Sessão 3
Da Evidência à Falsificabilidade
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3ª Sessão - Cont.
• O conceito de Evidência em Epistemologia tem uma
longa tradição, a qual provém essencialmente dos
lógicos medievais de Oxford, Duns Scottus e William
Ockham.
• Para uma descrição dos conceitos tradicionais
básicos e da sua utilização moderna em Matemática
ver neste site* o documento “Um Filósofo da
Evidência” acerca do trabalho de Kurt Gödel.
• A caracterização moderna do conceito é obra de
Franz Brentano, um dos percursores do Círculo de
Viena.
(*) <http://www.fl.ul.pt/pessoais/mslourenco/>
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3ª Sessão - Cont.
• Distinguem-se 2 descrições do conceito de Evidência:
no modo material
e
no modo formal.
• Se se descreve a Evidência especificando um
domínio de experiência, como por exemplo:
medir uma área ou um volume;
contar os elementos de um conjunto; ou
seguir uma regra de cálculo;
tem-se uma descrição do conceito no modo material.
• Evidentes são apenas as experiências do domínio
especificado.
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3ª Sessão - Cont.
• Se se descreve a Evidência como uma propriedade de um
juízo ou de uma asserção, tem-se uma descrição do
conceito no modo formal.
• Evidente é, no modo formal, um juízo insusceptível de ser
posto em dúvida, de incorrer em erro e portanto
essencialmente incorrigível.
• O termo sense-datum, traduzível como dado pelos
sentidos, é essencial no vocabulário da teoria da
Evidência.
• Um exemplo típico de um sense-datum é uma sensação,
como a sensação de dor.
• Exemplo: Não posso duvidar que tenho uma dor no ouvido
esquerdo, não a posso confundir com uma dor no pé direito e
não posso por isso ser corrigido sobre a fiabilidade do meu
relato de que tenho uma dor no ouvido esquerdo.
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3ª Sessão - Cont.
• A fiabilidade de um sense-datum garante a Evidência do um
juízo acerca dele.
• No modo formal há duas formas básicas de Evidência:
a evidência imediata
e
a evidência adquirida.
• Evidência imediata é apenas atribuível aqueles juízos acerca
de percepções de objectos do mundo mental, como no
exemplo anterior.
• Evidência adquirida é apenas atribuível aqueles juízos que
resultam da Reflexão sobre juízos já reconhecidos como
evidentes.
• A evidência adquirida tipicamente é obtida a partir de juízos
acerca de objectos fora do domínio da experiência imediata.
• A Evidência de que o Universo está em expansão é deste tipo.
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3ª Sessão - Cont.
• A Evidência imediata
não é equivalente a demonstrabilidade.
Enquanto que um juízo evidente é demonstrável, um
juízo demonstrável pode não ser evidente.
• Exemplo: é demonstrável que os números primos
constituem um subconjunto dos números inteiros,
visto que só alguns números inteiros são primos.
• Mas é igualmente demonstrável que existem tantos
números primos como existem números inteiros.
• Ambas as demonstrações tomadas em conjunto estão
em conflito com a evidência visualizável que de que a
parte é menor do que o todo.
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3ª Sessão - Cont.
• Por outro lado há juízos verdadeiros,
materialmente evidentes,
para os quais não se tem uma demonstração.
• Exemplo:
é possível representar qualquer número
par maior do que dois como uma soma de dois
números primos.
• No entanto não existe uma demonstração da
verdade da asserção correspondente.
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3ª Sessão - Cont.
• Assim por ordem crescente de inclusão as relações
entre os três conceitos são as seguintes:
• Da
Evidência
para a
Demonstração
e desta para a
Verdade.
A demonstração é o elemento fulcral
entre a Evidência e a Verdade.
• A meta de uma teoria científica é a de um estado de
equilíbrio entre os três conceitos,
sem desvios de grande amplitude
entre o que é evidente,
o que é demonstrável e o que é verdadeiro.
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•
•
3ª Sessão - Cont.
O conceito de Evidência não é diferente dos outros
dois apenas em grau. É também diferente em género
(ou categoricamente diferente).
A Evidência é um estado de conhecimento em que o
sujeito cognitivo se encontra. É por isso uma
experiência subjectiva interna, verificável apenas por
introspecção.
A demonstração e a verdade não são estados
subjectivos, são antes dados objectivos no mundo
exterior.
A Evidência não tem o carácter da demonstração, que
no mínimo deve ser inter-subjectivo, nem o carácter
da verdade, o qual tem que ser objectivo.
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3ª Sessão - Cont.
• A Metodologia ou a Lógica da Ciência consiste na
Análise Conceptual (ver 1ª Sessão) do processo da
investigação científica.
• Uma tal análise tem que incluir no seu âmbito os
seguintes objectivos:
1.
Uma Teoria do Sentido para proposições
científicas, de modo a separar questões de
pseudo-questões.
2.
Uma análise dos métodos de definição e de
recolha de Evidência.
3.
Uma análise da relação de Explicação
Científica.
4.
Uma análise da arbitragem de teorias
concorrentes.
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• A questão da existência de um significado
prático (além do teórico) para a Lógica da
Ciência pode ser discutida através de um
exemplo ilustrativo.
• Até há pouco tempo o Congresso dos Estados
Unidos financiava uma única instituição de
investigação médica, conhecida por National
Institute of Health, abreviadamente ‘NHI’.
• Por sua vez o NIH financiava os projectos de
investigação nos laboratórios e nos hospitais
federais.
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3ª Sessão - Cont.
• Esta situação alterou-se com o aparecimento do Office of
Alternative Medicine (‘OAM’), cujo programa se pode
classificar como pré ou pós-científico, conforme a filosofia
que se adoptar.
• Como deve então o Congresso distribuir os fundos para a
Saúde Pública?
• Deve o OAM estar em pé de igualdade com o NIH e
receber 50% do total dos fundos?
• É óbvio que para conduzir um debate sobre as vantagens
comparativas da medicina científica sobre a medicina
alternativa é necessário saber o que é “científico” na
medicina do NIH.
• A Lógica da Ciência deve ser capaz de definir as
fronteiras da ciência e de fixar critérios que separem
objectivamente os processos da investigação científica de
processos de investigação não científica.
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3ª Sessão - Cont.
•
Do ponto de vista abstracto, uma teoria científica
pode ser representada como uma proposição
universal acerca dos objectos de um certo domínio
de investigação.
•
A forma final mais simples da teoria é assim uma
proposição como:
(T) “Todos os elementos de D
têm a propriedade P”.
•
Mas como é que se define o sentido de uma
proposição como (T), de acordo com o objectivo 1.
do slide 10?
[Objectivo 1. (Uma análise tem que incluir) uma Teoria do Sentido para proposições
científicas, de modo a separar questões de pseudo-questões.]
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3ª Sessão - Cont.
• No positivismo pós-clássico do Círculo de Viena o
objectivo 1. foi definitivamente captado por Moritz Schlick
no seu célebre dictum:
o sentido de uma proposição científica
é o seu método de verificação.
• Assim se em D existe apenas um pequeno número de
objectos, um teste caso a caso para (T) determina logo se
todos os elementos têm a propriedade proposta.
O sentido da proposição (T) é assim garantido e o teste
tem um desfecho positivo:
a proposição tem não só sentido como é verdadeira.
• A lei lógica subjacente é que para a verdade da
proposição universal a condição necessária é a verdade
de cada proposição particular. Esta condição necessária é
verificável no caso de D ter um pequeno número de
objectos.
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3ª Sessão - Cont.
• Se D tem um número excessivamente elevado de
elementos ou mesmo um número infinito de
elementos, o teste caso a caso para (T) não pode ser
realizado.
• Então pelo critério de Schlick (T) é destituída de
sentido.
• E como a condição necessária da verdade da
proposição universal não pode ser estabelecida o
teste da verdade de (T) tem um desfecho negativo.
• Logo (T) é destituída de sentido e falsa.
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3ª Sessão - Cont.
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• Como salvar o critério de Schlick?
A proposta mais promissora parecer ser:
i)
interpretar o critério de Schlick literalmente, i. e.,
a relação exigida é entre sentido e verificação;
ii)
separar por isso os conceitos de sentido e de
valor de verdade, uma vez que é óbvio que uma
proposição pode ser falsa e ter sentido.
Como o teste da verdade de (T) não pode sempre ser
executado, Karl Popper teve a originalidade de propor que se
faça antes o teste da falsidade de (T). A justificação é:
a condição necessária da verdade de (T)
é que cada proposição particular seja verdadeira;
logo uma única ocorrência de uma proposição particular falsa
torna toda a proposição (T) falsa.
Assim o teste pode ser dado por concluído sem testar todas as
proposições particulares e são garantidos o sentido e o valor
de verdade da proposição.
Popper introduziu o termo teoria falsificável para uma teoria
que pode ser verificada por este processo.
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3ª Sessão - Cont.
• O paradigma de uma teoria falsificável é uma teoria
que contém uma previsão.
• A teoria é falsificável no sentido de Popper
se e somente se o fenómeno previsto não ocorre.
• Exemplo: A teoria geral da gravitação de Einstein.
Segundo Einstein o Sol constitui um campo
gravitacional. Logo os raios de luz têm que ser
deflectidos pela acção da gravitação.
Einstein calculou o valor do ângulo de deflexão.
Mas só com o eclipse do Sol de 1919 foi possível
testar a previsão de Einstein: e o ângulo de deflexão
do Sol tem o valor exacto previsto por Einstein no seu
cálculo.
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3ª Sessão - Cont.
Popper propõe assim que a classe das teorias
científicas é idêntica à classe das teorias falsificáveis.
Assim se uma teoria não é falsificável então não é
uma teoria científica.
Para Popper o paradigma de uma teoria não
falsificável é a teoria psicanalítica.
A teoria psicanalítica acerca do sentido de um sonho
é que o sentido de um sonho é a satisfação de um
desejo.
Mas se um analisando narra a um psicanalista que
teve um sonho cujo conteúdo foi a frustração de um
desejo, a teoria psicanalítica acerca do sonho não se
considera refutada.
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3ª Sessão - Cont.
• Para conciliar a teoria com a realidade o
psicanalista reinterpreta o sonho de modo a que
se considere afinal o seu sentido ser a satisfação
de um desejo.
• Assim a teoria acerca do sonho nunca tem um
teste com um desfecho negativo.
• Logo nunca é falsificável e não é por isso uma
teoria científica.
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3ª Sessão - Cont.
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• Como ou onde é a teoria de Popper vulnerável ?
O argumento mais frequentemente aduzido contra a sua
aceitação pode ser posto sob a seguinte forma:
1. A teoria da falsificabilidade foi introduzida para resolver
as dificuldades inerentes à satisfação do critério de
Schlick em grandes massas de testes, para a
verificação de uma teoria ou de uma hipótese.
2. A concepção de Popper é que justamente no caso de
grandes massas de testes se deve tirar vantagem do
facto de que um único teste falsifica a teoria e só a
totalidade torna a teoria verdadeira.
3. Mas a teoria de Popper não estipula regras para
encontrar o teste crucial que falsifica a hipótese.
A teoria assegura apenas que se se encontrar o teste
crucial a hipótese está falsificada.
4. Mas nada garante que encontrar o teste crucial não seja
tão difícil como testar grandes números de casos
particulares.
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