Aberta
desenvolvidos em escolas da rede pública municipal de São Paulo (Almeida,
2005) e Escola da Família, desenvolvido nas escolas da rede publica estadual
de São Paulo, entre outros que atualmente integram as políticas públicas para
a infância e a juventude como responsabilidade do Estado. Esses projetos tem
forte apelo comunitário, se considerarmos com Silva (1996) que essa
modalidade de educação se caracteriza par tratar de forma coletiva os
problemas da comunidade, e tem assumido denominações e características
compatíveis com a visão ideológica, política e social daqueles que são
responsáveis pela sua implantação. Dos locais onde são implementados.
Programas da UNESCO – Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Tecnologia e também do MEC, Ministério da Educação,
tem incentivado bastante o desenvolvimento de projetos que amplie a
frequência dos alunos na escola incluindo a possibilidade dessa presença
ocorrer nos finais de semana. Almeida (2005) comenta as razões que motivam
investimentos da escola nos finais de semana:
Um dos argumentos mais utilizados para
justificar a abertura da escola nos finais de
74
semana são dados levantados por pesquisa da
UNESCO, segundo os quais há redução do
número de mortes violentas de jovens nos
bairros onde as escolas ficam abertas nos
finais de semana para que estes jovens
possam desenvolver atividades esportivas e
culturais (ALMEIDA, 2005: p. 26).
Outro aspecto importante destacado por esse autor para a abertura
da escola é a possibilidade das crianças conviverem com os educadores que
são às vezes estagiários de alguma área pedagógica, ou seja, alunos cursando
faculdade de Pedagogia, de Letras, Artes, Música e Educação Física, fora da
situação formal de aula. Segundo ele tal situação promoveria “a criação de
vínculo da escola e seus educadores com os jovens que a frequentam” (p. 27),
o que ele aponta como “possibilidade de humanização das relações cotidianas
e promoção da qualidade social da educação” (p. 27). Justamente essa
possibilidade de humanização das relações entre escola, educadores, jovens e
comunidade, emerge como ponto fraco, pois não existe aproximação de ambas
as partes, ou seja, a um receio dos moradores da comunidade e também por
partes das pessoas e profissionais envolvidos no Programa Escola da Família
na escola pesquisada. Embora o Projeto Pequeninos do Almanara exista há
16 anos, nunca apareceu um professor ou outro educador para dar uma
palavra de incentivo e, menos ainda, para propor alguma atividade.
A existência de incentivo, sobretudo financeiro, para desenvolvimento
de projetos deste tipo tem promovido o surgimento de muitas iniciativas em
diversas cidades do Brasil e, ombro a ombro com a expansão, tem crescido
alguns equívocos. Um deles é achar que estes projetos são o remédio para
todas as mazelas sociais. Assim é possível ver-se pessoas colocando nestes
projetos a responsabilidade de “tirar os jovens das drogas” ou de resolver os
“problemas de disciplina na escola”. No trecho seguinte o autor aponta o
equivoco desse entendimento, embora aponte as atividades de esporte e lazer
como uma possibilidade efetiva de ajuda às crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade:
75
Em função dessas crenças exageradas, muitos
recursos foram desperdiçados em projetos mal
elaborados e mal sucedidos. As ações sociais
de esporte e lazer podem agir de forma efetiva
no auxilio à transformação das realidades
sociais de populações em condições de
vulnerabilidade, desde que façam parte de um
planejamento mais amplo de ações conjugadas
e que não se apoiem apenas no oferecimento
de atividades de esporte e lazer (CORREIA,
citado por ATAYDE, 2009).
A citação permite refletir sobre dois aspectos importantes do Projeto
estudado: o primeiro é o cuidado para não considerar as atividades esportivas
como a solução para todos os problemas, ou seja, achando que para salvar o
mundo e realmente tirar ou mascarar a situação de vulnerabilidade social é
somente oferecer espaço e atividades sociais, esportivas etc. Estamos muito
enganados, pois deveríamos estar atento as políticas públicas, as estruturas
governamentais e oferecer recurso para trabalho e não viabilizar e tampar os
problemas oferecendo recurso sem respaldo algum e sem nenhuma
responsabilidade de ambas as partes. O segundo é entender que elas podem
ser a porta de entrada para o envolvimento dos jovens com ações voltadas
para a própria inclusão social. Como eu citei acima, poderíamos oferecer
melhores recursos de trabalho aos pais, oferecer melhor a educação, a saúde,
melhorar a renda com trabalho digno, enfim, estruturar a base familiar.
76
CAPITULO 3 – PEQUENINOS DO ALMANARA: UM
PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL
3. Introdução
Neste capítulo apresento os resultados da pesquisa de campo realizada
junto às pessoas que, de alguma forma, estiveram envolvidas com o Projeto
Pequeninos do Almanara, por meio das quais se buscou entender em que
medida o trabalho ali realizado, contribuiu para a inclusão social dos
participantes.
Esse Projeto é experiência que desenvolvo junto às crianças de uma
região da periferia da Cidade de São Paulo – situada na zona Oeste – e tem
como foco o atendimento de crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social.
O principal objetivo da pesquisa é verificar em que
medida a experiência vem contribuindo para a inclusão social das crianças.
Para viabilizar o estudo foi adotada a abordagem de natureza
qualitativa de cunho fenomenológico que, segundo Martins & Bicudo (1989),
enquanto modalidade de pesquisa busca a compreensão do fenômeno
observado, não se preocupando com explicações e generalizações. Nessa
perspectiva o pesquisador não parte de um problema específico, mas conduz
sua pesquisa a partir de uma interrogação acerca de um fenômeno o qual
precisa ser situado, ou seja, estar sendo vivenciado pelo sujeito em um
determinado tempo e espaço. Assim, essa abordagem pareceu a mais
adequada para o desenvolvimento da pesquisa.
Como instrumento de coleta de dados foi realizado análise bibliográfica
e documental completada pela história de vida e pela proposição de um
questionamento, se o Projeto Pequeninos do Almanara foi importante para
sua formação nos aspectos pessoais e profissionais. Foi proposto aos
estagiários, participantes do projeto e a seus familiares. Utilizei também a
77
observação participante, uma vez que coordeno o projeto e, no dia-a-dia estou
envolvido com os processos que ali se desenvolvem.
A utilização da história de vida constituiu fonte importante de dados
sobre a relação entre a educação comunitária e a inclusão social, na medida
em que possibilitou olhar para o meu próprio trajeto de vida e refletir muitas
situações por mim vivenciadas; inclusive a iniciativa de organizar as crianças
do bairro que se encontrava em situação de risco. Neste sentido, parar para
refletir sobre as vivências e registrá-las constituiu-se em elemento importante
para a minha própria formação. A esses registros juntam-se os registros
específicos das atividades desenvolvidas no projeto durante 16 anos que
também se constituiu em base de dados para a pesquisa. Desta forma é
possível dizer que as bases lógicas dessa pesquisa estão pautadas no método
fenomenológico que segundo GIL (1999) TRIVIÑOS, (1992) preocupa-se:
[...] com a experiência tal como ela é. A
realidade é construída socialmente e entendida
como o compreendido, o interpretado, o
comunicado. Então a realidade não é única:
existem
tantas
quanto
forem
as
suas
interpretações e comunicações. O sujeito/ator é
reconhecidamente importante no processo de
construção do conhecimento.
Considerando a singularidade da experiência estudada, em sintonia
com a proposta, optou-se pelo procedimento técnico do Estudo de Caso, pois
conforme Eloisa Ludke & Marli André (1986, p.17) quando queremos estudar
algo singular, que tenha um valor em si mesmo, devemos escolher o estudo de
caso. Ainda, segundo as autoras (1986, p. 19):
Os estudos de caso revelam experiência vicária
e permitem generalizações naturalísticas. O
pesquisador
procura
relatar
as
suas
experiências durante o estudo de modo que o
leitor
ou
usuário
possa
fazer
as
suas
78
“generalizações naturalísticas”. Em lugar da
pergunta: este caso é representativo da minha
situação? O leitor vai indagar: o que posso (ou
não) aplicar deste caso na minha situação? A
generalização
naturalística
ocorre
função
em
do
(STAKE,
1983)
conhecimento
experiencial do sujeito, no momento em que
este tenta associar dados encontrados no
estudo com dados que são frutos das suas
experiências pessoais.
Portanto, a escolha do procedimento justifica-se pela ênfase dada à
singularidade do estudo e por se tratar de uma investigação que se assume
como “particularista”, debruçando-se sobre uma situação específica, buscando
descobrir o que há nela de mais essencial e relevante.
Novamente discorro na apresentação do Projeto Pequeninos do
Almanara, que constitui objeto de estudo desta pesquisa, buscando extrair
dele aquilo que é mais significativo na perspectiva de fonte de inclusão social.
O projeto vem acontecendo em uma escola da rede pública estadual e hoje faz
parte da sua programação oficial.
Após uma visita da diretora Ivete Zanardo na escola, para ver a
realização de uma atividade esportiva, ela me procurou para conversar sobre o
Projeto, como fora elaborado, a minha função de coordenador, técnico,
relações públicas, etc. Dona Ivete se interessou pelas respostas e pelo que
observou e me prometeu mais horários e apoio da Escola que dirigia, como
salas de aula, materiais esportivos.
Numa segunda reunião proposta por ela no meio da semana, eu
comecei a avaliar positivamente a “parceria” e o respaldo que o Projeto teria
dentro do Programa Escola da Família nas instalações da Escola Olinda Leite
Sinisgalli; atuaria como professor “convidado – voluntário” da Escola, além de
garantia de representar a instituição.
79
Previamente a apresentar mais detalhadamente o projeto, acho
importante apresentar as características do bairro aonde ele vem sendo
desenvolvido, situando-o no contexto regional por meio de uma descrição do
seu processo de formação, sua estrutura física e as condições de vida da
população que ali habita. Pretendo também apresentar a escola uma vez que
conhecer o lugar aonde o projeto vem sendo desenvolvido permite
contextualizá-lo e ajuda a entender a maneira como ele se desenvolveu sua
dinâmica de funcionamento.
3.1 - Um bairro com a cara de São Paulo
O Jardim Almanara está situado na periferia Oeste da cidade de São
Paulo, mais especificamente na região da Vila Brasilândia. Por isso, antes de
falar do bairro parece importante falar da região onde ele está inserido para dar
melhor ideia do local aonde vem sendo desenvolvido o projeto, objeto deste
estudo e destacada a importância da realização de projetos como o estudado
na região.
O distrito, hoje composto por vários bairros, e entre eles destaca a Vila
Penteado, Parada de Taipas, Jardim Guarani, Jardim Paulistano, Jardim
Damasceno, Jardim Vista Alegre, Vila Nova Cachoeirinha, Jardim Cachoeira,
Jardim Paraná e Vila Itaberaba; originou-se de um desmembramento de sítios
e chácaras que havia no entorno da cidade no início do século XX.
Segundo dados do programa Nossa São Paulo, 2007 o distrito da
Brasilândia, onde está localizado o Jardim Almanara, teve acelerado seu
processo de desenvolvimento a partir dos anos de 1930 quando, com o início
do processo de industrialização, muitos sítios e chácaras de cana de açúcar
foram convertidos em lotes residenciais. Ainda segundo dados do programa, foi
Brasílio Simões, um comerciante da época, quem liderou a comunidade
durante a construção da Igreja de Santo Antonio que substituiu uma antiga
capela. Como homenagem, o nome do comerciante foi utilizado na
denominação do distrito.
80
Os documentos do movimento Nossa São Paulo são uma das fontes
importantes de informações sobre o Distrito da Brasilândia e constituiu-se fonte
dos dados aqui apresentados. Conforme esse documento foi devido ao
desenvolvimento que houve no país, no Estado de São Paulo e na cidade,
Brasilândia também sofreu modificações. Os sítios, que antes existiam, com o
tempo foram tornando-se loteamentos irregulares. O primeiro loteamento
aconteceu em 1946 pelo desmembramento de uma olaria que pertencia à
família Bonilha, que hoje dá nome a um dos bairros.
Outro fator que contribuiu para a urbanização do bairro da Vila
Brasilândia foi à expulsão dos trabalhadores do centro da cidade uma vez que
os preços dos aluguéis ou de compra de moradias passaram a ser
incompatíveis com sua renda. A prefeitura preocupava-se com a beleza e o
saneamento do centro da cidade e empenhou-se em reformas, como por
exemplo: alargamento das ruas e demolição de cortiços. Em resultado disso,
algumas pessoas se sentiram obrigadas a deixar suas casas no centro, face o
fato de que os imóveis remanescentes ao processo de demolição teriam seus
aluguéis aumentados severamente.
Muitas famílias que ali residiam fugiram dos altos aluguéis e passaram a
refugiar-se ou abrigar-se nas regiões periféricas, sendo a Brasilândia um
desses destinos. No meio dessas famílias, ainda havia famílias vindas do
interior de são Paulo e de outras regiões do país em busca de melhores
condições de vida. O distrito recebeu um enorme fluxo de migrantes do
nordeste do país nas décadas de 1950 e 1960, quando a ideologia
desenvolvimentista incentivava a vinda das pessoas, pois a indústria
necessitava de mão de obra barata e abundante.
Nesse
período
o
presidente
Juscelino
Kubitschek, criou o Plano de Metas consolidou
o
modelo
Desenvolvimentista,
onde
os
registros de pessoas consideram o período de
avanço no Brasil, ou seja, o país passou por
um processo econômico, social e político. No
81
governo
de
industrial,
JK,
onde
houve
um
crescimento
atraiu
o
investimento
estrangeiro, desenvolvendo um processo de
empresas multinacionais, se instalando para o
crescimento
do
país,
principalmente
automobilística. Conhecido como plano de “50”
anos em “5” anos, promoveu a implantação de
indústrias, empresas de automóveis, indústria
naval, rodovias, construiu usinas hidrelétricas e
propiciou a abertura da economia brasileira ao
capital
estrangeiro.
(www.slideshare.net/.../governo-desenvolvi
mentista-kubitschek).
Foi um período considerado como desenvolvimentista e grande
propulsor da vinda de migrantes e da ocupação desordenada da cidade.
Embora não se possa negar o significativo avanço do país na ocasião, em
termos de desenvolvimento industrial é inegável também a sua contribuição
para que a cidade fosse formada em grande medida por ocupações irregulares
e não planejadas. O crescimento industrial, resultado do investimento
estrangeiro, tornou possível a instalações de muitas empresas no país,
principalmente empresas do ramo automobilístico.
Foi um período marcado por mudanças no país, sobretudo aquelas
decorrentes da consolidação de um parque industrial abrigando empresas de
automóveis, indústria naval, rodovias, construção de usinas hidrelétricas,
propiciando a abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro.
Juntamente com as mudanças econômicas vieram as mudanças sociais,
começaram a surgir as construções não planejadas, as ocupações de áreas de
risco onde foram construídas habitações precárias.
Nos anos 50 São Paulo viu sua população
passar de pouco mais de 2 milhões de
habitantes para mais de 3,5 milhões. O
82
dinamismo da economia refletia-se então no
aumento da população: a cidade crescia
impulsionada pelo movimento de expansão do
setor
industrial.
As
correntes
migratórias
respondiam por grande parte do crescimento
demográfico e eram geradas especialmente na
região
Nordeste,
trazendo
mais
e
mais
pessoas, atraídas pela possibilidade real de
incorporação dos recém-chegados ao mercado
de
trabalho,
seja
nas
fábricas,
seja
na
construção civil. Na segunda metade da
década a indústria automobilística tornou-se o
motor do crescimento econômico, com as
novas
fábricas
instaladas
em
municípios
vizinhos ao da capital, na região que ficou
conhecida
como
Bernardo
e
ABC
S.
(Santo
Caetano
André,
do
S.
Sul).
(smdu.prefeitura.sp.gov.br/histórico_demog
ráfico/1950.php).
Nesta época a região do grande ABC Paulista, hoje em dia ABCD,
recebeu muitas indústrias e passou a ser o destino final de gande processo
migratório interno. Todavia, nem todos que aqui chegaram encontravam
espaço nesta região e acabaram indo ocupar outros espaços na grande zona
metropolitana de São Paulo. Apesar de não contribuírem para a sigla original,
também fazem parte da região os municípios de Mauá, Ribeirão Pires, Rio
Grande da Serra e Diadema.. A Represa Bilings banha seis dos sete
municípios da região; a exceção é Sao Caetano do Sul. Os sete municípios
somados perfazem uma área de 825 km² e reúnem uma população de mais de
2,5 milhões de habitantes (estimativa do IBGE para 2010). A região Oeste do
municipio de São Paulo, onde fica a Brasilandia, também recebeu muita gente
nesta época.
83
O Jardim Almanara é um dos bairros que compõe o distrito da
Brasilândia e surgiu e se desenvolveu neste processo de ocupação que
aconteceu em São Paulo e seu entorno metropolitano. pode se dizer que é um
bairro com a cara da cidade quanto as várias mazelas que ainda estão
presentes no cotidiano, tais como ruas esburacadas, casas simples sem
rebocos, trânsito caótico, poucas estruturas de saneamento básico, falta de
grandes áreas de lazer, etc.
Hoje, segundo estimativas recentes segundo censo de 2010, a
Brasilândia tem uma população de 201.591 habitantes, que corresponde a
1,8% da população da cidade de São Paulo – Capital; é o maior distrito da
Região Norte tanto em tamanho geográfico quanto em população. A sua
densidade demográfica corresponde a 9.600 habitantes por quilometro
quadrado (hab/km²) numa área habitacional correspondente a 21.0 km2. É um
dos distritos indicados pela pesquisa realizada pelo Núcleo de estudos e
Pesquisas de Seguridade e Assistência Social – PUC/SP, como tendo o maior
número absoluto e percentual de habitantes em processo de exclusão social. A
renda média da população é de R$ 666,13, seu IDH é de 0,769, ranqueado em
84° na zona metropolitana. Está localizado na subprefeitura da Freguesia do Ó,
órgão auxiliar da prefeitura de São Paulo, que presta serviços públicos e
fiscaliza a região Nesse órgão da prefeitura trabalham o subprefeito,
secretários, administradores regionais, guardas civis metropolitanos e outros
funcionários públicos.
Em 1999 foi apontado como o sétimo bairro onde mais morrem pessoas
vítimas de violência (foi o primeiro em 1998, ao lado do Jardim Ângela, este
situado na Zona Sul de São Paulo); está entre os quatros primeiros de maior
contingente de nordestinos e também concentra a maior população negra da
capital. Estes dados dão um panorama geral do grau de pobreza e exclusão
social que a população do bairro está inserida e que clamam pela maior
presença do estado na região.
O Bairro conta com transporte público, ainda que em condições
precárias, o que dificulta a locomoção das pessoas da comunidade para dirigir-
84
se ao seu local de trabalhou alcançar outras regiões da cidade. Está em pauta
um projeto para uma linha de Metrô, que poderia melhorar as condições gerais
de locomoção, com projeção de iniciar sua operação em 2018. Na área de
saúde o atendimento
é insatisfatório, pois a comunidade conta com um
hospital onde o serviço e as estruturas são bastante precários, o que torna
difícil e lento o atendimento aos moradores que usam seus serviços.
O bairro é carente na oferta das escolas e as crianças e jovens em idade
escolar têm que se dirigir a outros bairros para estudar em escolas com melhor
estrutura a grande exceção é Escola Olinda Leite Sinisgalli, referência para os
moradores do Jardim Almanara e até mesmo de bairros vizinhos. A baixa
escolarização dos pais e até mesmo o desinteresse incentiva a evasão e a
falta de interesse de seus filhos. Eles muitas vezes começam muito cedo a
trabalhar para ajudar no sustento da casa, com todos os efeitos deletérios de
perenizar a situação de penúria e falta de perspectivas de ascensão social, que
impactam na violência, desestruturação familiar, levando o bairro a ser um dos
mais carentes e problemáticos da cidade.
Vivemos
num
país
de
desigualdade
e
ideologias que nos trazem resultados muitas
vezes trágicos para a sociedade, em cidades
grandes como São Paulo, temos uma visão
ampla das desigualdades sociais, favelas é
contraste com mansões de milionários. O termo
mais adequado é comunidades, pois favela é
chocante, trás uma ideia de miséria, então se
sugere
usar
o
termo
“comunidade”.
Comunidade é um lugar cálido, um lugar
confortável e aconchegante. É como um teto
sob o qual nos abrigamos da chuva pesada,
como barreira diante da qual nos abrigamos da
chuva pesada, como, barreira diante da qual
esquentamos
as
mãos
(Bauman, 2003, p.7).
num
dia
gelado.
85
A Vila Brasilândia se insere no contexto descrito acima com muitas
ocupações irregulares nas encostas da Serra da Cantareira. Possui inúmeros
pontos de risco, pois as famílias expulsas das regiões centrais buscaram os
espaços onde era possível construir suas moradias e assim
muitas delas
foram construídas às margens dos 40 km de córregos existentes na região e
conta também com 101 favelas.
Em 2007 a Prefeitura de São Paulo criou o programa O Movimento
Nossa São Paulo. Esse programa tem o desafio de mobilizar diversos
segmentos da sociedade, em parceria com instituições públicas e privadas,
pudesse construir e se comprometer com uma agenda e um conjunto de
metas, articular e promover ações, visando a uma cidade de São Paulo justa e
sustentável. Apartidário e inter-religioso, o movimento é apoiado por centenas
de organizações e milhares de cidadãos interessados em participar do
processo de construção de uma nova cidade.
A atuação do movimento Nossa São Paulo é baseada em 4 grandes
eixos:
Programa de Indicadores e Metas: Selecionar e organizar os principais
indicadores de qualidade de vida para a região de cada subprefeitura e distrito.
Manter um banco de dados sobre iniciativas exemplares de sustentabilidade
urbana.
Acompanhamento Cidadão: Comunicar e disponibilizar a evolução dos
indicadores relativos á qualidade de vida em cada subprefeitura e distrito.
Fazer o monitoramento sistemático dos trabalhos da Câmara Municipal (“Nossa
São Paulo na Câmara”) e acompanhar o Orçamento Municipal. Realizar
pesquisas anuais de percepção da população sobre várias ações municipais
em todas as regiões administrativas da cidade.
Educação
Cidadã:
Realizar
ações
e
campanhas
visando
à
revalorização do espaço público, à melhoria da autoestima e ao sentimento de
pertencimento à cidade.
86
Mobilização Cidadã: Incentivar a incorporação de novas lideranças,
empresas e organizações sociais no movimento. Construir fóruns em todas as
regiões de São Paulo.
Em razão desse programa implantado na cidade, a Vila Brasilândia foi
uma das áreas fortemente beneficiadas e a partir do mesmo ano
estabeleceram-se novas agências bancárias, ambas localizadas a Rua
Parapuã, avenida central da Brasilândia e e foi acelerado um processo de
implantação de estabelecimentos comerciais, lojas de automóveis, imobiliárias,
lojas de móveis, etc.
As macrorregiões das CAS apresentam realidades sociais bastantes
diversas uma das outras, algumas delas só são notadas por quem vive o dia-a
-dia da região. Segundo a Pesquisa Natura/Ibope/MNSP 2007, alguns serviços
públicos e privados ainda estão em falta no bairro, pois a pesquisa aponta
vulnerabilidade e deficiência em alguns setores classificados como: os mais
importantes (Terminal de Ônibus, Estação de Metrô, Hospital Público), maior
presença (Pronto-Socorro Público, Centro Esportivo, Centro Cultural, Posto de
Poupatempo, Delegacia da Mulher), menor presença (Parques Públicos),
serviços privados mais importantes (Escolas Particulares e Agências
Bancárias) e os que mais fazem falta (Farmácias, Correios, Consultórios
Médicos, Supermercados e outras Agências Bancárias).
Neste contexto de contradição e pobreza está situado o Jardim
Almanara, melhor conhecido simplesmente como Almanara. É um bairro que a
partir de 1962, foi desenvolvido dentro do loteamento promovido pelo seu
fundador Gabriel Politi, onde consta seu nome em todas as escrituras de
terreno, inclusive onde os meus pais residem. É um bairro predominantemente
residencial, com 94,1% de seus endereços tendo fins residenciais. Embora
situado em um distrito onde haja muitas ocupações, os moradores residem em
casas próprias ou alugadas. São cerca de 25.000 habitantes segundo o SUS,
com ruas asfaltadas, devidamente iluminadas, as casas tem reboco, e a
maioria das pessoas são proprietárias dos imóveis, inclusive minha família.
87
Tem boa situação de saneamento básico, que está muito bem estruturado com
ligação das residências ao sistema público de esgoto.
No que diz respeito ao sistema educacional formal o bairro conta com
escolas para atendimento da demanda obrigatória. Não há crianças entre 4 e
17 anos fora da escola por falta de vagas; todavia, como em muitos bairros da
periferia, ainda há falta de vagas na primeira etapa da educação infantil. O
bairro conta com 4 escolas, sendo duas de Educação Infantil, uma de Ensino
Fundamental e uma de Fundamental e Médio.
Em relação à segurança, é um bairro similar a outros da periferia da
cidade de São Paulo, com pouca estrutura relacionada a esse quesito. Não
possui posto policial, mas tem um posto do Corpo de Bombeiros, situado na
Rua Carlos dias Fernandes, S/N, que permite uma maior frequência policial nas
ruas do bairro, com viaturas, base móvel, etc. O Jardim Almanara não possui
agências bancárias, lotéricas e mercados com maior opção de produtos, e seus
moradores usualmente se dirigem ao bairro mais próximo, chamado de Jardim
Maracanã, cujo acesso é relativamente fácil, na maioria das vezes por
deslocamento a pedestre.
Em relação à rede de proteção social, o bairro ainda é muito carente e
os poucos equipamentos existentes funcionam de forma precária. Moradores
que necessitam de serviços de assistência geralmente procuram bairros
vizinhos, nos quais há uma estrutura melhor de atendimento da rede social,
neste caso o CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, Postos de
Saúde, Hospitais, CRECA – Centro de Referência da Criança e do
Adolescente.
A situação que ainda persiste atualmente tornou a opção do Projeto
ainda muito importante para as crianças e adolescentes do bairro. Em sua
ausência a maior parte delas ficaria nas ruas, onde mesmo encontrando
algumas atividades lúdicas, como empinar pipa, carrinho de rolimã e outras
brincadeiras, não teria um direcionamento formal e supervisionado.
O bairro não tem nenhum espaço de lazer em área pública, como um
parque ou uma praça. A única opção como espaço de lazer ainda é a Escola
88
Olinda Leite Sinisgalli, com as portas abertas para a comunidade nos fins de
semana para uso de suas instalações. Isso permite que elas possam desfrutar
de algumas atividades como o futebol, voleibol e até mesmo usar o laboratório
de informática e bibliotecas. A ausência de outras unidades públicas como o
CEU ou CDM, torna muito limitada as oportunidades das crianças se
integrarem num espaço comum.
3.2 - A Escola Estadual Olinda Leite Sinisgalli
A Escola Estadual Olinda Leite Sinisgalli, localizada na Rua Emílio
Kemp, N°126 como já foi mencionado anteriormente, fica bem no “coração” do
bairro Jardim Almanara. Trata-se de uma escola de Educação Básica que
atende o Ensino Fundamental, a partir do 5º Ano até o Ensino Médio. Conta
com boa estrutura física, laboratório de informática com acesso a internet,
televisão, DVD, computadores e impressoras, quadra de esporte coberta, água
filtrada e água em rede pública, sala de diretoria e professores, esgoto em rede
pública, coleta de lixo periódica e sanitários públicos.
Tem a equipe completa, uma diretora, um vice-diretor e dois
coordenadores. A Escola possui uma área relativamente extensa no bairro,
contando também com pequena área verde. Aos sábados as crianças utilizam
outros espaços como o pátio interno para jogos como de Futebol de Botão,
Tênis de Mesa, Xadrez, Dama, Pinturas e utilizam o pátio externo para
prática de Voleibol.
a
A Escola possui uma estrutura de dezesseis salas,
contendo oito no primeiro pavimento e mais oito salas de aulas no segundo
andar, onde também fica a sala dos professores, situada ao lado da sala de
coordenação. A
sala da diretora fica em frente à secretaria, também no
segundo andar. A sala de leitura fica no 1° pavimento próximo a cantina da
escola e há uma cozinha para os funcionários, mas infelizmente não possui
uma biblioteca. Ela está bem localizada no bairro e chama nossa atenção o
fato de todos os alunos possuírem carteira escolar de identificação e uniforme.
É a Escola mais procurada para matrícula entre as duas opções que
atendem a educação básica e quase 90% dos alunos são moradores do
próprio bairro. Todavia a procura ainda é grande e
algumas pessoas não
89
conseguem vaga para seus filhos nessa escola e tem que procurar outras
opções em bairros vizinhos. As escolas Antonio Prudente e Olinda Leite
Sinisgalli, têm padrão de ensino razoável comparadas às opções de outros
bairros, ainda que o, mas ainda abaixo da referência (o índice da escola no
IDEB no ano de 2011 foi 4.0, e está com desempenho abaixo do esperado já
que a meta para 2013 é 5.0).
A Escola ainda mantém algumas exigências de escolas mais tradicionais
como o uso de uniforme pelos alunos, controle por carteira escolar, promoção
de alguns eventos com cobrança dos participantes. Acredito, porém que vem
falhando no desempenho do corpo discente e não atingindo a meta
estabelecida como referencial de qualidade pela Secretaria de Estado da
Educação.
Cerca de 80% das crianças e adolescentes que participam do Projeto
Pequeninos do Almanara são matriculados na escola Olinda Leite Sinisgalli.
Como se trata de um projeto para atender crianças e adolescentes em situação
de vulnerabilidade, o projeto atende também alunos de outras escolas, com o
intuito também de não tornar o Projeto um gueto dentro do bairro e promover a
socialização com crianças e adolescentes de outras escolas. A escola aderiu
ao Programa de Governo Escola da Família e oferece possibilidade do acesso
das crianças, adolescente e seus familiares nos finais de semana. Esse
programa propõe o desenvolvimento de atividades esportivas e culturais nas
dependências da escola. A população é informada por quadro de avisos
externo z esclarecendo os dias e horários disponíveis para comunidade
resolver assuntos dos alunos, bem como serão disponibilizadas as instalações
da escola aos finais de semana.
Em relação ao Projeto Pequeninos do Almanara, a direção da escola
manteve-se sempre neutra, sem maiores preocupações com os resultados
obtidos e se poderiam ser maximizados. O acesso inicial a escola, em 1996,
meses após a implantação do projeto, ocorreu de maneira fortuita, pois um dos
participantes do Projeto , tinha seus pais como moradores na escola , onde
exerciam as atividades de cuidadores e de segurança das instalações.
90
A relação do Projeto com a direção da Escola Estadual Olinda Leite
Sinisgalli sempre foi amistosa e afortunadamente não houve interferência da
atividade de um no trabalho do outro. Adicionalmente era um ponto positivo
para a direção de a escola realizar um projeto social era uma vantagem por
conta apresentar-se como agente “participante” do Projeto.
O Projeto Pequeninos do Almanara foi elaborado muito antes do
Programa Escola da Família ser concebido e implantado pelo Governo
Estadual, e quando a escola aderiu ao programa governamental , somente
ocorreu a adaptação do Projeto Pequeninos do Almanara com a grade do
Programa Escola da Família, mantendo o mesmo horário. Atualmente o Projeto
está dentro do cronograma e das atividades do Programa da Escola da
Família, e treinamos aos sábados no período de 08:00 am a 12:00 am,
subdividimos cada hora com uma respectiva faixa etária.
3.3 – Pequeninos do Almanara: espaço de vida e formação
A questão inicial da pesquisa era saber em que medida o Projeto
Pequeninos do Almanara contribuiu e vem contribuindo para inclusão social
das crianças e adolescentes que dele participaram ao longo destes anos ou
que ainda estão participando. Um dos indicadores escolhidos para avaliar este
aspecto seria saber se as crianças que passaram pelo projeto haviam
aprendido alguma coisa que estavam utilizando na vida pessoal ou profissional
e também cotejar se
com os alunos que participavam no momento da
pesquisa esperavam encontrar.
Uma questão importante era entender o que a participação no projeto
mudou na vida do participante.
O desenvolvimento da pesquisa levou a
perceber, não apenas a inclusão dos alunos, mas contribuiu também para a
minha formação e inclusão no campo da educação social, o que me permitiu
também a incluir na formação dos meus alunos a experiência nesse campo de
atuação.
91
Elaborei um questionário composto por questões abertas e fechadas que
propus aos participantes, ex-participantes e também seus respectivos
familiares. Inicialmente pensava identificar a influência do Projeto apenas na
vida das crianças ou, no máximo, na vida de suas famílias, mas com o
desenvolvimento da pesquisa fui percebendo que o Projeto influenciava a vida
e formação de outras pessoas, obviamente além da minha. Isso parece ficar
evidente ao longo desse trabalho, como mostram os seguintes depoimentos:
Fazer parte no projeto Pequenino do Almanara é gratificante, pois
consegue ensinar os alunos a desenvolverem atividades e oferecer
um pouco de melhorias no seu cotidiano. Aprendi a ter uma didática,
respeito mutuo, entre alunos e professores. Aprendi a ter mais
desenvoltura, a ser uma educadora e praticar mesmo, como
professora (Vanessa, estagiária).
Marcelo, outro estagiário que também participa do projeto e que destaca
o que mudou em sua visão a partir da sua participação nele:
Ao fazer parte do Projeto Pequeninos do Almanara, tinha uma visão
de que o projeto era formar garotos em futuros jogadores de futebol.
Após a vivencia, pode perceber que o Pequeninos do Almanara era
desenvolver um trabalho diferenciado, onde além de jogar futebol, o
jogador é de se formar e educar como cidadão como completo.
Levarei como experiência, o propósito do valor do professor de
Educação Física, pois quando andamos pela comunidade, os exalunos e alguns pais de alunos questionam sobre o projeto, sobre
treinos, jogos. Sinto a valorização e reconhecimento através de
conversas e sei da minha importância quando um pai se dirige a mim
e pergunta como anda o filho no projeto, sobre disciplina, respeito,
etc. Sinto-me um verdadeiro educador, já que todos os seus
companheiros também são estagiários e são valorizados como
educador de crianças vulneráveis.”
Outros estagiários também se referem ao Projeto com simpatia e com
demonstrações de afetividade, como é o caso de Wagner que se diz feliz e
comprometido por tê-lo conhecido e participado. Ele conheceu o projeto em
2010, durante minhas aulas na universidade e hoje afirma estar orgulhoso e
satisfeito de fazer parte da família, pois se sentiu valorizado como pessoa,
92
como aprendiz ao participativo no estágio e como um futuro professor de
Educação Física. No depoimento dos jovens beneficiários do Projeto também
aparece referências positivas a ele, como o caso de Fernandes. Ele entende e
verbaliza que o projeto o ajudou a sair das ruas, onde muitas vezes ficava por
horas fazendo muitas ações próximas ao vandalismo, tais como apertar
campainha de casas da vizinhança, empinava pipa, brigas com vizinhos e até
mesmo jogar futebol, ainda que em condições perigosas, com risco de
atropelamentos. Após frequentar o Projeto teve um local definido e seguro
para desenvolver atividades com a supervisão de professores, comenta:
Aprendi a conviver com outras pessoas, pois, eu era muito tímido e
isso me fortaleceu como mais um integrante de jogadores do
Pequeninos do Almanara.
Felipe foi outro participante que também explicou a importância do
projeto para a sua formação pessoal, dentre as quais destaca as amizades que
fez:
Foi uma honra ter participado do projeto e o mesmo ajudou na minha
formação de caráter como pessoa e cidadão, e lá onde treino todos
os sábados. Fiz muitas amizades, me senti importante no projeto e
valorizo a Comissão Técnica por auxiliar na minha integridade.
O Projeto tem se caracterizado como um espaço importante de
formação para os alunos da universidade. Para alguns deles é o primeiro
espaço e às vezes o único onde tem contato com situações educacionais
concretas. Leandro é um desses alunos para quem o projeto ensinou a ser
cidadão, como afirma no trecho seguinte:
93
O projeto Pequeninos do Almanara, foi praticamente o primeiro local
de treinamento de futebol em minha vida e, neste espaço, aprendi a
ser um cidadão, que respeita o próximo aprendeu a ter disciplina, já
que o professor Adilson era rigoroso nesse aspecto”.
Leandro aponta o Projeto e a minha figura de professor e amigo como
inspiração para que ele pudesse ingressar no curso de Educação Física e
retornar ao Projeto como estagiário, contribuindo para a formação dos outros
participantes.
Durante muitos anos atuei praticamente sozinho no projeto sem de
outros voluntários ou entidades formais, mas a presença dos alunos da
universidade no projeto permite que hoje eu atue mais como coordenador do
que treinador ou captador e administrador dos recursos, além de outras
funções administrativas do projeto. Hoje eu procuro oferecer liberdade aos
alunos, para que eles possam usufruir a melhor maneira da sua frequência ao
projeto e desenvolver atividades entre atividades teóricas e práticas, ou seja, o
que eles aprendem na universidade, eles possam utilizar no projeto .
Hoje em dia o projeto conta com esses colaboradores, o que além de
facilitar o trabalho, permite ampliar a quantidade de atividades oferecidas. As
respostas dadas ao questionário denota que a comunidade avalia o projeto
como positivo e destaca como pontos positivos retirar as crianças das ruas,
criar um espaço de lazer para seus membros e melhora a qualidade de vida de
todos. Há também nas respostas das crianças e jovens a afirmação de que
vem para participar do projeto movidos pelo sonho de se tornar jogador de
futebol.
Na narração dos pais também aparecem referências positivas ao Projeto
como podemos perceber pelo depoimento do senhor Lindolfo, que tem dois
filhos e um sobrinho formados em Educação Física e que durante muito tempo
participaram do projeto. Seu depoimento confirma que o projeto goza de bom
conceito na comunidade:
O projeto não se preocupa somente na formação de jogadores e sim
na formação das crianças como cidadãos. Nunca faltou nada para as
crianças, bolas, coletes, etc. O Pequeninos do Almanara possui uma
equipe fantástica de professores e vários alunos da Universidade
94
Paulista – Unip. O projeto auxiliou na introversão do meu filho e hoje
o Lucas se sente mais sociável e a cada momento valoriza o projeto.
As pessoas na comunidade sentem falta e sabem da importância de
um projeto como esse, para ao crescimento das crianças, que hoje
tem um local, com lazer e pratica do futebol com supervisão.
Finalmente gostaria de destacar no projeto a possibilidade de contato
com outras pessoas que ele tem representado para mim e para aqueles que
dele participam na condição de colaborador ou de usuário dos serviços. Na
minha visão o Projeto Pequeninos do Almanara possibilitou conhecer muitas
pessoas do meio esportivo, podendo
crianças e adolescentes, marcar
importantes
torna-lo objeto lúdico de desejo das
jogos, surgindo em cada situação
contatos profissionais. Isso fortalece o trabalho e cria
oportunidades de estagio e atuação em clubes, academias e escolas.
Vale destacar que o projeto foi tomando corpo após meu ingresso como
professor na UNIP, em 2007, pois passei a ter a oportunidade de convidar os
meus alunos para participarem do projeto e, desta forma, vivenciar mais ainda
as aulas ministradas na universidade. Neste sentido o projeto é de suma
importância por ser a base de experiências pessoal e profissional, por meio da
qual tive a oportunidade de vivenciar todas as funções relacionadas ao meio
esportivo e como educador social.
3.4 – O projeto e a formação do educador social referencia
Como procurei demonstrar, a participação na idealização e posterior
coordenação do Projeto muito contribuiu para a minha formação pessoal e
profissional. Foi refletindo sobre ele que pude compreender melhor a minha
trajetória de vida e as oportunidades surgidas e aproveitadas na minha carreira
profissional até hoje. Essa reflexão possibilitou compreender a importância do
educador social no processo de inclusão das crianças na escola e mesmo na
sociedade onde vivem. O educador que deseja contribuir com uma sociedade
95
mais justa e humana não pode ficar preso apenas aos aspectos formais da
educação, é fundamental que seja um profissional também preocupado com as
crianças que tem a responsabilidade de educar. Neste sentido a ação do
educador social assume um lugar importante também no que se refere ao
cuidado com as crianças e jovens.
O Projeto Pequeninos do Almanara começou a ser idealizado num
domingo em janeiro de 1996, em uma conversa entre meu pai e eu, durante
almoço em nossa casa. Conversamos e avaliamos se teríamos a possibilidade
de formar um time de futebol no bairro onde morávamos, onde a falta de lazer
e outras atividades recreativas era imensa para as outras crianças que ali
residiam. Naquele momento o que nos incentivava era apenas o desejo de
contribuir para que aquelas crianças não ficassem sem atividades nos finais de
semana, permanecendo nas ruas em contato com pessoas de outras faixas
etárias, alguns viciados em consumo de álcool e fumo, o que faria eles
seguirem os mesmos passos.. Obviamente até por desconhecimento não fez
parte daquela conversa
conceitos como vulnerabilidade social, inclusão,
educação comunitária, coisas e conceitos que aprendi a lidar posteriormente,
durante as aulas do mestrado. Na ocasião
o que existia era o simples e
ingênuo desejo de criar um espaço sadio na nossa comunidade, onde as
crianças pudessem brincar e participar sem correrem maiores riscos.
Discutindo as possibilidades de apresentação de um estudo para a
conclusão do mestrado, começou a ficar nítido que a experiência do Projeto
poderia ser transformado em objeto de estudo e a partir daí defini o que seria
importante entender sobre ele em base sistêmica, sua contribuição para a
inclusão social das crianças que dele participaram e, sobretudo para a minha
formação pessoal e profissional. No que diz respeito à formação profissional
gerada pelo projeto, é evidente que o projeto hoje contribui para a formação de
outros profissionais da Educação Física, neste caso dos meus alunos da UNIP,
que hoje fazem estágio lá ou ajudam como voluntários nas variadas atividades.
Assim, além de promover a inclusão social das crianças e seu desenvolvimento
psíquico motriz, o projeto também contribui para a formação de educadores
sensíveis para a problemática vivida pelos jovens que vivem na periferia.
96
Ao discutir a noção de inclusão Almeida (2005) aponta que ela está
relacionada a diversos campos e se realiza de diversas formas e que há
necessidade de criação de condições para que as crianças tenham seus
direitos garantidos, pois a exclusão é algo indesejável. O trecho seguinte deixa
mais clara essa minha afirmação:
A noção de inclusão está relacionada com
diversos campos da vida social, política,
econômica e cultural. Assim, em diversos
campos do conhecimento, este tema vem
sendo objeto de pesquisas, debates, artigos
etc. Hoje se fala em inclusão de diversos tipos:
inclusão digital, inclusão social, inclusão no
mercado de trabalho, no mercado de consumo,
inclusão no mundo letrado, enfim, a
preocupação com a inclusão está claramente
manifestada. Tanta ênfase na ideia de incluir
revela, por um lado, que muitos estão excluídos
e, por outro, que a exclusão é algo indesejável.
Apesar de toda discussão ainda não há um
consenso sobre o que se está dizendo quando
se usa esta palavra. Trata-se de um termo
amplo, cujo significado depende muito do lugar
onde se encontra aquele que fala. (Almeida,
2005, p. 61).
Além de apontar a necessidade de inclusão, o autor também aponta a
necessidade de definição do que se quer dizer quando fala em incluir, uma vez
que este é um termo amplo e sobre o qual não há consenso. No caso do
projeto em estudo pensamos a inclusão como a construção de um espaço
onde as crianças e jovens do bairro possam vivenciar garantia de seus direitos
e o esporte e o lazer fossem concebidos como direitos que se integra a outro
direito fundamental que é o direito a saúde. O projeto também poderia se
constituir em um espaço onde essas crianças pudessem conhecer outros
direitos e possam lutar por eles. Esse é um entendimento que tenho agora e
que começou a ser construído após aquela conversa com meu pai a quase
duas décadas atrás. A mudança da minha maneira de olhar para essas
questões certamente é um dos grandes ganhos do projeto.
Voltando ao processo de discussão iniciada com meu pai, naquela
conversa decidimos o que iríamos fazer e no dia seguinte amanheci com a
97
ideia de dialogar com os meninos. Embora na época também fosse eu uma
criança como eles, também pobre e com poucas oportunidades de lazer,
estava em melhores condições socioeconômicas para propor a alternativa. A
primeira conversa com alguns colegas da mesma idade aconteceu em frente à
casa de Renan, nosso ponto de encontro para um bate bola na rua.
Participaram dessa etapa Renan, Fernando (Gordo), Robinho, Flávio,
Silvinho, Mauricio, Tite, Coxana, Daniel, Delo, Buiú e
Felipe. Obviamente
houve interesse generalizado com a ideia, ainda que pouco houvesse mudado
naquilo que já fazíamos, mas na ocasião com um ponto muito significativo:
passamos a bater bola com o objetivo de formar um time, um grupo, uma
pequena agremiação. Treinávamos na rua a parte técnica, os fundamentos
técnicos, como passe, drible, domínio, chute além do jogo propriamente dito.
Por incrível que pareça, certamente pela já bem descrita falta de alternativas na
região, em poucas semanas de treino juntamos um grupo de cerca de trinta
garotos.
Assim que assumimos a formação de um time como objetivo os nossos
treinos na rua ganharam um sentido diferente. Após a formação da equipe do
Pequeninos do Almanara, meu pai me deu todo apoio, no sentido financeiro,
sendo que tudo que gastava era meu pai que financiava, como bolas, coletes,
uniforme de jogo, cones e rede do gol. O maior incentivo foi mesmo seu apoio
moral, sempre me incentivando a desenvolver as atividades com as crianças.
Nos dias de jogos meu pai se colocava a disposição com o seu carro e
seu tempo disponível para o transporte de alguns integrantes. Muitas vezes o
apoio logístico e financeiro ao Projeto vinha totalmente dele, ainda que nos dias
de jogos oficiais, contra outras agremiações, contássemos com outros pais ou
responsáveis pelos alunos que tinham carro, devido as grandes distâncias a
percorrer, muitas vezes em bairros de zonas diferentes na cidade. para nos
ajudar ao transporte aos locais de jogos. Nessas ocasiões tínhamos em média
seis a sete carros por jogo, sendo que posteriormente contava os carros da
minha irmã e meu primo Ronaldo.
98
Aqui vale lembrar Furlanetto (2003) que mostra que um professor é
formado por meio de um trajeto marcado pelos encontros que realizamos e no
processo de formação de um educador social certamente os encontros são de
extrema relevância. No decorrer deste trabalho falei de vários encontros que
muito contribuíram para o meu processo formativo, mas agora pensando na
relação entre a minha formação e o desenvolvimento do Projeto relembro outro
encontro também importante: o encontro com o senhor Canossa e dona Benta,
funcionários da
escola, que viviam lá como caseiros e com a Dona Iraci,
subdiretora da escola, que
abriram as portas da escola para o Projeto e
propiciaram a realização daquele sonho.
O Projeto se expandira de tal forma que logo tive que marcar um
joguinho contra outro time, principalmente para motivar e criar um espírito de
equipe para o grupo recém-constituído. Marcamos um jogo com o pessoal da
Rua Ricardo Pereira Lemos. Após o jogo conseguimos agregar a nosso time
Vtinho, o craque do time adversário. Um mês após esse evento, um garoto de
nome Paulinho se aproximou e disse que era novo no bairro, que filho dos
novos caseiros da Escola Olinda Leite Sinisgalli.
Fui conhecer seus pais, o senhor Canossa e a mãe Dona “Benta”, e
aproveitei para apresentar o projeto, pedindo para viabilizar a possibilidade de
treinarmos na escola. A dona Iraci
confirmou com a diretora Elizabete a
possibilidade do acesso ás instalações desportivas da Escola. Após esse
encontro e a confirmação da utilização, começamos treinar nas dependências
da escola. Os treinos eram aos sábados, na parte da manhã e domingos na
parte da tarde.
Ficamos nesse período por volta de dois anos
e posteriormente
passamos a treinar somente aos sábados. Nesses anos a relação com a
escola sempre foi de apoio total. Mesmo com a posterior mudança de
Diretores, o Projeto sempre esteve presente na escola. Por lá passaram a dona
Elizabete, a senhoras Ivete e Gislene e atualmente dona Patrícia. Sempre nos
apoiaram e nos deram respaldo para que pudéssemos desenvolver as
atividades com as crianças e adolescentes.
99
Em relação à escola regular e o Projeto, referindo-se aos integrantes e
sua atuação nas duas atividades, nunca houve maiores problemas de
contraposição, antagonismo ou indisciplina, com um reforçando a existência e
persistência do outro. A didática adotada é a retirada do aluno por um ou dois
jogos contra outras agremiações em casos de indisciplina na escola ou no
Projeto ou resultados insatisfatórios em sua grade de notas escolares
regulares. Essa regra foi adotada desde o início do projeto, ou seja, sendo a
única punição adotada para os participantes do projeto, numa clara referência
ao lema “bom de bola, bom de escola”.
Em 2001, Silvio, ex-participante do Projeto veio me auxiliar e assim
prosseguimos, infelizmente sem contar com o apoio de professores da escola.
Imagino que o fato do Projeto ser gratuito, sem qualquer remuneração não
provocou maior interesse dos profissionais que ali trabalhavam.
O Projeto existe há dezesseis anos e não tivemos a oportunidade de
contar com qualquer parceria Ainda hoje, praticamente meu pai e eu somos os
financiadores do Projeto. Nesse longo período, não conseguimos ou
sensibilizamos alguma instituição da rede social, embora essa situação tenha
permitido desenvolvermos
de forma independente e tivéssemos uma
autonomia sobre os rumos do Projeto.
O Projeto também tem oferecido apoio, e reforço escolar aos seus
participantes, graças ao inestimável apoio de estagiários dos cursos de Letras
e de Pedagogia da UNIP, que conheceram o Projeto e por ele se afeiçoaram.
Contamos hoje com quatro estagiarias, sendo duas do curso de Letras e duas
de Pedagogia, que desenvolvem o reforço escolar todos os sábados.
Um dos fatores para que as crianças e os adolescentes permaneçam no
projeto é estar matriculado em uma escola, e temos uma comissão que
promove uma fiscalização semestral dos seus boletins escolares. Num período
de dois anos, entre 2008 e 2009, tivemos uma pessoa responsável para rever
as aulas semanais dos alunos do projeto e auxiliar em tirar as dúvidas
escolares. Finalmente gostaria de destacar como aprendizado importante
decorrente da minha atuação no Projeto que a competência fundamental do
100
educador social é sua a capacidade de trabalhar em colaboração com as
pessoas, voluntários e instituições que também estão empenhadas na busca
de alternativas. Neste sentido vale destacar a longa parceria que desenvolvo
com a direção da Escola e também com os amigos,
professores
projeto.
alunos e colegas
da Universidade onde leciono e que tem colaborado com o
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa busquei discutir a contribuição da educação
comunitária para a inclusão social de crianças em situação de vulnerabilidade,
tomando como objeto de estudo o Projeto Pequeninos do Almanara. Seu
objetivo central foi verificar em que medida esse projeto vem se constituindo
em mais um instrumento de inclusão social de moradores da periferia. O
desenvolvimento da pesquisa evidenciou sua relevância para os participantes e
seus familiares, voluntários, estagiários, amigos, professores e eu, que tive a
oportunidade de aprender diversas funções no Projeto.
Para realizar a pesquisa foi adotada uma abordagem qualitativa e como
procedimento de coleta de dados recorri à análise bibliográfica e documental
que foi complementada por meio da narrativa da minha trajetória de vida na
qual destaquei “momentos divisores de água” Rosito (2012) ou “charneira”
Josso (2004) e pude perceber sua importância no meu processo formativo e na
minha interação com as várias fases do Projeto ao longo de 16 anos. A revisão
de literatura possibilitou refletir sobre o modelo de escola, sobre a inclusão
social e sobre a educação comunitária.
Foi possível perceber, a partir dos dados coletados, que o Projeto é
importante não só para a comunidade do seu entorno, mas também para
aqueles que dele participam na condição de estagiários ou voluntários. Nele as
pessoas fazem experiências muito importantes para sua formação pessoal e
profissional. O projeto contribui também para a formação do educador social,
pois além do desenvolvimento de atividades esportivas, oferece a oportunidade
de dialogar sobre a prática e busca der uma reflexão positiva com crianças e
jovens em situação de vulnerabilidade.
Tive a oportunidade de refletir sobre a minha atuação enquanto
profissional e principalmente sobre momentos de minha vida sobre os quais
não havia pensado a partir de certo distanciamento.
Foi possível também ver confirmada a relevância social anteriormente
intuitiva, na medida em que pude sistematizar conhecimento e realizar
reflexões sobre temas importantes como história de vida, educação
102
comunitária, políticas públicas para a infância e adolescência, inclusão social,
entre outros de relevância para a construção de uma sociedade mais humana.
Adicionalmente, o estudo possibilitou trazer para a universidade uma
dessas experiências que acontecem nas periferias inóspitas das grandes
metrópoles ou mesmo nas distantes regiões do território brasileiro, longe do
cuidado do poder público, mas com presença essencial na vida de crianças e
adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Os dados mostram que ainda hoje predomina um modelo de escola que
ainda se organiza por práticas de ensino antigas, consagradas em contextos
sociais bem distantes daquele que atualmente nossas crianças enfrentam. A
falta de adequação entre aquilo que as crianças necessitam e o que a escola
oferece tem levado muitas crianças a adotarem a rua como local de vida e,
portanto, de aprendizagem e condicionamento social.
A pesquisa me levou a outra questão: o problema é o que se aprende
nas ruas ou não se ter um lugar no qual se possa refletir sobre esse
aprendizado? A resposta a esta pergunta deve ser bem interessante e
pretendo nela me debruçar em próximo trabalho acadêmico. Com relação à
educação comunitária foi possível entender que se trata de um modelo de
educação que busca soluções coletivas para os problemas sociais e que
assumiu características diferentes dependendo dos contextos sociais e da
visão da sociedade. Trata-se de um conceito ainda válido na sociedade atual
quando se pretende construir alternativas sustentáveis e que alcance também
pessoas que não se encontram aos projetos educacionais formais ou nos
períodos que se encontram fora deles e principalmente fora do ambiente
escolar.
As políticas públicas mostram crescente sensibilidade, mas não o
suficiente para atender as demandas em relação a essa necessidade de
envolver as pessoas com atividades lúdicas e de lazer. Embora essa
preocupação apareça em programas como Escola da Família e outras
atividades destinadas ao atendimento, sobretudo de crianças e idosos, o corpo
docente da escola parece não ter aderido plenamente a este esforço. Vale
103
ainda destacar a questão da inclusão social, que me parece a principal questão
deste trabalho. O fato de estarmos propondo a inclusão evidencia que há
pessoas excluídas e os dados estatísticos e mesmo a simples observação
mostram que há um universo imenso de brasileiros a serem resgatados das
graves e deficientes condições de vida.
Com esse trabalho espero contribuir para os que são vítimas da
desigualdade, eventualmente servir de exemplo e também jogar luzes para
aqueles que dedicam parte do seu tempo e energias em combater a lógica
perversa que rege a sociedade de consumo que gera a desigualdade.
104
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