O PENSAMENTO SOCIAL E EDUCACIONAL NO RIO GRANDE DO SUL DA
PRIMEIRA REPÚBLICA
Berenice Corsetti
UNISINOS
Eixo Temático 6 – Intelectuais, pensamento social e educação
Introdução
Neste trabalho procuramos analisar a influência do positivismo como base de um
pensamento educacional que marcou a história da educação no Rio Grande do Sul, no
período de 1889 a 1930. Para tanto, escolhemos alguns aspectos que marcaram a escola
pública rio-grandense, como instituição integrante de uma organização montada a partir da
orientação da
Vários são os elementos que caracterizaram a constituição da escola pública primária,
no Rio Grande do Sul, à época. Pela impossibilidade de tratá-los integralmente,
escolhemos verificar a influência do positivismo no âmbito das teorias e métodos de
ensino, que vigoraram no processo de ensino e aprendizagem nas salas de aula das escolas
gaúchas, como uma das expressões desse pensamento educacional fundamentado na
ideologia positivista.
1 CONTEXTUALIZANDO O TEMA
No período histórico que estamos analisando, o Brasil transitou da monarquia para a
república e buscou consolidar, em termos econômico-sociais, o sistema capitalista. Nesse
contexto, para os agentes sociais envolvidos evidenciava-se uma nova realidade, já que o
trânsito à modernidade, bem como a expansão dos respectivos valores que a informavam,
significavam, antes de mais nada, reordenar a sociedade que estava sendo criada tendo
como fundamento a igualdade e a liberdade de seus integrantes.
Nesse contexto, a questão da educação passou a ter uma ênfase destacada. Uma
educação física, intelectual e moral da mocidade, com a finalidade de possibilitar ao
espírito todas as noções necessárias para melhor garantir a ordem, se colocou como central
para que todos os homens tivessem consciência de seu papel social. Em outras palavras, a
educação foi vinculada à formação do cidadão, de uma forma que podemos melhor
explicitar.
Definido o objetivo da escola como o de “formar um povo com aptidão para
governar-se e gosto pelo exercício da liberdade”, remeteu à educação a tarefa de formação
da “consciência nacional”, que conduzisse os indivíduos à compreensão da necessidade de
um Estado que os representasse, agindo como elemento catalisador do “ideal comum”
disperso no social. Essa compreensão devia promover a união dos indivíduos em torno do
Estado, desenvolveria neles a “consciência nacional”, tornando-os aptos ao exercício
político que lhes permitiria alcançar o estatuto da cidadania.
Circunscrito aos pressupostos do conhecimento positivo, a direção do processo
educacional devia possibilitar aos indivíduos o exercício da cidadania, ampliando a base
de representatividade do governo. Mas, para que essa “nova ordem” pudesse ser aceita, era
necessário que fosse transferida para a realidade a ampliação da rede escolar, principal via
de acesso ao conhecimento.
No âmbito desse processo mais geral, o Rio Grande do Sul teve sua experiência
peculiar, já que a base de sustentação do novo grupo político que assumiu o poder com a
República foi estabelecida através da proposição de um projeto regional de
desenvolvimento que atendesse os interesses sociais envolvidos, dando margem com isso
ao jogo político de apoio partidário. O Partido Republicano Rio-Grandense propôs a
solução dos problemas do Estado através de um projeto de modernização justificado a
partir do conjunto de idéias elaboradas por Augusto Comte.
A partir dos pressupostos comtianos, foi proposta a construção de uma sociedade
racional, distinta da anterior. Na compreensão burguesa da realidade, da qual o positivismo
é uma das vertentes, a questão social emergia como um elemento concreto, derivado da
própria acumulação de capital. Disso decorria a necessidade de “incorporar o proletariado
à sociedade moderna”, limitando seu agir e normatizando sua participação social.
Para tanto, o controle dos trabalhadores requeria a utilização sistemática da educação
moral e, por outro lado, da prática do trabalho regular. O esforço educacional era, assim,
indispensável à nova ordem. Nesse contexto, a ciência, a educação e a moral se
transformaram em poderosos instrumentos de controle social e de veiculação ideológica,
de tal forma que fosse garantida a reorientação da sociedade, neutralizando os conflitos e
mantendo a estabilidade social, tudo isso em nome do “bem comum”.
Em linhas fundamentais, o positivismo comteano foi por nós entendido como a
expressão do liberalismo de cunho autoritário e conservador que emergiu no século XIX e
teve influência em vários países do mundo, inclusive o Brasil, tendo sido adotado com
particularidade muito própria no Rio Grande do Sul, onde foi adequado às condições
históricas locais. Sua influência se estendeu da política educacional à organização da
educação, sendo o fundamento para a estruturação da escola pública gaúcha, em todos os
seus aspectos, no período estudado.
2 O POSITIVISMO E AS TEORIAS E OS MÉTODOS DE ENSINO NA ESCOLA
PÚBLICA RIO-GRANDENSE
A investigação que realizamos sobre a escola pública rio-grandense, na Primeira
República, nos permitiu perceber que a adoção do positivismo como matriz orientadora da
política do Estado refletiu-se no campo educacional. A característica dominante, em
termos teórico-metodológicos na escola pública, seguindo a orientação positivista, foi a
tentativa permanente de implementar o método empírico da ciência, em substituição aos
procedimentos até então adotados a partir da influência da Igreja Católica, cuja visão
idealista impunha uma orientação de caráter dedutivista. Podemos perceber com mais
clareza essa situação através das críticas insistentes dos inspetores regionais que, ao relatar
a realidade das escolas visitadas, apontavam a questão, com fez José Penna de Moraes, em
1898, ao tratar dos métodos adotados:
A evolução do espírito [...] tão sabiamente demonstrada por Spencer e cuja
existência e analogia força-nos a aceitar, é inteiramente posta de parte na seqüência
dos conhecimentos científicos a transmitir ou, para melhor dizer, raríssimos têm
sido talvez os nossos preceptores que dela hão cogitado. Os sábios princípios
consentâneos com esse envolver racional: do concreto para o abstrato, do simples
para o composto, a regra como ilação do exemplo, etc., são notoriamente
desprezados. 1
Enquanto a Igreja Católica desenvolvia uma crítica dura e persistente à ciência
moderna, de cunho racionalista, materialista, naturalista e evolucionista, os dirigentes riograndenses buscaram implementar a orientação teórico-metodológica adequada às suas
convicções. Na citação anterior, o procedimento indutivo em termos metodológicos
apontou a perspectiva que passou a ser insistentemente recomendada, determinada e
regulamentada, para a adoção nas escolas públicas do Rio Grande do Sul.
As repetidas citações a Spencer são bem típicas das intenções de adequar a educação
pública rio-grandense a uma orientação distinta daquela defendida pela instituição religiosa
e que predominara nas escolas gaúchas até então. Apesar de outros autores serem citados
como, por exemplo, Comenius, Rosseuau, Pestalozzi e Froebel, a referência a Spencer
identifica bem a tentativa de adequar a educação à vida real que, no caso gaúcho,
significava o projeto de modernização conservadora do Estado aos moldes capitalistas.
A Primeira República Rio-Grandense constituiu-se, portanto, no que tange à questão
teórico-metodológica em termos educacionais, num momento de embate e de disputa entre
duas tendências pedagógicas: a pedagogia tradicional baseada na essência do homem,
defendida pela Igreja Católica, e a pedagogia defendida pelos republicanos positivistas
que, em parte, adotou as características da pedagogia tradicional de caráter leigo, passando,
a partir de meados da década de 1910 e sobretudo na década de 1920, a sofrer a influência
da pedagogia nova centrada na existência humana. 2
É importante lembrar que a partir de 1870, foram introduzidas no cenário brasileiro,
além do positivismo, teorias como o evolucionismo e o darwinismo, modelos explicativos
que, apesar de suas especificidades, desenvolveram-se no país com uma tendência
coincidente. A noção de evolução social, de uma certa forma, funcionou como uma
referência para a época, acima das particularidades das distintas escolas.
Assim, a perspectiva evolucionista dos positivistas explica as referências a Spencer,
autor que, no campo da teoria da evolução, estabeleceu uma crítica severa ao
conservadorismo do ideal tradicional de instrução e educação, bem como ao seu caráter de
inutilidade prática. Segundo esse autor, na sociedade burguesa, a educação devia
desempenhar função diferente, de acordo com as leis gerais da vida social. Essas leis eram
as da luta pela vida. O valor da instrução e da educação devia ser considerado através do
prisma das necessidades biológicas e sociais do indivíduo na sua luta pela vida.
(SUCHODOLSKI, 1984, p. 59-60)
Segundo Bogdan Suchodolski, Spencer exprimiu, através de sua obra, a ideologia do
liberalismo que defende a situação das classes possuidoras e dirigentes do liberalismo que
se opõe às aspirações dos democratas, considerando inconvenientes quaisquer tentativas
para controlar as conseqüências anti-humanistas do capitalismo. Seu conceito de evolução
era uma aceitação da ordem burguesa existente, fazendo da educação um simples
instrumento de luta nos seus limites ditos naturais. (SUCHODOLSKI, 1984, p. 61)
Podemos entender porque a influência de Spencer foi significativa entre os
dirigentes gaúchos, já que sua posição se adequou de forma clara à política educacional
implementada no Rio Grande.
Nessa direção, diversas foram as manifestações de dirigentes republicanos que
atuaram no campo educacional. Oswaldo Aranha espelhou com precisão a orientação
teórico-metodológica que ganhou corpo ao longo de toda a Primeira República, entre os
positivistas, afirmando a necessidade de conferir ao ensino “uma orientação útil à vida
social” e uma “finalidade social útil”. 3
No entanto, apesar das convicções dos positivistas, a realidade educacional
apresentava inúmeras dificuldades à consecução de seus objetivos no plano teóricometodológico. A formação didático-pedagógica dos professores apresentava inúmeras
limitações. A discussão e as sugestões sobre as soluções no plano metodológico
caminharam no sentido da tentativa de impor um único método a todas as escolas, dentro
da perspectiva de uniformização do ensino gaúcho.
Dentro dessa orientação geral, os regulamentos da Instrução Pública do Rio Grande
do Sul passaram a determinar o método a ser utilizado nas escolas públicas. O artigo 6° do
regulamento de 1897 estabeleceu que, tanto nas escolas elementares como nos colégios
distritais, o método a ser empregado era o “intuitivo”, servindo o livro apenas de auxiliar,
de acordo com programas minuciosamente desenvolvidos. Esse dispositivo foi reafirmado
integralmente no regulamento de 1906. 4
Já o regimento interno dos colégios elementares, decretado em 1910, foi mais
explícito, assim definindo:
Art. 3o - Será constantemente empregado o método intuitivo, começando pela
observação de objetos simples para depois elevar-se à idéia abstrata, à comparação,
à generalização e ao raciocínio, vedando-se qualquer ensino empírico fundado
exclusivamente em exercícios de memória. 5
Neste momento, parece-nos importante questionar: existe um método “intuitivo”?
Como nossa resposta é negativa, buscamos compreender a posição assumida pelos
dirigentes educacionais rio-grandenses, ao afirmarem de forma tão categórica esse método
para o ensino público gaúcho. Há, em nosso entendimento, a indicação de um pressuposto
da ação do sujeito na apreensão do objeto, ou seja, a intuição é fundante da proposição
exposta por esses dirigentes. Pelo sentido dado às suas afirmações, percebe-se que partem
da compreensão de que, pela intuição, conheciam o objeto, o que devia posteriormente ser
justificado através do método. Portanto, o que temos é a utilização indevida do termo
“intuitivo”, como sinônimo de indutivo.
Adotou-se, portanto, no Rio Grande do Sul, por decreto, o procedimento
metodológico que correspondia ao esquema do método científico indutivo, conforme
estabelecido por Bacon, aquele mesmo método que foi formulado no interior do
movimento filosófico do empirismo, que foi a base da ciência moderna e que consistia de
três momentos fundamentais: a observação, a generalização e a confirmação. (SAVIANI,
1988, p. 55)
Os dirigentes educacionais gaúchos passaram a chamar de “intuitivo” o que era
indutivo, mas a redação apresentada no regimento dos colégios elementares não deixa
dúvidas quanto à orientação metodológica estabelecida, que prevaleceu também no
regulamento da Instrução Pública de 1927, que mandou imprimir ao ensino “um cunho
prático, concreto e intuitivo”. 6 Também o regimento interno dos estabelecimentos de
ensino público decretado nesse mesmo ano reproduziu integralmente o artigo antes citado,
do regimento interno dos colégios elementares, demonstrando assim que, ao longo de todo
o período, a orientação metodológica oficial reafirmou o método indutivo como o
procedimento a ser adotado em todas as escolas públicas do Rio Grande. 7
O método “intuitivo” foi esclarecido pelos professores Alfredo Clemente Pinto,
Florinda Tubino e Marieta Freitas Chaves, integrantes da missão de professores que
estiveram no Uruguai em 1913 e que prestaram, em seu relatório, a seguinte explicação:
Essa intuição - educação dos sentidos - é acompanhada “paripassu” do trabalho de
abstrair, de generalizar, de comparar, de julgar, de raciocinar. De modo que, assim,
todos os sentidos e faculdades intelectuais da criança se desenvolvem a um tempo e
harmonicamente, sem prejuízo desta ou daquela. Nada se decora sem ter
compreendido. 8
Se a orientação oficial era essa, a realidade das escolas não correspondeu, de forma
direta, às intenções dos dirigentes educacionais. Numerosas foram as reclamações que
encontramos na documentação de época e que retratam as dificuldades que existiram para
dar concretude às determinações metodológicas estabelecidas em lei. Para exemplificar,
podemos observar as considerações feitas pelo Secretário do Interior e Exterior, Protásio
Alves que, em 1917, afirmou que os professores abandonavam as instruções a eles dadas
tanto oralmente como por escrito, no sentido de dar ao ensino o cunho prático, concreto e o
mais possível intuitivo, perdendo tempo em métodos abstratos e teóricos, de sorte que o
aluno ficava embaraçado diante do mais simples problema prático. Por isso é que eram
encontradas crianças que analisavam logicamente um trecho com certa facilidade e que,
entretanto, eram incapazes de reproduzir de viva voz ou por escrito o mesmo trecho, de
redigir com correção e bom senso duas linhas sequer. 9
A manifestação de Protásio Alves parece indicar que um antagonismo entre a norma
e a prática estava ocorrendo no ensino rio-grandense. Enquanto o governo estabelecia por
decreto a adoção do método indutivo, vinculado à perspectiva empirista, os professores
guardavam, em função de sua formação recebida na Escola Normal, estruturada no Império
quando a influência da Igreja Católica era determinante, uma orientação vinculada ao
idealismo cristão de caráter dedutivista. Mesmo com a extinção dessa escola e sua
substituição pela Escola Complementar, segundo tudo indica, a situação continuou
marcada por essa dicotomia entre a orientação oficial e a realidade da formação dos
professores.
As dificuldades metodológicas foram objeto de atenção especial dos dirigentes
educacionais. Para superá-las foram feitas diversas tentativas, ao longo do período, das
quais se destaca o papel dos inspetores escolares, que levavam instruções especiais para
confeccionar os relatórios de suas visitas. Era empregado um questionário impresso, que
era proposto em aula de modo fácil, de sorte que o professor, quando não aplicava
“métodos convenientes”, podia corrigi-los. Essas instruções especiais referiam-se tanto à
educação intelectual, como a cívica e a física. 10
O papel dos inspetores escolares em relação à tentativa de superação dos problemas
metodológicos foi destacado, sendo diversos os depoimentos que sinalizam o esforço por
eles realizados para consolidar a perspectiva apregoada pelos governantes. No entanto, os
próprios inspetores, em sua orientação aos professores, mantinham elementos do ensino
que tradicionalmente vinha sendo ministrado, de caráter verbalista, confuso sob o ponto de
vista do papel do professor e do aluno no processo de conhecimento.
Em documentos que consultamos foi reafirmado o ensino centrado na palavra do
professor, que oferecia por meio de sua fala os conhecimentos que deviam ser “retidos”
pelos alunos. Ao mesmo tempo, os alunos deviam ser os “obreiros” dos conhecimentos que
adquirissem, o que aponta outro tipo de enfoque educacional, mais centrado no aluno do
que no professor. Se a confusão também estava estabelecida entre os inspetores, podemos
considerar que, entre os professores, os problemas metodológicos dificilmente tiveram
solução no período de nossa análise. 11
As críticas ao ensino memorialista, às lições aprendidas de forma decorada, foram
parte integrante do discurso dos dirigentes educacionais. Todavia, o contraponto a essa
situação situava-se na imposição legal, via regulamentos e regimentos, no sentido da
adoção do “método racional” de caráter indutivo, coisa que os professores, segundo toda a
documentação que consultamos, não sabiam adequadamente realizar. De forma clara e
sistemática, para além das falas governamentais, o que pudemos perceber foi que nem
mesmo esses dirigentes claramente o sabiam. As orientações eram genéricas, com citações
de autores estrangeiros que, para os professores da maioria das pequenas escolas públicas
espalhadas pelo vasto território do Rio Grande, pouco ou nada significavam. Assim,
segundo tudo parece indicar, a orientação positivista no cotidiano escolar apresentou
grande dificuldade de afirmação. Entre a determinação por decreto do uso do método
“intuitivo” e sua implementação na realidade do ensino gaúcho existiu uma larga distância.
A partir de 1915, os relatórios da Secretaria do Interior e Exterior que, ao tratar dos
assuntos educacionais até então sempre se referiam à instrução, passaram a introduzir o
conceito de educação agregado à instrução. Essa mudança, que é apontada como um
avanço da pedagogia, sinaliza a introdução, ainda que muito restrita e a nível oficial, de
elementos da pedagogia escolanovista, mesmo que, até o final do período, o que temos no
Rio Grande do Sul é o predomínio da pedagogia inspirada pela tendência humanista
tradicional.
A preocupação dos dirigentes educacionais com a questão dos métodos de ensino
está na raiz da adoção de alguns pressupostos da escola nova, presentes na defesa do
ensino ativo, cuja concretização foi tentada ao final do período, com a reforma do ensino
normal e a introdução do curso de ensino ativo na Escola Normal de Porto Alegre, em
paralelo ao funcionamento do curso de aplicação e do jardim da infância, em 1929.
Elementos de uma pedagogia vinculada às condições da existência dos indivíduos
passaram a ser utilizados pelos dirigentes educacionais. Alguns reflexos dessa inovação
puderam ser percebidos na defesa da adoção de novos métodos e de novas técnicas de
trabalho.
Em função do limite das dimensões deste trabalho, destacaremos apenas um aspecto
em que é possível perceber que esse novo enfoque tinha adeptos influentes no plano do
poder político-educacional do Rio Grande. Do conjunto de conteúdos integrantes do
programa para o concurso dos candidatos ao magistério público, decretado em 1927,
destacamos a parte relacionada à pedagogia e psicologia infantil.12
O programa exposto evidencia a influência da escola nova entre os dirigentes
educacionais do Rio Grande do Sul. Em sua elaboração, podemos perceber o predomínio
do enfoque biológico e psicológico, típico dessa pedagogia, que se adequou coerentemente
com as preocupações relativas à política educacional dos republicanos rio-grandenses,
relativas à formação do indivíduo para a sociedade dos novos tempos do capitalismo.
Ajuda nessa compreensão o fato de que, em paralelo a esse programa de pedagogia e
psicologia infantil, encontramos outras matérias, como Higiene e Assistência, Direito
Pátrio, Escrituração Mercantil, Ginástica e Trabalhos Manuais, que exigiam do professor
que se candidatasse ao magistério público condições para ensinar a criança rio-grandense,
no sentido desejado pelos governantes, ou seja, além de educado, os novos cidadãos
deveriam ser saudáveis, produtivos e disciplinados.
Podemos perceber que do programa constava o estudo geral da intuição, bem como o
método indutivo, referindo-se ainda ao método dedutivo como assunto a ser conhecido
pelos professores das escolas públicas do Rio Grande do Sul. Essa inclusão reforça nossa
convicção de que a intuição foi considerada como pressuposto teórico para a adoção do
método indutivo, sobretudo se considerarmos a importância da psicologia no programa que
apresentamos.
Para concluirmos esta abordagem referente às teorias e aos métodos de ensino,
desejamos ressaltar que as fontes históricas que utilizamos são fontes de caráter oficial, que
possibilitaram as informações de que nos valemos para a análise. Não foram encontrados
materiais instrucionais que possibilitassem uma maior clareza do método adotado no
ensino rio-grandense à época.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações expostas neste trabalho buscaram caracterizar a influência do
pensamento positivista, que orientou a prática política no Rio Grande do Sul na Primeira
República, no campo educacional, especificamente no plano das teorias e métodos de
ensino que vigoraram nas salas de aula das escolas públicas da região.
Conforme os dados apresentados nos permitiram perceber, a perspectiva da ciência
empírica, de caráter indutivista, foi buscada de forma permanente pelos dirigentes
educacionais rio-grandenses do período, de tal forma que a adoção dessa orientação
metodológia foi determinada de forma vertical, via decreto, buscando a homogeneização
do ensino rio-grandense de forma autoritária.
No entanto, a realidade da educação gaúcha evidenciou um quadro bastante
contraditório, já que a formação dos professores não oportunizou a plena vigência da
orientação positivista no processo de ensino-aprendizagem que vigorou nas escolas
públicas, o que pôde ser percebido em outros aspectos investigados e que não puderam ser
aqui abordados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SALLES, Iraci Galvão. Trabalho, progresso e sociedade civilizada. São Paulo : Hucitec,
1986.
SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 20. ed. São Paulo : Cortez, 1988.
SAVIANI, Dermeval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, D.T.
(Org.) Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1983.
SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas. 3. ed.
Lisboa : Livros Horizontes, 1984.
1
Relatório do Inspetor Regional da 4ª Região Escolar, José Penna de Moraes, em 16.121897, no Relatório da
Secretaria do Interior e Exterior de 30.07.1898, p. 547. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado Rio
Grande do Sul.
2
Sobre as pedagogias da essência e existência, cf.: SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 20a ed. São
Paulo : Cortez, 1988; SAVIANI, Dermeval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES,
D.T. (Org.) Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira. 1983;
SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas. 3. ed. Lisboa : Livros
Horizontes, 1984.
3
Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 25.08.1928, p. 32. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do
Estado do Rio Grande do Sul.
4
Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1897 e 1906, p. 164 e 86,
respectivamente. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
5
Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1910, p. 214. Porto Alegre – RS,
Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
6
Art. 2o do regulamento de 1927. Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de
1927, p. 512. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
7
Art. 3o do regimento interno de 1927. Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de
1927, p. 539. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul.
8
Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 1914, p. 177. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do
Estado do Rio Grande do Sul.
9
Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 27.08.1917, p. XIV. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico
do Estado do Rio Grande do Sul.
10
Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 08.09.1913, p. IV. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico
do Estado do Rio Grande do Sul.
11
Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 08.09.1913, p. IV. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico
do Estado do Rio Grande do Sul.
12
Programa para o concurso dos candidatos ao magistério público. Decreto n° 3.975, de 28.12.1927. Leis,
Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1927, p. 771-3.
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Berenice Corsetti - Texto - Sociedade Brasileira de História da