Sessão 4
A Relação de Explicação –
Definições Básicas
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4ª Sessão
• O debate entre as duas concepções de Medicina da
Sessão 3 é ilustrativo de um problema que não diz apenas
respeito às Ciências Médicas.
• Em geral a Ciência compete com a religião, com a arte e
com a mitologia para uma explicação da realidade.
• A pretensão da Ciência a ser uma explicação da realidade
tem sido ao longo da história (e ainda é hoje) vulnerável a
ataque por posições concorrentes.
• Logo é necessário definir uma
estratégia de defesa do conceito de explicação científica.
• Para definir esta estratégia com os meios da Análise
Conceptual é útil começar por observar que as posições
tomadas na teoria da explicação decorrem por sua vez de
posições tomadas na concepção de ciência.
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4ª Sessão - Cont.
• Assim é pelas concepções de ciência que se tem que começar.
• Essencialmente há duas concepções em disputa:
• A mais antiga, à qual se pode por isso chamar clássica, é a
concepção realista, segundo a qual a ciência é um conjunto
de verdades objectivas acerca do mundo real.
• Mais recente é a chamada concepção convencionalista,
segundo a qual a ciência é uma rede de convenções
acordadas entre ou pelos intervenientes do processo
científico, em que a validade de uma convenção não
depende do mundo real mas do acordo celebrado.
• Quem defende a posição realista defende a seguir a existência de
modelos de explicação que têm que ser impostos.
• Quem defende a posição convencionalista defende a seguir que
uma explicação é apenas aquilo que os intervenientes no
processo científico acordam em chamar explicação e cuja
validade expira com um novo acordo.
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4ª Sessão - Cont.
Assim para cumprir o programa de definição de uma
estratégia de defesa (slide 2) do modelo de
explicação a adoptar torna-se necessário analisar o
modo como a ciência formula e apresenta os seus
resultados.
Aqui o conceito chave é o conceito de
lei
uma vez que a ciência formula e apresenta os seus
resultados através de leis.
Em particular nas ciências da natureza, por contraste
com as ciências dedutivas, estas leis chamam-se por
isso leis naturais e nas ciências dedutivas teoremas.
O termo “lei” também ocorre nas ciências dedutivas,
como por exemplo em Álgebra na expressão “a lei
dos sinais”, mas aqui não tem o sentido de lei natural.
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4ª Sessão - Cont.
• O conceito lógico mais básico necessário para definir uma lei
é o conceito de relação.
• Assim uma lei estatui uma relação entre os objectos da
relação, chamados os relata, que vamos a seguir traduzir
por termos da relação.
• A uma relação está associada a interpretação da relação.
Uma interpretação é uma especificação de
i)
um domínio de objectos que funcionam
como os termos da relação e
ii)
uma expressão que designa a relação no
domínio dado e
tal que a execução de i) e ii) produz um valor de verdade.
• Exemplo: a relação “maior”. Uma interpretação desta relação
consiste em especificar um domínio, por exemplo, os números
inteiros e a expressão “n é maior do que m“ designa a relação
de ”ser maior do que” no conjunto dos números inteiros.
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4ª Sessão - Cont.
• O resultado da interpretação é o valor de verdade,
(só há dois, verdadeiro (V) e falso (F))
que se obtém pela substituição das letras m e n por
números inteiros.
• Uma relação é necessária ou necessariamente
verdadeira:
se para qualquer interpretação o resultado é V.
• Uma relação é contingente ou contingentemente
verdadeira:
se existe pelo menos uma interpretação
cujo resultado é V.
• Assim o problema lógico mais simples acerca de uma lei
científica é determinar se a relação expressa pela lei é
uma relação necessária ou uma relação contingente.
4ª Sessão - Cont.
• Há duas posições extremas em debate:
a posição clássica, segundo a qual uma lei é uma relação necessária
e por isso possui uma função explicativa e a posição pós-moderna,
segundo a qual uma lei é uma relação apenas contingentemente
verdadeira e sem qualquer função explicativa.
• Enquanto que na teoria clássica uma lei isola os elementos e
identifica a estrutura formal de uma relação, na teoria pós-moderna
uma lei não exprime um padrão geral mas apenas o
assentimento dado à resposta a uma questão previamente colocada
e da qual essencialmente depende.
• Em todo o caso para decidir se os conceitos de lei natural e de
explicação científica estão essencialmente ligados, como na posição
clássica, ou casualmente dissociados, como na posição pósmoderna, é necessário ter uma análise do conceito de explicação.
• O processo mais expedito para proceder a uma tal análise é fixar
padrões ou modelos de explicação, os quais permitem
imediatamente decidir se a explicação proposta exprime uma relação
necessariamente verdadeira e portanto uma lei ou apenas uma
relação contingentemente verdadeira, eventualmente com um sem
valor explicativo.
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4ª Sessão - Cont.
• Mas onde é que se encontra um tal padrão?
• O insight essencial aqui é reconhecer que um tal padrão não pode
ser fornecido por uma das ou por várias disciplinas científicas,
uma vez que é um facto da experiência que mesmo no interior de
uma única disciplina científica, como são exemplos a matemática,
a física e a biologia, não existe um consenso sobre o modelo de
explicação científica a adoptar e diversos modelos disputam entre
si o direito à soberania.
• Nestas circunstâncias a Lógica ou a Metodologia da Ciência tem
que exercer a função de:
i)
descrever padrões válidos de explicação;
ii)
se for necessário instar pela sua revisão;
iii)
se a revisão for insuficiente impor a sua substituição.
• Mas para se realizar as funções ii) e iii) é necessário avaliar uma
teoria científica à luz das posições epistemológicas que são
relevantes para a teoria sob avaliação.
[Recordar que em Epistemologia se analisam
propostas para a determinação da origem, do conteúdo
e da possibilidade do conhecimento. Ver slide 2.]
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4ª Sessão - Cont.
• No século XX uma maioria de autores do Círculo de Viena
subscreveu um feixe de teses epistemológicas agrupadas
sob o nome de “Empirismo”. Esta escolha tem por isso
dominado grande parte do vocabulário em Lógica e
Metodologia da Ciência.
• Desse feixe de teses, 2 são relevantes para o nosso tema:
1.
o termo ”conhecimento” denota apenas aquilo que
é verificável pela experiência;
2.
a experiência revela apenas como o mundo é, não
como o mundo tem que ser.
• É um corolário da Tese 2. que as relações descobertas na
experiência não são relações necessariamente verdadeiras.
Exemplo: a experiência revela que os metais são bons
condutores do calor. Mas podia igualmente ter sucedido
que os metais não fossem bons condutores do calor.
• Assim as leis da ciência são um conjunto de relações
contingentes.
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• Nestes termos o conhecimento empiristicamente fiável não
pode ultrapassar os limites da experiência.
• Os principais autores do Círculo de Viena tentaram
compatibilizar a teoria empirista do conhecimento com os
resultados da Lógica Matemática do séc. XX,
favorecendo um modelo lógico-dedutivo
para a explicação científica.
• Enquanto que é debatível se todas as posições do Círculo de
Viena são adequadas, incluindo a possibilidade desta
compatibilização, é inegável no entanto o seu contributo para a
definição de uma estratégia para a resolução do conjunto de
problemas:
i)
O que é uma explicação?
ii)
Qual é o papel a atribuir à experiência
na arbitragem de teorias rivais?
iii)
Se a experiência não é suficiente para realizar a
arbitragem, então o que é que a pode substituir?
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• As soluções positivas, a expor mais tarde, propostas pelos
autores do Círculo de Viena contrastam com a posição
chamada desconstrutivista de Paul Feyerabend (‘PF’).
• O desconstrutivismo, o pós-modernismo e o
convencionalismo se não são posições idênticas têm no
entanto muitas posições em comum.
• Essencialmente PF defende que:
i)
ii)
iii)
iv)
os métodos das ciências não podem ser
avaliados pela epistemologia;
a eliminação da epistemologia da lógica e da
metodologia da ciência;
não existe conhecimento objectivo;
a arbitragem entre teorias é decidida pelo
sucesso, i. e., pela sobrevivência da mais apta.
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4ª Sessão - Cont.
• Para PF mais apta é aquela teoria que alcança
o maior número de aderentes nas instituições
da comunidade científica,
como as revistas da especialidade, os critérios de selecção nas
universidades e a formação de escolas da especialidade,
através dos laços entre mestre e discípulo.
• Estas instituições estão nas mãos de proponentes de uma
certa filosofia da disciplina e quem não segue esta filosofia não
consegue publicar, ou não consegue ser contratado ou ter
mesmo ingresso na instituição.
• A vulnerabilidade básica da posição de PF é a sua
inconsistência:
• A tese iii) acerca da inexistência do conhecimento objectivo é
uma posição bem conhecida em epistemologia, onde tem o
nome de cepticismo. Contradiz por isso a tese ii), onde se
propõe a eliminação da epistemologia.
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4ª Sessão - Cont.
•
A única diferença entre a posição de PF e a do
cepticismo clássico consiste no facto de PF não
apresentar um argumento para provar que não existe
conhecimento objectivo. PF apenas postula que não
existe conhecimento objectivo.
•
Passamos agora para a descrição das opções
estratégicas da teoria clássica da explicação.
•
O princípio geral é que o ideal de definição de um
conceito é a sua
análise.
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• A análise de um conceito é realizada pela especificação
de um conjunto de condições as quais têm que ser:
-
uma a uma, condições necessárias;
conjuntamente, condições suficientes.
• Exemplo:
o conceito “quadrado” na geometria do plano.
Uma análise do conceito termina por isso numa bi-implicação
ou numa equivalência com a forma:
“Uma figura Q do plano é um quadrado
se e somente se Q tem quatro ângulos rectos
e Q tem quatro lados iguais.”
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4ª Sessão - Cont.
• Para ver que as condições
“ter quatro ângulos rectos”
e
“ter quatro lados iguais”
são uma a uma necessárias, basta reparar que Q não é
um quadrado se não tiver quatro ângulos rectos ou não
tiver quatro lados iguais.
• Para ver que as condições são conjuntamente
suficientes, basta reparar que se Q satisfaz as duas
condições é um quadrado.
• No vocabulário da lógica esta situação exprime-se
dizendo que a verdade da conjunção das condições
garante a sua (das condições) suficiência e a verdade
de cada termo da disjunção das condições garante a
sua (das condições) necessidade.
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• Não existe um par de condições necessárias e
suficientes que faça para o conceito explicação o
mesmo que “quatro ângulos rectos” e “quatro lados
iguais” faz para o conceito quadrado.
• Em sua substituição vamos começar por fazer uma
descrição das regras do funcionamento formal do
termo.
• Com ela vamos tentar encontrar um conjunto (>2) de
condições que torne uma definição no entanto ainda
possível.
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Download

a relação de explicação