PARECER CFM nº 21/15
INTERESSADO:
J.C.C.
ASSUNTO:
Cotas raciais para processo seletivo de residência médica
RELATOR:
Cons. Lúcio Flávio Gonzaga Silva
EMENTA: Não há justificativa ética ou moral para cotas
raciais no processo seletivo para residência médica,
porquanto eventuais desigualdades já foram saneadas no
acesso ao ensino superior, e os egressos das escolas
médicas públicas têm similar oportunidade de formação.
DA CONSULTA
Gostaria de saber qual é a posição do CFM em relação ao surgimento de cotas
raciais no processo seletivo de residência médica e se algo está sendo feito para
impedir essa injustiça. Todos tivemos a mesma formação e não é justo que uns sejam
beneficiados, principalmente nas áreas mais concorridas, citando um processo em São
Paulo, no qual de três vagas para Dermatologia, uma é reservada para as cotas.
DO CONCEITO
As cotas raciais constituem reserva de vagas em instituições públicas ou privadas
para grupos de pessoas com situações específicas originadas de sua condição racial ou
étnica, na grande maioria das vezes, negros e indígenas.
Foram
criadas
com
o
objetivo
de
superar
aquelas
desigualdades
socioeconômicas que mantêm em condições díspares cidadãos de estratos sociais
distintos, aspirando a atenuá-las e criar uma sociedade mais justa e igual. Têm caráter
temporário e visam incrementar a inclusão social de pessoas situadas à margem da
sociedade.
DOS ASPECTOS HISTÓRICOS
A ideia original surgiu na Índia, na década de 1930, como uma forma de ação
afirmativa para reverter o racismo histórico contra determinadas classes raciais. Estão
presentes no arcabouço legal daquele país desde a constituição de 1949 e são
obrigatórias em todos os órgãos estatais, incluindo aqueles dedicados à Educação.
Outros países que também adotam as cotas raciais são a Malásia (beneficiando
os malaios), África do Sul, Canadá (vagas no parlamento para os esquimós), Austrália
(beneficiando os aborígenes), Nova Zelândia, Colômbia (cotas para negros e índios nas
universidades).
Nos Estados Unidos da América, o sistema de cotas raciais teve seu início na
época das lutas pelos direitos civis, na década de 1960. Era um modo de promoção da
igualdade entre brancos e negros norte-americanos. O presidente John Kennedy foi um
dos apologistas da medida, que passou àquela época a ser adotada nas escolas
americanas. A conclusão naquele país é que as cotas raciais beneficiaram a classe
média negra, em detrimento das classes mais baixas da população americana.
A Suprema Corte dos EUA, em junho de 2007, aboliu definitivamente as cotas
raciais, decidindo que a raça de uma criança não seria mais definidora do local onde ela
deveria estudar.
A Constituição Federativa do Brasil, no seu item VIII do artigo 37, ao definir que a
lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de
deficiência, marca o início da reserva de vagas para grupos específicos no Brasil.
Ela inicia em nosso país nas universidades, com uma lei específica carioca,
datada do ano 2000, que reserva 45% das vagas a alunos oriundos da rede pública
estadual e municipal. No ano de 2002, uma nova Lei estadual do Rio de Janeiro estende
esse benefício para aqueles considerados pardos e negros (20% das vagas).
No entanto, foi a Universidade de Brasília a primeira a adotar o sistema de cotas
para negros e índios, em seu vestibular de 2003. Esta e, logo depois, a Universidade
Federal da Bahia passaram ambas a adotar fatores socioeconômicos e a cor ou raça
dos indivíduos como critérios para reserva de vagas.
DO ARCABOUÇO LEGAL BRASILEIRO
É importante citar a legislação vigente no território brasileiro sobre o tema.
A Constituição Federativa do Brasil, no seu artigo 37, item VIII, proclama: a lei
reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de
deficiência e definirá os critérios de sua admissão.
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A Lei Federal nº 10.558/02, conhecida como Lei das Cotas, cria em seu artigo 1º
o Programa Diversidade na Universidade, no âmbito do Ministério da Educação, com a
finalidade de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino
superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente
dos afrodescendentes e dos indígenas brasileiros.
A Lei Federal nº 12.288, de 20 de julho de 2010, institui o Estatuto da Igualdade
Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de
oportunidades.
A Lei Estadual (Rio de Janeiro) nº 3.524, de 28 de dezembro de 2000, garante a
reserva de 45% das vagas nas universidades estaduais para estudantes das redes
públicas municipais e estaduais de ensino.
A Lei Estadual (Rio de Janeiro) nº 3.708/2001 institui o sistema de cotas para
estudantes denominados negros ou pardos, com percentual de 20% das vagas das
universidades estaduais.
DAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA
A busca de oportunidades iguais para os indivíduos de uma nação é um
imperativo politicamente correto, humano e ético.
O sistema de cotas raciais para o ingresso na Universidade Pública brasileira é
uma tentativa de estabelecer justiça quanto ao acesso à formação profissional dos
jovens que nascem no Brasil.
A justificativa é a disparidade existente entre o ensino fundamental e médio
praticado nas instituições privadas em relação ao ensino do mesmo nível praticado nas
escolas públicas brasileiras, onde as pessoas desfavorecidas econômica e socialmente
estudam. Houve nessas escolas públicas uma deterioração progressiva da qualidade
educacional nas últimas sete décadas, gerando uma desigualdade de chances,
especialmente para aquelas pessoas de etnia afrodescendente.
Quanto à reserva de vagas para o ingresso em Programas de Residência Médica
no Brasil, essa justificativa não se aplica, porquanto aqueles candidatos oriundos de
estratos sociais desfavorecidos já se beneficiaram das cotas raciais no vestibular de
acesso ao ensino superior, saneando as eventuais desigualdades e, enquanto egressos
de escolas médicas públicas, tiveram na sua formação similar oportunidade.
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DA RESPOSTA AO CONSULENTE
Pergunta do consulente: Gostaria de saber qual é a posição do CFM em relação ao
surgimento de cotas raciais no processo seletivo de residência médica e se algo está
sendo feito para impedir essa injustiça.
Resposta ao consulente: Não há justificativa ética ou moral para cotas raciais a
processo seletivo de residência médica no Brasil, uma vez que as eventuais
desigualdades foram saneadas no vestibular de acesso ao ensino superior e os jovens
de estratos sociais desfavorecidos, enquanto egressos de escolas médicas públicas,
tiveram na sua formação similar oportunidade.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília, 22 de maio de 2015
LÚCIO FLÁVIO GONZAGA SILVA
Conselheiro relator
Referência bibliográfica
Carvalho, JJ. Inclusão étnica e racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior.
São Paulo: Attar, 2ª ed, 2006.
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