A Política Externa Brasileira para o Meio Ambiente:
um estudo comparado da Rio-92 e da Rio+201
Luciana Costa Brandão2
Michelle Baptista3
Daniel Santos4
Juliana Freitas5
Eduardo Dondonis Pereira 6
Resumo
O presente artigo tem por objetivo geral analisar a política externa brasileira para o meio ambiente por meio do estudo
comparado entre Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - ou Rio-92, realizada
em junho de 1992, durante o governo de Luiz Fernando Collor de Mello - e Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável - ou Rio+20, realizada vinte anos depois em junho de 2012, durante o governo de Dilma
Rousseff. São examinados os principais pontos comuns e divergentes assumidos pelos distintos governos nas duas
conferências, tendo como objetivo específico esclarecer se o Brasil tem uma política de Estado consolidada em relação
aos assuntos ambientais ou se essa política apresenta variações conforme as mudanças de governo. A análise leva em
conta ambos os aspectos de conjuntura externa quanto interna que influenciaram as posições da delegação brasileira.
Conclui-se que a PEB para o meio ambiente conta com alguns princípios consolidados, tais como a valorização do
multilateralismo e respeito à soberania, mas que a defesa de questões específicas varia conforme a agenda política.
Palavras-chave: Rio-92; Rio+20; Meio Ambiente; Desenvolvimento Sustentável; Política Externa Brasileira.
Introdução
Entre os dias 03 e 11 de junho de 1992, ocorreu, na cidade do Rio de Janeiro, a primeira
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida por
Rio-927. Durante a reunião de cúpula desta conferência, reuniram-se delegações de 172 países,
dentre as quais 108contavam com a presença de seus Chefes de Estado ou de Governo (LAGO,
2007) constituindo o que para a época ficou marcado como "a maior congregação de líderes
1
Agradecemos as contribuições do Prof. André Reis e dos colegas da disciplina de Política Externa Brasileira III UFRGS - 2015/1.
2
Estudante de Graduação do Curso de Relações Internacionais, UFRGS. E-mail: [email protected]
3
Estudante de Graduação do Curso de Relações Internacionais, UFRGS. E-mail: [email protected]
4
Estudante de Graduação do Curso de Relações Internacionais, UFRGS. E-mail: [email protected]
5
Estudante de Graduação do Curso de Relações Internacionais, UFRGS. E-mail: [email protected]
6
Estudante de Graduação do Curso de Relações Internacionais, UFRGS. E-mail: [email protected]
7
Entre os outros nomes utilizados para se referir ao evento, podem ser citados: Cúpula da Terra, Conferência do Rio,
Eco-92, bem como as siglas CNUMAD, UNCED. Não há um consenso sobre as especificidades relacionadas ao uso de
cada nomenclatura.
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mundiais, em torno de uma mesa, da história das relações internacionais"8. A Rio-92 passaria a ser
considerada um importante marco na formação dos regimes ambientais internacionais
especificamente e para as Relações Internacionais como um todo. Vinte anos mais tarde,o Rio de
Janeiro voltaria a sediar outro importante evento diretamente vinculado à Rio-92. A Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – ou Rio+20 – ocorreu entre os dias 13 e 22
de junho de 2012, contando desta vez com a participação de 105 representantes em nível de Chefe
de Estado e de Governo e 487 Ministros de Estado para as reuniões do Segmento de Alto Nível
(LAGO, 2013).
Dada a importância que as duas conferências tiveram enquanto marcos da política ambiental
internacional, e a particularidade de serem sediadas em território brasileiro, cabe investigar os seus
condicionantes, os processos envolvidos nas negociações, e a relação específica com a Política
Externa Brasileira (PEB) de cada período. O que levou o Brasil a buscar sediar estas conferências?
Como tais eventos moldaram a PEB e por ela foram moldados? O que significou para o Brasil ser
anfitrião de eventos de tamanha importância e porte em dois momentos tão distintos da história de
sua democracia?
A partir destes questionamentos, o presente trabalho se propõe a analisar os principais pontos
de convergência e divergência da PEB para os dois períodos estudados. Busca-se esclarecer se o
Brasil tem uma política externa consolidada para os assuntos ambientais ou se a sua abordagem
apresenta variações conforme as mudanças no nível doméstico e na conjuntura internacional. A
partir da análise de discursos e outros documentos oficiais, investigou-se a posição oficial da
delegação brasileira e de membros importantes do governo para ambas conferências 9.A hipótese
trabalhada é que, com o surgimento da ordem democrática no plano interno e com o fim da
polarização entre Leste e Oeste no cenário internacional, emergem as condições e as necessidades
para o Brasil buscar uma nova postura perante as questões ambientais internacionais, marcada por
uma maior assertividade e pelo papel de "líder conciliador" entre as demandas do Norte
desenvolvido e do Sul em desenvolvimento. No entanto, asmudanças que ocorreram ao longo dos
vinte anos que separam as duas conferências ergueram novos desafios para a atuação brasileira,
diminuindo relativamente o reconhecimento do Brasil como líder conciliador em 2012.
8
Conforme informado no Relatório Oficial da Delegação Brasileira para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. Ver: DIVISÃO..., 1993, p.33.
9
Em ambos os casos incorporamos à nossa análise etapas importantes de negociações e preparações que antecedem a
data específica das conferências, de modo que determinados discursos aqui analisados ocorreram durante o governo de
outros presidentes.
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Parte-se do pressuposto que estabelecer o nexo entre o plano interno e o externo não só é
possível como também é um esforço necessário no empreender da análise de política externa
(PUTNAM, 1988; NETO, 2012). Assim, a primeira seção deste trabalho explora brevemente o
histórico de conferências e acordos que levaram até a Rio-92 e a Rio+20. A segunda seção, por sua
vez, contempla a análise dos fatores externos e internos que influenciaram a PEB durante ambas as
conferências. Por fim, a terceira seção se dedica a investigar o conteúdo dos discursos e dos
documentos oficiais representantes da PEB para as duas conferências. A conclusão sumariza as
principais descobertas e lança questões para futuras pesquisas.
Formação do Regime Ambiental Internacional
Para compreender o contexto no qual as conferências da Rio-92 e Rio+20 ocorreram é
necessário, primeiramente, traçar um breve paralelo a respeito da formação do regime ambiental
internacional10. As questões ambientais começam a ocupar maior espaço na agenda internacional
durante a segunda metade do século XX, notadamente com a publicação do relatório "Os Limites
do Crescimento" pelo Clube de Roma, em1972 (MEADOWS et al, 1972). O estudo produzido na
forma de publicação independente apresenta uma visão neomalthusiana a respeito da problemática
ambiental. Os autores argumentam que a sobrevivência da espécie humana estaria em risco devido
ao alto crescimento populacional e ao uso desenfreado dos recursos naturais (IRVING, 2014).
Diversas críticas posteriores à construção de um regime ambiental internacional seriam moldadas na
forma de um ataque ao argumento do "crescimento zero", postulado a partir das conclusões do
relatório do Clube de Roma. Para grande parte do Terceiro Mundo, que somente agora começava a
fortalecer seu processo de industrialização, a ideia de que seria necessário frear este crescimento por
conta dos limites impostos pela natureza soava como mais um mecanismo dos países
industrializados a fim de perpetuar suas posições privilegiadas na divisão internacional do trabalho.
No mesmo ano de 1972 ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, mais comumente conhecida como Conferência de Estocolmo. Ao todo, 113 países,
10
Diversas outras conferências e avanços ocorreram ao longo da formação do regime ambiental internacional até o
início da década de 1990. Dado o escopo deste trabalho, optou-se por apresentar alguns marcos específicos
considerados mais relevantes para o tema. Para uma revisão mais detalhada sobre o debate ambiental a nível
internacional, ver: SAAVEDRA, 2014.
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instituições governamentais e não governamentais, participaram da Conferência. Sua importância
reside no fato de que pela primeira vez na história o meio ambiente foi inserido na Agenda
Internacional como um tópico de relevância, necessário de ser debatido (SOHR, 2010). Como
desdobramento da Conferência de Estocolmo, produziu-se a Declaração sobre o Meio Ambiente
Humano, cujos princípios de responsabilidade deveriam nortear as políticas ambientais dos
governos que a assinassem. Também resultou em um Plano de Ação que convocava os países, as
Nações Unidas e outras organizações internacionais a cooperarem na busca por soluções para os
problemas ambientais. Em termos de construção do regime ambiental, a consequência mais
importante foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o
primeiro organismo institucional a nível global focado especificamente na problemática ambiental
(SÃO PAULO, 1997).
Durante os dias de discussão pode-se perceber um conflito de perspectivas entre países em
situações socioeconômicas distintas. Se, por um lado, os países desenvolvidos pregavam medidas
preventivas imediatas a fim de evitar desastres naturais, por outro, os países em desenvolvimento
alegavam que certas medidas poderiam encarecer, e até mesmo retardar, seu desenvolvimento (SÃO
PAULO, 1997). Em verdade, o cumprimento das propostas de proteção ambiental e de cooperação
internacional foi bem mais difícil do que se supunha. A incerteza quanto a real gravidade dos
problemas ambientais e as diferentes pretensões quanto aos objetivos traçados são alguns dos
elementos que levaram a este impasse (PASSOS, 2009). Tal confronto de perspectivas viria a se
repetir nas décadas posteriores em diversas negociações, marcando os diferentes posicionamentos
políticos na construção de um regime ambiental internacional.
Ainda assim, a Conferência de Estocolmo foi de grande importância e é até hoje considerada
um "marco global fundamental na discussão sobre a questão ambiental" (IRVING, 2014, p.18)
Desde então, tem-se expandido o número de tratados, acordos e convenções formadores do regime
ambiental internacional (PASSOS, 2009). Entre estes destaca-se a Convenção de Viena para a
Proteção da Camada de Ozônio, de 1985, e Protocolo de Montreal, de 1987.
Ocorrida em Viena, Áustria, a Convenção para a Proteção da Camada de Ozônio contou com
a presença de dezenas de países e tinha por objetivo dirimir os riscos que afetam o ambiente natural
e a saúde humana provenientes de alterações antropogênicas na camada de ozônio11 (DUNOFF;
11
Entre os efeitos da destruição da camada de ozônio – e a consequente maior exposição dos indivíduos aos raios ultraviolata (UV) – estão o melanoma maligno (câncer de pele), catarata, enfraquecimento do sistema imunológico e o
envelhecimento precoce.
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RATNER; WIPPMAN, 2006). Fortemente embasada em análises científicas, o que conferia maior
legitimidade à discussão, afastando-a da arena das divergências políticas entre países de diferentes
níveis de desenvolvimento, tal convenção propunha uma redução, ou até mesmo efetiva eliminação,
das emissões substâncias danosas à camada de ozônio. Como desfecho desta Convenção, foi criado
no ano de 1987 em Montreal, Canadá, o Protocolo sobre Substâncias que Destroem a Camada de
Ozônio, versando especialmente sobre a utilização de clorofluorcarbonetos (CFCs) nas indústrias
dos países desenvolvidos e em desenvolvimento (PROTOCOLO DE MONTREAL, 2011).
O Protocolo de Montreal propunha uma diminuição gradativa do consumo dos gases CFC em
todo o planeta ao longo da década de 90, além da cooperação entre os países para atingir tal
objetivo. O receio dos países em desenvolvimento de que aquele tratado atrasasse seu
desenvolvimento foi amenizado pelo Art. 5º do protocolo, o qual concedia uma extensão de dez
anos no prazo de cumprimento das cláusulas para países em desenvolvimento e incentivava a
cooperação entre estes e os países desenvolvidos (UNEP, 1987). Para tanto, foi criado o Fundo
Multilateral para a Implementação do Protocolo de Montreal (FML), com o objetivo deauxiliar os
países em desenvolvimento a atingirem suas metas (DUNOFF; RATNER; WIPPMAN, 2006). Os
objetivos do Protocolo foram cumpridos e a manutenção das negociações internacionais têm sido
exitosas. Para muitos autores, o Protocolo de Montreal é tido como o mais bem sucedido tratado
internacional de todos os tempos.
A década de 1980 seria também marcada pelo lançamento de um novo relatório. O "Nosso
Futuro Comum", preparado pela Comissão Brundtland e lançado em 1987 é o resultado de um
estudo encomendado pela ONU. É neste documento que se populariza internacionalmente a noção
de desenvolvimento sustentável como sendo o "desenvolvimento que satisfaz as necessidades
presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades"
(CMMAD, 1991, p.16). Ainda que muitas vezes comparado ao relatório do Clube de Roma, o
relatório da Comissão Brundtland difere essencialmente do anterior no sentido em que traz ao
debate a questão da necessidade de superação da pobreza como componente essencial da
sustentabilidade, relativizando os limites do crescimento e abrindo espaço para novas discussões
sobre como harmonizar a necessidade de melhoria na qualidade de vida das sociedades menos ricas
com a noção de uma sustentabilidade ecológica.
As noções de desenvolvimento sustentável e de responsabilidades diferenciadas, conceitos
formulados no contexto do regime ambiental internacional, viriam a ser dois pontos centrais dos
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debates das Conferências de 1992 e 2012. Para melhor compreender como os países e, em especial,
o Brasil, se posicionaram em ambos os momentos é necessário considerar também as
especificidades da situação doméstica e internacional de cada época.
Os Condicionantes da Política Externa Brasileira para o Meio Ambiente: fatores
externos e internos
Para um estudo comparado completo entre a Rio-92 e a Rio+20, faz-se necessário analisar as
conjunturas internas e externas dos períodos em que essas duas conferências ocorreram, uma vez
que influenciaram diretamente na posição brasileira adotada em cada uma das ocasiões. Cabe
destacar, portanto, que tais períodos divergem muito entre si, tanto em termos de conjuntura
internacional quanto na arena doméstica brasileira.
Fatores externos: a conjuntura internacional
A Rio-92 ocorreu em um momento histórico singular: desenhavam-se, no cenário
internacional, os impactos do fim da Guerra Fria. Têm-se como principais impactos a queda do
muro de Berlim, a subsequente desagregação da União Soviética, a ascensão dos Estados Unidos
como potência hegemônica,a intensificação da globalização e a redução de barreiras comerciais.
Tais fatores serviram para alterar a lógica de funcionamento da "máquina do mundo" (OLIVEIRA;
RIBEIRO, 2014). Também neste período houve a ascensão de potências emergentes, assim como
de atores não estatais, que passariam a influenciar na dinâmica das relações internacionais.
É também no início da década de 1990 que a temática ambiental adquire maior espaço e
importância nas agendas de discussões nacionais e internacionais. Em comparação com as décadas
anteriores, foi durante este período em que ocorreu o maior número de eventos de cunho ambiental
(TAKEDA, 2009). No contexto brasileiro desenvolveram-se diversas ações para consolidar a
educação ambiental como forma de promover o desenvolvimento sustentável, tais como a
capacitação de multiplicadores em Educação Ambiental (MEDINA, 2009). Em suma, a década de
1990 foi marcada pelo avanço na estrutura dos órgãos ambientais de Estado e também das
discussões sobre a necessidade de implementação de políticas que visassem o desenvolvimento
ambiental e socialmente sustentável. Esse cenário culminou na realização da II Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92
(VIEIRA; CADER, 2007).
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A Rio+20, por sua vez, ocorreu em uma conjuntura bem distinta da Rio-92. O mundo havia se
transformado desde a realização da segunda: a população mundial aumentou cerca de 30%
passando de 5,4 bilhões de habitantes para mais de 7 bilhões; a economia global cresceu 75%, a
extração de recursos naturais avançou em 41%; as emissões de carbono aumentaram 36% e a
temperatura média na Terra subiu 0,4 graus (YOSHIDA, 2012). Dado este cenário de crise
ambiental, o ex-presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, propôs à Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 2007, a revisão das medidas acordadas na Rio-92 (ARANTES, 2015).
A Rio+20 se concretizou cinco anos após feita a proposta do presidente brasileiro, entre os
dias 13 à 22 de junho de 2012, dentro de um contexto externo nada favorável. Se, por um lado, a
política internacional continuava pautada pelo predomínio estadunidense, por outro, tem-se uma
crise econômica em 2008, que afetou não somente os EUA, como toda a economia global,
resultando em uma nova dinâmica internacional e que influenciou drasticamente no andamento
geral da conferência bem como nas posturas adotadas pelos países.
A Conferência foi pautada pela emergência de importantes atores globais emergentes, como
China, Índia, Rússia, África do Sul e também o Brasil. Ademais, o continente sul-americano
passava por significativas transformações políticas, devido ao fato de que, em muitos países, esta
era a primeira vez que governos ditos de esquerda assumiam a chefia dos Estados, se contrapondo à
agenda neoliberal político-econômica dominante a nível internacional. No mesmo ano de 2012,
ocorriam também eleições nos Estados Unidos e em alguns países europeus, relativizando a
importância dos itens da agenda política interna destes Estados (MEDEIROS, 2012).
Em face da situação mundial, a discussão sobre modelos de desenvolvimento sustentável seria
um tema recorrente durante o debate da Rio+20. De acordo com Arantes (2015), a crise econômica
de 2008 teria sido causada sob a égide do neoliberalismo, o que pressupunha a necessidade de se
encontrar alternativas mais sustentáveis – tanto ambiental quanto economicamente – a este modelo.
A incorporação destas preocupações no escopo da conferência se traduz nos dois temas centrais
eleitos, por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU, para serem debatidos durante a
Conferência. Foram eles a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da
erradicação da pobreza e a estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável (RIO+20,
2011). O foco em temáticas que extrapolavam questões de cunho estritamente “ambiental”
moldaram, em grande medida, os rumos do debate.
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Desta forma, o âmbito internacional apresentava vários impasses à reunião proposta pelo
presidente Lula. Temia-se, inclusive, que pudesse ocorrer um esvaziamento político, uma vez que
importantes países, como os membros da União Europeia e Estados Unidos, demoraram para
confirmar a presença de suas delegações, devido a outros problemas que ganhavam prioridade nas
suas agendas estratégicas, como a superação de crises internas. Os países da UE estavam
enfrentando forte crise originada nos EUA e a China vivia um momento difícil de sucessão na sua
cúpula dirigente, enquanto líderes políticos de outras nações enfrentavam seus próprios desafios no
âmbito doméstico, como eleições acirradas e obstáculos ao balanceamento de poder naquela
conjuntura de crise internacional (ABRANCHES, 2012).
De forma análoga, o Brasil também teve de conciliar suas demandas domésticas com as
negociações ambientais internacionais, em ambas conferências. Assim, a próxima sessão foca em
compreender como os fatores internos influenciaram as opções brasileiras de negociação no nível
internacional.
Fatores Internos: a conjuntura doméstica
No que diz respeito aos fatores internos que influenciaram a postura brasileira, as duas
conferências ocorreram em momentos qualitativamente opostos. Em linhas gerais, a Rio-92 ocorreu
em um momento de abertura econômica e diminuição do papel dirigente do Estado, ao passo que a
Rio+20 ocorreu em meio a um processo de aumento e redefinição desse papel (OLIVEIRA, 2014).
Em 1992, o Brasil se encontrava no auge da desconstrução do paradigma desenvolvimentista
que havia norteado sua política externa nas últimas décadas. Até o fim do período do regime militar,
diversas questões relativas à agenda do meio-ambiente eram consideradas inegociáveis no campo
internacional, por estarem inseridas em um discurso de afirmação da soberania nacional e que era
legitimado pela defesa do direito dos países do terceiro-mundo ao desenvolvimento (SENNES,
2003). Ademais, o modelo de crescimento interno da economia brasileira baseado na lógica de
substituição de importações havia encontrado o seu esgotamento e fazia-se necessária a busca de
alternativas de desenvolvimento (HIRST; PINHEIRO, 1995). Esse processo deu ensejo a um
período de intensa rediscussão da forma com que o Brasil deveria abordar sua inserção
internacional após a queda do regime militar e a redemocratização.
Em meio às alternativas que se encontravam em pauta, o governo Collor representou uma
guinada na direção da adoção dos valores neoliberais, que tomavam força após a queda da União
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Soviética, o fim da Guerra Fria e o Consenso de Washington, e foi o momento de ápice da tradução
do receituário dessa cartilha em prática política interna. Ideias como liberalização comercial,
desburocratização, privatizações e limitação da atuação do Estado na economia tomaram força no
país como caminhos considerados virtuosos para a adaptação e desenvolvimento do Brasil frente ao
novo mundo que se desvelava. Dentro dessa nova conjuntura, o posicionamento do país em relação
à questão ambiental também deveria ser repensado para adaptar-se ao mundo em transformação.
No que diz respeito às relações internacionais, esperava-se que a adoção dos princípios
liberais projetasse uma imagem positiva do país, desencadeasse a atração de capitais estrangeiros e
garantisse o apoio político dos países desenvolvidos, em especial dos EUA, colocando o Brasil em
uma posição privilegiada para participar ativamente da construção da nova estrutura institucional
internacional. Por outro lado, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) brasileiro mantinha-se
enquanto corpo burocrático relativamente insulado, mantendo linhas próprias de condução da
política externa independentemente da ideologia política do grupo governante, o que também viria a
influenciar na atuação brasileira durante a Rio+92 (FARIA, 2012). Como consequência desta
interação entre um governo democrático de caráter liberal e um MRE que tradicionalmente geria
sua política externa baseado nos princípios do multilateralismo e do respeito à soberania, adotou-se
para a Rio-92 uma postura autonomista, na qual o Brasil afastava a possibilidade de que influências
externas pudessem interferir na gestão dos seus próprios recursos naturais para fins que não aqueles
definidos internamente sem, entretanto, deixar de buscar o diálogo e a cooperação dos países
industrializados.
A Rio+20, por sua vez, ocorreu em um período de retomada do fortalecimento do Estado
Nacional brasileiro, tendência que ganhou força a partir de 2002, com a chegada ao poder do
Partido dos Trabalhadores. Nesse período, algumas políticas adotadas pelo governo demonstraram o
interesse do Brasil em manter uma agenda proativa na área ambiental, como a redução dos níveis de
desmatamento na Amazônia, os incentivos à produção de biocombustíveis (ESTEVO, 2011) a
aprovação da lei 12.187 estabelecendo a Política Nacional de Mudanças Climáticas e o
compromisso político de redução da trajetória de emissões, firmado nos marcos da Conferência das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-15).
O sucesso da implantação de uma agenda ambiental ativa teve seu auge entre fins de 2009 e
início de 2010, ao final do segundo mandato do governo Lula. Contribuíram para isso a rapidez e o
baixo custo com que foi possível diminuir o nível de emissões de gases causadores do efeito estufa,
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através do combate ao desmatamento, bem como o fortalecimento de um movimento de cunho
ambientalista no governo após a candidatura de Marina Silva à presidência da República
(FRANCHINI; VIOLA, 2012). Quando contrastada com esse período, a agenda ambiental perdeu
espaço no governo Dilma Rousseff, durante o qual o Brasil sediou a Rio+20, de modo que
representantes do movimento ambientalista e antigos membros do governo criticaram as decisões
tomadas durante a administração de Rousseff. Entre as principais críticas se destaca o argumento de
que o governo estaria se omitindo das questões ambientais, o que poderia levar a um esvaziamento
das discussões na Rio+20 (MENDONÇA, 2012).
O fortalecimento do papel ativo do Estado, que vinha ocorrendo desde 2002, não se refletiu
em uma postura completamente autonomista no âmbito externo. O país manteve as linhas históricas
de universalismo e de multilateralismo, ainda que se mantivessem também reservas no que diz
respeito ao abandono de prioridades internas em prol de maior cooperação na área ambiental. Isso
se refletiu na posição brasileira na Rio+20, que procurou diluir a conotação ambiental do evento
através do foco em temas sociais, ao mesmo tempo em que buscou o caminho de menor resistência
do consenso, em vez do confronto (VIOLA, 2012).
Considerando a interação entre fatores externos e internos e sua influência sobre a formulação
da política externa brasileira, cabe investigar como isto se traduziu na atuação da delegação
brasileira durante as duas conferências ambientais de 1992 e 2012.
Discurso e conteúdo: a Participação da Diplomacia Brasileira nas Conferências
Ambientais
Com o objetivo de examinar a política externa brasileira para o meio ambiente nestes dois
momentos distintos, é também necessário analisar como se deu, de fato, a atuação da delegação
brasileira em ambas conferências. Esta seção, pois, desenvolve tal exame a partir da análise de
discurso e conteúdo de membros do corpo diplomático e do governo brasileiro durante a preparação
e ocorrência das duas conferências.
A Participação do Brasil na Rio-92
A Rio-92 marcou um ponto de virada na abordagem da política externa brasileira em relação
às questões ambientais globais. Até então o posicionamento oficial do Brasil esteve alinhado com o
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discurso nacional-desenvolvimentista que orientava a PEB. A agenda ambiental global era, nesse
contexto, percebida como um obstáculo imposto pelos países desenvolvidos para minar o
crescimento econômico e a soberania dos demais. A partir da organização da Rio-92, no entanto, a
postura brasileira em relação ao tema passa por um marcante processo de transformação. Em suma,
o Brasil abandonao sua antiga postura confrontacionista em prol de uma posição marcada pela
assertividade. Tentará, nesse âmbito, colocar-se como um "líder conciliador", capaz de: representar
os interesses particulares dos países em desenvolvimento sem adotar uma postura radical;
estabelecer um canal de comunicação com os países desenvolvidos do Norte; promover a
cooperação; e, proporcionar um ambiente para que acordos sejam firmados entre as diversas nações.
A candidatura brasileira para sediar a Rio-92 é um dos primeiros indicativos desta nova
postura. Em discurso na Assembleia Geral da ONU em dezembro de 1988, o então embaixador
brasileiro Paulo Nogueira Batista espontaneamente oferece o Brasil como candidato para sediar "a
conferência das Nações Unidas sobre assuntos ambientais em 1992" (BATISTA, 1988, p.11). Ao
fazer isso, o embaixador enfatiza a urgência de incorporar as questões sobre as desigualdades entre
os países do Norte e do Sul ao debate ambiental e garantir a instalação de mecanismos que
permitam diminuir esta desigualdade. Segundo o embaixador:
[...] o meio ambiente é um patrimônio nacional cuja proteção é de
responsabilidade do governo brasileiro em todos os níveis. Em capítulo
especial sobre as questões ambientais, a Constituição coloca a Floresta
Amazônica e o Pantanal mato-grossense sob proteção especial do Estado.
[...] Em desenvolver a sua economia, o Brasil está disposto a fazer uso das
mais modernas tecnologias disponíveis. Com isso, estaria evitando cometer
os mesmos erros que as nações mais desenvolvidas cometeram, os quais
causaram grande dano ao seu próprio meio ambiente e que vêm esgotando
os recursos naturais mundiais de forma desproporcional. [...] Conhecimento
tecnológico e, em especial, acesso a recursos financeiros adicionais
poderiam desempenhar um papel significativo no desenvolvimento
nacional. (BATISTA, 1988, p.10-11, traduçãoe grifos nossos)
A fala do embaixador destaca pontos que anunciam como será a posição oficial do Brasil para
o tema dali em diante, defendendo ambas a primazia da soberania e a importância da cooperação,
marca do seu posicionamento de "líder conciliador". O elemento inovador desta posição é que,
agora, ao defender claramente os seus objetivos de se desenvolver e de manter a soberania sobre os
seus recursos naturais, o Brasil o faz buscando estabelecer um diálogo e uma cooperação com os
países desenvolvidos, o que justifica a vontade de sediar a Rio-92.
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Segundo Lago (2013, p.88-89; 91-92) o que teria levado o governo de Sarney a propor essa
candidatura seria uma percepção de que se havia mais a ganhar em "capital político" do que a
perder, a despeito dos altos riscos envolvidos em sediar evento de tamanho porte.A ideia teria
partido do próprio Itamaraty12 - e não da presidência - como forma de melhorar a imagem
internacional do Brasil. Esta vinha sendo alvo de severas críticas por parte da mídia internacional,
principalmente a estadunidense, devido à destruição das riquezas naturaisbrasileiras, em especial na
Amazônia.O discurso do Presidente Collor em saudação aos participantes da reunião de cúpula
sintetiza a importância que a Rio-92 tinha para o Brasil clamando para que as "as decisões tomadas
na Conferência do Rio sejam implementadas com rapidez e eficácia" (COLLOR DE MELLO, 1992,
p.87). A Rio-92 se configurava então como uma oportunidade para reverter a percepção sobre o
Brasil no regime ambiental internacional e, para que tal objetivo fosse atingido, seria necessário
garantir não só o sucesso da conferência mas também da atuação de liderança da delegação
brasileira.
A atuação brasileira na Rio-92 não se restringe ao período da conferência per se. Na
realidade, a formulação da posição brasileira se inicia desde o momento da candidatura e vai se
fortalecendo ao longo de todas sessões preparatórias para a conferência13. Dentre as contribuições
mais relevantes feitas pela delegação brasileira à Conferência destacam-se a defesa dos princípios
de "desenvolvimento sustentável"14 e das "responsabilidades comuns, porém diferenciadas"15, como
pode ser percebido no discurso do embaixador Ronaldo Sardenberg durante reunião da Assembleia
Geral da ONU em 1990 segundo o qual "proteger o meio ambiente enquanto se promove o
desenvolvimento econômico é um grande desafio a ser enfrentado pela comunidade internacional.
O princípio da divisão de responsabilidades de acordo com as respectivas capacidades dos países
deve ser considerado o ponto de partida" (SARDENBERG, 1990b, p.7).
12
A ideia teria sido proposta pelo Ministro de Estado Interino, o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, e
instantaneamente aprovada pelo Presidente da República (LAGO, 2013, p.95).
13
No plano interno o Governo brasileiro estabeleceu a Comissão Interministerial para a Preparação da Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CIMA), integrando diversos órgãos do Governo Federal e
membros das Confederações nacionais do Comércio, da Índústria e da Agricultura como observadores.
14
O conceito em si foi primeiramente introduzido no debate internacional por meio do Relatório Brundtland de 1987,
conforme notado na sessão anterior deste trabalho (CMMAD, 1991). No entanto, é durante a Rio-92 que ele é
aperfeiçoado para comportar a noção dos três pilares: econômico, social e ecológico (IRVING, 2014, p.20;24).
15
Em fala específica sobre a questão do aquecimento global, o embaixador reforça este princípio ao dizer que: "todos os
países carregam uma responsabilidade comum, ainda que diferenciada, para com as causas do aquecimento global e
sobre as estratégias necessárias para responder a isto" (SARDENBERG, 1990a, p.6).
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No ano seguinte, aprofunda-se debate e o representante brasileiro argumenta em favor da
importância de garantir os mecanismos de financiamento para que os países em desenvolvimento
tenham acesso a tecnologias modernas e menos poluentes (SARDENBERG, 1991, p.14). Este
ponto continua a ser defendido ativamente pela delegação brasileira ao longo da Conferência,
durante a qual intensificam-se as negociações sobre o acesso aos recursos financeiros para
promoção do desenvolvimento sustentável. A posição oficial brasileira é a de defender a criação de
novos e adicionais recursos, os quais deveriam ser geridos pelas partes envolvidas em cada acordo.
A delegação defende também a criação de um novo Fundo específico para este fim16, objetivando
facilitar o acesso dos países em desenvolvimento aos recursos financeiros disponibilizados pelos
países desenvolvidos. Em seu discurso, o Ministro das Relações Exteriores à época da conferência,
Celso Lafer, salienta esta importância ao clamar que:
Para tornar viável o desenvolvimento sustentável dos países em
desenvolvimento, são imprescindíveis formas inovadoras de cooperação nas
áreas econômica e financeira. Recursos financeiros democráticos e
transparentes serão essenciais para assegurar a plena implementação dos
compromissos que assumirmos nesta conferência. Consideráveis
investimentos serão necessários para internalização dos custos ambientais.
(LAFER, 1992, p.106)
Em relação a questões temáticas específicas do debate sobre os itens da Agenda 21, a posição
brasileira também é propositiva e defensora dos interesses nacionais dentro do quadro delineado
pela estratégia do "bom anfitrião conciliador". Em muitos aspectos o Brasil atua alinhado com os
demais países latino-americanos e caribenhos17. Assim, de acordo com o Relatório oficial da
Delegação Brasileira, ao mesmo tempo em que a delegação brasileira defende a máxima do
princípio de soberania sobre os recursos naturais das florestas tropicais, ela também defende a
operacionalização de um regime para utilização comercial de recursos genéticos e desenvolvimento
de biotecnologia, pontos importantes na agenda ambiental das nações industrializadas (DIVISÃO...,
1993, p.43-64).
16
A proposta do fundo não iria adiante. No entanto, a ideia brasileira seria um dos embriões do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL), lançado em 1997 (VIOLA, 2004, p.97-98).
17
Esta atuação conjunta a nível regional havia sido coordenada previamente ao início da Conferência a partir da
Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) e da assinatura em março de 1991 da Plataforma de Tlateloco.
Quanto aos vízinhos fronteiriços da região amazônica e do Cone Sul foram especialmente importantes as reuniões
presidenciais organizadas pelo Brasil em Manaus e em Canela em fevereiro de 1992 para alinhar posições (DIVISÃO...,
p.23, 1993).
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De um modo geral, pode-se afirmar que a delegação brasileira conseguiu cumprir com os
principais objetivos da sua estratégia de política externa para a Rio-92, tanto na preparação para a
conferência quanto durante o evento. Assim, ao conciliar sua ação de "país-síntese" entre os
interesses do mundo desenvolvido e do mundo em desenvolvimento com a sua atuação como
anfitrião, o Brasil consegue se credenciar como importante ator internacional, demonstrando ser
capaz de gerenciar complexos eventos e atuar como mediador universalmente aceito. O país
também sucede em melhorar sua imagem perante a opinião pública brasileira, provando a sua
capacidade em conciliar a garantia dos interesses de soberania sobre o território nacional com a
negociação em prol da cooperação internacional.
A Participação do Brasil na Rio+20
Em 2007, o ex-presidente do Brasil lançou, na 62ª Assembleia Geral das Nações Unidas, a
proposta de realizar no Brasil a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+20. Sua fala é importante para a análise da posição brasileira dentro da Ordem
Ambiental Internacional porque nela é feita a defesa de pontos considerados importantes para os
países em desenvolvimento. Tais pontos serão retomados novamente nos discursos da presidenta
Dilma Rousseff, durante a Rio+20:
(...) o mundo não mudará sua relação irresponsável com a natureza se
não mudar a relação de desenvolvimento e justiça social. Para salvar o nosso
patrimônio comum, é necessário uma distribuição nova e equilibrada de
riqueza, tanto dentro de cada país como na esfera internacional. A igualdade
social é a melhor arma contra a degradação do planeta. Cada um de nós
deve assumir a parte a que lhe corresponde. É inadmissível que o custo da
irresponsabilidade de uns poucos privilegiados recaia sobre os pobres da
Terra (DA SILVA, 2007).
O discurso do presidente demarca uma transição do posicionamento brasileiro quanto à
abordagem das questões ambientais. Se, por um lado, o discurso reafirma o conceito de
"desenvolvimento sustentável" e de"responsabilidades comuns, porém diferenciadas", por outro o
foco da atuação brasileira recai sobre a necessidade de reduziras desigualdades econômicas e
sociais e reforçar o combate à pobreza. Assim, a problemática ambiental passa a ser tratada como
um aspecto inextrincavelmente relacionado ao desafio maior da injustiça social, de modo que a
busca por solução para o primeiro só se justifica a partir da superação do segundo.
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Durante a Conferência da Rio+20, em 2012, estas pautas continuariam centrais, como pode se
observar no discurso pronunciado durante cerimônia de abertura da conferência:
O princípio fundamental das responsabilidades comuns, porém
diferenciadas, consagrado na Rio-92, tem sido muitas vezes recusado na
prática. Sem ele, não há consenso possível na construção de um mundo mais
justo e inclusivo, no qual seres humanos possam estar no centro de nossas
preocupações. (...) Sabemos que o desenvolvimento sustentável é a melhor
resposta para a mudança do clima. (...) Desenvolvimento sustentável implica
crescimento da economia, para que se possa distribuir riqueza. Significa
criação de empregos formais e expansão da renda dos trabalhadores”
(ROUSSEFF, 2012, grifos nossos).
Deste modo, ao falar em "desenvolvimento sustentável", nota-se que a posição oficial
brasileira se refere ao conceito amplo do termo, focando na temática social. Segundo Braga et. al
(2004 apud IRVING, 2014, p.31) a noção de sustentabilidade pode ser dividida em dois eixos, o
ecológico e o social. O primeiro se relaciona à sustentabilidade ecológica e está diretamente
relacionado com a noção de preservação ambiental levando em conta a existência de limites físicos
à expansão populacional. Já o eixo da sustentabilidade social se refere à promoção de uma
qualidade de vida digna e à justiça distributiva. É esta noção de sustentabilidade social e política
que permeia o discurso da presidente Rousseff e que será a base para o posicionamento brasileiro ao
longo de toda a Rio+20.
A abordagem da delegação brasileira para a conferência não se restringe ao posicionamento
via diplomacia presidencial. Neste sentido, o Itamaraty se envolve extensivamente tanto nas
reuniões de preparação para a conferência, por meio da organização de mesas temáticas com
representantes de outros Estados e da participação ativa nas negociações, defendendo claramente os
objetivos almejados pelo Brasil ao sediar a conferência. A fala do embaixador Luiz Alberto
Figueiredo Machado ilustra tais objetivos. Ao ser questionado sobre as expectativas quanto os
resultados da Rio+20, Machado responde que "o futuro que queremos18 tem de ser um futuro de
prosperidade global e sustentabilidade no qual nós tenhamos, ao mesmo tempo, desenvolvimento
econômico, inclusão social e proteção ambiental como o paradigma para os próximos vinte anos"
(MACHADO, 2012, tradução nossa).
18
O embaixador faz referência em sua fala ao documento "O Futuro que Queremos" um dos produtos da Rio+20 (ONU,
2012).
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Observa-se que a fala do embaixador, também subsecretário do Ministério das Relações
Exteriores, reflete o mesmo posicionamento estabelecido nas linhas do discurso presidencial, no
qual as questões relativas à necessidade de crescimento econômico e justiça social são consideradas
componentes centrais para o debate ambiental - tão ou mais importantes que os desafios ambientais
per se. Este posicionamento já vinha sendo construído desde as primeiras reuniões preparatórias
para Rio+20, como fica claro na fala da embaixadora Regina Maria Cordeiro Dunlop na ocasião da
64asessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2010, quando esta afirma que "a proteção e
uso sustentável do ambiente não podem ser dissociados da satisfação das aspirações de todos os
povos ao desenvolvimento econômico e progresso social" (DUNLOP, 2010, p.18., tradução nossa)
É possível inferir que o posicionamento brasileiro influenciou, em grande parte, o conteúdo da
conferência, pois esta de fato privilegiou discussões mais focadas na problemática da ampla
sustentabilidade social do que na problemática estritamente ambiental. Deste modo, no texto oficial
do documento intitulado "O Futuro que Queremos" afirma-se que a "erradicação da pobreza é o
maior desafio global que o mundo atualmente enfrenta e um pré-requisito indispensável para o
desenvolvimento sustentável" (ONU, 2012, p.1). O documento também destaca o compromisso dos
Estados em libertar urgentemente a humanidade da pobreza e da fome - sem, no entanto, definir
como fazê-lo. Por conta desta ausência de avanços significativos em relação aos mecanismos que
proporcionem reduzir a pobreza sem agravar de destruição ambiental, a Rio+20 é criticada por
diversos acadêmicos, ambientalistas e políticos (GUIMARÃES; FONTOURA, 2012; GANEM,
2012; BOFF, 2012; SANTOS, 2013; BATISTA, 2012; CASTRO, 2012).
Em termos de política externa, a discussão dos problemas ambientais a partir de uma
interpretação mais ampla pode ser interpretada como uma retomada dos princípios
desenvolvimentistas realçados anteriormente à Rio+92.Se durante a conferência de 1992 o Brasil
buscou se posicionar enquanto líder-conciliador entre o Norte-Sul, sua atuação na Rio+20 esteve
muito mais alinhada aos países em desenvolvimento, notadamente o Grupo dos 77 + China (G-77),
por meio de reuniões informais prévias à conferência (LAGO, 2013). Este alinhamento com os
demais Estados do mundo em desenvolvimento pode ser compreendido a partir das prioridades da
agenda política interna em priorizar a promoção do crescimento econômico e desenvolvimento
social, compreensão compartilhada pela maior parte dos Estados do G-77.
Já a posição dos países desenvolvidos, especialmente das nações europeias, parte da
interpretação de que a Rio+20 deveria ser um espaço para se focar nas questões estritamente
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ambientais. O envio de representantes europeus advindos de ministérios e pastas específicas
relacionadas à temática ambiental (como, por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente) corrobora
este posicionamento (LAGO, 2013). Como consequência deste desalinhamento de interesses não
ocorreram progressos efetivos no que diz respeito à disponibilização de recursos financeiros e
transferência de tecnologia entre países desenvolvimentos e em desenvolvimento. O documento
final da conferência, no entanto, é aprovado por consenso.
Neste sentido é possível observar que, a grosso modo, a diplomacia brasileira para a Rio+20
também atinge os resultados inicialmente delimitados internamente. Estes destacavam, entre outros
aspectos, "a incorporação definitiva da erradicação da pobreza como elemento indispensável à
concretização do desenvolvimento sustentável, acentuando sua dimensão humana" (BRASIL, 2011,
p.4). Para cumprir este objetivo, compreende-se que a delegação brasileira buscou atuar
principalmente como porta-voz do mundo em desenvolvimento, priorizando também a sua própria
agenda interna de desenvolvimento socioeconômico. Ao fazê-lo, o Brasil contribui para a formação
do regime ambiental internacional, principalmente no sentido de transformar a agenda ampliando
seu escopo e direcionando o centro da discussão das questões de "sustentabilidade ambiental" para a
problemática mais abrangente da "sustentabilidade social".
Conclusão
O presente trabalho buscou analisar a política externa brasileira para duas importantes
conferências ambientais internacionais: a Rio-92 e a Rio+20. Nota-se que, entre uma e outra,
ocorreram importantes transformações tanto no contexto internacional quanto na conjuntura
doméstica brasileira. Dentre estas, destacam-se o desgaste da unipolaridade norte-americana, o
aumento da influência dos países em desenvolvimento e o fortalecimento do papel ativo do Estado
brasileiro, principalmente nos âmbitos das políticas sociais e econômicas. Tais elementos
condicionaram, em parte, a forma como o Brasil buscou exercer sua influência nas conferências e
como esta foi recebida pelos demais países.
Durante a Rio-92 a atuação brasileira foi, de modo geral, bem recebida tanto pelos países em
desenvolvimento quanto pelos desenvolvidos. A política externa brasileira para a Rio-92 é marcada
por sua capacidade de conciliar interesses opostos e sediar de forma organizada uma conferência
que foi considerada uma marco na discussão da questão ambiental em nível internacional. Já na
Rio+20 os esforços brasileiros tiveram outros resultados. Devido ao contexto econômico externo
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pós-crise - o qual atingiu principalmente os países desenvolvidos - e à própria busca brasileira por
uma atuação menos conciliadora e mais impositiva dos interesses desenvolvimentistas, a busca pela
liderança conciliadora de 1992 foi substituída, em 2012, por uma atuação independente, respaldada
pelo mundo em desenvolvimento.
Não cabe a este trabalho julgar normativamente as duas linhas de política externa para o meio
ambiente. No entanto, é importante observar que cada uma teve impactos específicos sobre a
construção do regime ambiental internacional. A atuação brasileira de 1992 contribuiu para o
aprofundamento do regime ambiental ao propor novos conceitos operacionalizáveis tais como os
princípios de desenvolvimento sustentável e responsabilidades diferenciadas; já a atuação brasileira
de 2012 contribuiu transformando o ethos deste mesmo regime, propondo substituir a centralidade
da problemática ambiental stricto sensu pela da problemática social.
Cabe a pesquisas futuras aprofundar a investigação nos desdobramentos que a política externa
brasileira para o meio ambiente traz e pode vir a trazer para as negociações internacionais. Fica em
aberto a interpretação sobre a recente aproximação e assinatura de acordos entre EUA e China
referentes às questões climáticas, bem como os possíveis desdobramentos que este processo pode
ter sobre as negociações ambientais multilaterais em geral e sobre os horizontes da atuação
brasileira em específico.
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