COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS: UM NOVO MARCO DE UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA SOUZA, Fabíola Beatriz Franco – PUCPR [email protected] GISI Maria Lourdes – PUCPR [email protected] Eixo Temático: Diversidade e inclusão Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo O presente estudo investiga a importância da aplicação da política de cotas, para uma população que sempre esteve a margem a sociedade, porque as diversas estatísticas que abordam esse tema revelam que a situação entre brancos e negros é baseada numa relação em que a desigualdade impera. Com o objetivo de mostrar a contradição, que paira em nossa sociedade sobre essa temática, ou seja, de um lado da moeda tem-se o reconhecimento de que a discriminação racial trouxe prejuízos, com relação às possibilidades de ascensão social dos afro-brasileiros, do outro lado, temos a rejeição ao programa de cotas para negros nas universidades públicas. Neste estudo optou-se pela abordagem qualitativa já que a pesquisadora direcionou a sua preocupação com o processo e o significado da investigação e não, somente, com o resultado e o produto. Os procedimentos de pesquisa foram: aplicação de u questionário e um questionário realizado junto a estudantes do 3º ano do ensino médio, de um colégio da Rede Estadual de Ensino do Paraná no ano de 2008. O referencial teórico utilizado neste estudo baseou-se nos seguintes autores: WALTERS (1995), BENTO (1998), GOMES (2001), PAIXÃO (2003), BRASIL (2004), IANNI (2004), ADESKY (2006), MAGGIE (2006) e BRANDÃO (2007). Chega-se a conclusão com esse estudo de que ao tomar um posicionamento contra a política de cotas e não apresentar nenhuma soluções e opções para enfrentar a desigualdade de oportunidades entre os afrodescedente e brancos no sistema educacional é fazer o jogo daqueles que acreditam na democracia racial, porque depois de 120 anos de abolição da escravatura nada foi feito para o ressarcimento desta população, chegou hora então de darmos um basta a essa situação, reconhecendo o direito à diferença de tratamento legal para grupos que sofreram e continuam sofrendo discriminação. Introdução A relação entre desigualdades socioeconômicas e origem étnico – racial são colocada em jogo quando nos deparamos com a realidade brasileira, porque as diversas estatísticas que abordam esse tema revelam que a situação entre brancos e negros é baseada 1391 numa relação em que a desigualdade impera, uma vez que os negros ocupam a posição mais baixa na escala social. As causas dessa situação são de ordem histórica e sociocultural, isto é, a pesada herança escravocrata aliada ao racismo e consequentemente ao mito da “democracia racial”, criam uma série de dificuldades para a integração do negro na sociedade, levando na direção da exclusão social Neste artigo pretende-se discutir a importância da aplicação da política de cotas, para uma população que sempre esteve a margem da sociedade e como bem destacam as diretrizes “[...] do jeito que está é injusto demais. É injusto com uma população que carregou nas costas toda a economia do Brasil colônia e, abolida a escravidão, foi da senzala para a favela [...] (BRASIL, 2004. p.21). É importante destacar que neste artigo pretende-se, também, mostrar a contradição, que paira em nossa sociedade sobre essa temática, ou seja, de um lado da moeda tem-se o reconhecimento de que a discriminação racial trouxe prejuízos, com relação às possibilidades de ascensão social dos afro-brasileiros, do outro lado, temos a rejeição ao programa de cotas para negros nas universidades públicas. Para que essa discussão não se torne mais um “Blá blá blá” teórico analisar-se-á a percepção de 51 alunos do 3° ano do ensino médio, quanto a aceitação ou não das cotas como medidas reparatórias, usando para isso dois pontos de vistas o primeiro seria que a política de cotas iria reparar a população negra das injustiças do passado já o segundo seria que ela iria aumentar o racismo na sociedade brasileira, para tanto foi utilizado, como instrumento de pesquisa, um questionários com cinco perguntas fechadas e uma aberta. Para atingir uma melhor compreensão dos objetivos propostos, optou-se dividir o trabalho em duas partes. A primeira, mais conceitual, na qual começa-se, com um breve relato, das consequências históricas do período escravocrata para em seguida demonstrar como o Brasil ao longo do século XX construiu uma imagem de um país isento de preconceito racial, surgindo assim o mito da democracia racial. Estruturado para um maior controle político, ideológico e econômico da população afro-descedente alega-se que no nosso país as relações raciais são harmoniosas. Para tanto busca-se teorizar sobre o que são ações afirmativas e políticas públicas as quais tem a função de ajudar a diminuir a desigualdade racial. Outra, de caráter mais empírico, na qual apresenta-se os resultados de uma pesquisa sobre as cotas para negros nas universidades públicas, realizada junto a 1392 estudantes do 3º ano do ensino médio, de um colégio da Rede Estadual de Ensino do Paraná no ano de 2008. Da Escravidão ao Mito da Democracia Racial Um dos grandes desafios da sociedade brasileira, talvez seja admitir o quanto é excludente e nesse ponto a escola tem um enorme papel já que ela é o espaço privilegiado, para discussões que envolvam questões étnico-raciais e acima tudo as perdas que sofreram os afrodescendentes em nossa sociedade a começar pela maneira como eles vieram para o Brasil, isto é, como mercadorias, destinados aos trabalhos forçados, negando assim sua verdadeira história. O africano não foi escravizado porque era negro, mais sim por necessidade de expansão do capitalismo mercantil e por necessidade de exploração das novas terras das Américas, porque “A sociedade brasileira pelo fato de sustentar-se no modo de produção capitalista, tem produzido a desigualdade e a exclusão (SANTOS & MESQUIDA, 2007. p. 65)” . O negro foi escravizado para sobretudo produzir bens a serem comercializados, sobre isso Paulo Freire (1996. p.128) fala que o: “Sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca. Espero convencido de que chegará um tempo em que [...] o mundo se refará e recusará a ditadura do mercado, fundada na perversidade de sua ética do lucro” Nasce então o negro como mercadoria sempre relegada ao plano inferior e surge então um novo fenômeno: o racismo, que é nada mais, nada menos do que uma “justificativa” de um ato que não encontra explicações para sua existência, já que segundo Bento(1998) a utilização do termo racismo subentende claramente que existem raças puras e que estas são superiores às demais e, ainda que tal superioridade, quando estabelecida, determina privilégio de uma raça sobre a outra, atitude que hoje tem conseqüências históricas e isso é posto em evidencia quando lemos um trecho do Relatório do Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira na III Conferência Mundial das 1393 Nações Unidas Contra O Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. O racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda a história. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração atual herdou. (BRASIL, 2001). Segundo Matinho Junior da Silva o racismo à brasileira é difícil de ser combatido, porque ele é dissimulado, hipócrita, ardiloso, engenhoso e mascarado e emprega o “[...] pomposo nome de democracia racial, usando a tática das cores do camaleão nenhuma outra modalidade conseguiu ser mais dissimulada” (SILVA, 1987.p. 177) Para justificar e omitir os reflexos da escravidão e o quadro de desigualdades raciais no Brasil entra em cena o mito da democracia racial “[...] uma forma brasileiríssima, bastante eficaz, de controle social. (SANTOS 2005. p. 44).” sendo uma tentativa da elite brasileira em esconder ou minimizar os efeitos da escravidão e da inserção do negro no capitalismo brasileiro com um processo de desigualdade secular, além disso, esse mito vinha acompanhado da crença que no Brasil as relações raciais eram harmoniosas, pois tínhamos um senhor benevolente. O mito da “democracia racial” nega situações de constrangimento, mal – entendidos e humilhações sofridas pelos negros, dando a idéia de que o nosso país não haveria barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas afrodescedentes, no entanto não precisamos de grandes estudos para perceber quão desigual é a distribuição de oportunidades no Brasil. Conforme Rocha (2007) o êxito do mito da Democracia Racial deu-se pelo apagamento da história de resistência dos negros à escravidão e também pelo esquecimento das mazelas da escravidão para a construção de uma nação em que todos os povos poderiam conviver fraternalmente, no entanto não foi isso o que aconteceu os dados estatísticos são contundentes em dizer que não dá para continuar como está, pois estamos vivendo uma abolição inacabada, pois os indicadores sociais mostram que ainda a população negra continua à margem da sociedade. 1394 [...] do mito da democracia racial, a realidade brasileira efetiva da população negra em nosso país segue sendo marcada pela ausência de direitos coletivos e pelo profundo hiato que a separa das condições de vida da população eurodescedente brasileira (PAIXÃO. 2003, 69). O principal desafio dos brasileiros, quando nos remetemos a esse tema é de superar a noção de que no Brasil não existe discriminação racial, e que nós, brasileiros, somos um povo pacífico e cordial. É preciso encarar essa situação de frente, pois nenhum país do mundo está livre do preconceito racial, a respeito disso Santos (2005. p. 42 – 43) faz um convite a todos que acreditam que o Brasil como país onde todas as culturas, raças e etnias vivem harmonicamente. Convido as pessoas que ainda crêem na “democracia racial brasileira” e na “cordialidade inata do brasileiro” e balelas tais, a prestarem um pouco mais de atenção à sua volta: os jornais noticiam, em média, dois casos de discriminação racial por mês [...]. Pretinhos, baianinhos, paraibinhas, índios, cablocos, jovens judeus, moças japonesas, nesse exato momento, estão sofrendo alguma espécie de mal trato pelo simples fato de não pertencerem a maioria branca [...] Por que boa parte dos brasileiros ainda acredita que vivamos numa “democracia racial”? Para começar, porque as elites que nos governam até hoje precisavam vender esta mentira, aqui e no exterior. A cabeça de uma sociedade é, em geral, feita pela sua classe dominante – com o objetivo duplo de manter seus privilégios e deixá-los dormir em paz. Por mais que a renda mensal média de brancos em relação à de negros ou pardos diminuiu nos últimos anos as desigualdades raciais ainda são profundas no Brasil e devem ser corrigidas com políticas públicas que aliem crescimento econômico com inclusão social da população negra. Essa é uma das conclusões do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil (2007-2008), lançado no dia 10/11/08 por Marcelo Paixão. O relatório revela, por exemplo, que existe uma sub-representação da população negra em cargos públicos e partidos políticos. No Congresso Nacional, de 513 deputados federais, apenas 10 são negros entre os homens e 33, pardos. A situação se agrava entre as mulheres: uma negra e duas que se declararam pardas. Já se passaram mais de um século do fim da escravidão, mais ainda carregamos no nosso corpo as chagas deste período histórico do nosso país através das seqüelas que se propagam como erva daninha e dentre elas podemos citar o racismo e o mito da democracia racial, por isso “(...) se a sociedade brasileira deseja acabar com a violência e o racismo, 1395 deve confessar que é violenta e racista” (SANTOS, 2005. p 48), só assim poderemos reverter o quadro de desigualdades sociais e raciais que ronda a nossa sociedade. Ações afirmativas X Políticas Públicas Não era possível imaginar a proposta de ação afirmativa num país,onde há pouco tempo se negava os indícios de preconceito étnicos e discriminação racial. (MUNANGA, 2003, p. 120) As Políticas Públicas se referem a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. [...] as políticas públicas, em geral, são geradas a partir de um fato político (carências e interesses) que o geram. Quando uma política pública atende uma carência da realidade social que se institui num interesse comum, ela é gerada de um fato político e ao mesmo tempo origina outro. (BONETI, 2006, p. 52-53) Partindo deste pressuposto, temos que ter consciência que a sociedade pede urgentemente a criação de projetos para a construção de melhores condições de distribuição da renda e da riqueza, para tanto é importante que a sociedade compreenda que o problema é a má distribuição da riqueza. Essa distribuição “correta” deve ser feita, principalmente, através da políticas públicas do Estado. A desigualdade racial sempre é posta em destaque, na sociedade brasileira e um ponto de partida para sua reversão são as ações afirmativas, que pretendem corrigir as formas de desigualdade. Os atabaques batem pedindo justiça, porque uma sociedade que clama pela democracia não deve aceitar o racismo. A expressão “ação afirmativa” foi criada pelo presidente dos Estados Unidos J.F. Kennedy, em 1963, significando: 1396 [...] conjunto de políticas públicas e privadas de caráter Compulsório, facultativo ou voluntário,concebidas com vistas ao combate da discriminação de raça, gênero etc., bem como para corrigir os efeitos presentes das discriminação praticada no passado, tendo como objetivo igualdade de acesso a bens fundamentais como educação e emprego (GOMES, 2001, p. 40). ou Ação afirmativa é um conceito que indica que, a fim de compensar os negros e outras minorias (...) pela discriminação sofrida no passado, devem ser distribuídos recursos sociais como empregos, educação, moradias etc de forma tal a promover o objetivo social final da igualdade. (WALTERS, 1995, p. 131) Ações afirmativas buscam proporcionar melhores oportunidades para as pessoas que sempre ficaram a margem da sociedade com desvantagens históricas, por isso o Movimento Social Negro sempre exigiu do governo ações especificas para garantir a essa população excluída o direito a educação, moradia, saúde, renda etc. Jacques Adesk (2006) chama atenção para que a idéia de um tratamento preferencial em beneficio dos grupos vulneráveis à discriminação possa ser aceito plenamente é essencial o reconhecimento da existência da desigualdade e que esta é profundamente injusta. Numa sociedade extremamente desigual e heterogênea como a nossa, as ações afirmativas e consequentemente as políticas públicas, devem desempenhar um importante papel, tanto em relação à democratização da estrutura social estabelecida, quanto, na formação de um cidadão critico e atuante. Nesse momento entram em cena os Movimentos Sociais Negros, que há décadas vem batalhando contra os problemas de exclusão social do negro no Brasíl, porque crêem que esse segmento populacional precisa muito mais do que “boas intenções” e discursos acadêmicos fervorosos em sua defesa , são necessárias ações efetivas, seja qual for a terminologia: ação positica, discriminação positiva e políticas compensatórias (MUNANGA, 2003) Desde de 1990 e principalmente depois da Marcha Zumbi existe uma pressão do Movimento Social Negro, que pedia desde de 1980 a inclusão educacional da população. Foi no dia 20 de novembro de 1995 que a mídia divulgou a manifestação, organizada pelo Movimento Social Negro: “ Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” que reuniu cerca de trinta mil pessoas em Brasília. Nesse momento foi 1397 entregue um documento ao governo federal “ Programa de superação do racismo e da desigualdade racial” pactuado entre as principais organizações e lideranças negras do país, nesse documento pode –se ler: “Não basta, repetimos, a mera abstenção da prática discriminatória: impõem-se medidas eficazes de promoção de igualdade de oportunidade e respeito à diferença.” 1 Através de denúncias dos Movimentos Sociais Negros, principalmente por intermédios de várias pesquisas e estudos sobre as desigualdades raciais, a exclusão social do negro no Brasil começa a ganhar fôlego. Mesmo com os resultados de pesquisa diversas e os movimentos sociais cada vez mais atuantes, somente em 1995 o governo brasileiro reconheceu que o país é estruturalmente racista e deve assumir sua dívida histórica para com os negros. Naquele ano ocorre uma grande mobilização dos movimentos negros para a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida. O pronunciamento da Presidência da República, ao receber a marcha, reconheceu que o Brasil é um país no qual a discriminação racial é estrutural e institucional. (BRANDÃO, 2007. p. 156) Desta maneira, entram em cena as ações afirmativas neste século XXI. Em setembro de 2001 foi realizado em Durbam, África do Sul, a Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância “foi nessa conferência que a postura do governo brasileiro perante a questão racial mudou radicalmente” (MAGGIE, 2006, p.741). Durante esta Conferência, em rede nacional, o governo federal tornou pública a sua decisão, ou seja, de autorizar a delegação brasileira em Durban a defender a adoção de cotas para atenuar as desigualdades raciais. O governo Fernando Henrique Cardoso nomeou uma comissão para elaborar o posicionamento do Brasil na Conferência. Esse grupo foi presidido pelo Secretário de Estado de Direito Humanos e agrupava agentes estatais e representantes de movimentos sociais e Ongs, com forte presença de integrantes de movimento negro. (...) o grupo apontou as ações afirmativas como indispensáveis para romper com o ciclo que reproduzia as desigualdades raciais no Brasil. As cotas para acesso às universidades públicas são afirmadas como um dos elementos importantes neste processo. (BRANDÃO, 2007, p.10) Quando ocorre essa conferência reconhece – se que a escravidão foi uma tragédia, de conseqüências históricas, para a humanidade porque negava a identidade das vítimas, por isso também reconhece a presença do racismo como fator de promoção da desigualdade racial e sua oposição seria a luta contra o mito da democracia racial. É assim que em 1398 Durban o Brasil compromete-se com criação de ações afirmativas voltadas para população negra. “No período pós – Durban as propostas de ação afirmativa no ensino superior conseguiram avançar com passos importantes, inicialmente em algumas universidades estaduais (BRANDÃO, 2007, p.10)” Unindo a conferência e os dados estatísticos dos institutos de análises dos indicadores socioeconômicos brasileiros (IBGE) e (IPEA), foi dada continuidade às discussões, já iniciadas pelo movimento negro, sobre a urgência da elaboração de Políticas de ação afirmativa visando maiores oportunidades para a população negra no Brasil. Das políticas públicas, que estão sendo utilizadas no Brasil, a mais polêmica é a política de ações afirmativas em benefício da população negra, ou seja, o sistema de cotas para negros, no entanto não se considera que esse programa estabelece o inicio do combate à desigualdade racial , porque é a primeira vez que o governo busca reparar a população negra das injustiças do passado que ainda se refletem no presente tentando romper com o silêncio que paira sobre o racismo provocado pelo mito da “Democracia racial”, pois embora esse programa tenha falhas, ele significa o inicio de uma de luta pela igualdade racial, a qual possibilita enfrentar as desigualdades de oportunidade entre brancos e negros no campo educacional. Quando as políticas de ações afirmativas em beneficio da população negra de acesso ao ensino superior são colocadas em prática, simultaneamente ocorrem diferentes reações dos seguimentos da sociedade brasileira, argumentando que no Brasil não existiam conflitos raciais, entretanto, o que não falta no Brasil são casos de violações de direitos da população negra. A começar que esse país, segundo alguns, democraticamente racial, foi o último a abolir escravidão, além disso os ex-escravos não tiveram nenhum tipo de compensação pelos séculos de trabalhos forçados, tentaram então ser incluídos na vida social, porém continuaram excluídos sem acesso a educação de qualidade, a terra, oportunidade de trabalho, a moradia digna. “Ainda hoje, o negro é apresentado em muito bancos escolares como o “objeto escravo”, sem passado, passivo, inferiorizado, desconfigurado, desprovido de cultura saberes e conhecimentos . É como se o negro não tivesse participado de outras relações sociais que não fossem a escravidão (BRANDÃO, 2007, p.28) Esta situação ainda continua acontecendo, segundo os dados estatísticos apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geográfico de Estatísticas (IBCE) sobre a 1399 exclusão social da população negra não há dúvidas, depois de mais três séculos de um sistema cruel e excludente de escravidão, os negros estão segregados nas periferias das grandes cidades, no entanto essa situação pode melhorar com o apoio de políticas públicas capazes de combater questões como: a exclusão, o preconceito e a discriminação racial. A população de afrodescedentes brasileira forma a segunda maior população negra do mundo, atrás apenas da Nigéria, entretanto enfrenta muitas desvantagens quando é revelada sua condição socioeconômica. O ensino superior é um grande exemplo disso segundo os dados do IBGE 2 em dez anos, aumentou a desigualdade entre brancos e negros quando se compara taxas de freqüência e de conclusão do ensino superior dos dois grupos. Em 1997, 9,6% dos autodeclarados brancos e 2,2% dos pretos e pardos, de 25 anos ou mais de idade, tinham curso superior completo no País. No de 2007, as proporções eram de 13,4% e 4%, respectivamente. Ou seja: apesar de a participação dos pretos e pardos ter quase dobrado, o hiato em relação aos brancos aumentou de 7,4 para 9,4 pontos porcentuais, neste período, isso significa que 96% dos negros (com 25 anos ou mais) ignoram o que é universidade, além disso segundo os técnicos do IBGE “as conseqüências destas desigualdades se refletem nas diferenças dos rendimentos médios percebidos por negros e pardos em relação aos dos brancos, se apresentando sempre menores (em torno de 50%)”. Os dados do IBGE mostram que a discriminação racial ainda é uma marca presente em nossa sociedade, seja de forma ardilosa, disfarçada ou dissimulada e que historicamente ela mostra-se claramente aos olhos de toda a sociedade brasileira. Por isso é necessária a construção de uma sociedade mais democrática e menos desigual, a partir da ampliação de oportunidades para a população negra em todos os níveis, principalmente no campo educacional, pois a nossa lei maior, isto é, a Constituição Federal nos possibilita sonha em construir uma nação que inclua a todos como cidadãos com os mesmos direitos sem distinção entre brancos e negros, ricos e pobres, mulheres e homens. Essa mesma lei prega um conjunto de valores para a sociedade brasileira, dentre os quais destacam-se a valorização dos direitos humanos e o combate a toda e qualquer forma de discriminação, no seu artigo 206 diz: “ O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.” (grifo meu). 1400 Esse acesso ocorrerá, quando pudermos fazer escolhas que promovam grupos historicamente excluídos, por isso as cotas nas universidades para a população negra, tem um papel estratégico na luta por igualdade de oportunidades, como uma solução para o problema das desigualdades raciais no ensino superior. As percepções sobre a política de cotas para negros nas universidades públicas O programa de cotas para negros nas universidades ainda gera polêmicas e divide opiniões, visto que envolve um debate importante sobre o racismo no Brasil, um país cujo o preconceito racial existe de forma mascarada, por isso “o racismo não pode ser combatido apenas com argumentos neutros e racionais, pois deita raízes profundas nos planos da efetividades e da inconsciência. (DUARTE e FELIX, 2007 p. 194)” As cotas para o acesso ao ensino superior é uma das formas de se resolver o problema da exclusão racial. “Principalmente, se a sociedade tiver sido construída com políticas excludentes para grupos minoritários, como é o caso das sociedades escravagistas onde o Brasil se insere (BRANDÃO, 2007 p.17 e18)”. Mas nem sempre as pesquisas revelam esse tipo de posicionamento e sim as percepções dos entrevistados. Vamos a elas: Questão Questionamento SIM NÃO TOTAL 1 Você sabe como funcionam as condições de acesso, ao ensino superior, pelo sistema de cotas para negros? 13 38 51 25,5 74,5 39 12 76,5 23,5 12 39 13,5 86,5 42 9 82,3 17,7 33 18 64,7 35,3 2 3 4 5 O aluno que entra na universidade com uma vaga de cotas sofre discriminação por parte dos outros estudantes ? Com o estabelecimento desta ação afirmativa, isto é, o programa de cotas para negros nas universidades, vai aumentar o racismo na sociedade brasileira? A política de cotas para negros na educação superior busca reparar a população negra das injustiças do passado que ainda refletem no presente tentando romper com o silêncio que paira sobre o racismo? A política de cotas faz com que os governos (federais, estaduais e municipais) assumam o combate contra a exclusão racial e social dos afro-descedentes? Tabela 1 – Posicionamento dos alunos em relação ao sistem de cotas 51 51 51 51 1401 As condições de acesso pelo sistema de cotas não é conhecida pela sociedade, visto que alguns grupos pensam que elas são distribuídas gratuitamente, mal sabem que os alunos que pretendem entrar em uma dessas vagas, fazem a mesma prova dos candidatos às vagas gerais, sendo assim avaliados da mesma forma, não cabendo neste caso a justificativa que as universidades receberam alunos desqualificados. A única diferença seria que esses candidatos serão classificados separadamente e os que obtiverem notas necessárias para a aprovação ocuparão as vagas. “As cotas não serão gratuitamente distribuídas ou sorteadas como imaginam os defensores da “justiça”, da “excelência” e do “mérito”. Os alunos que pleitearem o ingresso na universidade pública por cotas, submeter-se-ão às mesmas provas de vestibular que outros candidatos e serão avaliados como qualquer outro estudante, de acordo com a nota de aprovação prevista” (MUNANGA, 2003, p. 127) Esse desconhecimento de como funciona os programas de cotas raciais nas universidades públicas fica evidente quando nos deparamos com as repostas da questão apresentadas na tabela acima em (75,5%) dos alunos desconhecem como se dá a aprovação do candidato pelo sistema de cotas. Quando indagados sobre o seu posicionamento em relação ao fato do aluno que entrasse pelo sistema de cotas sofreria discriminação por parte dos outro estudantes, (76,5%) dos entrevistados posicionaram-se favoráveis, pois acreditam que a sociedade ainda é extremamente racista e consequentemente as oportunidades não são iguais. Ao igualar as oportunidades estaremos dando uma oportunidade de tornar-mos uma sociedade democrática. Por outro lado quando perguntado se com o estabelecimento desta ação afirmativa vai aumentar o racismo na sociedade brasileira (13,5%) posicionaram-se contra, neste interim é importante destacar que esse tema, o racismo, já vinha sendo trabalhado em sala de aula desde de 2006, ou seja, os alunos sabem que o racismo é uma arma ideológica de dominação e existe em nossa sociedade muito antes das cotas para negros, isto é, o racismo não surgiu neste século e sim, esse conceito, tem sua base desde o início da escravidão, sendo assim o racismo não foi causa da escravidão e sim sua conseqüência, porque para manter o domínio os colonizadores tinham que inferiorizar seus escravos, ou seja, o escravismo surge, tendo como base a superioridade do senhor o que implica na inferioridade do escravo, 1402 A partir do século XV, o expansionismo europeu se firmou com a criação de colônias de exploração em todos os cantos do mundo: América, África e Ásia. Isso ocorreu devido a ampliação do comércio e ao surgimento de uma nova mentalidade: a capitalista. Tratava-se de obter o máximo de lucro. E como obtêlo? Através do trabalho escravo. E como justificá-lo? Apelando para a inferioridade dos outros povos, principalmente o africano, que para o capitalista de então era simplesmente uma mercadoria: algo a ser comercializado, vendido, exportado. A cor da pele foi um fator essencial para esse processo (DÓRIA, 2008. p 37) Quando indagados sobre a intenção da política de cotas, isto é, uma reparação das injustiças do passado sofrida pela população negra, (82,3%) dos estudantes afirmaram que sim, pois acreditam que não está se dando esmolas a essa populaçãoe sim está sendo feito um ressarcimento das suas perdas. Nesta pesquisa teve-se também o interesse de questionar se com essa política o governo assumiria o combate contra exclusão racial e social dos afrodescedentes (64,7%) foram favoráveis, é relevante destacar que é a primeira vez que o nosso país implementa políticas públicas a favor da população negra, visto que essa população sempre foi alvo de discriminação e exclusão. Chega-se desta maneira a conclusão de que tomar um posicionamento contra a política de cotas e não apresentar nenhuma soluções e opções para enfrentar a desigualdade de oportunidades entre os afrodescedente e brancos no sistema educacional é fazer o jogo daqueles que acreditam na democracia racial, porque depois de 120 anos de abolição da escravatura nada foi feito para o ressarcimento desta população, chegou hora então de darmos um basta a essa situação, reconhecendo o direito à diferença de tratamento legal para grupos que sofreram e continuam sofrendo discriminação. Notas 1 Por uma Política Nacional de Combate ao Racismo e à Desigualdade Racial: Marcha Zumbi Contra o Racismo pela Cidadania e a Vida: Cultura Gráfica e Editora Ltda. 1996. 2 http://www.estadao.com.br/vidae/not_vid247574,0.htm REFERÊNCIA ADESKY, Jacques. Anti racismo, liberdade e reconhecimento. Rio de Janeiro: Daudt, 2006. 1403 AZEVEDO, C. M. M. Cota racial e Estado: abolição do racismo ou direitos de raça. Cadernos de Pesquisa, São Paulo. v. 34, n. 121, p. 213 – 239, 2004. BENTO, Maria Aparecida. Cidadania em preto e branco. São Paulo: Ática, 1998. BEHRING, Elaine Rossetti. BOSCHETI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo:Cortez, 2006. BRASIL, Relatório do Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasiliera na III Conferência Mundial das Nações Unidas Contra O Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília, 2001. Disponível em http:/www.dhnet.org.br/direitos/sos/discrim/relatorio.htm. 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