TESTE DE TOLERÂNCIA AO CALOR E SUA CORRELAÇÃO COM
VARIÁVEIS FISIOLÓGICAS EM BOVINOS NA REGIÃO CENTRO-OESTE DO
BRASIL1
BARROS, Bruno de Carvalho2; MACENA, Tânia Cristina 3; JACINTO, Renato Jesus4;
RABELO, Leonardo Silva4; PASSINI, Roberta5
1
Parte do Trabalho de Conclusão de Curso do primeiro autor, 2Bolsista de Iniciação Científica -
PBIC/UEG; 2Bolsista de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/UEG; 3Graduando do Curso de
Engenharia Agrícola, Voluntário de Iniciação Científica – PVIC/UEG; 4Orientadora, Pós-Doutora do
Curso de Engenharia Agrícola, UnUCET – UEG.
RESUMO - Os efeitos da temperatura, umidade do ar, radiação solar e velocidade do vento
em países predominantemente tropicais, como o Brasil, afetam diretamente a produção
leiteira, uma vez que a tolerância ao calor é um sério obstáculo no processo produtivo. O
objetivo desse estudo foi aplicar o Índice de Tolerância ao Calor (ITC) em animais girolandos
de dois grupos genéticos e validar seu uso para seleção de bovinos leiteiros mais adaptados ao
clima quente. O experimento foi inteiramente casualizado. Foram utilizadas 20 fêmeas da raça
girolanda, sendo 10 animais ½ sangue e 10 animais ⅝ de consangüinidade. Foi aplicado o ITC
em 3 dias não consecutivos, o qual consistiu na mensuração da temperatura retal, antes e após
a exposição a radiação solar direta por uma hora. Houve diferença estatística significativa
para o ITC (P<0,05) pelo Teste “t” para os dois grupos genéticos, sendo observados valores
médios de ITC de 9,51 e 9,72, respectivamente para os animais ½ sangue e ⅝ girolando;
indicando a maior tolerância ao calor para o grupo ⅝. O coeficiente de correlação observado
entre freqüência respiratória e índice de tolerância ao calor, foi de r2=0,50 ,entretanto, para a
temperatura retal e índice de tolerância ao calor foi observada maior correlação r2=0,80,
justificando assim o uso da temperatura retal como índice de adaptação fisiológica ao
ambiente quente. Conclui-se que o ITC pode ser usado como ferramenta de para seleção de
grupos ou linhagens de bovinos leiteiros mais adaptados aos trópicos por apresentar boa
correlação com variáveis fisiológicas indicativas de estresse.
Palavras-chave: estresse, gado de leite, adaptabilidade.
INTRODUÇÃO
1
Segundo Nããs (1989) os fatores climáticos mais significativos para a produção
animal são longitude, latitude e altitude; enquanto que os elementos climáticos mais
relevantes são a temperatura e umidade relativa do ar, radiação solar, grau de nebulosidade,
ventos e pluviosidade.
Denomina-se “tolerância ao calor” a resistência por parte dos animais às altas
temperaturas do ambiente e à intensa radiação solar próprias do clima tropical. A tolerância ao
calor varia em grau de acordo com a espécie, a raça e dentro das raças, sendo a habilidade do
animal em evitar conseqüências da ação direta do calor (LEE, 1954).
O estresse térmico provoca uma série de desequilíbrios fisiológicos que, por sua vez,
causam um aumento nos requerimentos de energia líquida para mantença, reduzindo a energia
disponível para os processos produtivos. O estresse promove alterações na capacidade do
animal em manter sua homeostase e tem sido quantificado através de índices, mediante
mensuração de variáveis fisiológicas tais como, temperatura retal, freqüência respiratória e
concentrações hormonais (Baccari et al., 1998).
Considerando os problemas que o ajuste ao ambiente térmico causa ao desempenho
produtivo, têm sido propostos métodos de avaliação de capacidades individuais de
termorregulação, determinando dentro de uma mesma espécie e mesma raça os indivíduos
mais adaptados ou menos susceptíveis ao estresse térmico (Baccari Jr., 1986).
Desta forma, esse trabalho objetivou validar o índice de tolerância ao calor (ITC) de
Baccari como uma metodologia simples para seleção de animais, através de sua correlação
com as variáveis fisiológicas indicativas de estresse térmico, buscando identificar grupos
genéticos de maior tolerância ao clima quente.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado na Fazenda JR, município de Luziânia-GO, localizada
na região leste do Estado de Goiás, durante os meses de dezembro de 2007 e janeiro de 2008.
Foram avaliadas as variáveis fisiológicas: freqüência respiratória (por meio da
contagem visual dos movimentos do flanco) e temperatura retal (mensurada utilizando-se um
termômetro clínico veterinário), às 11h, 13h e 15h, no dia de aplicação do teste de tolerância
ao calor.
Para a coleta das variáveis ambientais foi utilizada uma estação meteorológica
modelo WMR928N da Oregon Scientific®, sendo registradas as temperaturas máxima e
2
mínima, temperatura do ar e umidade relativa (com termohigrômetro digital portátil) e
velocidade do vento, às 09h, 11h, 13h, 15h e 18h nos dias da aplicação do teste.
O teste de tolerância ao calor de Baccari (Baccari Jr., 1986) foi aplicado em 3 dias,
não consecutivos aos 20 animais, o qual consistiu em reunir os animais a serem comparados
entre si em um curral sombreado, por duas horas, das 11h às 13h, tomando-se a primeira
temperatura retal (TR1) às 13h. Posteriormente, os animais foram expostos ao ambiente
descoberto e ensolarado, permitindo a total incidência da radiação solar, por uma hora (das
13h às 14h), retornando em seguida ao curral sombreado e permanecendo por mais uma hora,
das 14h às 15h, sendo tomada a segunda temperatura retal (TR2) às 15h.
A diferença entre as duas temperaturas, aplicadas à fórmula ITC = 10 – (TR2 – TR1),
resulta em um índice de tolerância ao calor numa escala de 0 a 10, que representa a
capacidade dos animais dissiparem o calor absorvido durante a exposição ao sol. Foi
calculado o ITU – índice de temperatura e umidade, pela equação: ITU = Ta + 0,36 x Tpo +
41,5, onde: Ta é a temperatura ambiente, em °C e Tpo é a temperatura de ponto de orvalho,
em °C.
Os dados foram analisados por uma planilha eletrônica, sendo verificadas as
correlações entre as variáveis fisiológicas e o teste de tolerância. A comparação entre as
médias foi realizada através do Teste “t” de Student, adotando um nível de significância de
5%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 1 mostra as médias das variáveis climáticas e ITU nos dias da aplicação do
teste. O índice de temperatura e umidade (ITU) nos horários de realização do experimento das
11h, 13h e 15h demonstraram valores médios respectivos de 75,1; 76 e 73,8. Segundo
Johnson (1980), valores de ITU igual ou acima de 72 já caracterizam que o ambiente
proporciona situação de estresse em vacas holandesas. Rosenberg (1983), diz que ITU entre
75 e 78 significa um alerta para o produtor, pois pode haver morte de animal; entre 79 e 84, é
sinal de perigo, principalmente para rebanhos confinados; e, ao chegar ou ultrapassar o índice
de 85, é sinal de morte iminente.
Com base na literatura pode-se verificar que os valores de ITU observados nesse
trabalho se encontravam em situação de alerta, alcançando o nível crítico (70 a 72) ou
situação de alerta acima do nível crítico (72 a 78).
3
Tabela 1. Médias diárias da temperatura do ar (Tar, oC), umidade
velocidade do vento (Vv, m/s), índice de temperatura e
temperaturas máxima (Tmáx, oC) e mínima (Tmín, oC) diárias.
Estação
Dias
Variáveis ambientais
do
do ano
teste
Tmáx
Tmín
Tar
UR
33,5
18,2
28,6
59
1
32,0
19,0
24,5
80
Verão
2
27,4
19,4
25,4
67
3
31,0
18,9
26,2
68,7
Médias
relativa (UR, %),
umidade (ITU) e
Vv
3,5
0,5
2,7
ITU
77,1
72,7
72,9
2,2
74,2
A Tabela 2 mostra as médias das temperaturas retais e freqüências respiratórias nos
animais meio-sangue Girolando e os respectivos valores de ITC individuais. Para o grupo de
animais meio-sangue, observou-se uma variabilidade individual relativamente alta, obtendo
valores mínimo e máximo, respectivamente de ITC, de 9,27 e 9,77. Esses valores obtidos de
ITC que podem ser indicativos para uma futura seleção de animais ou linhagens mais
tolerantes, obtendo animais mais resistentes e diminuindo a variabilidade de tolerância ao
calor entre eles.
Tabela 2. Média das temperaturas retais (°C), freqüências respiratórias (mov/m) e ITC para
os animais meio-sangue Girolandos.
N° Animal
TR1
TR2
Média
FR1
FR2
Média
ITC
459
38,17
38,90
38,53
36
42
39
9,27
710
38,60
39,00
38,80
48
44
46
9,60
450
38,43
38,93
38,68
36
38
37
9,50
460
38,37
39,07
38,72
56
70
63
9,30
457
38,23
38,47
38,35
44
46
45
9,77
458
38,43
38,80
38,62
40
45
42,5
9,63
431
37,73
38,43
38,08
44
40
42
9,30
456
38,47
38,83
38,65
46
46
46
9,63
433
37,93
38,57
38,25
36
36
36
9,37
407
38,30
38,60
38,45
40
36
38
9,70
Média
38,27
38,76
38,51
42,60
44,33
43,47
9,51
TR1: temperatura retal 13h; TR2: temperatura retal 15h
FR1: Freqüência respiratória 13h; FR2: Freqüência respiratória 15h
A Tabela 3 mostra as médias das temperaturas retais e das freqüências respiratórias
nos animais cinco-oitavos Girolandos, com os respectivos valores de ITC individuais. Foi
observada uma variabilidade menor entre os indivíduos deste grupo comparado ao grupo
meio-sangue, com ITC mínimo e máximo, respectivamente de 9,5 e 9,97. Os valores de
temperatura retal às 15h estão próximos aos valores de temperatura retal às 13h, podendo ser
tomado como índice de adaptabilidade Hopkins et al. (1978).
4
Tabela 3. Média das temperaturas retais (°C), freqüências respiratórias (mov/m) e ITC para
os animais cinco-oitavos Girolandos.
N° Animal
TR1
TR2
TR
FR1
FR2
FR
ITC
152
38,27
38,43
38,35
44
40
42
9,83
35
38,33
38,57
38,45
46
42
44
9,77
8
38,27
38,93
38,60
44
46
45
9,33
130
38,03
38,17
38,10
44
42
43
9,87
100
38,75
39,20
38,98
38
48
43
9,55
89
38,37
38,87
38,62
44
48
46
9,50
98
38,73
38,77
38,75
42
50
46
9,97
101
38,45
38,55
38,50
46
40
43
9,90
461
38,30
38,55
38,43
42
38
40
9,75
140
38,53
38,80
38,67
50
46
48
9,73
Média
38,40
38,68
38,54
44
44
44
9,72
TR1: temperatura retal 13h; TR2: temperatura retal 15h
FR1: Freqüência respiratória 13h; FR2: Freqüência respiratória 15h
Foi observada diferença estatística significativa (P<0,05) para os dois grupos
genéticos estudados, sendo que os animais cinco-oitavos se apresentaram mais tolerantes ao
calor (ITC 9,7) em relação aos animais meio-sangue Girolando (ITC 9,5), conforme
demonstra a Tabela 4.
Tabela 4. Médias para os valores de ITC nas diferentes estações do ano e graus de
consangüinidade estudados.
Tratamentos
Médias
Valor de P
9,51 a
0,0031
Meio-sangue
9,70 b
0,0031
Cinco - oitavos
Média geral
9,61
Médias seguidas de letras diferentes diferem pelo teste de Tukey, ao nível de significância de 5%.
Diversas aplicações do teste de tolerância ao calor de Baccari têm sido conduzidas,
em várias regiões e com diferentes raças bovinas taurinas de corte, buscando traçar um perfil
de exigência de manejo que permita a otimização de resultados com essas raças,
especialmente em condições de criação a campo. Vieira (2003), aplicando o teste de
tolerância ao calor de BACCARI em bovinos taurinos, observou os valores médios de ITC de
9,52 para a raça Angus; 9,50 para Blonde D’Aquitaine; 9,70 para Caracu; 8,71 para Limousin
e 9,79 para Piemontês, reportando uma maior variabilidade individual para a raça Limousin.
O coeficiente de correlação observado entre freqüência respiratória e índice de
tolerância ao calor, foi de r2 = 0,50, e para a temperatura retal e índice de tolerância ao calor
5
foi observada uma correlação de r2 = 0,80, justificando assim o uso da temperatura retal como
índice de adaptação fisiológica ao ambiente quente, sendo a base de calculo do ITC.
CONCLUSÕES
Há diferença entre a tolerância ao calor para animais girolandos com diferentes graus
de consangüinidade, sendo os animais cinco-oitavos mais tolerantes do que os animais meiosangue.
Em virtude da alta correlação existente entre as variáveis fisiológicas indicativas de
estresse e o ITC é possível validar seu uso como ferramenta de seleção de grupos ou
linhagens mais tolerantes ao calor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NÄÄS, I. A. Princípios de conforto térmico na produção animal. São Paulo, Ed. Ícone.
1989. 183p.
BACCARI Jr., F. Métodos e técnicas de avaliação da adaptabilidade dos animais nos
trópicos. Fundação Cargill, In: XI Semana de Zootecnia, Anais, Pirassununga/SP, 1986, p.5364.
BACCARI Jr., F.; MACHADO, M.A.; MARÇAL, W.S.; LIBONI, M.; FELIPETTO, L. Heat
tolerance and growth rate of young buffalo bulls. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
BIOMETEOROLOGIA, 1998. Goiânia. Anais...p.349-353.
LEE, D.H.K. Tolerancia de los animales domesticos al calor. [S.I.]: FAO, 1954. p.104-109.
ROSENBERG, L.J. Human and animal biometeorology. In: MICROCLIMATE-THE
BIOLOGICAL ENVIRONMENT, 2. ed. New York: Wiley-Interscience, 1983, Cha. 12,
p.425-467.
JHONSON, H.D. Environmental management of cattle to minimize the stress of climatic
change. Int. J. Biometeor. 1980. V 24, p. 64-78.
HOPKINS, P. S.; KNIGHTS, G. I.; LEFEURE, A. S. Studies of the environmental
physiology of tropical Merinos. Australian Journal Agriculture Research, East Medelaine,
v. 29, n. 1, p. 61-71, 1978.
VIEIRA, R.V. Teste de tolerância ao calor em bovinos de corte de raças européias
utilizadas no cruzamento industrial no Brasil. 2003. 43p. Dissertação (Mestrado) –
Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, Universidade de São Paulo,
Pirassununga.
6
Download

teste de tolerância ao calor e sua correlação com variáveis