O PENSAMENTO SOCIAL E EDUCACIONAL NO RIO GRANDE DO SUL DA PRIMEIRA REPÚBLICA Berenice Corsetti UNISINOS Eixo Temático 6 – Intelectuais, pensamento social e educação Introdução Neste trabalho procuramos analisar a influência do positivismo como base de um pensamento educacional que marcou a história da educação no Rio Grande do Sul, no período de 1889 a 1930. Para tanto, escolhemos alguns aspectos que marcaram a escola pública rio-grandense, como instituição integrante de uma organização montada a partir da orientação da Vários são os elementos que caracterizaram a constituição da escola pública primária, no Rio Grande do Sul, à época. Pela impossibilidade de tratá-los integralmente, escolhemos verificar a influência do positivismo no âmbito das teorias e métodos de ensino, que vigoraram no processo de ensino e aprendizagem nas salas de aula das escolas gaúchas, como uma das expressões desse pensamento educacional fundamentado na ideologia positivista. 1 CONTEXTUALIZANDO O TEMA No período histórico que estamos analisando, o Brasil transitou da monarquia para a república e buscou consolidar, em termos econômico-sociais, o sistema capitalista. Nesse contexto, para os agentes sociais envolvidos evidenciava-se uma nova realidade, já que o trânsito à modernidade, bem como a expansão dos respectivos valores que a informavam, significavam, antes de mais nada, reordenar a sociedade que estava sendo criada tendo como fundamento a igualdade e a liberdade de seus integrantes. Nesse contexto, a questão da educação passou a ter uma ênfase destacada. Uma educação física, intelectual e moral da mocidade, com a finalidade de possibilitar ao espírito todas as noções necessárias para melhor garantir a ordem, se colocou como central para que todos os homens tivessem consciência de seu papel social. Em outras palavras, a educação foi vinculada à formação do cidadão, de uma forma que podemos melhor explicitar. Definido o objetivo da escola como o de “formar um povo com aptidão para governar-se e gosto pelo exercício da liberdade”, remeteu à educação a tarefa de formação da “consciência nacional”, que conduzisse os indivíduos à compreensão da necessidade de um Estado que os representasse, agindo como elemento catalisador do “ideal comum” disperso no social. Essa compreensão devia promover a união dos indivíduos em torno do Estado, desenvolveria neles a “consciência nacional”, tornando-os aptos ao exercício político que lhes permitiria alcançar o estatuto da cidadania. Circunscrito aos pressupostos do conhecimento positivo, a direção do processo educacional devia possibilitar aos indivíduos o exercício da cidadania, ampliando a base de representatividade do governo. Mas, para que essa “nova ordem” pudesse ser aceita, era necessário que fosse transferida para a realidade a ampliação da rede escolar, principal via de acesso ao conhecimento. No âmbito desse processo mais geral, o Rio Grande do Sul teve sua experiência peculiar, já que a base de sustentação do novo grupo político que assumiu o poder com a República foi estabelecida através da proposição de um projeto regional de desenvolvimento que atendesse os interesses sociais envolvidos, dando margem com isso ao jogo político de apoio partidário. O Partido Republicano Rio-Grandense propôs a solução dos problemas do Estado através de um projeto de modernização justificado a partir do conjunto de idéias elaboradas por Augusto Comte. A partir dos pressupostos comtianos, foi proposta a construção de uma sociedade racional, distinta da anterior. Na compreensão burguesa da realidade, da qual o positivismo é uma das vertentes, a questão social emergia como um elemento concreto, derivado da própria acumulação de capital. Disso decorria a necessidade de “incorporar o proletariado à sociedade moderna”, limitando seu agir e normatizando sua participação social. Para tanto, o controle dos trabalhadores requeria a utilização sistemática da educação moral e, por outro lado, da prática do trabalho regular. O esforço educacional era, assim, indispensável à nova ordem. Nesse contexto, a ciência, a educação e a moral se transformaram em poderosos instrumentos de controle social e de veiculação ideológica, de tal forma que fosse garantida a reorientação da sociedade, neutralizando os conflitos e mantendo a estabilidade social, tudo isso em nome do “bem comum”. Em linhas fundamentais, o positivismo comteano foi por nós entendido como a expressão do liberalismo de cunho autoritário e conservador que emergiu no século XIX e teve influência em vários países do mundo, inclusive o Brasil, tendo sido adotado com particularidade muito própria no Rio Grande do Sul, onde foi adequado às condições históricas locais. Sua influência se estendeu da política educacional à organização da educação, sendo o fundamento para a estruturação da escola pública gaúcha, em todos os seus aspectos, no período estudado. 2 O POSITIVISMO E AS TEORIAS E OS MÉTODOS DE ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA RIO-GRANDENSE A investigação que realizamos sobre a escola pública rio-grandense, na Primeira República, nos permitiu perceber que a adoção do positivismo como matriz orientadora da política do Estado refletiu-se no campo educacional. A característica dominante, em termos teórico-metodológicos na escola pública, seguindo a orientação positivista, foi a tentativa permanente de implementar o método empírico da ciência, em substituição aos procedimentos até então adotados a partir da influência da Igreja Católica, cuja visão idealista impunha uma orientação de caráter dedutivista. Podemos perceber com mais clareza essa situação através das críticas insistentes dos inspetores regionais que, ao relatar a realidade das escolas visitadas, apontavam a questão, com fez José Penna de Moraes, em 1898, ao tratar dos métodos adotados: A evolução do espírito [...] tão sabiamente demonstrada por Spencer e cuja existência e analogia força-nos a aceitar, é inteiramente posta de parte na seqüência dos conhecimentos científicos a transmitir ou, para melhor dizer, raríssimos têm sido talvez os nossos preceptores que dela hão cogitado. Os sábios princípios consentâneos com esse envolver racional: do concreto para o abstrato, do simples para o composto, a regra como ilação do exemplo, etc., são notoriamente desprezados. 1 Enquanto a Igreja Católica desenvolvia uma crítica dura e persistente à ciência moderna, de cunho racionalista, materialista, naturalista e evolucionista, os dirigentes riograndenses buscaram implementar a orientação teórico-metodológica adequada às suas convicções. Na citação anterior, o procedimento indutivo em termos metodológicos apontou a perspectiva que passou a ser insistentemente recomendada, determinada e regulamentada, para a adoção nas escolas públicas do Rio Grande do Sul. As repetidas citações a Spencer são bem típicas das intenções de adequar a educação pública rio-grandense a uma orientação distinta daquela defendida pela instituição religiosa e que predominara nas escolas gaúchas até então. Apesar de outros autores serem citados como, por exemplo, Comenius, Rosseuau, Pestalozzi e Froebel, a referência a Spencer identifica bem a tentativa de adequar a educação à vida real que, no caso gaúcho, significava o projeto de modernização conservadora do Estado aos moldes capitalistas. A Primeira República Rio-Grandense constituiu-se, portanto, no que tange à questão teórico-metodológica em termos educacionais, num momento de embate e de disputa entre duas tendências pedagógicas: a pedagogia tradicional baseada na essência do homem, defendida pela Igreja Católica, e a pedagogia defendida pelos republicanos positivistas que, em parte, adotou as características da pedagogia tradicional de caráter leigo, passando, a partir de meados da década de 1910 e sobretudo na década de 1920, a sofrer a influência da pedagogia nova centrada na existência humana. 2 É importante lembrar que a partir de 1870, foram introduzidas no cenário brasileiro, além do positivismo, teorias como o evolucionismo e o darwinismo, modelos explicativos que, apesar de suas especificidades, desenvolveram-se no país com uma tendência coincidente. A noção de evolução social, de uma certa forma, funcionou como uma referência para a época, acima das particularidades das distintas escolas. Assim, a perspectiva evolucionista dos positivistas explica as referências a Spencer, autor que, no campo da teoria da evolução, estabeleceu uma crítica severa ao conservadorismo do ideal tradicional de instrução e educação, bem como ao seu caráter de inutilidade prática. Segundo esse autor, na sociedade burguesa, a educação devia desempenhar função diferente, de acordo com as leis gerais da vida social. Essas leis eram as da luta pela vida. O valor da instrução e da educação devia ser considerado através do prisma das necessidades biológicas e sociais do indivíduo na sua luta pela vida. (SUCHODOLSKI, 1984, p. 59-60) Segundo Bogdan Suchodolski, Spencer exprimiu, através de sua obra, a ideologia do liberalismo que defende a situação das classes possuidoras e dirigentes do liberalismo que se opõe às aspirações dos democratas, considerando inconvenientes quaisquer tentativas para controlar as conseqüências anti-humanistas do capitalismo. Seu conceito de evolução era uma aceitação da ordem burguesa existente, fazendo da educação um simples instrumento de luta nos seus limites ditos naturais. (SUCHODOLSKI, 1984, p. 61) Podemos entender porque a influência de Spencer foi significativa entre os dirigentes gaúchos, já que sua posição se adequou de forma clara à política educacional implementada no Rio Grande. Nessa direção, diversas foram as manifestações de dirigentes republicanos que atuaram no campo educacional. Oswaldo Aranha espelhou com precisão a orientação teórico-metodológica que ganhou corpo ao longo de toda a Primeira República, entre os positivistas, afirmando a necessidade de conferir ao ensino “uma orientação útil à vida social” e uma “finalidade social útil”. 3 No entanto, apesar das convicções dos positivistas, a realidade educacional apresentava inúmeras dificuldades à consecução de seus objetivos no plano teóricometodológico. A formação didático-pedagógica dos professores apresentava inúmeras limitações. A discussão e as sugestões sobre as soluções no plano metodológico caminharam no sentido da tentativa de impor um único método a todas as escolas, dentro da perspectiva de uniformização do ensino gaúcho. Dentro dessa orientação geral, os regulamentos da Instrução Pública do Rio Grande do Sul passaram a determinar o método a ser utilizado nas escolas públicas. O artigo 6° do regulamento de 1897 estabeleceu que, tanto nas escolas elementares como nos colégios distritais, o método a ser empregado era o “intuitivo”, servindo o livro apenas de auxiliar, de acordo com programas minuciosamente desenvolvidos. Esse dispositivo foi reafirmado integralmente no regulamento de 1906. 4 Já o regimento interno dos colégios elementares, decretado em 1910, foi mais explícito, assim definindo: Art. 3o - Será constantemente empregado o método intuitivo, começando pela observação de objetos simples para depois elevar-se à idéia abstrata, à comparação, à generalização e ao raciocínio, vedando-se qualquer ensino empírico fundado exclusivamente em exercícios de memória. 5 Neste momento, parece-nos importante questionar: existe um método “intuitivo”? Como nossa resposta é negativa, buscamos compreender a posição assumida pelos dirigentes educacionais rio-grandenses, ao afirmarem de forma tão categórica esse método para o ensino público gaúcho. Há, em nosso entendimento, a indicação de um pressuposto da ação do sujeito na apreensão do objeto, ou seja, a intuição é fundante da proposição exposta por esses dirigentes. Pelo sentido dado às suas afirmações, percebe-se que partem da compreensão de que, pela intuição, conheciam o objeto, o que devia posteriormente ser justificado através do método. Portanto, o que temos é a utilização indevida do termo “intuitivo”, como sinônimo de indutivo. Adotou-se, portanto, no Rio Grande do Sul, por decreto, o procedimento metodológico que correspondia ao esquema do método científico indutivo, conforme estabelecido por Bacon, aquele mesmo método que foi formulado no interior do movimento filosófico do empirismo, que foi a base da ciência moderna e que consistia de três momentos fundamentais: a observação, a generalização e a confirmação. (SAVIANI, 1988, p. 55) Os dirigentes educacionais gaúchos passaram a chamar de “intuitivo” o que era indutivo, mas a redação apresentada no regimento dos colégios elementares não deixa dúvidas quanto à orientação metodológica estabelecida, que prevaleceu também no regulamento da Instrução Pública de 1927, que mandou imprimir ao ensino “um cunho prático, concreto e intuitivo”. 6 Também o regimento interno dos estabelecimentos de ensino público decretado nesse mesmo ano reproduziu integralmente o artigo antes citado, do regimento interno dos colégios elementares, demonstrando assim que, ao longo de todo o período, a orientação metodológica oficial reafirmou o método indutivo como o procedimento a ser adotado em todas as escolas públicas do Rio Grande. 7 O método “intuitivo” foi esclarecido pelos professores Alfredo Clemente Pinto, Florinda Tubino e Marieta Freitas Chaves, integrantes da missão de professores que estiveram no Uruguai em 1913 e que prestaram, em seu relatório, a seguinte explicação: Essa intuição - educação dos sentidos - é acompanhada “paripassu” do trabalho de abstrair, de generalizar, de comparar, de julgar, de raciocinar. De modo que, assim, todos os sentidos e faculdades intelectuais da criança se desenvolvem a um tempo e harmonicamente, sem prejuízo desta ou daquela. Nada se decora sem ter compreendido. 8 Se a orientação oficial era essa, a realidade das escolas não correspondeu, de forma direta, às intenções dos dirigentes educacionais. Numerosas foram as reclamações que encontramos na documentação de época e que retratam as dificuldades que existiram para dar concretude às determinações metodológicas estabelecidas em lei. Para exemplificar, podemos observar as considerações feitas pelo Secretário do Interior e Exterior, Protásio Alves que, em 1917, afirmou que os professores abandonavam as instruções a eles dadas tanto oralmente como por escrito, no sentido de dar ao ensino o cunho prático, concreto e o mais possível intuitivo, perdendo tempo em métodos abstratos e teóricos, de sorte que o aluno ficava embaraçado diante do mais simples problema prático. Por isso é que eram encontradas crianças que analisavam logicamente um trecho com certa facilidade e que, entretanto, eram incapazes de reproduzir de viva voz ou por escrito o mesmo trecho, de redigir com correção e bom senso duas linhas sequer. 9 A manifestação de Protásio Alves parece indicar que um antagonismo entre a norma e a prática estava ocorrendo no ensino rio-grandense. Enquanto o governo estabelecia por decreto a adoção do método indutivo, vinculado à perspectiva empirista, os professores guardavam, em função de sua formação recebida na Escola Normal, estruturada no Império quando a influência da Igreja Católica era determinante, uma orientação vinculada ao idealismo cristão de caráter dedutivista. Mesmo com a extinção dessa escola e sua substituição pela Escola Complementar, segundo tudo indica, a situação continuou marcada por essa dicotomia entre a orientação oficial e a realidade da formação dos professores. As dificuldades metodológicas foram objeto de atenção especial dos dirigentes educacionais. Para superá-las foram feitas diversas tentativas, ao longo do período, das quais se destaca o papel dos inspetores escolares, que levavam instruções especiais para confeccionar os relatórios de suas visitas. Era empregado um questionário impresso, que era proposto em aula de modo fácil, de sorte que o professor, quando não aplicava “métodos convenientes”, podia corrigi-los. Essas instruções especiais referiam-se tanto à educação intelectual, como a cívica e a física. 10 O papel dos inspetores escolares em relação à tentativa de superação dos problemas metodológicos foi destacado, sendo diversos os depoimentos que sinalizam o esforço por eles realizados para consolidar a perspectiva apregoada pelos governantes. No entanto, os próprios inspetores, em sua orientação aos professores, mantinham elementos do ensino que tradicionalmente vinha sendo ministrado, de caráter verbalista, confuso sob o ponto de vista do papel do professor e do aluno no processo de conhecimento. Em documentos que consultamos foi reafirmado o ensino centrado na palavra do professor, que oferecia por meio de sua fala os conhecimentos que deviam ser “retidos” pelos alunos. Ao mesmo tempo, os alunos deviam ser os “obreiros” dos conhecimentos que adquirissem, o que aponta outro tipo de enfoque educacional, mais centrado no aluno do que no professor. Se a confusão também estava estabelecida entre os inspetores, podemos considerar que, entre os professores, os problemas metodológicos dificilmente tiveram solução no período de nossa análise. 11 As críticas ao ensino memorialista, às lições aprendidas de forma decorada, foram parte integrante do discurso dos dirigentes educacionais. Todavia, o contraponto a essa situação situava-se na imposição legal, via regulamentos e regimentos, no sentido da adoção do “método racional” de caráter indutivo, coisa que os professores, segundo toda a documentação que consultamos, não sabiam adequadamente realizar. De forma clara e sistemática, para além das falas governamentais, o que pudemos perceber foi que nem mesmo esses dirigentes claramente o sabiam. As orientações eram genéricas, com citações de autores estrangeiros que, para os professores da maioria das pequenas escolas públicas espalhadas pelo vasto território do Rio Grande, pouco ou nada significavam. Assim, segundo tudo parece indicar, a orientação positivista no cotidiano escolar apresentou grande dificuldade de afirmação. Entre a determinação por decreto do uso do método “intuitivo” e sua implementação na realidade do ensino gaúcho existiu uma larga distância. A partir de 1915, os relatórios da Secretaria do Interior e Exterior que, ao tratar dos assuntos educacionais até então sempre se referiam à instrução, passaram a introduzir o conceito de educação agregado à instrução. Essa mudança, que é apontada como um avanço da pedagogia, sinaliza a introdução, ainda que muito restrita e a nível oficial, de elementos da pedagogia escolanovista, mesmo que, até o final do período, o que temos no Rio Grande do Sul é o predomínio da pedagogia inspirada pela tendência humanista tradicional. A preocupação dos dirigentes educacionais com a questão dos métodos de ensino está na raiz da adoção de alguns pressupostos da escola nova, presentes na defesa do ensino ativo, cuja concretização foi tentada ao final do período, com a reforma do ensino normal e a introdução do curso de ensino ativo na Escola Normal de Porto Alegre, em paralelo ao funcionamento do curso de aplicação e do jardim da infância, em 1929. Elementos de uma pedagogia vinculada às condições da existência dos indivíduos passaram a ser utilizados pelos dirigentes educacionais. Alguns reflexos dessa inovação puderam ser percebidos na defesa da adoção de novos métodos e de novas técnicas de trabalho. Em função do limite das dimensões deste trabalho, destacaremos apenas um aspecto em que é possível perceber que esse novo enfoque tinha adeptos influentes no plano do poder político-educacional do Rio Grande. Do conjunto de conteúdos integrantes do programa para o concurso dos candidatos ao magistério público, decretado em 1927, destacamos a parte relacionada à pedagogia e psicologia infantil.12 O programa exposto evidencia a influência da escola nova entre os dirigentes educacionais do Rio Grande do Sul. Em sua elaboração, podemos perceber o predomínio do enfoque biológico e psicológico, típico dessa pedagogia, que se adequou coerentemente com as preocupações relativas à política educacional dos republicanos rio-grandenses, relativas à formação do indivíduo para a sociedade dos novos tempos do capitalismo. Ajuda nessa compreensão o fato de que, em paralelo a esse programa de pedagogia e psicologia infantil, encontramos outras matérias, como Higiene e Assistência, Direito Pátrio, Escrituração Mercantil, Ginástica e Trabalhos Manuais, que exigiam do professor que se candidatasse ao magistério público condições para ensinar a criança rio-grandense, no sentido desejado pelos governantes, ou seja, além de educado, os novos cidadãos deveriam ser saudáveis, produtivos e disciplinados. Podemos perceber que do programa constava o estudo geral da intuição, bem como o método indutivo, referindo-se ainda ao método dedutivo como assunto a ser conhecido pelos professores das escolas públicas do Rio Grande do Sul. Essa inclusão reforça nossa convicção de que a intuição foi considerada como pressuposto teórico para a adoção do método indutivo, sobretudo se considerarmos a importância da psicologia no programa que apresentamos. Para concluirmos esta abordagem referente às teorias e aos métodos de ensino, desejamos ressaltar que as fontes históricas que utilizamos são fontes de caráter oficial, que possibilitaram as informações de que nos valemos para a análise. Não foram encontrados materiais instrucionais que possibilitassem uma maior clareza do método adotado no ensino rio-grandense à época. CONSIDERAÇÕES FINAIS As considerações expostas neste trabalho buscaram caracterizar a influência do pensamento positivista, que orientou a prática política no Rio Grande do Sul na Primeira República, no campo educacional, especificamente no plano das teorias e métodos de ensino que vigoraram nas salas de aula das escolas públicas da região. Conforme os dados apresentados nos permitiram perceber, a perspectiva da ciência empírica, de caráter indutivista, foi buscada de forma permanente pelos dirigentes educacionais rio-grandenses do período, de tal forma que a adoção dessa orientação metodológia foi determinada de forma vertical, via decreto, buscando a homogeneização do ensino rio-grandense de forma autoritária. No entanto, a realidade da educação gaúcha evidenciou um quadro bastante contraditório, já que a formação dos professores não oportunizou a plena vigência da orientação positivista no processo de ensino-aprendizagem que vigorou nas escolas públicas, o que pôde ser percebido em outros aspectos investigados e que não puderam ser aqui abordados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SALLES, Iraci Galvão. Trabalho, progresso e sociedade civilizada. São Paulo : Hucitec, 1986. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 20. ed. São Paulo : Cortez, 1988. SAVIANI, Dermeval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, D.T. (Org.) Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1983. SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas. 3. ed. Lisboa : Livros Horizontes, 1984. 1 Relatório do Inspetor Regional da 4ª Região Escolar, José Penna de Moraes, em 16.121897, no Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 30.07.1898, p. 547. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado Rio Grande do Sul. 2 Sobre as pedagogias da essência e existência, cf.: SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. 20a ed. São Paulo : Cortez, 1988; SAVIANI, Dermeval. Tendências e correntes da educação brasileira. In: MENDES, D.T. (Org.) Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira. 1983; SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as Grandes Correntes Filosóficas. 3. ed. Lisboa : Livros Horizontes, 1984. 3 Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 25.08.1928, p. 32. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 4 Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1897 e 1906, p. 164 e 86, respectivamente. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 5 Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1910, p. 214. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 6 Art. 2o do regulamento de 1927. Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1927, p. 512. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 7 Art. 3o do regimento interno de 1927. Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1927, p. 539. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 8 Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 1914, p. 177. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 9 Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 27.08.1917, p. XIV. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 10 Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 08.09.1913, p. IV. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 11 Relatório da Secretaria do Interior e Exterior de 08.09.1913, p. IV. Porto Alegre – RS, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul. 12 Programa para o concurso dos candidatos ao magistério público. Decreto n° 3.975, de 28.12.1927. Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul de 1927, p. 771-3.