Medo e Pathos: O indivíduo na (pós)-modernidade
Carlos Henrique Aguiar Serra1 e Flávia Mendes Ferreira2
Apresentação:
O nosso objetivo neste trabalho é refletir acerca do medo sentido e
vivenciado pelo indivíduo no começo do século XXI. Assim sendo, busca-se
uma breve análise sobre o período denominado como pós-modernidade, mas
que, contudo, guarda permanências da modernidade. Desta forma, autores
como
Zygmunt
Bauman,
Fredric
Jameson
e
Marshall
Berman
são
imprescindíveis para uma melhor compreensão da modernidade e pósmodernidade.
O período que vivemos é de intensa e constante mudança, não apenas
a vida em sociedade, como também as relações humanas não são mais
lugares de certeza, mas de ansiedade e medo.
Entendemos que existe uma grande variedade de medo (pós)-moderno,
que em última instância é o medo da “maleficência humana”. Medo que está
presente no imaginário dos indivíduos do século XXI e, que é um dos efeitos
produzidos pelas “novas tecnologias” do poder e do controle social na
contemporaneidade.
Neste sentido, interessa-nos também realizar um diálogo mais estreito e
profícuo, portanto, entre a Ciência Política e outras disciplinas científicas, como
a Psicologia, a Psicanálise e a Psicopatologia Fundamental, por exemplo, no
que concerne particularmente à necessidade substantiva da Ciência Política
ampliar o seu escopo teórico-metodológico e desta forma, atentar de forma
mais acurada para os estudos realizados no campo das subjetividades
humanas.
Quando nos referimos, como objeto do trabalho, ao medo e pathos na
contemporaneidade estamos atentos para o papel que o indivíduo exerce na
(pós) modernidade e é precisamente das relações que se estabelecem entre
indivíduo(s) e medo e pathos que procuramos realizar a nossa investigação
analítica no presente trabalho.
1
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF.
2
Uma possibilidade interpretativa que consideramos no nosso trabalho é
a formulada por Fredric Jameson no texto “Pós-modernidade: a lógica cultural
do capitalismo tardio”. Este autor parte da premissa de que na pósmodernidade há uma inexorável fragmentação do sujeito. Assim, o que se
coloca, portanto, nos dias atuais, contexto de pós-modernidade, é uma crise
identitária, mais, uma fragmentação da identidade.
. Medo e Pós-modernidade em Bauman:
De acordo com Zygmunt Bauman, medo é o nome que damos a nossa
incerteza. Normalmente sentimos medo do desconhecido, daquilo que não
sabemos ao certo o que é e, portanto não sabemos como devemos agir e
enfrentar a ameaça. Descrever o medo é tarefa difícil e Bauman não se prende
a isso. Como ele mesmo nos diz, o que ele faz é uma tentativa de procurar as
fontes dos medos líquido-modernos. Pois o que podemos afirmar é que o medo
é um sentimento conhecido por toda criatura viva.
Autor da chamada teoria pós-moderna, descreve nosso tempo como
líquido-moderno e assim, a vida que vivemos é líquido-moderna. Neste
contexto de vida líquida, de pós-modernidade, mais incertezas e dúvidas são
geradas, ou seja, cada vez mais os indivíduos vivem uma vida de insegurança,
com poucas garantias de um futuro em paz. Este ambiente é extremamente
propício ao aumento do medo humano.
A modernidade veio com a promessa de vida melhor, mais segura, e nós
apostamos nela, que traria desenvolvimento da ciência, a vida seria pautada
pela racionalidade humana que é o lugar de certeza, segurança. Teríamos uma
vida organizada e civilizada. Mas as esperanças se frustraram e hoje, alguns
séculos depois novamente viveram uma era de temores. A vida que os teóricos
do Iluminismo avistaram para os indivíduos da era da modernidade é bem
diferente da que temos hoje. Esperava-se que os medos pudessem ser
contidos; no entanto, como Zygmunt Bauman explica, no ambiente líquidomoderno que vivemos hoje, a luta contra o medo é uma tarefa para toda a vida.
O Estado não pode mais cumprir sua promessa de proteção, neste
tempo de globalização e mercados extraterritoriais. Desta forma, o que mais
amedronta é que os perigos podem vir de qualquer lugar e, o número deles
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aumenta cada dia mais. Isso, contudo, não significa que em todo o tempo,
durante vinte e quatro horas por dia, o medo seja sentido e, portanto,
vivenciado. Sabemos que as ameaças são muitas (das pessoas nas ruas, de
alguma coisa acontecer ao nosso lar, de uma catástrofe natural, de perder o
emprego, etc), mas o que se tenta é administrar o medo, ou seja, tornar a vida
com medo algo tolerável. Os perigos são percebidos como administráveis, mas
são também percebidos como companhias permanentes, pois nunca iremos
nos sentir livres de todas e qualquer ameaça, em estado de paz completa, mas
ao contrário, sempre haverá algo a nos atormentar, ou mesmo que não seja
uma ameaça real, em nosso imaginário sempre há algo a nos ameaçar. A vida
dos indivíduos da sociedade líquido-moderna está longe de ser livre das
ameaças, ao contrário se tornou uma longa luta contra os perigos genuínos ou
supostos que nos traz medo, uma luta impossível de ser vencida.
Uma estratégia que é feita na tentativa de fugir do problema é pensar
nas ameaças que estão muito próximas como Riscos. A categoria risco é
percebida como o perigo que acreditamos poder calcular, numa tentativa de ter
certeza. O risco é o perigo calculável, e a calculabilidade se aproxima da
probabilidade. Como não alcançamos a previsibilidade, a calculabilidade é algo
mais próximo dela. Ao focalizarmos nossa atenção naquilo a que podemos nos
defender, leva-nos a não pensar tanto naquele fato a que nada podemos fazer.
No entanto, os perigos mais assustadores são os que a previsão é impossível,
porque sabemos que as catástrofes que mais ferem são as que eram vistas
como probabilidade irrelevante. Ou seja, de onde não esperamos que o mal
nos atingisse é de onde mais sofremos. Sentíamo-nos seguros e nada fizemos,
não estávamos preparados para nos defender. “Para evitar a catástrofe,
primeiro é preciso acreditar na sua possibilidade. É preciso acreditar que o
impossível é possível”. (Jean-Pierre Dupuy apud Bauman 2008:24) Não saber
de onde vem a ameaça, não nos dá possibilidade de defesa, traz sentimento
de impotência, de não poder agir para se defender. O que temos então é um
não poder. Não ter poder para então, poder se defender, porque não se sabe
nem ao certo qual o perigo mais próximo e o que mais nos ameaça.
Bauman para explicar que a civilização a que estamos inseridos não é
tão segura como foi desejada no limiar da modernidade, faz analogia a
espessura de uma casca de hóstia, ou seja, qualquer movimento brusco e ela
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se rompem. O que significa é que vivemos uma vida de vulnerabilidade, pois a
época em que vivemos é carente de certeza, segurança e proteção. Logo, ter
medo está entre as poucas coisas que não se encontram em falta em nossa
época, os medos são muitos e os mais variados. Muitos dos perigos que
sentimos nos ameaçar vão além da nossa capacidade de agir. São difíceis de
serem compreendidos e assustam mais por causa do sentimento de impotência
que provocam. Não sabemos a origem, portanto ficamos inseridos num
ambiente de escuridão, onde não podemos enxergar e saber de onde vem o
perigo.
O sentimento de impotência segundo Bauman é o impacto mais
assustador do medo. Este sentimento paira no espaço que há entre as
ameaças e nossas reações. Pois ainda que a ameaça seja de uma catástrofe
que pode atingir a todos, ou a muitos, as reações são individuais, ou seja, se a
ameaça se concretizar, cada um de nós terá de enfrentá-la sozinho, com seus
próprios recursos. Mesmo os medos coletivos são enfrentados individualmente.
Pensar que é individualmente que as ameaças são enfrentadas, ainda
que sejam tragédias coletivas, nos leva a acender o sinal de alerta por
constatarmos que são os vínculos humanos que se tornam cada vez mais
frágeis. A solidariedade humana é praticamente inexistente, os vínculos são
rompidos com mais facilidade, ou seja, a relação com o outro não é tão
importante e a qualquer momento pode ser rompida. Bauman chama atenção
para o fato que os vínculos são frágeis, porque uma característica importante
deste tempo que vivemos é a intensa e constante desvalorização de tudo que é
durável, permanente ou de longo prazo. Fato é que a modernidade nasceu
trazendo com ela a bandeira de uma vida mais feliz, porém, na sociedade
líquido-moderna, como Bauman chama este período que vivemos no início do
século XXI, cada individuo é treinado a buscar sua própria felicidade, e tem a
esperança de alcançá-la por meio de esforços individuais.
Felicidade está relacionada à vida livre de inconveniências, portanto, se
alguma
relação
humana
torna-se
num
determinado
momento
um
inconveniente, com extrema facilidade aquele vínculo é rompido, pois o que se
quer alcançar é a felicidade. Pensamos que o problema é essa busca pela
felicidade individual a qualquer custo, independente da felicidade do outro, sem
nem ao menos se preocupar com quem está ao nosso lado é o que torna a
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vida cada vez mais um campo de batalhas, onde o conflito por reconhecimento
nunca acaba. Ou seja, a felicidade pode ser alcançada, mas ela será uma
vitória temporária. A felicidade da vida líquido-moderna, também tem seu
caráter pós-moderno de pouca durabilidade, onde nada é eterno e a felicidade
também não é. No campo de batalha que se tornou a vida, o espectro que
paira é o da exclusão, ou morte metafórica como Bauman chama.
Pensar o medo nos leva ao mesmo tempo pensar o mal, aquilo que
causa o sofrimento humano. Não é possível pensar uma categoria separada da
outra, ambas estão relacionadas àquilo que traz o sofrimento humano. Bauman
sugere que medo e mal são dois nomes de uma mesma experiência, sendo um
deles relacionado ao que se vê e ouve, e o outro se relaciona ao que sentimos.
O mal no início da história ocidental estava relacionado à idéia de pecado, era
um problema moral onde não cabiam atitudes práticas para destruí-lo, mas
com armas morais se enfrentaria. Com a modernidade e o Iluminismo o mal
deixou de estar vinculado ao pecado, também porque tínhamos a esperança de
que poderíamos controlar a vida e o mundo e, portanto o mal se manteria
afastado, a promessa era de controle, sobretudo sobre a natureza, de
desenvolvimento da ciência, de racionalidade.
Acreditamos na promessa de felicidade, mas hoje nos deparamos com
uma realidade (pós)-moderna em que nos resta afirmar que o que se esperava
não ocorreu. Acreditamos na promessa de que não mais sofreríamos, mas o
que observamos hoje é que a mesma racionalidade que deveria servir para
trazer a felicidade é usada para causar sofrimento. Hoje os maiores males são
produzidos por mãos humanas, e eles são tão cruéis e difíceis de serem
previstos e enfrentados quanto eram antes da modernidade. “O caminho ao
longo do qual a razão nos conduziu pelos séculos da Era Moderna não nos
deixou nem perto da universalização das máximas que nós lutamos para tornar
aplicáveis a nós mesmos”. (Bauman: 87) A razão moderna criou monopólios
que tornam exclusivos os direitos a determinados indivíduos. A razão não se
manifestou quando o sofrimento de muitos era um bom preço a ser pago pelo
conforto de outros. Embora esta mesma razão devesse ser contrária a tal
atitude. A razão tem servido a privilégios de alguns. Felicidade, liberdade e
segurança tornaram-se privilégio, não se universalizou como acreditamos que
ocorreria.
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Bauman nos alerta para o fato de que antes de Auschwitz não sabíamos
como pode ser grande variedade de mal que os humanos podem produzir.
Acreditávamos que somente monstros cometessem crimes monstruosos.
Saber que humanos como nós podem cometer maldades imensas contra
outros humanos nos fez caminhar mais de pressa para a atual crise de
confiança que vivemos. O mal pode estar em qualquer lugar e pode vir de
qualquer pessoa. As relações humanas são descartáveis, logo, em quem
confiar se não sabemos o quanto a pessoa que está ao nosso lado pode
resistir ao mal. A crise de confiança é um mal que atinge os vínculos humanos.
As relações humanas deixam de ser espaços de certeza, tranqüilidade e
conforto, transformam-se em relações fluidas que são vividas em estado de
alerta.
. Modernidade e Pós-Modernidade: encontros e desencontros
As reflexões argutas, criativas e sensíveis de Bauman nos remetem
também para uma breve problematização a respeito da relação existente entre
a modernidade e a pós-modernidade no que tange fundamentalmente aos
encontros e desencontros presentes nesta complexa e intrínseca relação.
Voltando rapidamente para o século XIX, podemos observar como os
indivíduos daquele século, por exemplo, vivenciaram a modernidade, o ser
moderno, que na Europa, já desde fins do XVIII, se colocava de forma
inexorável para os destinos da humanidade.
Assim sendo, percebemos, então, conforme salienta Octávio Ianni, que
na modernidade, os indivíduos se deparam com um destino trágico (IANNI,
1989). Este destino trágico, na verdade, um pathos moderno e pós-moderno,
traz consigo todo um sofrimento, medo, desilusão que homens e mulheres, por
exemplo, do XIX sentiram, vivenciaram No exato momento histórico de que a
sociedade burguesa, o capitalismo, portanto, na Europa, encontrava-se numa
terrível crise e que se, por um lado, apontava para o desenvolvimento,
expansão da produção, urbanização e embelezamento dos principais centros
urbanos, como Londres e Paris, por outro, produzia intensamente a miséria, a
fome, a exclusão social, a marginalização social, a produção de guetos,
aglomerados urbanos.
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Na verdade, o processo de produção capitalista do XIX, sempre
considerando a Europa, produziu em larga escala uma brutal exploração da
força de trabalho, expropriação do saber do trabalho por parte do proletariado
e, então, ensejou a acumulação de capital calcada na obtenção e extração do
lucro e mais-valia.
O componente dramático de todo este quadro vivenciado por homens e
mulheres do XIX é que havia uma certa onipotência da razão, os indivíduos,
em certa medida, acreditavam que o conhecimento científico, a Ciência em si,
fosse capaz de explicar tudo, dar conta de todos os processos sociais e mais,
pudesse aliviar o sofrimento humano. Isso se configurou enquanto um ledo
engano pois, sem dúvida alguma, a razão, o conhecimento científico,
contribuem para uma melhor compreensão de inúmeros aspectos presentes no
acontecer social. Contudo, eis o drama, o sofrimento, não explicam tudo e
também, não amenizam, tendo em vista o contexto histórico-político do XIX, o
sofrimento humano.
Um autor que caracterizou de forma muito peculiar e original este
sofrimento humano, esta melancolia, perplexidade sentida por homens e
mulheres do XIX, foi Max Weber quando afirma que na modernidade o que
ocorre é um desencantamento do mundo. Este desencantamento é a metáfora
indicativa do pathos, do sofrimento humano.
Marshall Berman expressa que na modernidade os indivíduos se
deparam com um turbilhão de emoções, sentimentos, e que, portanto, o ser
moderno é aquele que vivencia todas as contradições, ambigüidades,
incongruências e turbulências presentes na vida moderna (BERMAN, 1986).
No texto “Tudo o que é sólido desmancha no ar”, um ensaio muito
instigante, crítico, reflexivo, Berman parte precisamente da frase escrita e dita
por Marx no “Manifesto Comunista”, em 1848, quando este autor, Marx,
procurava analisar que do choque inevitável entre as relações de produção e
as forças produtivas, uma lacuna abrir-se-ia, mediante a conscientização e
politização do proletariado, para o processo revolucionário e assim, ocorreria a
superação do capitalismo, a destruição do Estado burguês.
Marx ao afirmar que “tudo que é sólido desmancha no ar, tudo o que é
sagrado é profanado, e os homens são por fim forçados a encarar com
sentidos sóbrios as reais condições de suas vidas e suas relações com os
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outros
homens”,
sinaliza
concretamente
tanto
para
a
destruição,
o
desmantelamento de antigas e sólidas relações, a dessacralização da vida
social e política, e também, aponta para uma perspectiva política que busca
superar e enfrentar este pathos e sofrimento humano.
Neste sentido, segundo Berman, o Manifesto “ajudou a ver as coisas
ruins e as coisas boas do mundo podiam proceder de um mesmo lugar, como o
sofrimento podia ser uma fonte de crescimento e satisfação, como o
pensamento radical podia escapar do desânimo e do dualismo e reunir energia
e visão para melhores tempos” (BERMAN, 1986, 2001)
Um aspecto essencial presente na compreensão de Berman acerca do
texto de Marx é a sua própria concepção de que “tudo o que a sociedade
burguesa constrói é construído para ser demolido”; enfim, tudo é feito “para ser
quebrado amanhã, para ser despedaçado, esmigalhado, pulverizado ou
dissolvido, para poder ser reciclado ou substituído na semana que vem, e todo
o processo poder prosseguir, espera-se para sempre, de formas cada vez mais
lucrativas” (BERMAN, 2001).
É, não sem razão, que Baudelaire, poeta francês, costumava dizer que a
modernidade é o transitório, o efêmero (IANNI, 1989). Faltou ao poeta
acrescentar que esta transitoriedade, este aspecto de efêmero, é uma das
marcas emblemáticas do processo de produção capitalista que visa transformar
o efêmero em permanente, num processo incessante de construção,
desconstrução e reconstrução.
Desta forma, ainda segundo Berman, o pathos de todos os
“monumentos burgueses é que sua força e solidez material na verdade não
conta, para nada e não têm peso algum, eles são varridos como frágeis
gravetos pelas mesmas forças do desenvolvimento capitalista que celebram”
(BERMAN, 2001). Assim, “mesmo as mais belas e impressionantes
construções e obras públicas burguesas são descartáveis, são capitalizadas
para uma rápida desvalorização e planejadas para tornar-se obsoletas”
(BERMAN, 2001).
A leitura de Berman acerca de Marx, no Manifesto, o concebe enquanto
um autor modernista e coloca, assim, lado a lado, o pensamento de Marx e a
modernidade. Há, portanto, uma visão transformadora deste autor modernista,
Marx, a respeito da vida moderna, do turbilhão e contradições do capitalismo e
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da necessidade, de ao enfrentar tudo isso, de uma superação deste status
quo. Para Berman, Marx sabia que a “rota de saída das contradições teria de
passar pela modernidade, e não desviar-se dela” (BERMAN, 2001).
Observamos, então, que uma das conexões existentes entre a
modernidade e a pós-modernidade é este aspecto da desconstrução, do
efêmero, e, portanto, do pathos humano, do sofrimento, presente na vida dos
indivíduos.
A premissa que Jameson sustenta no texto “Pós-Modernidade”, de que
há uma fragmentação identitária do sujeito na pós-modernidade, pode ser
também contemplada no quadro modernista. Entretanto, e aí anunciamos a
nossa
hipótese,
na
pós-modernidade
há
uma
potencialização
desta
fragmentação identitária que sinaliza dramaticamente para uma terrível crise de
identidade, onde indivíduos, espaços, lugares perdem suas identidades,
espaços, lugares, pois tudo ou quase se volatiza num ritmo ainda mais intenso
e alucinado do que na modernidade.
Jameson ainda afirma, numa tentativa teórica de estabelecer algumas
conexões entre modernidade e pós-modernidade, que o pós-modernismo se
configura enquanto “componente do estágio atual da história” e, desta forma,
procura investigar “suas manifestações culturais – como o vídeo, o cinema, a
literatura, a arquitetura, a retórica sobre o mercado – não só como veículos
para um novo tipo de hegemonia ideológica, a que é funcional para o novo
estágio do capitalismo globalizado, mas também como configurações que
permitem ao crítico de cultura destrinchar os germes de ‘novas formas do
coletivo, até hoje quase impenetráveis’” (JAMESON, 1996).
O pós-modernismo seria e é um dos elementos chaves para se
compreender o ‘estágio atual da História’, que, no entendimento de Jameson, e
também, em conformidade com nossa concepção, personifica-se no que se
cunhou chamar e conceituar como ‘capitalismo tardio’; ou seja, tardio porque o
capitalismo ainda não acabou!
Chamamos a atenção também para outro aspecto que sinaliza para um
desencontro e distanciamento entre modernidade e pós-modernidade: a perda
da historicidade na pós-modernidade.
Entendemos que esta perda de historicidade se coaduna com a tese
central de Jameson acerca da “fragmentação do sujeito”. Na pós-modernidade,
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nada tem lugar definido e mais, que a “primeira vítima do período pós-moderno,
sua ausência misteriosa, é a ‘história modernista’” (JAMESON, 1996).
É necessário sublinhar que para Jameson o pós-modernismo aparece
como uma concepção histórica e principalmente, a formulação teórica do autor
vai ao encontro de uma apreensão deste fenômeno enquanto “dominante
cultural da lógica do capitalismo tardio” (JAMESON, 1996).
Assim sendo, numa tentativa de conclusão, os indivíduos vivenciaram e
vivenciam, ainda hoje, na modernidade e pós-modernidade, medos, crises e
particularmente, no que se constitui como o principal sintoma presente tanto na
modernidade como na pós-modernidade: o pathos.
Berlinck afirma que quando o pathos acontece, “algo da ordem do
excesso, da desmesura se põe em marcha sem que o eu possa se
assenhorear desse acontecimento, a não ser como paciente, com ator“
(BERLINCK, 2OO0). É neste sentido, ainda segundo o autor, que pathos
designa “o que é pático, o que é vivido. Aquilo que pode se tornar experiência”
(BERLINCK, 2000).
Por fim, identificamos que os medos, líquidos ou não, e o pathos
humano, assumem no atual estágio do capitalismo tardio, na pós-modernidade,
uma dimensão considerável. Na verdade, se potencializaram e muito, e uma
das possibilidades de superá-los é enfrentá-los, administrá-los e quem sabe,
que os indivíduos sejam capazes de produzir fantasias catárticas, libertárias e
prazerosas.
. Referências Bibliográficas:
. BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
. BERLINCK, Manoel. Psicopatologia Fundamental. São Paulo: Escuta, 2000.
. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. Rio de Janeiro:
Companhia das Letras, 1986.
. ________. Aventuras no Marxismo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
2001.
. IANNI, Octávio. A Sociologia e o Mundo Moderno. São Paulo: EPU, 1989.
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. JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio.
São Paulo: Ática, 1996.
. MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo: Global, 1986.
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