Estudos sobre leitura:
Psicolinguística e interfaces
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Vice-Reitor
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Eduardo Campos Pellanda
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Ir. Armando Luiz Bortolini
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Renato Tetelbom Stein
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EDIPUCRS
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
Organizadores
Vera Wannmacher Pereira
Ronei Guaresi
Estudos sobre leitura:
Psicolinguística e interfaces
Porto Alegre 2012
© EDIPUCRS, 2012
Lucas Costa
Ronei Guaresi
Rodrigo Valls
E82
Estudos sobre leitura: psicolinguística e interfaces [recurso
eletrônico] / Vera Wannmacher Pereira, Ronei Guaresi
(Organizadores). – Dados eletrônicos. – Porto
Alegre : EDIPUCRS, 2012.
206 p.
Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader
Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs>
ISBN 978-85-397-0133-9
1. Psicolinguística. 2. Linguagem. 3. Leitura.
4. Leitores – Formação. I. Pereira, Vera Wannmacher.
II. Guaresi, Ronei.
CDD 401.9
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos,
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também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com
busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
Sumário
Apresentação...............................................................................6
Estudos sobre Leitura: Psicolingüística e interfaces.......................7
Vera Wannmacher Pereira
A linguagem e a memória operacional..........................................12
Ângela Inês Klein
Rafaela Janice Boeff
Processamento de leitura: predição e inferências em
pôsteres de paródias de filmes de terror.......................................96
Luiza Helena Müller dos Santos
Palabras frecuentes y comprensión de lectura en L2: ¿Puede el
computador contribuir?................................................................107
Elba Beatriz Lami
Inferências e compreensão leitora...............................................115
Elisangela Kipper
Metacognição e metalinguagem....................................................21
Jésura Chaves
Marília Lopes
Processamento de leitura: cultura digital e processos
inferenciais...................................................................................127
Daisy Pail
Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a
perspectiva psicolinguista..............................................................31
Karine Souza
Ronei Guaresi
Uma discussão sobre estratégias metacognitivas em
leitura na escola..........................................................................142
Kelli da Rosa Ribeiro
O impacto da aquisição da leitura no cérebro: o que os
estudos com neuroimagem têm a dizer........................................42
Fernanda Knecht
Resumo: a relevância do objetivo de leitura..................................50
Cláudia Strey
Influência da leitura ao desenvolvimento da escrita:
uma incursão pela (in)consciência................................................63
Ronei Guaresi
Fatores compartilhados no processamento de leitura
em L1 e L2.....................................................................................76
Lisiane Neri Pereira
Aspectos cognitivos envolvidos no processamento da leitura:
contribuição das neurociências e das ciências cognitivas............84
Gislaine Machado
Concepção de leitura: abordagens psicolinguísticas em
interface com abordagens da neurociência...............................152
Samanta Demetrio da Silva
Nível de compreensão de leitura de um aluno colombiano no
processo de aprendizagem do português: um estudo de caso..159
Vanessa Nery Souza
Como vender para quem não compreende o que lê?................167
Luciana Braun Reis
Uma nova proposta de ensino de estratégias de leitura: a
utilização da teoria dos blocos semânticos em sala de aula......177
João Henrique Casara Borges
A interferência das otites médias no processo de alfabetização...185
Fernanda Dias
Neurofisiologia do uso da segunda língua através
de estudos por imagem.........................................................197
Ramon Gheno
Apresentação
Esta publicação reúne artigos elaborados por alunos
na disciplina Compreensão e processamento da leitura do
Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, e por
participantes do Grupo de Estudos de Psicolinguística, ambas as situações realizadas em 2010/2, sob a orientação da
Profa. Dr. Vera Wannmacher Pereira.
Sob a perspectiva psicolinguística, os autores, jovens
pesquisadores, desenvolvem o tema da leitura, focalizando
metacognição, memória, atenção, compreensão e processamento, estratégias, inferência. Alguns deles apóiam suas
análises fazendo conexões da Psicolinguística com outros
campos da Linguística e com outras áreas de conhecimento, valorizando, assim, a perspectiva de interface.
No final de cada artigo há um formulário em que o
leitor poderá fazer observações, questionamentos, comentários sobre o artigo. Uma vez enviado, o autor receberá a
mensagem e, na medida do possível, responderá. Dentre os
objetivos dessa iniciativa estão o de aproximar escritor e leitor
e o de estimular debate acadêmico em torno dos temas.
Os organizadores
Estudos sobre leitura: Psicolinguística
e interfaces
Vera Wannmacher Pereira1
Fale com a autora
A publicação “Estudos sobre leitura: Psicolinguística
e interfaces” tem como objetivo disponibilizar à comunidade
acadêmica artigos produzidos por jovens pesquisadores que
participaram da disciplina “Processos de compreensão leitora”
do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS e do
Grupo de Estudos de Psicolinguística, ambas as situações
realizadas em 2010/2, sob a orientação desta autora.
O presente artigo inicia esta publicação. Primeiramente,
essas duas situações são caracterizadas, em relação aos
conteúdos e aos procedimentos desenvolvidos. A seguir, é
apresentada a área sobre a qual os estudos estão assentados,
em sua evolução histórica, evidenciando as perspectivas
disciplinar e de interfaces. Posteriormente, são desenvolvidos
alguns tópicos sobre leitura, eixo deste e-book, sendo
esclarecidos os caminhos seguidos pelos autores.
1 Situações de produção dos textos
Os artigos foram produzidos em duas situações
diferentes – ao final de uma disciplina e ao final dos trabalhos
de um grupo de estudos.
Na primeira situação, os estudos estiveram voltados
para a compreensão e o processamento da leitura, tendo
1
Doutora em Letras/Linguística Aplicada. Professora Permanente do PPGL da
FALE/PUCRS.
como tópicos centrais: a) Psicolinguística: histórico, objeto
de estudo, interfaces, processos investigativos; b) leitura:
aquisição/ aprendizado, memória, funcionamento no cérebro,
cognição e metacognição; c) linguagem e consciência; d)
compreensão da leitura: concepção, variáveis intervenientes,
procedimentos e instrumentos de investigação; e) estratégias
de leitura: concepção, tipos, frequência de uso, relação
com a compreensão; f) predição e inferência; g) resumo e
compreensão; h) processamento da leitura: concepção,
variáveis intervenientes, procedimentos e instrumentos
de investigação; i) pesquisa em Psicolinguística: objetivos,
tendências, caminhos, possibilidades; j) Psicolinguística no
ensino: objetivos, tendências, caminhos, possibilidades.
Na segunda situação, os estudos estiveram voltados
para os seguintes tópicos, considerando o objetivo de
verticalização de conhecimentos: memória; atenção;
emoção; processamento da leitura e da escrita; estratégias
de leitura; procedimentos e instrumentos de pesquisa
psicolinguística; interfaces para estudos psicolinguísticos.
O grupo de participantes da disciplina, mestrandos
e doutorandos do PPGL em Letras com concentração
em Linguística, apresentam algumas diferenças em sua
formação – embora predominantemente de Letras, são
alguns originários da Comunicação, da Fonoaudiologia,
da Medicina e do Direito. Além disso, seus interesses
específicos estão voltados para eixos diversos da
Linguística – Psicolinguística, Teoria da Enunciação, Análise
do Discurso, Sintaxe, Semântica, Pragmática, Fonologia,
Variação Linguística. Considerando essas características,
a proposta de escrita de artigo possibilitou, ao participante,
8
desenvolver um tópico psicolinguístico associado à sua área
específica de interesse. Desse modo, os artigos produzidos
nessa situação trazem esses traços.
O Grupo de Estudos Psicolinguísticos acolheu
bolsistas do Centro de Referência para o Desenvolvimento
da Linguagem - CELIN, mestrandos e doutorandos com
interesse voltado diretamente para a Psicolinguística,
tendo já realizado pesquisas nessa área e pretendendo
dar-lhes continuidade. Diante dessas características, a
proposta de escrita de artigo direcionou o participante para
o desenvolvimento de um tópico psicolinguístico ao mesmo
tempo desenvolvido nos seminários e vinculado aos seus
interesses de continuidade dos estudos. Desse modo, os
artigos produzidos nessa situação trazem essas marcas.
Sendo essas as circunstâncias de geração deste
e-book, tem como foco tópicos psicolinguísticos direcionados
à leitura, em perspectivas disciplinar e de interfaces internas
e externas. Na sequência deste artigo, essas perspectivas
são explicitadas.
2 Psicolinguística: disciplina e interfaces em estudo
A Psicolinguística consiste na área de estudos dos
artigos deste e-book, vista disciplinarmente e nos contactos
de interfaces. Neste item, ela é apresentada em seu
processo de definição.
Sua configuração como uma disciplina tem seus
primeiros sinais na curiosidade sobre o pensamento – sua
origem, seu lugar de realização, sua construção – que, por
sua vez, se associa à curiosidade sobre os sentimentos do
Estudos sobre Leitura: Psicolingüística e interfaces
homem. Esse movimento de compreensão do pensamento
e dos sentimentos tem sua raiz, na verdade, no desejo de
conhecimento da essência humana – seu passado, seu
presente e seu destino.
A busca desse entendimento tem provocado
explicações diversas ao longo dos tempos – míticas,
religiosas, filosóficas, psicológicas, linguísticas e, mais
recentemente, neurocientíficas. Nesse emaranhado, a
ciência tem tropeçado, apresentando primeiramente análises
abrangentes, posteriormente específicas e segmentadas,
chegando, atualmente a explicações ao mesmo tempo
verticais, valorizando a visão disciplinar, e horizontais,
buscando as interfaces (COSTA E PEREIRA, 2009a e 2009b).
Nesse andar, há, na história do pensamento
humano, sinalizações importantes em favor do
delineamento da Psicolinguística.
Com base em reflexões filosóficas, essa disciplina é
de certo modo anunciada no Mundo das Ideias de Platão,
indicando concepções prévias no pensamento. Em sua
argumentação está o Mito da Caverna, gerando inúmeras
interpretações e atravessando os tempos. Esse anúncio está
também na Maiêutica Socrática, em que o conhecimento
se revela na parturição das ideias. Com Descartes, século
XVII, isso se faz pelo racionalismo, sendo o pensamento
indicativo da existência humana - “Penso, logo existo”.
Em Humboldt, século XVIII, a língua, mesmo sendo inata
e mental, não deve ser considerada uma obra acabada
(energeia), mas sim uma atividade (ergon).
Essas reflexões filosóficas marcam pressupostos
da Linguística que se inicia formalmente no século XX –
9
assumindo-as ou negando-as. Saussure (início do século
XX), embora enfatizando o social, traz a palavra “mente”
como um repositório em que estão as regras linguísticas de
um grupo social (langue). Menciona também a linguagem
(langage) como algo que está na capacidade de todos os
falantes. Refere ainda o aspecto individual (parole), próprio
de cada falante. Chomsky (segunda metade do século
XX) faz importante ruptura com o estruturalismo linguístico
e retoma Descartes, defendendo o ponto de vista do
inatismo. Nesse entendimento, a linguagem se apresenta
como competência e desempenho, sendo a competência
constituída de condições universais pré-existentes e o
desempenho, de natureza individual, sua realização.
Podem ser ainda incluídos em seus antecedentes
os estudos da linguagem humana oriundos da Psicologia
que se apoiavam metodologicamente em procedimentos
interpretativos. No entanto, na medida em que a Psicologia,
assim como todas as áreas do conhecimento impulsionadas
pelo positivismo, definiu contornos mais precisos em torno
de seu objeto, na direção da autonomia e do estatuto
científico, a Linguística também o fez (CABRAL, 1991).
Essa condição gerou metodologias próprias, referenciais
teóricos específicos, tratamento de dados próprios. As
disciplinas que até então buscavam associações naturais
com disciplinas externas sofreram redefinições, absorvendo
elementos externos, assumindo novos rótulos e promovendo
internamente suas interfaces.
A Psicolinguística buscou então seu próprio
contorno, desenvolvendo um percurso no que se refere
ao seu objeto de estudo – o processo comunicativo, no
Vera Wannmacher Pereira
que se refere à compreensão e à produção, com um lugar
para a aquisição. O seu desenvolvimento abriu pontos
de curiosidade científica que, para serem examinados,
conduziram-na naturalmente para o estabelecimento de
interfaces internas com outras áreas da Linguística (Linguística
do Texto, Análise do Discurso, Teoria da Enunciação,
Pragmática) e interfaces externas com outras áreas do
conhecimento (Psicologia Cognitiva, Fonoaudiologia,
Biologia, Medicina, Computação, Comunicação, Educação
e, mais recentemente, Neurociências).
Neste momento de sua evolução, a Psicolinguística
busca espaço entre os estudos sobre a linguagem percebida
pelo ângulo da cognição (EISENCK; KEANE, 2007), com
ênfase no processamento cognitivo (SMITH, 2003) da
leitura e da escrita.
Essas novas interfaces trouxeram junto novas
possibilidades de instrumentos de pesquisa, absorvendo
tecnologias avançadas, que trazem importantes acréscimos
aos até então utilizados (DEHAENE, 2007).
3. Leitura: objeto de estudo dominante
Os estudos sobre leitura vêm sendo dominantes
na Psicolinguística e constituem-se também assim no
presente e-book. Esses estudos abrangem frequentemente
compreensão, processamento e estratégias de leitura
(KLEIMAN, 2008).
A concepção de leitura é a de processamento
cognitivo (GOODMAN, 1991), constituindo-se em
procedimentos de natureza ascendente e/ou descendente.
10
O ascendente caracteriza-se por movimentos das partes
para o todo, em que o leitor privilegia a observação das
marcas linguísticas do texto. O descendente caracterizase por movimentos do todo para as partes, em que os
conhecimentos prévios do leitor preponderam.
Esses tipos de processamento se realizam por meio
de estratégias de leitura, como o skimming, o scanning,
a seleção, a leitura detalhada, o automonitoramento, a
autoavaliação, a autocorreção e a predição.
A escolha, pelo leitor, do processamento e das
estratégias está associada aos seus conhecimentos
prévios, ao seu estilo cognitivo, ao seu objetivo e à
natureza do texto (KATO, 1999).
Os procedimentos de leitura contam com a
consciência linguística do leitor, o que exige o confronto
dos seus conhecimentos prévios com as marcas fônicas,
morfossintáticas e semântico-pragmáticos do texto, e
com os diversos tipos de memória, sendo os resultados
de compreensão fortemente influenciados pela atenção e
pela emoção.
Os artigos deste e-book desenvolvem diferentes
aspectos da leitura, tomando como perspectiva dominante
a de interfaces. Este, que inicia a publicação, define a
Psicolinguística em seu percurso histórico, como disciplina
e em suas interações. Os dois seguintes focalizam tópicos
fundadores - metacognição e metalinguagem. Os seis
posteriores tratam da leitura, buscando conexões entre
a Psicolinguística e as Neurociências – leitura e atenção;
impacto da aquisição da leitura no cérebro; aspectos
cognitivos da leitura; concepção de leitura; influência
Estudos sobre Leitura: Psicolingüística e interfaces
da leitura no desenvolvimento da escrita; inferências e
compreensão leitora. Na sequência, três artigos exploram
relações entre a Psicolinguística e a Pragmática – a
relevância do objetivo da leitura no resumo; a cultura
digital e os processos inferenciais no processamento de
leitura; predição e inferências na leitura de pôsteres de
paródias de filmes de terror. Após, três artigos tratam da
leitura na escola, utilizando diferentes interfaces com a
Psicolinguística: estratégias metacognitivas no trabalho de
leitura na escola; uma proposta de ensino de estratégias
de leitura, fazendo interface Psicolinguística e Teoria dos
Blocos Semânticos; a interferência das otites médias na
alfabetização, desenvolvendo interface da Psicolinguística
com a Fonoaudiologia; na continuidade, quatro artigos
abordando L2 - Neurofisiologia do uso da segunda língua
através de estudos por imagem; compreensão de leitura de
um aluno colombiano no processo de aprendizagem do
português; fatores compartilhados no processamento de
leitura em L1 e L2; palavras frequentes e leitura em L2. Por
último, fechando a sequência, um artigo estabelece interface
Psicolinguística e Comunicação, analisando a relação entre
a venda de produtos e usuários que não leem.
Assim organizado, o e-book disponibiliza artigos
científicos produzidos por jovens pesquisadores do PPGL
da FALE/PUCRS, focalizando tópicos sobre leitura sob
a perspectiva da Psicolinguística em interfaces internas
e externas.
RESUMO – O presente artigo busca a) situar os textos
deste ebook no universo da Psicolinguística com suas
11
interfaces possíveis e b) definir a Psicolinguística em seu
percurso histórico, como disciplina e em suas interações. A
Psicolinguística, ao longo desse percurso histórico, definiu
seu objeto de estudo – o processo comunicativo, no que
se refere à compreensão e à produção, com um lugar
para a aquisição. A explicação desses processos suscitou
o estabelecimento de interfaces internas com subáreas
da Linguística e interfaces externas com outras áreas
do conhecimento. Atualmente, a Psicolinguística busca
espaço entre os estudos sobre a linguagem percebida
pelo ângulo da cognição (EISENCK; KEANE, 2007), com
ênfase no processamento cognitivo (SMITH, 2003) da
leitura e da escrita.
Palavras-chave: Psicolinguística. Histórico. Interfaces.
ABSTRACT – This article tries to: a) place the texts of this
e-book in the world of Psycholinguistics, in its possible
interfaces; and b) determine Psycholinguistics as a discipline
and as interacting with other fields. Along this historical
trajectory, Psycholinguistics defined its object of study - the
communicative process concerning comprehension and
production, and reserving a position for acquisition. The
account for these processes has led to the establishment
of internal interfaces, including subareas in Linguistics
and external interfaces with other fields of knowledge. Nowadays, Psycholinguistics searches for a place among
language studies from the point of view of cognition
(EYSENCK; KEANE, 2007), laying emphasis on cognitive
processing (SMITH, 2003) of reading and writing.
Vera Wannmacher Pereira
Keywords: Psycholinguistics. History. Interfaces.
Referências
CABRAL, Leonor Scliar. Introdução à Psicolinguística. São
Paulo: Ática, 1991.
COSTA, J. C.; PEREIRA, V. W. (orgs.). Linguagem
e cognição: relações interdisciplinares. Porto alegre:
EDIPUCRS, 2009a.
COSTA, J. C.; PEREIRA, V. W. (orgs.).. Letras de Hoje.
Linguagem, cognição e interfaces. Porto Alegre: EDIPUCRS,
v.44, n.2, jul.-set. 2009b.
DEHAENE, Stanislas. Les neurones de La lecture. Paris:
Odile Jacob, 2007.
EYSENCK, Michael W. ; KEANE, Mark T. Manual de
Psicologia Cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 2007.
GOODMAN, K. S. Unidade na leitura – um modelo
psicolingüístico transacional. Letras de Hoje, n. 86, p. 9-43.
Porto Alegre: EDIPUCRS, dez. 1991.
KATO, Mary. Aprendizado da leitura. São Paulo: Martins
Fontes. 1999.
KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas:
Pontes, 2008.
SMITH, F. Compreendendo a leitura. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2003.
A linguagem e a memória operacional1
Ângela Inês Klein2
Rafaela Janice Boeff3
Fale com as autoras
As lembranças que guardamos em nossa memória
são determinantes para a formação de nossa personalidade,
pois influenciam diretamente o âmbito cognitivo. É a partir da
evocação de nossas memórias que a vida adquire significado.
Sem elas, perdemos a identidade, sequer recordaríamos as
pessoas mais próximas e todas as habilidades que usamos
no cotidiano teriam que ser reaprendidas, ou melhor, nem
seria possível aprendermos.
Essa faculdade humana é de vital importância para
qualquer processo de obtenção e elaboração de informação.
Segundo Colomer e Camps (2002), não se pode pensar a
não ser por meio dos dados de que nosso cérebro dispõe,
ou seja, informações introduzidas, retidas e possíveis de
serem recuperadas quando necessário.
Nossas memórias provêm de nossas experiências
e, portanto, podemos dizer que existem diferentes tipos
de memórias, que podem ser classificadas de acordo com
seu conteúdo e sua duração. Entre elas, destacamos a
memória operacional, fortemente ligada à linguagem,
entre outras funções cognitivas.
Este artigo é resultado da comunicação proferida pelas autoras no minicurso
Leitura e Cognição: uma perspectiva psicolinguística, em 28/10/2010.
Doutoranda em Linguística pela PUCRS, bolsista CNPq. Email: angela.ines@
argosauto.com.br
3
Doutoranda em Linguística pela PUCRS. Email: [email protected]
1
2
Essa memória é composta de multicomponentes,
segundo Baddeley (2003), que integrados garantem um
gerenciamento do input recebido pelo cérebro, fazendo
um link entre essas informações novas e aquelas já
armazenadas nas demais memórias, a fim de encontrar
sentido, como veremos adiante. Passemos, primeiro,
para uma breve explanação sobre o que é memória e sua
classificação nos diferentes tipos.
1 Memória
Memória é a aquisição, conservação e evocação de
informações e pode ser avaliada por meio de sua evocação.
O conceito de memória, conforme Izquierdo (2004), envolve
abstrações, uma vez que o cérebro converte a realidade
em códigos e a evoca por meio desses códigos. Segundo o
autor, pode-se dizer que há um processo de tradução entre
a realidade das experiências e a formação da memória
respectiva; e outro processo de tradução entre esta e a
correspondente evocação. Esses processos de tradução,
tanto na aquisição quanto na evocação, devem-se ao fato
de que em ambas as ocasiões, assim como durante o longo
processo de consolidação ou formação de cada memória,
são utilizadas redes complexas de neurônios.
Os códigos e os processos utilizados pelos neurônios
não são idênticos à realidade da qual extraem ou à qual
revertem as informações. Ao converter a realidade em um
complexo código de sinais elétricos e bioquímicos, são os
neurônios os responsáveis por essas traduções. Novamente
essa tradução ocorre no momento da evocação, quando os
13
neurônios reconvertem sinais bioquímicos ou estruturais
em elétricos, de maneira que nossos sentidos e nossa
consciência possam interpretá-los como pertencendo a um
mundo real. Nós, humanos, usamos muito da linguagem
para fazer essas traduções (IZQUIERDO, 2004).
Nossas memórias provêm das experiências e por
isso é mais sensato falar em memórias e não em memória,
uma vez que há tantas possíveis quanto são as experiências
possíveis. Os mecanismos nervosos de cada um desses
tipos de memória não são os mesmos e tampouco os
componentes emocionais de cada um. Dessa forma as
memórias podem ser classificadas quanto ao seu conteúdo
em declarativa e não declarativa e, quanto a sua duração,
em memória de longo prazo, memória de curto prazo e
memória operacional.
As memórias que registram fatos, eventos ou
conhecimentos são chamadas declarativas e são
consideradas explícitas, porque permitem evocar
conscientemente fatos e eventos mediante verbalização,
sendo exclusiva dos seres humanos. Entre elas, as
referentes a eventos aos quais assistimos ou dos
quais participamos são denominadas episódicas; as de
conhecimentos gerais, semânticas. Por outro lado, as
memórias procedimentais são memórias de capacidades
ou habilidades motoras e sensoriais e são consideradas
não declarativas, implícitas.
Como mencionado anteriormente, as memórias
também podem ser classificadas pelo tempo que duram.
As memórias de longa duração não ficam estabelecidas
em sua forma estável ou permanente imediatamente
Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff
após sua aquisição, o processo que leva à sua fixação
definitiva, da maneira que poderão ser evocadas dias ou
anos mais tarde, denomina-se consolidação. A memória de
curta duração é aquela que dura minutos ou poucas horas,
justamente o tempo necessário para que as memórias de
longa duração se consolidem. As memórias de curta e a
de longa duração envolvem processos paralelos e até certo
ponto independentes. Elas requerem as mesmas estruturas
nervosas, mas envolvem mecanismos próprios e distintos.
O conteúdo das memórias de curta e longa duração
é basicamente o mesmo, a informação aferente aos dois
sistemas mnemônicos é a mesma, e a resposta também é
a mesma. A diferença entre os dois tipos de memória (de
curta e de longa duração), que faz com que sejam sensíveis
a diferentes tratamentos e respondam a processos distintos,
não reside no input nem no output, mas sim nos mecanismos
subjacentes a cada uma delas (IZQUIERDO, 2006).
Finalmente, a memória operacional que, segundo
o autor, é muito breve e fugaz, serve para “gerenciar a
realidade” e determinar o contexto em que os diversos
fatos, acontecimentos ou outro tipo de informação
ocorrem, e se é válido ou não fazer uma nova memória
disso ou se esse tipo de informação já consta dos
arquivos. Ela serve para manter durante alguns segundos,
no máximo poucos minutos, a informação que está sendo
processada no momento e se diferencia das demais,
porque não deixa traços e não produz arquivos. Sendo
essa memória foco deste estudo, na próxima seção nós a
abordaremos mais detalhadamente.
14
2 Memória operacional
Segundo Izquierdo (2006), a memória operacional
é processada fundamentalmente pelo córtex pré-frontal
e depende, simplesmente, da atividade elétrica dos
neurônios dessas regiões, sendo acompanhada de poucas
alterações bioquímicas. Essa atividade elétrica neuronal
percorre os axônios e, ao chegar a sua extremidade,
libera neurotransmissores sobre proteínas receptoras dos
neurônios seguintes, comunicando as traduções bioquímicas
da informação processada. O córtex pré-frontal recebe ainda
axônios procedentes de regiões cerebrais vinculadas à
regulação dos estados de ânimo, dos níveis de consciência
e das emoções. Os neurotransmissores liberados por esses
axônios, que vêm de estruturas muito distantes, modulam
intensamente as células do lobo frontal que se encarregam
da memória operacional.
Baddeley (2009) afirma que a memória operacional
envolve armazenamento temporário e manipulação de
informação. Além disso, o autor sustenta que ela é capaz de
realizar tarefas cognitivas, tais como raciocínio, compreensão
e resolução de problemas. Sua duração é de segundos
ou poucos minutos, o tempo suficiente para examinar as
informações novas e compará-las às já existentes no acervo
de memórias de curta ou longa duração, declarativas ou não
declarativas de cada indivíduo.
O papel gerenciador da memória operacional decorre
do fato de que, no momento em que recebe qualquer tipo de
informação, ela analisa o input e o compara às informações
já armazenadas nas demais memórias ou ainda determina
A linguagem e a memória operacional
se é uma informação nova e, neste caso, se é útil ou não.
Para fazer isso, a memória operacional deve ter acesso
rápido às memórias preexistentes no indivíduo; se a
informação que lhe chega é nova, não haverá registro dela
no resto do cérebro, e o sujeito pode aprendê-la (formar
uma nova memória); caso contrário, a memória operacional
a relacionará aos conhecimentos prévios, na tentativa de
estabelecer sentido.
As possibilidades de que, diante de uma situação
nova, ocorra ou não um aprendizado estão determinadas,
de acordo com Izquierdo (2006), pela memória operacional
e suas conexões com os demais sistemas mnemônicos,
através de conexões do córtex frontal, via córtex entorrinal,
com o hipocampo e com as demais áreas envolvidas nos
processos de memória em geral.
Baddeley (2003) propõe o modelo de memória
operacional de multicomponentes, sendo composta
por quatro subsistemas. O primeiro deles refere-se às
informações verbais e acústicas – trata-se da alça fonológica;
o segundo se interessa pelas informações visuais e espaciais
– é o componente viso-espacial. Ambos os componentes
dependem de um terceiro, o executivo central, um sistema
de controle limitado de atenção. Finalmente, o quarto
componente, mais recentemente proposto pelo autor, o
buffer episódico, é responsável por conectar as informações
da memória operacional à memória de longo prazo, como
mostra a figura abaixo.
15
Figura 1 – Modelo de memória operacional de multicomponentes proposto por
Baddeley (2003).
A alça fonológica, segundo o autor, compreende um
sistema de armazenamento temporário de informações verbais
e acústicas e pode ser dividida em dois subcomponentes: um
sistema de armazenamento temporário que realiza traços de
memória em segundos e outro subcomponente que mantém e
registra a informação no armazenamento desde que possa ser
nomeada, realizando um processo ativo de ensaio articulatório
verbal, denominado de sistema de ensaio subvocal.
Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff
As informações auditivas que chegam à memória
operacional são processadas pela alça fonológica, sendo
analisadas e alimentadas em um armazenamento de curto
prazo. Essas informações podem manifestar-se na fala ou
no ensaio subvocal que permite reciclar as informações.
Visualmente o material apresentado pode ser transferido de
código ortográfico a código fonológico e assim ser registrado
no buffer de saída fonológica.
As bases neuroanatômicas da alça fonológica
encontram-se basicamente no hemisfério esquerdo. Baddeley
e Wilsom (1985), a partir de estudo com neuroimagem,
sustentam a hipótese de que o sistema de armazenamento
temporário e o sistema de ensaio subvocal estão localizados
em áreas distintas do cérebro, sendo o primeiro associado à
área de Brodmann, área 44, e o segundo, à área de Broca,
correspondente às áreas de Brodmann 6 e 40. Em alguns
casos particulares, no entanto, se percebe ativação em áreas
homólogas no hemisfério direito.
O componente visoespacial, por sua vez, tem a
função de integrar informações visuais e espaciais em
uma representação unificada que pode ser armazenada e
manipulada (BADDELEY, 2003). Esse componente pode ser
mais bem explicado por meio de um exemplo, tal como quando
nos é pedido para dizermos quantas janelas há em nossa
casa. Para realizar essa tarefa, utilizamos o componente
visoespacial da memória operacional e percorremos
mentalmente a casa, contando as janelas de cada cômodo.
Com auxílio de neuroimagem, Della Sala e Logie (2002)
observaram que esse subsistema depende principalmente,
mas não exclusivamente, do hemisfério direito.
16
Ambos os subsistemas, acima mencionados, são
controlados pelo executivo central, que é responsável
pelo controle atencional da memória operacional e baseiase fortemente, mas não exclusivamente, do lobo frontal
(BADDELEY, 2003).
Baddeley (2009) afirma que o executivo central coordena
o sistema que é responsável por selecionar os estímulos a
serem codificados e armazenados temporariamente; tem a
capacidade de combinar o desempenho de duas atividades;
controla a atenção, permitindo a atenção dividida e a troca
de atenção quando se realizam duas ou mais tarefas ao
mesmo tempo, estando ligado à inibição da atenção. Os
processos executivos são, para Danemann e Carpenter
(1980), provavelmente os principais fatores determinantes das
diferenças individuais da memória operacional.
O último subsistema do modelo de multicomponentes
de memória operacional, proposto por Baddeley (2003),
é o buffer episódico, um sistema de armazenamento
temporário de informações em um código multidimensional,
que conecta os subcomponetes da memória operacional às
informações da memória de longo prazo.
O buffer episódico combina as informações verbais,
semânticas e visoespaciais e reúne essas informações aos
conceitos da memória de longo prazo, construindo novas
combinações, manipuladas pela memória operacional. Todas
essas informações são combinadas de modo consciente
dentro do buffer, que apresenta uma capacidade limitada e é
controlado pelo executivo central (BADDELEY, 2009).
Atualmente esse subsistema tem sido objeto de
pesquisa para Baddeley, que procura investigar como a
A linguagem e a memória operacional
memória operacional e a memória de longo prazo estão
conectadas. Tendo visto um pouco sobre o funcionamento
da memória operacional e seus quatro subcomponentes,
passemos agora para suas relações com a linguagem.
3 Memória operacional e linguagem
A memória operacional e a linguagem encontram-se
em estreita relação, uma vez que tanto a produção quanto a
recepção da linguagem exigem grande demanda dos recursos
cognitivos da memória operacional, para seu processamento
(reconhecer itens lexicais, especificações sintáticas e
semânticas, interpretações do significado) e armazenamento
(representação imediata desses processamentos).
A alça fonológica está ligada à compreensão, como
mostram os estudos realizados por Baddeley (2003), em que
pacientes com distúrbios nesse componente apresentaram
dificuldades na produção e compreensão de sentenças longas
e complexas, cuja compreensão depende da manutenção da
estrutura da superfície da sentença no início, para permitir a
desambiguação posterior.
Esse sistema também parece estar associado a
facilidades na aquisição de linguagem. Indivíduos com boa
memória verbal imediata – alça fonológica – são melhores
aprendizes de língua estrangeira que outros com baixa
capacidade nesse componente da memória operacional,
tanto na aquisição de vocabulário, quanto na aquisição
da sintaxe como indicam os estudos de Atkins e Baddeley
(1998), Hitch e cols (1999).
17
Em relação à aquisição de língua materna, Baddeley
(2003) cita suas pesquisas com crianças que apresentam
distúrbio específico da linguagem (DEL), comparadas a
dois grupos de controle, um com crianças de mesma idade
cronológica e outro com crianças mais jovens e, teoricamente,
com linguagem menos desenvolvida. Os achados mostram
uma performance significativamente inferior à do grupo
de controle, tanto no critério idade, quanto no critério
desenvolvimento linguístico, indicando que essas crianças
com DEL têm um atraso de 4 anos no desenvolvimento
da linguagem. O autor atribui esse déficit à insuficiência
no componente de armazenamento da alça fonológica. No
entanto, ele salienta que, à medida que as crianças crescem,
a relação torna-se mais recíproca, pois no caso de haver
melhora no desempenho da memória fonológica, há também
melhora no aprendizado de vocabulário.
O componente visoespacial apresenta menor
influência na linguagem, se comparado à alça fonológica,
entretanto esse componente está diretamente envolvido na
leitura, sendo responsável pela manutenção e retenção do
layout da página, o movimento preciso dos olhos do começo
ao fim da linha e até o começo da próxima, o que torna esse
componente importante para a compreensão leitora.
O executivo central, por controlar todo o sistema de
manipulação e armazenamento de informações da memória
operacional, seleciona os estímulos que serão codificados
e armazenados temporariamente. As pesquisas mostram
que o executivo central está relacionado com a atenção
dividida e a inibição. Baddeley (2009) observou em seus
estudos que pacientes com déficits no componente
Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff
executivo central podem ser hábeis em manter uma
conversa com uma pessoa, mas se perdem quando há
várias pessoas envolvidas na conversa, pois apresentam
dificuldades em inibir o pensamento sobre o que estavam
discutindo com o primeiro interlocutor para começar um
novo raciocínio com o segundo.
Em relação ao buffer episódico, o autor afirma que
componente permite novas combinações, criando conceitos
irreais, como, por exemplo, a combinação de patinação
mais cachorro, a qual nos permite imaginar a exibição de
um cachorro patinando. O buffer episódico é responsável
também por fazer as ligações de palavras dento das
sentenças com o seu significado. Durante a leitura, o
retentor episódico ainda armazena temporariamente o
modelo mental recém construído do significado do texto
lido e o associa a memórias constituídas anteriormente, os
conhecimentos prévios, construindo novas combinações.
Para medir o span da memória operacional,
Danemann e Carpenter (1980) criaram um paradigma de
avaliação, que consiste na leitura de uma série de sentenças,
tendo que relembrar a última palavra de cada uma delas
imediatamente após a leitura. Seus estudos revelam que
uma boa capacidade de memória operacional prediz a
realização de uma ampla gama de atividades cognitivas
complexas, tal como compreensão oral e escrita, facilitando
a recuperação de referentes pronominais e a resolução de
ambiguidades lexicais em sentenças.
A memória operacional pode ser um forte potencial
de diferenças em compreensão leitora, pois se o indivíduo
executa os processos específicos à compreensão em
18
leitura – decodificação de letras e palavras, acesso lexical,
segmentação sintática, construção e monitoramento de
inferências e integração de texto – de maneira ineficiente,
consome grande parte dos seus recursos de memória,
consequentemente tem menos recursos disponíveis para
armazenar os produtos parciais da compreensão e para
executar os processos de compreensão em linguagem,
que envolvem a memória operacional (DANEMANN e
CARPENTER, 1980).
Tomitch (2003), ao analisar a habilidade de leitores
mais ou menos proficientes em monitorar sua compreensão
durante a leitura de textos completos e incompletos, percebeu
que leitores mais proficientes utilizaram seu conhecimento
da estrutura do texto para organizar o fluxo de informação.
Assim não sobrecarregaram a memória operacional com
o processamento da informação, sendo mais capazes de
monitorar sua compreensão de forma mais apropriada. Os
leitores menos proficientes, por sua vez, tenderam a aplicar
um processamento excessivamente ascendente (bottomup) ou excessivamente descendente (top-down), não sendo
capazes de captar a distorção e ficando com uma percepção
de que compreenderam os textos.
A autora salienta ainda que a capacidade da
memória operacional está diretamente envolvida nesse
processo, pois para que uma contradição seja detectada, é
necessário que o leitor tenha as informações contraditórias
ativadas na memória ao mesmo tempo e, mesmo havendo
detectado a contradição, o leitor ainda precisa reestruturar
a interpretação anterior para que a coerência seja
estabelecida no texto. E para haver a ativação concomitante
A linguagem e a memória operacional
das informações em questão, o leitor precisa utilizar os
recursos da memória operacional, seja para manter a
informação anterior ou para reativá-la na memória de longo
prazo para a memória operacional, e então contrastá-la
com a informação mais recente advinda do texto, para daí
poder perceber a contradição.
A relação entre a memória operacional e a leitura,
mais especificamente entre memória operacional e
habilidade de construir as ideias principais em textos
mal sinalizados em língua materna e língua estrangeira,
também foi pesquisada por Torres (2003). Seus achados
mostram que não há uma diferença significativa entre a
média do teste de alcance de leitura (Reading Span Test)
entre a língua materna e a língua estrangeira, bem como
para a habilidade de construir a ideia principal em textos
mal sinalizados em língua materna e língua estrangeira.
A pesquisadora observou ainda que a capacidade da
memória operacional está positivamente correlacionada à
habilidade de construir a idéia principal. Leitores com maior
capacidade de memória foram capazes de construir a ideia
principal com mais frequência do que leitores com menor
capacidade, tanto em língua materna quanto em língua
estrangeira.
Essas pesquisas têm corroborado a tese de Baddeley
(2003) de que a memória operacional é capaz de realizar
tarefas cognitivas, tais como raciocínio, compreensão e
resolução de problemas.
19
Conclusão
Vimos, neste trabalho, que memória é aquisição,
conservação e evocação de informações, as quais provêm de
nossas experiências e que, portanto, podem ser de diversos
tipos, sendo classificas de acordo com seu conteúdo em
declarativa e não declarativa e, de acordo com sua duração,
em memória de longo prazo, curto prazo e operacional.
Essa última, processada fundamentalmente pelo
córtex pré-frontal, a partir da atividade elétrica dos neurônios
dessas regiões, é muito breve e não produz arquivos.
Ela serve para gerenciar o input recebido pelo cérebro,
realizando um armazenamento temporário e manipulação
dessas informações, durando apenas o tempo necessário
para examinar as informações novas e compará-las às já
consolidadas na memória de longo prazo.
Apresentamos, então, o modelo de memória
operacional multimodal, composto por alça fonológica,
responsável
pelo
armazenamento
temporário
e
processamento de informações verbais; alça visoespacial,
responsável pelo armazenamento temporário de informações
imagéticas; executivo central, sistema de controle atencional;
e buffer episódico, elo entre a memória de trabalho e a
memória de longo prazo.
A memória operacional é capaz de realizar tarefas
cognitivas, tais como raciocínio, compreensão e resolução
de problemas. Ela está envolvida no processamento
das informações durante a produção e compreensão
da linguagem, auxiliando no reconhecimento dos itens
lexicais, nas especificações sintáticas e semânticas e
Ângela Inês Klein e Rafaela Janice Boeff
na interpretação do significado, além da representação
imediata desses processos.
Problemas na capacidade da memória operacional
podem trazer déficits na aquisição tanto de língua
materna quanto estrangeira; na produção e compreensão
da linguagem, seja oral ou escrita; na manutenção
do diálogo; na criação de novos conceitos; enfim, na
aprendizagem em geral.
RESUMO – Pretendemos neste trabalho trazer algumas
questões sobre a relação entre a linguagem e a memória
operacional. Para tanto, partimos dos diferentes tipos de
memória, conforme a classificação sugerida por Izquierdo
(2006), focando-nos na memória operacional, a partir do
modelo de multicomponentes, proposto por Baddeley
e finalmente fazemos um levantamento de relações
importantes entre a memória operacional e a linguagem,
dentro desta, em especial, a leitura.
Palavras-chave:
Memória.
Linguagem. Leitura.
Memória
Operacional.
ABSTRACT – We intend to bring some questions about
the relationship between language and memory. For this,
we start from different types of memory, according to the
classification suggested by Izquierdo (2006), we focus on
working memory, from the multicomponent model proposed
by Baddeley and finally we do a survey of important links
between working memory and language, within this, in
particular, reading.
20
Keywords: Memory. Working Memory. Language. Reading.
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Fragmentos. Florianópolis: número 24, p. 131-147, 2003.
Metacognição e Metalinguagem
Jésura Chaves1
Marília Lopes2
Fale com as autoras
Estudos no campo da metacognição e da
metalinguagem perpassam as áreas da Psicologia, da
Linguística e da Psicolinguística. Contemplam, sobretudo,
operações mentais que envolvam consciência, pois,
como elucida Gombert (1992, p. 9), “toda consciência é
necessariamente meta do ponto de vista do observador”.
Nesse sentido, o presente artigo objetiva traçar um
recorte de conceitos e de objetos de estudo concernentes
à metacognição e à metalinguagem, uma vez que
consistem em ferramentas que podem trazer importantes
contribuições a áreas de investigação interessadas no
desenvolvimento cognitivo dos indivíduos.
Num primeiro momento, importa estabelecer
reflexões a respeito da consciência, elemento presente tanto
na metacognição quanto na metalinguagem. A consciência
insere-se, primeiramente, no campo de estudos da
Psicologia; mais recentemente tem sido focalizada também
em pesquisas linguísticas. Verifica-se, sobretudo, uma
variedade de definições para o termo. Matlin (2004), sob
a perspectiva da Psicologia Cognitiva, adota um conceito
amplo: consciência significa saber que as pessoas possuem
imagens e sentimentos sobre o mundo exterior e suas
percepções. Sendo assim, seu conteúdo pode tanto incluir
1
2
Doutoranda do curso de Linguística da PUCRS. Email: [email protected]
Doutoranda do curso de Linguística da PUCRS: Email: [email protected]
percepções do indivíduo sobre o mundo ao seu redor, sobre
suas imagens visuais, comentários silenciosos com ele
mesmo, lembranças de fatos de sua vida, crenças sobre o
mundo, planos para atividades posteriores e atitudes perante
outras pessoas. Sternberg (2008), por sua vez, estabelece
uma distinção entre atenção e consciência, que estão
intimamente ligadas, mas apresentam processos diferentes.
Atenção consiste no meio pelo qual se processa ativamente
uma quantidade limitada de informação a partir da enorme
quantidade disponível através dos sentidos, das memórias
armazenadas e de outros processos cognitivos. Em
contrapartida, consciência inclui o sentimento de percepção
consciente e o conteúdo da consciência, parte do qual pode
estar sob o foco da atenção. Sob esse prisma, trata-se de
dois conjuntos sobrepostos.
Importa destacar ainda quatro questões interrelacionadas à consciência que têm despertado a atenção
de psicólogos cognitivistas. Como explica Matlin (2004), a
primeira diz respeito à consciência dos processos mentais
superiores, ou seja, à capacidade do ser humano de remeter
os pensamentos à consciência. Segundo estudos recentes,
é possível ao homem estar plenamente consciente dos
produtos de seus processos de pensamento, mas, em geral,
ele não consegue mostrar-se consciente dos processos que
criaram esses produtos. Se for indagado, por exemplo, sobre
o nome de solteira de sua mãe, a tendência é de a resposta
logo emergir na sua consciência; todavia, se a pergunta
remeter a como ele chegou à resposta dada, provavelmente
não saberá explicar o processo de pensamento transcorrido.
A segunda questão reside na supressão do pensamento:
muitas vezes há dificuldade em eliminar algumas informações
22
da consciência. Quando se imprime esforço para controlar
mentalmente um pensamento, a tendência é de que seu
conteúdo retorne insistentemente à consciência. A terceira
denomina-se questão cega, que representa visão sem
percepção. Em alguns casos, as pessoas podem executar
uma tarefa cognitiva com bastante exatidão, sem qualquer
tomada de consciência de que seu desempenho seja exato.
Trata-se de uma condição em que uma pessoa vítima de
um dano no córtex cerebral (parte mais externa do cérebro)
alega não ser capaz de ver um objeto. O quarto e último
ponto refere-se ao inconsciente cognitivo, que tem sido
tradicionalmente mais explorado por estudos que seguem a
linha de Sigmund Freud. Para Matlin, trata-se de informações
processadas fora da percepção consciente, cujo tratamento
científico é bastante dificultado pela falta de evidências de
seu funcionamento. Deve-se enfatizar, sobretudo, que o
consciente e o inconsciente não estão divididos em duas
categorias inteiramente separadas; são dois processos que
se conectam num continuum.
Nessa perspectiva, importa distinguir os níveis de
consciência. Conforme explica Poersch (1998), a escala de
conscientização inicia-se no nível inconsciente, que implica
ausência de conhecimento, remetendo a tudo que está
totalmente fora da consciência. Num nível intermediário, por
sua vez, há uma vasta gama de graus de conscientização
que constitui o pré-consciente, ou o que os psicolinguistas
denominam sensibilidade. Refere-se ao dar-se conta de que
algo existe, sem reflexões que levem o sujeito a explicitar
o como e o porquê. Trata-se, assim, de um conhecimento
tácito. No outro extremo, há a consciência plena, nível que
permite que o objeto focalizado seja controlado, alvo de
Metacognição e metalinguagem
reflexão, de manipulação e de descrição. Nesse patamar, o
conhecimento pode ser explicitado.
Neste estudo, interessa particularmente entender
a capacidade do indivíduo de trazer o pensamento à
consciência. Como visto, parece mais fácil tomar consciência
do produto desse pensamento do que de seu processo. Com
efeito, torna-se relevante distinguir dois processos básicos
que envolvem a consciência: o cognitivo e o metacognitivo.
Segundo Poersch (1998), a cognição é um processo
mental que permite a apreensão, o processamento e a
recuperação de conhecimento, de informação. Nesse
sentido, os processos cognitivos dizem respeito aos aspectos
automáticos e inconscientes ou aos aspectos pré-conscientes
utilizados pelos indivíduos quando desempenham alguma
tarefa. Como não são conscientes, não podem ser controlados
ou monitorados. Os processos metacognitivos, por sua vez,
são aspectos conscientes. O ser humano, ao mesmo tempo
que desempenha uma atividade cognitiva, utiliza estratégias
de ação e de reflexão para atingir o propósito desejado.
Ele estaria monitorando seu comportamento, utilizando,
assim, estratégias metacognitivas. Ou ainda, como elucida
Kato (2007), se estratégias cognitivas em leitura designam
os princípios que regem o comportamento automático e
inconsciente do leitor, as metacognitivas remetem aos
princípios que regulam a desautomatização consciente das
estratégias cognitivas.
Deve-se destacar, no entanto, que existem divergências
quanto a essas delimitações. Alguns autores defendem
que as atividades metacognitivas são inconscientes; outros
sugerem que são conscientes. Mas o que se observa é
que a metacognição pode incluir aspectos tanto conscientes
23
como automatizados, ou inconscientes, como afirmou Flavell
(1979). Já Brown (1980) defende os critérios consciente/
inconsciente para distinguir a metacognição da cognição.
Essa definição não leva em conta que a cognição envolve
não somente tarefas automatizadas durante a leitura, mas
também aquelas que exigem certo nível de consciência.
Leffa (1996) propõe uma visão que não adota o critério de
“atividade consciente”, mas considera o tipo de conhecimento
exigido para determinada tarefa, que pode ser declarativo
(atividade cognitiva) ou processual (atividade metacognitiva).
O conhecimento declarativo diz respeito ao sujeito saber
o tipo de tarefa que deve realizar; já o processual envolve
saber o que deve fazer e também ter consciência de que
sabe. Pode ser visto como uma instância superior a qualquer
tarefa cognitiva, ou seja, o sujeito sabe os meios e os fins na
medida em que ele não só conhece o resultado da tarefa,
mas sabe o que pode fazer para chegar a esse resultado.
A pesquisadora portuguesa Ribeiro (2003) defende que
as ações em benefício do aumento e da avaliação do progresso
cognitivo podem ser, respectivamente, estratégias cognitivas e
metacognitivas. Assim, o leitor aprende estratégias cognitivas
de modo a progredir em termos cognitivos; e aprende as
metacognitivas para poder monitorar o progresso cognitivo.
O indivíduo que conhece os próprios recursos cognitivos tem
condições de melhor regular o próprio conhecimento por meio
de planificação, verificação e avaliação dos próprios avanços.
Recentemente, a metacognição pode ser tratada como tendo
caráter consciente ou inconsciente, e inclui também aspectos
afetivos e intuitivos.
Outra distinção necessária a se fazer diz respeito à
relação entre metacognição e metalinguagem. Conforme
Jésura Chaves e Marília Lopes
Gombert (1992), não há um consenso a respeito de os
estudos metalinguísticos se inserirem ou não no campo da
metacognição. Deve-se considerar, no entanto, que objetos
da metalinguagem são mais perceptíveis e, provavelmente,
manipulados com maior frequência pelos sujeitos, sendo
importantes para o desenvolvimento do pensamento e da
metacognição. Segundo Poersch (1998), metacognição
tem como objeto de interesse a cognição: busca-se saber
como se conhece, refletir sobre os processos envolvidos nas
atividades cognitivas. Saber como se adquire o conhecimento
de mundo, como se formam os conceitos, como se abstrai e
se generaliza, como se transferem conhecimentos ou como
se solucionam problemas são atividades específicas da
metacognição. No que tange à metalinguagem, trata-se de usar
a linguagem para compreendê-la. A descrição dos diversos
níveis linguísticos, das variedades dialetais, dos desvios e das
interferências linguísticas, da linguagem infantil, dos estilos e
das tipologias de discurso, dos tipos de argumentação ilustra
atividades de metalinguagem. Embora os objetos de ambos
os campos muitas vezes se correlacionem, a perspectiva
estabelecida é diferente: enquanto a metacognição focaliza
o processo, a metalinguagem detém-se sobre o produto
de variadas atividades, sendo a consciência um elemento
imprescindível que estabelece um elo entre elas.
Não obstante se reconheçam as diferenças entre
ambos os enfoques, assume-se aqui a posição de que
tanto habilidades metalinguísticas como metacognitivas
dependem do desenvolvimento cognitivo. Todavia,
tomando como pressuposto a primeira questão levantada
por Matlin (2004) – consciência dos processos mentais
superiores – é preciso considerar que é mais fácil o acesso
24
à metalinguagem do que à metacognição. No que concerne
à metalinguagem, deve-se especificar que tal noção é
definida de forma diferente sob o prisma da Linguística
e da Psicolinguística. Como elucida Gombert (1992), na
perspectiva linguística, a metalinguagem é entendida como
uso da linguagem para referir a ela mesma, acepção que
tem por base o postulado de Jakobson (1963) sobre as
funções principais e secundárias da linguagem. Nesse
sentido, a metalinguagem é considerada uma função
secundária, cujo foco de interesse é a autorreferenciação
da língua, sendo a linguagem usada para descrever a
própria linguagem. Na perspectiva psicolinguística, devese entender metalinguagem como uma atividade realizada
por um indivíduo que trata a linguagem como um objeto
cujas propriedades podem ser examinadas a partir de um
monitoramento intencional e deliberado. Essa atividade
requer do indivíduo um distanciamento em relação aos
usos da linguagem e em relação ao seu conteúdo, para
aproximar-se de suas propriedades. Em outras palavras,
é necessário afastar-se do significado veiculado pela
linguagem para aproximar-se da forma como a linguagem
se apresenta para transmitir um significado.
Importa ainda distinguir as concepções de
metalinguagem e de consciência linguística. Conforme
explica Tunmer et al. (1984), embora consciência linguística
esteja relacionada à acepção do termo metalinguagem, há
uma diferença pontual. Enquanto esta se refere à linguagem
usada para descrever a linguagem e inclui vocábulos
como fonema, palavra, frase, etc. (os autores estariam
aqui assumindo a concepção linguística), aquela remete
à sensibilização para a instância desses termos, mas não
Metacognição e metalinguagem
ao conhecimento desses termos propriamente. Nesse
sentido, uma criança consciente metalinguisticamente pode
executar bem uma tarefa que envolva manipulação de
fonemas sem saber o significado dessa palavra.
Feito esse rápido recorte conceitual, procura-se agora
elucidar peculiaridades da metacognição e da metalinguagem,
bem como possíveis formas de exploração dessas áreas.
No que concerne à metacognição, várias têm sido
as instâncias de tratamento: no âmbito da inteligência
artificial, do aprendizado de matemática, do trabalho com
a memória, dos estudos sobre retardo mental, entre outros.
Também tem sido abordada ao se tratar de problemas
na leitura. John Hurley Flavell foi o pioneiro nos estudos
da metacognição, sendo que suas teorias a respeito dos
aspectos metalinguísticos da inteligência têm por base o
pensamento de Piaget. O teórico suíço, por sua vez, tratou
do pensamento formal, que indicaria o máximo grau de
equilíbrio - processo contínuo e progressivo de adaptação
ao meio, que orienta a coordenação das ações.
Após Piaget, os estudos sobre a metacognição
trataram do desenvolvimento de sistemas para o benefício da
metamemória. Flavell (1979) utilizou o termo metacognição
para referir-se à habilidade do indivíduo para manejar e
monitorar o input, o armazenamento, a busca e a recuperação
de conteúdos de sua memória. Juntamente com seus
colaboradores, afirmava que, para que ocorra a memorização,
o sujeito deve saber identificar as situações viáveis para
adotar certas estratégias e desenvolver conhecimento sobre
aspectos como sujeito, tarefa e meios para realizá-la.
A metacognição tem sido abordada, a partir dos anos
70, como uma terceira categoria, ao lado das capacidades
25
cognitivas e dos fatores motivacionais que
visam ao desempenho na escola. Referese ao monitoramento da compreensão do
indivíduo ao longo da leitura, quando ele
faz observações sobre o entendimento do
assunto e decide adotar alguma atitude ao
encontrar dificuldades. Nesse momento,
o conteúdo fica em segundo plano, dando
lugar aos processos que o leitor usa para
compreendê-lo. Os pesquisadores da
área voltaram-se à monitoração cognitiva,
que inclui conhecimento metacognitivo,
experiências metacognitivas, objetivos da
cognição e ações ou estratégias para a avaliação
do progresso cognitivo. As estratégias cognitivas
objetivam o progresso da própria cognição,
enquanto as metacognitivas, por sua vez, avaliam
a eficácia das estratégias cognitivas.
A
metacognição,
para
Flavell
(1979), compreende duas dimensões: 1)
conhecimento metacognitivo, ou elaboração de
conhecimento; 2) experiência metacognitiva,
ou a utilização desse conhecimento
para gerenciar os processos mentais. O
conhecimento metacognitivo manifesta-se
em três categorias diferentes, que podem ser
esquematizadas da seguinte forma:
Jésura Chaves e Marília Lopes
26
O conhecimento metacognitivo consiste numa
interação entre essas variáveis. Já as experiências
metacognitivas ocorrem antes, durante e depois de o sujeito
realizar uma tarefa. Cita-se, como exemplo, o planejamento,
a realização propriamente dita de uma tarefa e a avaliação
da tarefa, como a releitura de um texto para melhor
compreensão. Essas experiências são importantes porque
é com elas que se podem avaliar dificuldades e criar meios
para solucioná-las.
Flavell também identificou as três “metas”
adquiridas gradualmente pela criança em contextos de
armazenamento e de recuperação de informações: a) a
criança aprende a identificar situações em que será útil, no
futuro, o armazenamento consciente e intencional de certas
informações; b) ela aprende a reter informações que possam
ser úteis na resolução de problemas; c) aprende também
a fazer buscas sistemáticas e deliberadas de informação
útil para resolver problemas, mesmo quando a necessidade
não foi prevista. A primeira tentativa desse pesquisador de
criar um modelo de metacognição foi feita em 1979, quando
reconheceu sua importância em inúmeras aplicações como
leitura, habilidades orais, escrita, aquisição da língua,
memória, atenção, interações sociais, autoinstrução,
desenvolvimento da personalidade e educação, em geral.
Pode-se acrescentar a pesquisadora Brown
(1980), que cerca a questão da compreensão em leitura
de modo mais detalhado, destacando algumas atividades
relacionadas com estratégias de controle/monitoramento da
leitura: a) definição do objetivo da leitura; b) identificação dos
elementos mais e menos relevantes; c) direcionamento da
Metacognição e metalinguagem
atenção aos itens mais importantes; d) avaliação da qualidade
da compreensão; e) adoção de atitudes de modo a sanar
dificuldades na leitura; f) verificação quanto aos objetivos –
se foram atingidos ou não; g) correção dos rumos da leitura
de modo a sanar interferências, como estados de dispersão.
Essas atividades metacognitivas, além de se desenvolverem
de acordo com o aumento natural da capacidade reflexiva do
sujeito, também são relacionadas aos contextos de educação
formal, em que o educador atua de modo mais específico no
desenvolvimento das habilidades de raciocínio do aluno.
Há divergências a respeito do surgimento da
capacidade de refletir sobre a organização do conhecimento
da criança. Alguns pesquisadores afirmam que somente
aos 11 anos de idade a criança adquire essa capacidade.
Para outros, ela começa a surgir aos cinco anos, tendo
como precursora a “linguagem interior” da criança; aos
onze anos, inicia-se propriamente a metacognição, que
corresponde ao nível de operação formal.
Para tratar a metalinguagem, tendo em vista a
proximidade de sua definição, pelo viés psicolinguístico,
com a consciência linguística, ilustram-se as várias formas
de abordá-la. Citam-se, a título de exemplo, a consciência
fonológica, cuja unidade tomada para análise é o fonema; a
consciência morfológica, que focaliza sua atenção sobre o
morfema; a consciência sintática, que tem como unidade de
análise a frase; a consciência lexical, cujo foco de interesse
é a palavra. Mais recentemente, novas pesquisas têm
voltado sua atenção à consciência pragmática (relação entre
o sistema linguístico e o contexto no qual a linguagem se
insere) e a consciência textual, que trata do monitoramento
27
intencional do sujeito sobre o texto. Ressalva-se que,
muitas vezes, são utilizadas expressões como consciência
metalinguística, metapragmática, metalexical ou metatextual
na literatura, evitadas aqui por se considerar que toda
atividade meta já pressupõe a presença de consciência.
Com o objetivo de compreender a consciência
linguística quanto às suas ramificações, procura-se aqui
especificá-las sob a perspectiva dos estudos de Tunmer,
Pratt e Herriman (1984). Os autores subdividem-na em
consciência fonológica, lexical (ou da palavra), sintática
e pragmática. Gombert (1992), por sua vez, acrescenta a
essa classificação a consciência textual.
No que tange à consciência fonológica, tratase de uma sensibilização que diz respeito à unidade
mais elementar do idioma: a unidade fonológica. Nesse
sentido, interessa saber em que medida jovens e crianças
podem segmentar a palavra falada em seus componentes
fonológicos e sintetizá-los no intuito de produzir palavras.
Conforme os autores, uma série de estudos recentes tem
mostrado o papel significativo da consciência fonológica
como um facilitador para que as crianças aprendam a
ler. Para ler corretamente uma linguagem alfabética, a
criança, primeiramente, precisa saber falar e discriminar
as unidades ortográficas do alfabeto. Mais tarde, ela pode
seguir pelo menos duas estratégias para aprender a ler,
as quais exigem uma ou mais habilidades adicionais. A
primeira estratégia requer que se aprendam as formas
auditivas e visuais correspondentes no nível das palavras.
Consiste em um procedimento holístico que propiciaria
às crianças aprender um vocabulário a partir de formas
Jésura Chaves e Marília Lopes
visuais reconhecíveis, tornando possível o progresso para a
leitura de textos que utilizam essas palavras. Já a segunda
estratégia, analítica, envolve a relação entre componentes
ortográficos da palavra escrita e a estrutura do segmento da
palavra falada. Conhecendo a unidade fonêmica da palavra
falada, a criança pode, quando confrontada com a palavra
escrita, mapeá-la. Sendo assim, a criança que não adquire
a habilidade de fazer análises fonêmicas pode apresentar
dificuldades na leitura. Em contrapartida, aquela que recebe
algum treinamento quanto à conscientização fonêmica é
impulsionada, de forma significativa, à realização da leitura.
Quanto ao desenvolvimento da consciência lexical,
deve-se considerar, primeiramente, a dificuldade existente
em torno da definição do termo palavra, o que sugere que
essa sensibilização pode não ser facilmente adquirida. Se
a habilidade para defini-lo envolve um nível extremamente
alto de consciência linguística, é preciso estar ciente de
que a criança não necessariamente partilha o mesmo
entendimento que o adulto a respeito desse termo. Segundo
Tunmer, Pratt e Herriman (1984), há três componentes
envolvidos na consciência lexical que não emergem
simultaneamente. São eles: a) consciência da palavra
como uma unidade da linguagem; b) consciência da palavra
como um rótulo fonológico arbitrário; c) compreensão do
termo palavra pela metalinguística. É preciso, em cada
componente, diferenciar graus de consciência da palavra.
Toma-se, como exemplo, o fato de a categorização dos
objetos preceder a habilidade para nomeá-los.
É preciso considerar ainda que estudos relacionados
à habilidade das crianças para definir o termo palavra
28
têm recebido sérias críticas. Ainda que as mais jovens
demonstrem pleno entendimento do conceito de palavra,
não conseguem definir um termo abstrato da mesma forma.
As mais velhas, por sua vez, ao formular respostas sobre o
termo, são influenciadas a desenvolver sua capacidade de
fornecer definições. Nesse sentido, estudos que requerem
que crianças compreendam o termo palavra a fim de
executar alguma tarefa experimental tendem a subestimar
a sua compreensão a respeito de outros aspectos lexicais.
Já a consciência sintática centra-se na habilidade
das crianças para refletir sobre a estrutura gramatical
interna das sentenças, medida, geralmente, por tarefas
que envolvam julgamentos de aceitabilidade, sinônimos e
ambiguidades, bem como discriminação entre sentenças
bem formuladas ou não. Segundo os autores, pesquisas
sugerem que essa habilidade emerge a partir dos cinco
anos de idade. No entanto, há alterações surpreendentes
no desenvolvimento de crianças entre quatro e oito anos,
o que apoia a hipótese de que competência linguística na
média infância desenvolve-se de forma distinta.
Deve-se considerar, sobretudo, a dificuldade que
elas apresentam para emitir julgamentos estáveis sobre
sua linguagem. Sendo assim, a capacidade das crianças
para fornecer tais juízos torna-se uma questão crucial nos
estudos sobre consciência sintática. Jovens crianças tendem
a aceitar sentenças cujo sentido elas compreendem e a
rejeitar as não compreendidas. Nessa perspectiva, o fator
semântico predomina, uma vez que encontram dificuldades
para emitir julgamentos sobre aceitabilidade sintática.
É necessário, então, usar técnicas e procedimentos
Metacognição e metalinguagem
apropriados para avaliar a habilidade dos sujeitos de refletir
sobre propriedades sintáticas e semânticas nas sentenças
por eles produzidas e compreendidas.
A consciência pragmática, por sua vez, refere-se tanto
às relações obtidas dentro do sistema linguístico quanto às
obtidas entre esse sistema e o contexto em que a linguagem
se insere. Diferentemente da consciência fonológica e da
sintática, abrange aspectos que vão além dos componentes
do sistema linguístico. As pesquisas nessa área têm se
concentrado especialmente em três campos de estudo: a)
sensibilização das crianças para perceber mensagens não
adequadas em virtude da ambiguidade; b) habilidade para
detectar inconsistências nas informações que lhes forem
apresentadas; c) habilidade para modificar seu discurso a
fim de atender as demandas específicas da situação.
Resultados de pesquisas revelam que a idade pode
determinar diferenças de performances entre as crianças,
visto que as mais velhas monitoram seus conhecimentos
mais facilmente que as mais novas. Apesar da aparente
obviedade dessa constatação, ela deve ser levada em
conta no momento em que os desempenhos forem
avaliados. Crianças mais novas frequentemente não
notam sinais em uma situação comunicativa, o que não
deve ser compreendido como falha de avaliação quanto às
insuficiências ou às inadequações da linguagem.
No que concerne à consciência textual, Gombert
(1992) postula a respeito da existência de operações
metatextuais envolvidas no controle deliberado, na
compreensão e na produção, bem como na ordenação
de frases em unidades linguísticas maiores. Trata-
29
se, sobretudo, de uma instância de funcionamento
metalinguístico pouco explorada em abordagens teóricas,
visto que focaliza a reflexão de um indivíduo sobre a
estrutura e a organização de textos e de variados gêneros.
Consciência textual, portanto, deve ser entendida como
uma atividade realizada por um indivíduo que tem como
objeto de análise o texto, cujas propriedades podem ser
examinadas a partir de um monitoramento intencional.
Levando-se em conta essas breves reflexões, parece
plausível afirmar que o desenvolvimento de habilidades
metacognitivas e metalinguísticas consiste em um eficiente
instrumento para potencializar o aprendizado. Tendo em vista
estarem diretamente envolvidas em operações cognitivas,
como desenvolvimento do raciocínio, aprendizagem
da leitura, aprimoramento da memória, conhecimento
linguístico, entre outros, tornam-se mecanismos que podem
ser utilizados em diferentes áreas do conhecimento. Sendo
assim, áreas de pesquisa interessadas no desenvolvimento
cognitivo devem, cada vez mais, atentar para a capacidade
dos indivíduos de refletir sobre a natureza e as propriedades
da linguagem, bem como sobre os processos que levam ao
domínio dessas habilidades.
RESUMO – Estudos no campo da metacognição e da
metalinguagem perpassam as áreas da Psicologia, da
Linguística e da Psicolinguística. A metacognição, em
linhas gerais, remete aos aspectos conscientes envolvidos
numa atividade cognitiva, como utilização de estratégias
de ação e de reflexão para atingir o propósito desejado. A
metalinguagem, na perspectiva psicolinguística, deve ser
Jésura Chaves e Marília Lopes
concebida como uma atividade realizada por um indivíduo
que trata a linguagem como um objeto cujas propriedades
podem ser examinadas a partir de um monitoramento
intencional e deliberado. Com efeito, o presente artigo
objetiva traçar um recorte de conceitos e de objetos de
estudo concernentes à metacognição e à metalinguagem,
uma vez que consistem em ferramentas que podem
trazer importantes contribuições a áreas de investigação
interessadas no desenvolvimento cognitivo dos indivíduos.
Palavras-chave: Metacognição. Metalinguagem.
Consciência.
ABSTRACT – Studies on metacognition and metalanguage
are present in Psychology, Linguistics and Psycholinguistics.
Broadly, metacognition refers to conscious aspects involved
in cognitive activities, like the use of strategies and reflections
to reach some purpose. In psycholinguistics perspective,
metalanguage is conceived as an activity done by a
person who sees language as an object whose properties
can be analyzed through an intentional monitoring. This
article intends to show concepts and objects of study
related to metacognition and metalanguage, once they
consist of instruments which can contribute considerably to
investigations of individual cognitive development.
Keywords: Metacognition. Metalanguage. Conscience.
30
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Leitura e atenção: um olhar sobre o input
linguístico sob a perspectiva psicolinguista1
Karine Souza2
Ronei Guaresi3
Fale com os autores
O PISA é uma avaliação internacional que objetiva
verificar como as escolas estão preparando os jovens
para os desafios futuros nas áreas de leitura, matemática
e ciências. Isso se dá através da aplicação de um teste a
adolescentes com 15 anos em países membros da OCDE
(Organização para Coordenação e Desenvolvimento
Econômico) e convidados. Na compreensão em leitura, o
Brasil (com 412 pontos em 2009) figura entre os últimos
lugares, tanto no resultado de 2000 quanto no de 2009.
Neste último, comparando com países latinoamericanos,
atrás de Chile (449 pontos), Uruguai (426), México (425)
e Colômbia (413), e à frente de Argentina (398), Panamá
(371) e Peru (370).4
Embora possa ocorrer em diferentes níveis da escala
de consciência, a aprendizagem com nível satisfatório se
O presente texto foi apresentado em Minicurso de Psicolinguística para docentes
da Educação Básica, na PUCRS, promovido pelo Grupo de Estudos de Psicolinguística coordenado pela Profa. Dr. Vera Wannmacher Pereira. Por isso, esse
texto tem finalidade mais informativa não concentrando sua discussão em torno
de uma tese específica.
2
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. E-mail:
[email protected]
3
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. E-mail:
[email protected]
4
Dados disponíveis no site do INEP: http://www.inep.gov.br/download/internacional/pisa/2010/pisa2009_apresentacao_resultados_divulgacao.
ppt#265,6,Desempenho Brasil
1
dá por meio da consciência plena do objeto de ensino. A
atividade cognitiva responsável por elevar esse objeto ao
nível da consciência é a atenção, atividade cognitiva que
seleciona alguns dos inúmeros estímulos – input – que
ocorrem em nossos sentidos. Em experimento, Boujon e
Quaireau (2000, pag. 97) mostraram que a recordação de
questões repetidas com indivíduo plenamente consciente
foi bastante elevada; de indivíduos em adormecimento (fase
do sono em que o indivíduo pode ser facilmente acordado)
a recordação cai acentuadamente (no experimento em
torno de 5% de acerto) e de indivíduos em sono profundo o
número de respostas corretas foi quase nulo.
É quase consenso entre profissionais da educação
que um dos aspectos que compromete a qualidade do ensino
é a falta de atenção dos alunos nas atividades pedagógicas.
A falta de atenção dificulta o aprofundamento de questões
salutares das disciplinas. De maneira geral, os alunos não se
sujeitam a discutir determinada questão com profundidade
e nem se dispõem, em muitas escolas deste país, a escutar
as propostas dos professores. As experiências dos autores
deste estudo permitem afirmar que muitos destes docentes
que conseguem condições de trabalho o fazem de forma
autoritária através do estabelecimento do comportamento
como um dos critérios de avaliação.
Também é fato que em contrapartida desse
argumento está o fenômeno do controle químico tanto da
atenção quanto da hiperatividade, atualmente com ampla
administração pelos profissionais da saúde no Brasil. É
assustador o número de estudantes que fazem uso de
medicamentos com essa finalidade. Segundo Boujon
32
Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a perspectiva psicolinguista
e Quireau (2000), nos EUA, entre 3 e 10% das crianças
avaliadas como desatentos ou hiperativos fazem uso regular
de metilfenidato (Ritalina) ou dextroanfetamina (Dexedrina).
Ao ser percebido pelo cérebro, o input pode receber
diferentes níveis de processamento. Segundo Craik e
Tulving (1975), o nível de processamento determina o grau
de consolidação de uma informação. Uma das classificações
possíveis sugerida pelos autores compreende os níveis:
perceptivo, fonético e semântico. Considere as questões
envolvendo o termo sol:
(A) A primeira letra da palavra sol é maiúscula?
(B) A palavra sol rima com chão?
(C) A palavra sol pode completar a frase:
o _____ brilha?
Ao termo sol diferentes perguntas são possíveis
dependendo do nível requerido. A pergunta (A), em relação ao
nível, pode ser classificada como nível perceptivo, pois, sob
a perspectiva do processamento, basta um leitor proficiente
olhar o termo para responder à pergunta. A pergunta (B)
envolve um segundo nível de processamento, denominado
por Craik e Tulving (1975) como de nível fonético. A pergunta
(C), denominada pelos autores de nível semântico, promove
no indivíduo maior intensidade de processamento. Em
(C) é necessário que o leitor pense algum tempo antes de
responder. Esse tempo requerido é usado pelo cérebro para
processar, analisar e produzir uma resposta.
Os pesquisadores constataram que os indivíduos
reconhecem mais facilmente as palavras quando estas
foram codificadas em um nível semântico, comparado aos
níveis fonético e perceptivo. Ou seja, a informação com maior
intensidade de processamento é mais bem consolidada
que as outras informações ficando mais disponível para o
indivíduo evocá-la. Enfim, uma codificação semântica é mais
profunda, mais bem elaborada e favorece armazenamento
a longo prazo. Os autores, ainda, registraram o tempo que
os indivíduos empregaram para responder às perguntas
e constataram que as respostas mais imediatas foram do
nível perceptivo e as mais demoradas para o semântico.
Ainda sobre o tempo de processamento, numa leitura
proficiente, o tempo gasto para decodificar e dar sentido a um
texto depende da importância dada a cada uma das frases.
Pesquisa de Gaonac’h e Passerault (1990) in Boujon e Quaireau
(2000) indica que o leitor passa mais tempo observando as
frases que julga difíceis, ambíguas ou importantes.
Boujon e Quaireau (2000), numa posição radical,
afirmam que a atenção é condição para que se possa
memorizar. Segundo eles, perceber, memorizar e aprender
são ações que necessitam da atenção. Essa posição, no
entanto, não é consenso. Muitos pesquisadores admitem
que o cérebro percebe estímulos fora dos domínios da
consciência e naturalmente da atenção, processa esses
estímulos e utiliza esses conhecimentos. A respeito da
cronologia e do processamento, Dehaene (2007) em Les
neurones de la lecture trata da cronologia do estímulo até a
consciência do mesmo. Segundo ele, o cérebro leva entre
30 e 50 milissegundos para perceber o estímulo, enquanto
o início da consciência daquele estímulo se dará entre os
270 e 300 milissegundos. Um estímulo apresentado ao
33
indivíduo num tempo inferior aos 270 milissegundos pode
ser considerado uma mensagem subliminar, ou seja, uma
mensagem captada pelo cérebro, mas não processada
conscientemente pelo indivíduo.
Os psicólogos já acreditaram que atenção era o
mesmo que consciência. Hoje, contudo, reconhecem que
parte do processamento ativo de atenção da informação
sensorial, da informação lembrada e da informação cognitiva
acontece sem consciência. Boujon e Quaireau (2000) definem
a atenção como a disposição para selecionar e controlar
objetos, informações, ações de maneira voluntária ou não.
Segundo eles, a eficácia e a rapidez da atenção dependem
do nível de vigilância ou de alerta no momento em que se
exercita, mas também de nossa capacidade de mantê-la.
A capacidade de prestar atenção está estreitamente
relacionada ao desenvolvimento do lobo frontal,
responsável pelo controle, pela orientação e pela seleção,
feita pelo indivíduo, de uma ou mais formas de atividade.
Essa capacidade não pode ser mantida indefinidamente
(BOUJON, 1996).
Várias classificações são possíveis quando tratamos
da atenção. Neste texto só abordaremos a atenção
contínua ou sustentada e atenção dividida por serem as
mais pesquisadas. A atenção contínua ou sustentada não
pode se dar indefinidamente. A continuidade da atenção
gera redução na eficácia dos comportamentos. Esse tipo
de atenção pode ser testada pelos chamados “testes
de barragem”, nome genérico de três testes: a) tarefa
de performance contínua de Rosvold (1956) in Boujon e
Quaireau (2000); b) relógio de Mackworth (1958) in Boujon
Karine Souza e Ronei Guaresi
e Quaireau (2000); e c) teste dos números de Bakan (1959)
in Boujon e Quaireau (2000).
O teste de Rosvold, 1956, consistia na apresentação
da letra X e, em seguida, da sequência AX em duas séries
de 10 minutos de 600 letras cada. O teste de Bakan, 1959,
na identificação da sequência de três números ímpares
sucessivos numa série de 4800 números durante 80
minutos. Mackworth, 1958, concebeu um relógio no qual
o ponteiro faz 100 deslocamentos numa volta completa.
Por vezes, esse ponteiro faz deslocamentos duas vezes
maiores que os outros. Cabe ao sujeito contar o número de
deslocamentos duplos. O teste tem duração de duas horas
em que o ponteiro faz 7152 deslocamentos dos quais 48
são deslocamentos duplos (BOUJON e QUAIREAU, 2000).
Com a aplicação dos testes citados foi possível verificar
que, depois de meia hora, a capacidade de prestar a
atenção da maioria dos indivíduos reduziu drasticamente.
A atenção dividida remete à ideia de situação rica
de estímulos, sejam eles auditivos, visuais ou outros,
que necessita de utilização conjunta de várias operações
cognitivas. As pesquisas têm mostrado que a realização
conjunta de atividades leva a importante redução ou atraso
das respostas corretas, pois a atenção está dividida.
Deduz-se daí que a capacidade de atenção humana,
também chamada de recursos de tratamento ou recursos
atencionais, é limitada. A maior parte das pesquisas
sobre atenção dividida se dá com motoristas que têm que
gerenciar a divisão da atenção nas manobras ao volante.
Ao desenvolverem pesquisas sobre atenção, Boujon
e Quaireau (2000) fizeram descobertas interessantes: a)
34
o relógio biológico afeta o comportamento de um ser vivo
(pag. 114); b) o sono é necessário para a aprendizagem
(pag. 114); c) a capacidade atencional varia ao longo do
dia: aumenta regularmente mas tem uma queda no início
da tarde (pag. 114); d) a presença de outra pessoa facilita
as provas mais simples, mas dificulta as mais complexas
(pag. 120); e) crianças dissipadas não necessariamente
apresentam distúrbios de atenção (DADH) (pag. 141);
f) a capacidade de automatizar é determinante para a
aquisição das competências escolares; e g) as crianças
que apresentam um distúrbio grave de atenção podem
automatizar, embora mais lentamente (pag. 141).
Fonseca, Ferreira, Liedtke, Muller, Sarmento e
Parente (2006) associam atenção, percepção, memória
visuoespacial, esquema corporal, dentre outros, ao
hemisfério direito. Myers (2001) em seus estudos corrobora
tal associação. Segundo esse autor, lesões no hemisfério
direito dificultam tarefas simples da vida diária que exigem
manutenção da atenção (sustentada) ou distribuição dela
em dois ou mais estímulos concorrentes (dividida).
Chan (1999) sustenta o que parece obvio no caso da
atenção dividida, quando os sujeitos são estimulados em
situações distintas, recursos cognitivos são dispensados
para cada estímulo concorrente. A hipótese de que a
performance de alocação de recursos cognitivos para cada
estímulo seja distinto entre jovens e adultos foi estudada
por Dywan, Segalowitz e Webster (1998). Os pesquisadores
observaram que a performance foi similar nos dois grupos
tanto comportamental como eletrofisiologicamente.
Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a perspectiva psicolinguista
Ribaupierre e Ludwig (2003) estudaram 81 jovens
e 96 idosos e observaram diferenças entre os grupos na
execução de tarefas simples e duais.
Anderson, Iidaka, Cabeza e Craik (2000) avaliaram a
relação entre idade e atenção dividida, por meio da análise
de variância, entre dois grupos: o primeiro de 17 sujeitos com
idade entre 21 e 31 anos e outro grupo de 12 sujeitos com
idade entre 63 e 76 anos. A tarefa compreendia uma lista de
20 pares de palavras moderadamente relacionadas como
dentista/luva. Os pesquisadores observaram que o primeiro
grupo, o dos jovens adultos, obteve melhor desempenho
em relação ao segundo grupo, o dos adultos mais velhos.
Com a finalidade de investigar se a atenção
dividida melhoraria com a idade, Tun e Wingfield (1995)
aplicaram o teste de atenção divida DAQ (Divided Attention
Questionnaire) a 83 sujeitos entre 18 e 27 anos e 245
entre 60 e 91. Ainda, os pesquisadores investigaram se a
habilidade de atenção dividida influenciaria a performance
dos indivíduos. Os resultados mostraram que não houve
mudanças sistemáticas ou diferenças significativas,
embora as pessoas mais velhas tenham indicado as
tarefas como mais difíceis.
Korteling (1993) investigou se os efeitos da idade
em tarefas duais iriam depender do nível de similaridade
entre tarefas independentes. Foram testados 26 sujeitos
adultos divididos em dois grupos: 19-30 anos e 64-77 anos.
Eram apresentados dois estímulos não relacionados. Os
resultados indicaram que, com o aumento de similaridade
dos estímulos, a performance na tarefa de sujeitos mais
velhos foi pior que dos mais jovens.
35
Zeef e Kok (1993) testaram a atenção dividida
e sustentada em dois grupos de 12 sujeitos, o primeiro
de sujeitos com idade média de 22 anos e o segundo
de sujeitos com idade média de 72 anos. Os resultados
mostraram que os sujeitos mais jovens eram mais rápidos,
contudo, erraram mais.
McDowd e Craik (1998) também compararam o
desempenho de jovens e adultos em tarefas perceptuaismotoras envolvendo atenção dividida. Os pesquisadores
observaram evidência de decréscimo na atenção dividida
com a idade. As diferenças de idade foram altas quando a
complexidade da tarefa também o era.
Ponds,
Brouwer
e
Van-Wolffelaar
(1988)
investigaram a hipótese do decréscimo da habilidade de
atenção dividida pela idade numa tarefa de simulação
de direção com 3 grupos: 17 sujeitos com idade entre 21
e 37 anos; 17 sujeitos com idade entre 40 e 58 anos; e
41 sujeitos com idade entre 61 e 80 anos. A tarefa dos
sujeitos era compensar o traçado do veículo no simulador
e reagir de forma rápida a estímulos visuais apresentados.
Os sujeitos mais velhos apresentaram pior desempenho
nas atividades quando comparados com os sujeitos mais
jovens e de meia idade que não diferiram entre si.
Noronha, et al (2008) realizaram estudo com
369 sujeitos com idade entre 18 e 73 anos. Esse estudo
encontrou correlações significativas e negativas entre
as medidas de atenção dividida e a idade, indicando que
conforme aumentava a idade, havia uma diminuição nas
pontuações de atenção dividida.
Karine Souza e Ronei Guaresi
No gerenciamento da atenção assumem papel
fundamental os processos automáticos e os controlados.
Processos automáticos são importantes, necessários e
não envolvem controle consciente. Eles demandam pouco
ou nenhum esforço atencional ou mesmo intenção e são
implementados como processos paralelos aos processos
monitorados pela atenção. As ações podem ocorrer
ao mesmo tempo ou sem qualquer ordem sequencial
específica, sendo relativamente rápidas.
Os processos controlados são acessíveis ao controle
consciente e até mesmo o requerem. Esses processos
ocorrem em série. Em comparação aos processos
automáticos, levam tempo para serem executados e podem
ocorrer paralelamente. Com prática suficiente, até mesmo
tarefas extremamente complexas, a leitura é um dos principais
exemplos de atividade amplamente complexa, são possíveis
de serem automatizadas. Para John Anderson (2005, p.
245), a linguagem é “talvez o sistema mais complexo que
as pessoas têm que aprender” e se dá pela aprendizagem
predominantemente implícita.
É razoável entender os processos como um contínuo
em que determinada atividade cognitiva com prática
suficiente vai da extremidade de processos controlados
para a extremidade dos processos automáticos.
A passagem de determinada atividade cognitiva
da extremidade controlada para a automática está
ligada à frequência e intensidade do input. Através
dos nossos órgãos dos sentidos, os estímulos chegam
ao cérebro. Os neurônios, por meio de uma complexa
cadeia eletroquímica, recebem os estímulos e provocam
36
grande ou pequena excitação dos neurônios seguintes
numa relação de equivalência da estimulação recebida.
O “armazenamento” da informação se dá através de
uma rede neuronial engramada num determinado padrão
de ativação (freqüência / potencial de ação) e sua
disponibilidade para evocação depende do quão forte
essa informação está engramada nos neurônios. Uma
vez que algum dos elementos da rede for ativado naquele
padrão de ativação, então toda rede será ativada e a
informação, recuperada.
A aprendizagem de uma informação, portanto,
compreende a criação de conexões sinápticas,
estabelecendo novo padrão de ativação integrado a
conexões já existentes. Alguns pesquisadores consideram
aceitável a ideia de empregar o termo aprendizagem para
o reforço de conexões/conhecimentos já existentes no
cérebro. A simples lembrança de um evento altera a força
sináptica de determinada rede neuronial e a torna ainda
mais disponível. Quanto maior ativação neuronial, maior
serão as alterações na força das sinapses deixando mais
disponível aquele conhecimento a tal ponto de a evocação
ser automática. Vale lembrar que essas ativações neuroniais
podem ocorrer no âmbito da consciência ou não. Pesquisas
mostram que mesmo em estados avançados do sono há
algum tipo de processamento de estímulos.
Outro fenômeno amplamente estudado sob o jugo
de falsas memórias é o da evocação, especialmente do
universo do conhecimento declarativo, que pode alterar a
memória evocada. Ou seja, a evocação se dá num contexto
de estímulos que podem alterar minimamente aquela
Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a perspectiva psicolinguista
memória. Sob esse aspecto, podemos nos dar conta de que
as memórias declarativas que temos apresentam-se com
algum grau de alteração da realidade.
Quando tratamos do input linguístico, surgem
questões que têm polemizado os estudiosos nas últimas
décadas: a linguagem é inata ou adquirida? Ou mesmo o
andar, nas pessoas, é inato ou adquirido?
a possibilidade de aprender a andar
é inata. Mas para que saiba caminhar
é preciso que faça as experiências
necessárias no momento adequado.
(...) Não acredito que a aprendizagem
se desenvolva de forma muito
diferente noutros campos (SPITZER,
2007, p. 185).
Segundo o autor, para aprender a andar, o cérebro
da criança aprende a coordenar os 600 músculos do
corpo sem esforço e sem o conhecimento explícito de
leis de alavancas, forças, medidas, pesos e acelerações,
ou seja, sem representações explícitas das equações
diferenciais necessárias.
Se concordarmos com o pesquisador, então
devemos aceitar que a aprendizagem da língua nativa
ocorre predominantemente por meio da aprendizagem
implícita, informal, não intencional, sem esforço, como
defende Smith (1983). O fato é que sem input linguístico
não há aprendizagem do idioma que, de acordo com Spitzer
(2007) começa antes mesmo de nascer. Cabe a lembrança
da descrição da linguagem dos inúmeros casos de crianças
selvagens que, ressalvadas os exageros, apresentam
37
dificuldade de comunicação com outras pessoas pela
ausência de input adequado.
Sobre esse aspecto Cerutti-Rizzatti (2009),
em pesquisa com alunos e famílias nas periferias de
Florianópolis constatou que as famílias colocam como
prioridade as condições mínimas de sobrevivência.
Nesse caso, é mais importante a merenda na escola em
detrimento da apropriação da leitura e da escrita. Nas
famílias e nos professores entrevistados foi identificada
uma subutilização da linguagem escrita se considerado seu
potencial na sociedade grafocêntrica atual. Ainda segundo
Cerutti-Rizzatti (2009), não é possível, em se tratando
das discussões entre aprendizagem e desenvolvimento
cognitivo, denegar a importância da dimensão social,
cultural e histórica do input que alimenta o processamento
neural. A pesquisadora afirma, ainda, que, em se tratando
especificamente da língua escrita, parece notório que o
entorno de letramento em que vivem as crianças oferece ou
não a eles o input de que precisam para a ressignificação
de suas redes neurais.
Diante do contexto concebido acima, é consenso
entre pesquisadores das diversas áreas o papel instrutivo
da leitura para a formação linguística, cultural e pessoal
do indivíduo. Seguramente uma iniciativa que poderia
contribuir para a modificação do cenário descrito pelo
PISA seria o hábito de leitura. Segundo Dehaene
(2007) e Spitzer (2007), nosso cérebro não teve tempo
suficiente para adaptar-se biologicamente à leitura.
Dehaene hipotetiza que alguns núcleos neuronais foram
reciclados para o processamento da leitura e que foram
Karine Souza e Ronei Guaresi
os elementos linguísticos – signos – que adaptaram-se
ao cérebro e não o contrário.
O fato de a leitura parecer, para a
maioria das pessoas, tão isenta de
dificuldades, é o resultado de milhares
de horas de exercício e mostra, mais
uma vez, como o cérebro humano é
flexível (SPITZER, 2007, p. 215).
O ato de ler está ligado diretamente
com o ganho de conhecimentos
quando lemos, não somos passivos,
pois produzimos – de forma mais
evidente do que noutros processos
perceptivos – significados (SPITZER,
2007, p. 216).
Dificuldades em leitura estão relacionadas com
alterações nos percursos das fibras conectivas, alterando
os fluxos de informação na leitura (PAULESCU e col.,
1996; SHAYWITZ e col., 1998). Estão relacionadas com
pior coordenação da ativação das zonas implicadas no
processo de leitura (HORWITZ e col., 1998), havendo
uma perturbação das “ligações” entre os centros da
linguagem do hemisfério cerebral esquerdo (BASSER,
1995; CONTURO e col., 1999).
John Anderson (2005) cita a leitura como importante
fonte de aprendizagem indireta ou indutiva. Em seu
artigo sobre aprendizagem indutiva, o autor defende que
a maior parte do aprendizado de estruturas e de regras
de determinado campo de conhecimento ocorre sem o
38
recebimento de instruções diretas. Para ele a indução é
o processo pelo qual o sistema faz inferências prováveis
sobre o ambiente com base na experiência (p. 227). A
maior parte da aprendizagem humana implica indução.
Ex.: operação de utensílios domésticos sem quaisquer
orientações diretas. As crianças nesse aspecto são
prodigiosas: a) aprendem a diferenciar cães e gatos sem
orientação; b) aprendem o idioma nativo praticamente sem
instruções diretas. Quem já ensinou uma criança a diferença
entre uma cadeira e uma mesa? Segundo esse autor,
“ninguém instrui explicitamente as crianças sobre quais
são as regras da língua. As crianças têm que inferir essas
regras ouvindo a língua que é falada com elas” (p. 245).
Estudos psicolinguísticos apontam a leitura como
o caminho para a escrita, entendendo leitura não apenas
como apreensão temática, mas como desvelamento do
funcionamento linguístico do texto (ORLANDI, 1983).
Quem lê também escreve, pois faz uma busca de
reconstituição do caminho linguístico do autor e, portanto,
dos sentidos produzidos (SMITH, 1983, 1999 e 2003).
Segundo Braine (1971) e MacWhinney (1993), pesquisas
sugerem que eventuais correções de adultos não ajudam
as crianças que as recebem.
John Anderson (2005) cita Alan Baddeley, Michael W.
Eysenck e Michael C. Anderson, em que os pesquisadores
submeteram carteiros ingleses (British Post Office) a uma
rotina de treinamento. Os treinados por somente 1 hora
por dia aprenderam em menos horas de treinamento e
melhoraram suas performances mais rapidamente do que
aqueles treinados por 2 horas ao dia, os quais aprenderam
Leitura e atenção: um olhar sobre o input linguístico sob a perspectiva psicolinguista
mais rapidamente do que aqueles que receberam o
treinamento em 4 horas diárias. O grupo treinado em 1
hora aprendeu em 55 horas o que o grupo treinado em 4
horas aprendeu em 80. Esses resultados mostram que o
aprendizado é mais efetivo quando o input é distribuído.
Manfred Spitzer (2007, p. 200) chama especial
atenção ao risco que o computador representa como
input ostensivo para a criança. Segundo ele, as imagens
e os sons fornecidos pelo computador fornecem um
meio empobrecido, porque os sinais estão muito mal
correlacionados e não beneficiam em nada a criança na
aprendizagem da vida. O significado das coisas só surge
quando nos relacionamos com ela. A realidade é que
fornece imagens em três dimensões, sons e imagens de
vários locais. O cérebro precisa dimensionar isso. Só a
realidade fornece estímulos para o pleno desenvolvimento
normal da visão e da audição. A televisão não estimula
o aparelho motor. O pesquisador faz, ainda, alguns
questionamentos sobre esse tipo de input tão comum
nos lares: a) como seriam aprendidas no computador
as competências sociais? b) como queimar as energias
mobilizadas? c) como ficaria o aprendizado com a ausência
de treino de autoridade?
Até o final da escola secundária um estudante
fica aproximadamente 13 mil horas na escola e 25 mil
horas em frente a um televisor. Segundo Spitzer (2007, p.
310), deve-se ter cuidado, pois pesquisa de conteúdo de
180 horas de televisão incluíram 1846 atos de violência
explícita, dos quais 751 com situações de ameaça de
morte e 175 com desfecho de morte.
39
Karine Souza e Ronei Guaresi
Spitzer argumenta que
Se a televisão nunca tivesse sido
introduzida, existiriam atualmente,
nos EUA, anualmente, menos 10 mil
homicídios, menos 70 mil violações e
menos 700 mil delitos com ferimentos
(SPITZER 2007, p. 315 apud
CENTERWALL, 1992).
RESUMO – Baseado em pesquisadores e teóricos, a
saber, Spitzer (2007), Anderson (2005), Smith (1983,
2003), Cerutti-Rizzatti (2009), Boujon e Quaireau (2000),
Dehaene (2007), entre outros, o presente texto trata do
input, especialmente o linguístico, e a atenção no contexto
escolar. Em se tratando de input linguístico entende-se a
leitura como input linguístico privilegiado e, normalmente,
de qualidade. Duas das causas da baixa qualidade do
ensino no Brasil residem, a nosso ver, na (falta de) atenção
que, em situação de sala de aula é amplamente dividida, e
na falta do hábito de leitura.
Palavras-chave: Atenção. Leitura. Input Linguístico. Ensino.
ABSTRACT - Based on researchers and theorists, namely,
Spitzer (2007), Anderson (2005), Smith (1983; 2003) CeruttiRizzatti (2009), Boujon Quaireau (2000), Dehaene (2007),
among others, this paper deals with the input, especially the
linguistic, and attention at school. In terms of linguistic input it is
meant the reading as a privileged linguistic input, and usually,
of high quality. Two of the causes of the low quality of education
in Brazil is, in our view, the (lack of) attention in the classroom,
which is widely divided, and the lack of reading habits.
Keywords: Attention. Reading. Linguistic Input. Teaching.
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O impacto da aquisição da leitura no cérebro: o
que os estudos com neuroimagem têm a dizer
Fernanda Knecht1
Fale com a autora
A leitura é uma das habilidades mais importantes
que somente nós, seres humanos, temos a capacidade de
aprender. Não é surpreendente, então, que a leitura tenha
se tornado o foco de inúmeros pesquisadores, que utilizam
as mais variadas metodologias para alcançar os mais
diversos propósitos. Há estudos sobre leitura focados no
ensino e aprendizagem de línguas; há aqueles de caráter
mais clínico, que se dedicam a estudar o processamento da
leitura em pessoas disléxicas ou que sofreram algum dano
cerebral; há também aqueles que envolvem pessoas que
não têm nenhum distúrbio ou dano cerebral.
Nas últimas décadas, as técnicas de neuroimagem
têm sido amplamente utilizadas como parte integrante
de diversas metodologias e objetivos, no que se refere a
pesquisas sobre leitura. Elas proporcionam a análise, in
vivo, do que está acontecendo no cérebro do participante
no momento em que este está desempenhando uma tarefa
requisitada pelo pesquisador. Além disso, a neuroimagem
possibilita que os pesquisadores façam uma espécie de
mapeamento das áreas do cérebro que estão relacionadas
com atividades de leitura e de que forma elas são ativadas.
O objetivo deste artigo é fazer uma breve revisão de
estudos que tratam do impacto da aprendizagem da leitura
1
Mestranda em Linguística na PUCRS, bolsista CAPES. Email: fernanda.
[email protected]
no cérebro humano. Portanto, todos os estudos discutidos
aqui foram desenvolvidos com técnicas de neuroimagem,
ou, pelo menos, têm como base estudos realizados com
essa técnica (como, por exemplo, Standardized Low
Resolution Electromagnetic Tomography – SLORETA;
Functional Magnetic Resonance Imaging – fMRI; Eventrelated Potential – ERP; Positron Emission Tomography –
PET). As principais perguntas a que pretendo responder
com esta revisão são:
I- a aquisição da habilidade de leitura modifica
o cérebro?
II- em caso positivo, de que maneira e em que
medida isso ocorre?
Todas as pesquisas ilustradas neste artigo pertencem
à mesma base de dados, o Portal de Periódicos Capes.
Entretanto, elas foram retiradas de diversos periódicos. O
estudo mais antigo data de 1998 e, o mais recente, de 2010.
Ao final do artigo, procuro relacionar esses estudos
com questões concernentes à sala de aula de língua
materna e / ou estrangeira.
A leitura no cérebro
A leitura é uma aquisição cultural recente. Segundo
Dehaene (2009), nosso cérebro é produto de milhões de
anos de evolução em um mundo onde não havia escrita.
Essa afirmação leva, inevitavelmente, à seguinte pergunta:
43
como, então, o cérebro se adapta a ponto de reconhecer
palavras e símbolos? Em outras palavras: se o cérebro
humano não foi projetado para a atividade de ler, de que
maneira ele consegue dar conta dessa habilidade? Voltarei
a essa questão em breve.
No que se refere ao nível auditivo, estudos relatam
que a alfabetização leva à consciência fonêmica e à
habilidade de manipular as menores unidades da língua
falada, os fonemas (MORAIS et al., 1986 apud DEHAENE
et al., 2010).
Já em relação à fala, Castro-Caldas et al. (1998)
desenvolveram um estudo com PET envolvendo mulheres
adultas alfabetizadas na infância e não alfabetizadas e seus
principais resultados, assim como os de vários estudos
descritos anteriormente, indicam que aprender a ler e escrever
na infância influencia a organização do cérebro adulto. Os
estudiosos constataram que o aprendizado da forma escrita
da palavra interage com o funcionamento da linguagem
oral do indivíduo. A esse respeito, os autores citam modelos
cognitivos que lidam com os mecanismos do processamento
da língua falada e que consideram o conhecimento da escrita
como um caminho de processamento paralelo. Isso indica
que os sistemas escrito e oral da língua estão intimamente
relacionados. Os resultados também evidenciam que certos
aspectos da habilidade de lidar com unidades fonéticas da
fala não são adquiridos espontaneamente, mas, sim, resultam
da aprendizagem da leitura. Nesse sentido, aprender a ler e
a escrever modifica o sistema fonológico humano, pois esse
aprendizado adiciona uma dimensão visual-gráfica, ou seja, a
correspondência entre o grafema e o fonema. Os resultados
Fernanda Knecht
de Ventura, Morais e Kolinsky (2007) vão ao encontro dos da
pesquisa anterior. Em uma série de experimentos realizados
com crianças leitoras e não leitoras e adultos leitores, os
autores afirmam que há evidências de que a aprendizagem
do sistema ortográfico da língua influencia em grande
escala o reconhecimento da palavra falada. Nesse sentido,
a habilidade de leitura parece alterar o processamento da
fala. Os resultados do estudo de Perre et al. (2009), realizado
com adultos, também corroboram com os de Castro Caldas
et al. (1998) e os de Ventura, Morais e Kolinsky (2007).
Entretanto, os pesquisadores vão além da investigação
do efeito da aprendizagem da ortografia na língua falada.
De acordo com eles, não há nenhuma explicação precisa
de como, exatamente, o conhecimento ortográfico afeta o
reconhecimento da palavra falada. Então, os autores discutem
duas hipóteses: a primeira diz que a informação ortográfica
é ativada no cérebro sempre que ouvimos uma palavra.
De acordo com essa hipótese, aprender a ler e a escrever
cria fortes e permanentes associações entre as principais
áreas cerebrais relacionadas com a língua falada e regiões
responsáveis pelo processamento de informação ortográfica,
cujo principal representante é o giro fusiforme esquerdo2,
que contém a área visual da forma da palavra3, proposta por
Dehaene, Cohen e colegas (2001; 2004). A esse respeito,
Ventura et al. (2007) argumentam que a especialização
funcional progressiva dessa área parece estar intimamente
relacionada com a habilidade de decodificação. A segunda
hipótese diz que a ortografia influencia a fonologia durante
o processo de aprendizagem de leitura e escrita, alterando,
2
3
Tradução minha para left fusiform gyrus.
Tradução minha para visual word form area.
44
O impacto da aquisição da leitura no cérebro: o que os estudos com neuroimagem têm a dizer
dessa forma, a natureza das representações fonológicas.
Os resultados da pesquisa corroboram com a segunda
hipótese, ou seja, os autores acreditam que acontece uma
reestruturação da representação fonológica ao longo do
aprendizado da leitura e escrita, assim como Castro-Caldas
et al. (1998). Interessantemente, os resultados mostraram
que não houve ativação cerebral na área visual da forma da
palavra, embora os próprios pesquisadores atribuam isso a
possíveis problemas com a técnica de neuroimagem utilizada.
Em relação ao nível visual, o estudo de Schlaggar
et al. (2002) teve o objetivo de investigar a relação
entre idade e ativação cerebral durante atividades de
reconhecimento de palavras escritas. Para tanto, o estudo
foi desenvolvido com crianças e adultos. Os resultados
indicam que o cérebro de crianças entre sete e dez anos
de idade utiliza, em partes, uma neuroanatomia funcional
diferente da dos adultos, ao desempenharem a mesma
atividade. Segundo os autores, uma explicação possível
para isso é que as crianças dessa idade não possuem
algumas regiões cerebrais completamente desenvolvidas
e, por esse motivo, o cérebro ativa outras regiões para
auxiliar na resolução da tarefa. Já nos adultos, apenas
algumas áreas são ativadas porque elas já estão maduras
o suficiente para dar conta da tarefa sem auxílio de outras
regiões. Outra explicação seria que as crianças dessa
idade ainda não teriam adquirido algumas estratégias de
leitura, e os adultos, sim. De maneira geral, os resultados de
Schlaggar et al. (2002) permitem afirmar que a maturação
do cérebro da criança, nos primeiros anos escolares, entre
sete e dez anos de idade, ainda não está completa.
A pesquisa de Gaillard et al. (2003) apresenta resultados
que vão na direção oposta. Os pesquisadores realizaram o
estudo com crianças de seis e sete anos de idade e adultos. Os
resultados sugerem que as redes neuronais que processam a
leitura estão fortemente estabilizadas e regionalizadas quando
a criança tem apenas sete anos. Nesse sentido, os autores
afirmam que as redes neuronais de crianças dessa idade são
semelhantes às de adultos. Entretanto, os pesquisadores
reconhecem que parte desses resultados pode estar ligada
ao fato de que os cérebros das crianças são menores que
os cérebros dos adultos e que, com isso, há diferenças na
maturação de algumas regiões cerebrais.
O estudo longitudinal de Maurer et al. (2006)
envolveu crianças, antes e depois de aprenderem a ler
e, posteriormente, comparou resultados provenientes
desses participantes com os resultados de procedimentos
desenvolvidos com adultos leitores. Os resultados mostram
que as crianças que ainda não sabem ler, quando expostas
a uma palavra escrita, não possuem ativação cerebral
na área visual da forma da palavra que, como já disse
antes, é considerada a principal área de processamento
da palavra impressa. O objetivo da pesquisa foi investigar
se o desenvolvimento dessa área cerebral aconteceria de
maneira rápida, assim que a criança aprendesse a ler, e
continuaria se desenvolvendo na fase adulta. Mesmo no
início da aprendizagem da leitura, as crianças já mostraram
ativação cerebral na área visual da forma da palavra.
Esse resultado, de acordo com os autores, evidencia uma
reestruturação plástica muito rápida do cérebro durante a
infância. Além disso, percebeu-se uma ativação muito maior
45
em resposta a palavras impressas do que a uma sequência
de símbolos impressos, por exemplo. Os resultados do
estudo também sugerem que as crianças que apresentam
ativação cerebral muito maior quando expostas a palavras,
em comparação a quaisquer outros símbolos, se tornam
leitoras mais fluentes rapidamente. Os pesquisadores
afirmam que semelhante investigação pode ser útil para
determinar, por exemplo, déficits de aprendizagem em
crianças disléxicas, permitindo ao professor ou educador
o uso de diferentes abordagens de ensino que levem em
consideração os resultados dos testes.
Ainda sobre dislexia, Shaywitz et al. (2002) confirmam
que crianças disléxicas apresentam uma disfunção em
sistemas neuronais relacionados com o reconhecimento
de palavras escritas e afirmam que, quanto mais jovem
a criança, mais essa deficiência pode ser percebida. Em
suma, os resultados de Maurer et al. (2006) evidenciam
que aprender a ler leva, aproximadamente um ano e cinco
meses depois dos primeiros contatos com a palavra escrita,
a uma notável especialização neurofisiológica para a palavra
impressa. Entretanto, essa especialização das crianças
difere, em certos aspectos, da dos adultos, principalmente
no que tange a características neurofisiológicas e a
sensibilidade a novas palavras.
Ao contrário da aquisição da habilidade de leitura,
que melhora e se desenvolve durante a trajetória escolar
e com a prática, a sensibilidade da área visual da forma
da palavra parece não se desenvolver no mesmo ritmo,
ou seja, há um decréscimo na especialização conforme o
tempo passa. Nesse sentido, de acordo com os autores, sob
Fernanda Knecht
a influência do treino de leitura, uma extensa rede neuronal
se torna sensível à palavra escrita em recém leitores
(principalmente na fase que vai do jardim de infância até
o segundo ano). Com a prática posterior, a sensibilidade a
alguns aspectos impressos pode diminuir em partes nessa
rede neuronal, resultando numa ativação cerebral mais
seletiva por parte dos adultos. Esse resultado se opõe aos
estudos de Cohen e Dehaene (2004) e Simos et al. (2001),
que evidenciam que o desenvolvimento da sensibilidade
e, por sua vez, especialização de uma área do cérebro
mais relacionada com a palavra escrita se desenvolve de
maneira linear, com o aumento da proficiência na leitura.
Os resultados de todos os estudos descritos
acima, de acordo com Dehaene et al. (2010), deixam
importantes perguntas a serem respondidas. Por
exemplo, a alfabetização leva a efeitos cooperativos
ou competitivos no processamento cortical? Ou seja: o
cérebro se desenvolve para desempenhar novas funções
decorrentes do aprendizado da leitura ou deixa de
desempenhar funções que outrora desempenhava para
passar a exercer outras? Volto também à pergunta que
destaquei no início desta seção: se o cérebro humano
não foi projetado para a atividade de ler, de que maneira
ele consegue dar conta dessa habilidade?
A esse respeito, Dehaene (2009) introduz o conceito
de reciclagem neuronal, ao assumir a perspectiva de
que a leitura é uma invenção cultural demasiadamente
recente para envolver genética ou mecanismos de
desenvolvimento. De acordo com o autor, o que acontece
é que, durante a alfabetização, processos relativos à leitura
46
O impacto da aquisição da leitura no cérebro: o que os estudos com neuroimagem têm a dizer
reciclam neurônios que, anteriormente, eram responsáveis
por outras funções, como, por exemplo, o reconhecimento
de faces, casas e objetos. Isso possibilita dizer que tais
funções sofrem impacto com a aquisição da leitura. Ou
seja, aprender a ler causa mudanças na organização do
cérebro, como evidencia também o estudo mais recente
de Dehaene et al. (2010). A pesquisa, realizada com
brasileiros e portugueses não alfabetizados, alfabetizados
na infância e alfabetizados na fase adulta, mostrou que
todas as pessoas que aprenderam a ler apresentam
semelhanças na organização de seu córtex. O objetivo dos
autores era entender quais estímulos, especificamente, são
processados na área visual da forma da palavra antes do
aprendizado da leitura e, em que medida sua representação
cortical (que é sabido, aumenta durante o período escolar)
é afetada pela alfabetização. Os resultados evidenciam
que aprender a ler causa um enorme impacto nas redes
neuronais relacionadas à visão e à fala, independentemente
da idade em que a pessoa foi alfabetizada. Tais estudos
corroboram os resultados de outras pesquisas apresentadas
anteriormente. A alfabetização aumenta a organização
do córtex visual, particularmente através da indução de
respostas para um estímulo escrito no idioma já conhecido
pela área do cérebro responsável pela forma da palavra.
Além disso, a alfabetização permite que toda a rede neural
do hemisfério esquerdo, relacionada à linguagem falada,
seja ativada por sentenças escritas.
Dessa forma, a leitura, que é uma invenção
social recente, aproxima-se da eficiência do canal de
comunicação mais evoluído da espécie humana, a fala.
Conforme os estudos anteriores, a pesquisa de Dehaene
et al. (2010) também mostra que a alfabetização aprimora
o processamento da linguagem falada, reforçando a região
fonológica, o plano temporal e fazendo com que o código
ortográfico seja disponível de modo top-down, ou seja,
de maneira holística. Os autores argumentam que essas
mudanças corticais, embora altamente positivas, levam,
assim como outras habilidades que se tornam especialidades,
a efeitos competitivos no cérebro. Por exemplo, na região do
cérebro que, entre outras partes, possui a área responsável
pela forma das palavras, os resultados mostram que
houve uma diminuição significativa do reconhecimento de
faces por parte das pessoas alfabetizadas em relação às
não alfabetizadas. Como identificar rostos, assim como
palavras escritas, é uma parte essencial da comunicação
e da interação social significativa (TURKENTAUB et al.,
2005), Dehaene et al. (2010) sinalizam que essa intrigante
possibilidade de que o reconhecimento de rostos possa
sofrer danos proporcionais às nossas habilidades de leitura
será explorada em futuras pesquisas.
O estudo de Turkeltaub et al. (2005), assim
como o de Castro-Caldas et al. (1998), defende que a
organização cerebral é modificada com a aquisição de
qualquer habilidade, não somente a leitura. Para tanto,
os pesquisadores desenvolveram um estudo utilizando
técnicas de neuroimagem com adultos e crianças com
formação musical. Os pesquisadores discutem a formação
musical, argumentando que, assim como a leitura, aquela
também é adquirida somente por seres humanos, através
de anos de estudo e esforço, que, normalmente, se iniciam
47
na infância. O estudo envolveu diferentes e diversas
atividades de leitura. Os resultados evidenciam que há
regiões do cérebro que apresentam mais modificações
do que outras, comparando um leitor adulto e um leitor
criança. Por exemplo, o córtex temporal superior esquerdo
não apresentou muitas mudanças, visto que tanto no adulto
quanto na criança as ativações foram similares. No entanto,
o giro frontal inferior esquerdo apresentou mais mudanças:
seu desenvolvimento aumenta consideravelmente durante
o processo de aquisição da leitura. Essa área do cérebro
é comumente dividida em duas: a área dorsal fonológica
e a área ventral semântica (BOKDE et al., 2001). O
estudo mostrou que, nas crianças, essas duas regiões
praticamente não são ativadas, enquanto que nos adultos
a ativação é forte. No que se refere à anatomia do cérebro
dos participantes, notaram-se diferenças em relação aos
músicos mais habilidosos comparados com outros não
tão habilidosos. Com base nisso, os autores sugerem que
diferenças anatômicas também poderiam ser observadas
em cérebros de bons leitores, leitores medianos e pessoas
não alfabetizadas. Outro resultado interessante apontado
pelos pesquisadores é que não houve nenhuma evidência
direta que apontasse que os mecanismos de processamento
das palavras, dentro da área visual da forma da palavra, se
desenvolvem durante o período de aquisição da leitura. Nesse
sentido, os resultados parecem ir ao encontro de pesquisas,
como a de Price e Devlin (2003), que mostram que várias
áreas do cérebro são responsáveis pelo reconhecimento de
palavras, e não apenas a região conhecida com área visual
da forma da palavra. Na verdade, os referidos autores nem
Fernanda Knecht
mesmo concordam com essa nomeação. Em relação a isso,
Turkeltaub et al. (2005) argumentam que mais pesquisas
são necessárias para confirmar se a área visual da forma
da palavra é exclusivamente dedicada ao processamento
de palavras ou se esta área tem outra função concomitante.
Conclusão
Muitos dos estudos descritos neste artigo
apresentam resultados semelhantes, que permitem
conclusões semelhantes. Por outro lado, pode-se perceber
que existem pesquisas que mostram resultados bastante
diferentes, até mesmo opostos. Isso pode estar relacionado
com a metodologia utilizada, com as perguntas que os
pesquisadores se propuseram a responder e, também, com
diferenças individuais entre os participantes dos estudos.
Em vista disso, mais pesquisas se fazem necessárias para
que seja possível comprovar ou descartar hipóteses, assim
como acrescentar novas. Entretanto, mesmo os estudos
mais discrepantes entre si apresentam, em certa medida,
alguma semelhança: todos mostram que algo acontece no
cérebro com a aprendizagem da leitura. Volto agora, então,
às perguntas que me moveram na construção deste artigo:
I- a aquisição da habilidade de leitura modifica
o cérebro?
II- de que maneira e em que medida isso ocorre?
Como as duas perguntas se complementam, tentarei
respondê-las concomitantemente. O aprendizado da leitura
48
O impacto da aquisição da leitura no cérebro: o que os estudos com neuroimagem têm a dizer
causa profundas alterações no cérebro, tanto em sua
anatomia quanto em sua funcionalidade. Essas alterações
acontecem, principalmente, no plano visual e no que se
refere à fala. Além disso, há evidências, ainda que em
pouco número, se levarmos em consideração a quantidade
de estudos sobre isso, de que a aquisição da leitura também
tem impacto no plano auditivo.
Em relação ao plano visual, algumas pesquisas
mostram que a criança, assim que aprende a ler, começa a
ativar áreas do cérebro, relacionadas com o reconhecimento
da palavra impressa, que não ativava antes de adquirir essa
habilidade. Além disso, constatou-se que essa área cerebral se
desenvolve de maneira muito rápida ainda quando a criança
está na fase inicial da aquisição da leitura. Isso sugere uma
capacidade plástica e de adaptação do cérebro muito rápida
nas crianças. Mais estudos são necessários para investigar
como, de fato, esse desenvolvimento continua acontecendo
na fase adulta. As pesquisas existentes que abordam esse
tema não apresentam resultados similares: em alguns estudos
o desenvolvimento da região do cérebro responsável pelo
reconhecimento da palavra escrita continua acontecendo na
fase adulta, com a prática e a experiência; em outros, esse
desenvolvimento ou especialização tem seu auge na infância
e parte da adolescência e depois disso começa a diminuir.
De acordo com as pesquisas, a aquisição da leitura,
ou seja, o conhecimento ortográfico da língua causa
mudanças relacionadas aos aspectos fonológicos. Em
outras palavras, aprender a ler leva a uma reestruturação
do sistema fonológico no cérebro humano. Além disso,
acredita-se que a aprendizagem da leitura possibilita ao
indivíduo manipular com mais facilidade todos os fonemas
de sua língua. Nesse sentido, a aprendizagem da leitura
tem impacto no processamento da fala.
O conhecimento de pesquisas dessa natureza pode
ser bastante relevante para o trabalho do professor de língua,
que utiliza muito a leitura de textos como base para as aulas.
Resultados de experimentos como os relatados aqui podem
auxiliar no entendimento de como se dá a aprendizagem do
aluno e até mesmo do porquê de alguns alunos apresentarem
dificuldades para aprender com determinadas atividades.
No caso de alunos que apresentam algum distúrbio, como
por exemplo, a dislexia, o conhecimento de pesquisas que
relatam o impacto da aprendizagem da leitura no cérebro
parece ser ainda mais relevante.
RESUMO - O objetivo deste artigo é fornecer uma breve
revisão teórica acerca de estudos com neuroimagem
sobre a aprendizagem da leitura e seu impacto no cérebro
humano. Resultados evidenciam que aprender a ler,
independentemente da idade, causa profunda reorganização
do córtex, principalmente no que se refere à fala e à visão.
Palavras-chave: Leitura. Cérebro. Neuroimagem.
ABSTRACT - The aim of this paper is to provide a brief
review about neuroimage studies that involve reading
acquisition and the impact it may have on the human brain.
Results show that learning to read, independently of the age
of acquisition, causes deep restructuration on the cortex,
mainly related to speech and vision.
49
Keywords: Reading. Brain. Neuroimage.
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Resumo: a relevância do objetivo de leitura
Cláudia Strey1
Fale com a autora
Para que se faça uma definição apropriada do que
é leitura, é necessário que se defina a interface2 em que
se trabalha. Se a área de interface é a Social, pode-se
entender leitura como uma prática de inclusão social, em
que se trabalha com conceitos de capacidade crítica e de
exercício da cidadania. Se a área é a Cognitiva, leitura
passa a ser definida como processo cognitivo, em que se
estudam aspectos como inferência, predição, memória.
Por fim, se a área de interface é a Ciência Formal, leitura
pode ser estudada no sentido de observar como questões
lógicas interferem a compreensão leitora.
Nesse estudo, o objeto contruído se dará na interface
entre Psicolinguística (uma interface entre Linguística e
Psicologia) e Pragmática (uma subárea da linguística),
em que se assumem hipóteses de leitura (SOLÉ, 1998)
e de comunicação (Teoria da Relevância - SPERBER &
WILSON, 1995) para derivar conclusões que possam ser
interessantes para ambas as áreas envolvidas. O artigo
procura abordar um problema evidente no atual cenário
1
Mestranda em Linguística – PPGL-PUCRS e bolsista CNPq. Artigo apresentado
para a cadeira de Compreensão e Processamento da Leitura. Email: claudiastrey@
yahoo.com.br.
2
A visão de que o estudo das ciências deve ser feito por meio de interfaces está
de acordo com a Metateoria das Interfaces, desenvolvida por Campos (2007),
que argumenta que, somente através de interfaces, consegue-se explicar uma
maior quantidade de fenômenos adequadamente. Para a Filosofia da Ciência (e,
consequentemente, da Linguística), isso implica construir um objeto de acordo com
a perspectiva adotada, e não observar um objeto pré-existente a essa perspectiva.
escolar: atualmente, em relação a obras literárias, os
jovens parecem preferir ler resumos a ler o texto original.
As perguntas norteadoras emergem dessa constatação:
por que, na escola, a maior parte dos alunos tem essa
preferência de leitura? Como explicar a diferença de leitura
entre esses dois gêneros (obra literária e resumo)? Qual
o papel dos objetivos de leitura e da avaliação feita pelos
professores? Como a Teoria da Relevância pode ajudar a
explicar essa escolha?
Partindo desses questionamentos e do objetivo
principal – construir uma interface entre Psicolinguístca
e Pragmática –, algumas hipóteses são construídas: (a) o
objetivo de leitura e o tipo de avaliação parecem guiar a
leitura feita pelos alunos; (b) o princípio da Relevância ajuda
a explicar a escolha de qual forma de leitura é mais relevante
de acordo com o seu objetivo; (c) a leitura é determinada pelo
menor custo cognitivo, e não pelo maior benefício.
O artigo que se segue está organizado da seguinte
forma: primeiro, aborda-se como a leitura pode ser
compreendida no aporte teórico da Teoria da Relevância,
para, em seguida, mostrar a perspectiva de leitura à luz da
Psicolinguística. A terceira e a quarta seção são destinadas
à construção da interface: qual o custo cognitivo envolvido
na leitura de resumos e de obras literárias, e qual sua
relação com os objetivos de leitura e de avaliação escolar.
Utiliza-se, como exemplo ilustrativo para demonstrar a
interface, trechos da obra Iracema de José de Alencar e
de alguns resumos dessa obra, encontrados na internet.
51
1. Da leitura na perspectiva da Relevância
Após o desenvolvimento de teorias que abordam
aspectos pragmáticos da linguagem, a comunicação verbal
deixou de ser compreendida apenas como um processo
de codificação e de decodificação, baseado no modelo
de código (SHANNON e WEAVER, 1949). A comunicação
passou a ser entendida como inferencial, em que não
somente o dito tem papel fundamental para a compreensão,
mas também o implicado. Grice3 foi um dos filósofos que
mais contribuíram para esse processo, pois reconheceu o
papel da intencionalidade e da inferência na comunicação,
além de criar um modelo de pesquisa abrangente, capaz de
dar estímulos a investigações futuras.
Partindo do modelo griceano, Sperber e Wilson
(1986/1995) desenvolvem a Teoria da Relevância, que
busca explicar a linguagem na interface entre comunicação
e cognição. A Teoria da Relevância é um modelo de
comunicação ostensiva, no qual o falante tornará manifesta
a sua intenção informativa e comunicativa; e inferencial, em
que o ouvinte deverá construir o contexto para chegar à
interpretação do enunciado. A teoria fundamenta-se em duas
propriedades que não podem ser dissociadas: a ostensão por
parte do comunicador e a inferência por parte do receptor.
A ideia principal da teoria, como enfatiza Silveira
(2005), está no conceito de Relevância, em que se estabelece
uma relação entre custo cognitivo despendido e efeito
Grice propôs uma teoria baseada no modelo inferencial de comunicação. Para
ele, as inferências resultantes no processo de comunicação são derivadas a partir
de um acordo entre falante e ouvinte, chamado de Princípio da Cooperação e
ligado a quatro máximas (quantidade, qualidade, relação e maneira). Seus
trabalhos mais conhecidos são Meaning (1957) e Logic and Conversation (1975).
3
Cláudia Strey
contextual alcançado. Essa característica refere-se ao fato
de que os seres humanos prestam atenção àquilo que lhes
parece relevante, desencadeando um processo inferencial.
Para tal, Sperber e Wilson (1995) propõem dois princípios:
o primeiro é o Princípio Cognitivo: “A comunicação humana
tende a ser dirigida para a maximização da relevância”
(SPERBER & WILSON, 1995, p. 260). Isso não significa
dizer que os seres humanos sempre alcançam a relevância
máxima (maiores efeitos cognitivos com menores efeitos
contextuais), mas, ao contrário, significa que a mente
humana possui uma tendência a escolher os estímulos,
a ativar o conjunto de informações mais relevantes e a
processá-los da maneira mais produtiva.
O segundo princípio fundamental é o Princípio
Comunicativo: “Todo estímulo ostensivo comunica a
presunção de sua própria relevância ótima” (SPERBER &
WILSON, 1995, p. 260). Em relação à noção de relevância
ótima, os autores afirmam que um estímulo será otimamente
relevante se, e somente se, ele for relevante o suficiente
para merecer esforço de processamento da audiência;
e o mais relevante compatível com as habilidades e
preferências do comunicador.
Outro conceito fundamental da teoria e importante
para a interface com a Psicolinguística refere-se à noção
de contexto, que não é dado de antemão, mas construído
a partir do processo comunicativo. O contexto pode ser
definido como um conjunto de premissas usadas para
interpretar um enunciado, que se referem a um subconjunto
de crenças do ouvinte sobre o mundo. A seleção do
contexto é parte do processo de interpretação, ou seja,
52
Resumo: a relevância do objetivo de leitura
as “suposições são acrescentadas a partir do enunciado
a ser interpretado, indicando que o contexto não é dado
de antemão, mas construído no curso da informação”
(SILVEIRA & FELTES, 2002, p. 46).
A partir da noção principal de relevância – relação
custo-benefício –, pode-se transpor a comunicação oral
para a escrita, e se analisar o processo de leitura através
da relação entre ouvinte-leitor e falante-autor. Dessa forma,
Silveira e Feltes (2002, p. 64) afirmam:
Se, conforme Sperber e Wilson, o
papel do ouvinte é tão importante
nesse processo [comunicativo], e se
o comportamento verbal dos falantes
é restringido pela expectativa de
Relevância do ouvinte, então, em
termos de autor e leitor, tal expectativa
deve ser considerada a base para a
análise do texto/discurso.
Assume-se, assim, que a leitura também é baseada
no princípio inato da Relevância, que parece ser determinante
para explicar a comunicação humana. Nessa perspectiva,
Campos (2009, p. 58-59) afirma que
Ler consiste, essencialmente, num
processo de construir cognitivamente
uma espécie de código mental a
partir de um código escrito, em que
de grafemas visuais chegamos a
representações isomórficas internas.
(...) A noção de composicionalidade
sintático-semântica é vital no processo
de leitura; é a soma dos fatores
mínimos como grafemas em sílabas,
palavras e sentenças, tudo dentro de
uma certa ordem de boa formação, que
gera o processo em pauta. Dizendo
de outro modo, ler não é adivinhar, é
decodificar e compreender.
Compreender o texto significa, portanto, ser capaz
de produzir inferências relevantes, com o menor custo
para maiores efeitos. Como se dá, então, a produção
de inferências durante o processo da leitura? Há algum
outro fator que pode influenciar a geração de inferências?
Qual o papel da predição e das hipóteses construídas ao
longo da leitura, por exemplo? Essas perguntas serão
abordadas na próxima seção, que abordará a perspectiva
Psicolinguística da leitura.
2. Da leitura na perspectiva da Psicoloinguística
Na maior parte dos estudos de Psicolinguística,
a leitura é compreendida como um processo complexo,
que ocorre de maneira ascendente (bottom up) ou
descendente (top down). A escolha de qual processo
será utilizado envolve algumas variáveis, como tipo de
texto, objetivo de leitura, conhecimentos prévios do leitor
e estilo cognitivo (PEREIRA, 2010).
O modelo ascendente de leitura (bottom up) é um
modelo centrado no texto, desenvolvido por Gough (1972),
que considera a leitura como um processo linear, serial,
que vai da identificação de letras e palavras à extração do
53
significado no texto. A leitura é vista como um processo
passivo, no qual o leitor é apenas um decodificador do
significado que o próprio texto carrega.
No modelo descendente (top down), proposto por
Goodman (1970), o leitor utiliza seus conhecimentos prévios
para fazer antecipações e predições sobre o conteúdo do
texto, fixando-se para verificá-las. Segundo Solé (1998),
esse processo também é hierárquico, embora descendente,
pois, a partir de hipóteses e antecipações prévias, o texto é
processado para verificação.
Há, no entanto, um terceiro modelo que faz uma síntese
dos outros dois enfoques para explicar o processamento
da leitura. Segundo a teoria dos esquemas de Rumelhart
(1981), o leitor constrói o texto a partir de informações
linguísticas (lexicais, sintáticas, semânticas) associadas ao
conhecimento de mundo. Os processamentos ascendente
e descendente seriam não-excludentes e aconteceriam
simultaneamente ou em paralelo.
A perspectiva assumida nesse artigo é que, durante
a leitura, é necessário utilizar diferentes estratégias
inerentes a cada tipo de processamento. Ou seja, não há
predomínio somente de um ou de outro processo, mas a
forma como se dá a compreensão depende de níveis de
relevância. Além de a decodificação ser imprescindível,
é preciso que se assuma a importância do processo
inferencial (através de construção de contexto e de
acesso à memória enciclopédica), de acordo com a
Teoria da Relevância. A hipótese que se assume é que,
independente do processo, a compreensão envolve
Cláudia Strey
inferências multiformes4, que vão desde inferências
fonológicas até inferências pragmáticas.
Assumindo-se a importância do processo
inferencial, é importante observar quais outros fatores
influenciam a formação de inferências. A Psicolinguística
descreve alguns fatores, como o tipo de texto, o objetivo
de leitura e os conhecimentos prévios. Em relação
aos objetivos de leitura, Solé (1998) afirma que eles
determinam como o leitor se situa perante um texto para
que haja uma melhor compreensão. Segundo a autora,
parece haver um acordo geral de que os bons leitores
leem textos diferentes de diferentes maneiras, sendo
esse fato um indicador da competência leitora, ou seja,
da capacidade de se utilizar distintas estratégias em
distintas leituras.
Solé ainda afirma que os objetivos de leitura podem
ser muito variados, sendo impossível elencar todos.
Entretanto, a autora propõe alguns objetivos genéricos,
cuja presença é importante na vida adulta e podem ser
trabalhados na escola: (a) ler para obter uma informação
precisa; (b) ler para seguir instruções; (c) ler para obter
uma informação de caráter geral; (d) ler para aprender;
(e) ler para revisar um escrito próprio; (f) ler por prazer;
(g) ler para comunicar um texto a um auditório; (h) ler para
praticar a leitura em voz alta; (i) ler para verificar o que se
compreendeu (SOLÉ, 1998, p. 93-101).
Vários estudos na Psicolinguística abordam a
relação entre objetivo de leitura e quantidade e tipos de
4
Inferências multiformes são inferências que podem ser geradas por diversas
fontes (lógicas, lexicais, semânticas, pragmáticas). Para mais detalhes, ver
Campos (disponível em http://www.jcamposc.com.br/O_Texto_Juridico.pdf)
54
inferências, como, por exemplo, Narvaez et al. (1999),
Vivas (2004), Sponholz, Gerber e Volker (2006), Gerber
e Tomitch (2008). A maior parte dos estudos utiliza o
Protocolo de Pausa (CAVALCANTI, 1989), em que os
informantes devem verbalizar qualquer pensamento que
ocorra durante a leitura. Entretanto, deve-se observar que
a própria metodologia é passível de questionamento, pois
há várias inferências que são praticamente automáticas.
Ou seja, ao ler, fazem-se inferências que muitas vezes
não são verbalizadas, mas são de extrema importância
para a compreensão de como se dá a leitura.
Para tentar solucionar esse problema, intrínseco aos
estudos da Psicolinguística, recente área da Linguística,
propõe-se explicar como os objetivos de leitura influenciam
na construção das inferências, em uma interface entre a
Psicolinguística e a Teoria da Relevância.
3. Da relevância dos objetivos de leitura: resumos
A leitura de obras clássicas da literatura parece,
hoje, nas escolas, estar perdendo espaço para a leitura
dos resumos das obras. Como explicar essa escolha? Em
um primeiro momento, é preciso observar como a leitura
está sendo encaminhada na sala de aula, ou melhor, quais
objetivos de leitura estão sendo propostos pelos professores.
Em um segundo momento, há que se pensar na relação
custo-benefício, em que o custo cognitivo (a quantidade de
esforço demandada) de ler um clássico, cuja linguagem pode
ser muito distante daquela vivenciada pelos jovens, parece ser
muito alto para os benefícios (efeitos cognitivos alcançados).
Resumo: a relevância do objetivo de leitura
Como explicar a preferência dos jovens em
ler os resumos ao invés da obra literária? Ao propor
uma leitura, a maior parte dos professores quer que os
alunos leiam o texto literário para estudá-lo. Entretanto, a
avaliação feita não é compatível com a intenção inicial dos
professores, pois, ao fazer questões que abordem apenas
as informações gerais do texto, os alunos ajustam sua
leitura para que ela seja a mais relevante possível. Dessa
forma, a relação objetivo-relevância-avaliação parece ser
essencial para explicar a leitura na escola.
Suponha que o objetivo inicial de leitura seja ler
para aprender. Segundo Solé (1998), a finalidade desse
objetivo é ampliar, de forma explícita, os conhecimentos a
partir da leitura de determinado texto. O aluno estará em
um processo em que irá estabelecer relações com o que
já sabe, rever o que já conhece, formular novas hipóteses.
Entretanto, para esse objetivo, o aluno precisa ter claro o
que ele deve aprender (SOLÉ, 1998. p. 95-96).
O objetivo de ler para aprender pode estar ligado a
outro: ler por prazer. O professor pode associar a leitura
para um trabalho ao hábito de ler literatura. Solé (1998,
p. 97) ressalta que
(...) seria útil distinguir entre ler literatura
só para ler e ler literatura – e aqui tem
sentido, por exemplo, que todos os
alunos leiam o mesmo fragmento –
para realizar determinadas tarefas que,
se abordadas adequadamente, não só
interfirão no primeiro objetivo, como
também ajudarão a elaborar critérios
pessoais que permitam aprofundá-lo.
55
Cláudia Strey
Entretanto, apesar de muitos professores terem
esses objetivos iniciais, suas avaliações supõem outro tipo
de leitura, cujo objetivo é ler para obter uma informação de
caráter geral.
Segundo Solé,
Quando lemos para obter uma informação
geral, não somos pressionados por uma
busca concreta, nem precisamos saber
detalhadamente o que diz o texto; é
suficiente ter uma impressão, com as
ideias mais gerais (SOLÉ, 1998, p. 94).
Apesar desse objetivo de leitura ser também
essencial para a contrução de uma leitura crítica, ele não
é devidamente trabalhado na escola. Não parece haver
um cuidado para que se desenvolvam estratégias em que
o aluno consiga, durante a leitura, perceber o que está
relacionado às suas ideias e o que não está, por exemplo.
Além disso, esse objetivo parece estar ligado a textos mais
informativos do que literários. Dessa maneira, caso se
entenda que o resumo é mais informativo e objetivo do que
a obra literária, que possui inúmeras figuras de linguagem
e passagens mais sugestivas do que objetivas, pode-se
afirmar que ele é mais apropriado para o tipo de avaliação
que é feita pelos professores: obter uma informação de
cunho mais geral.
O argumento parece simples: se a avaliação feita
acerca da obra literária aborda os fatos e se o resumo
apresenta-os objetivamente, então os alunos leem os
resumos. Mas como explicar cognitivamente que o resumo
é mais relevante em termos de custo-benefício?
4. Do custo cognitivo das inferências
Em termos de relação custo-benefício, se o objetivo
de leitura for claro e a avaliação coerente com esse objetivo,
a leitura do texto original se justifica. Ou melhor, o alto custo
será compensado com altos efeitos cognitivos, como pode
ser visto nas análises a seguir. Observe os textos abaixo,
um trecho do primeiro capítulo de Iracema, de José de
Alencar e um resumo desse capítulo, retirado da internet.
A – Iracema, de José de Alencar
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando
veloce, mar em fora;
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue
americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das
florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que
ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!...
O moço guerreiro, encostado ao mastro, leva os olhos
presos na sombra fugitiva da terra; a espaços o olhar empanado
por tênue lágrima cai sobre o jirau, onde folgam as duas inocentes
criaturas, companheiras de seu infortúnio.
Nesse momento o lábio arranca d’alma um agro sorriso.
Que deixara ele na terra do exílio?
Uma história que me contaram nas lindas várzeas
onde nasci, à calada da noite, quando a Lua passeava no céu
argenteando os campos, e a brisa rugitava nos palmares.
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000014.pdf>
fragmento
56
Resumo: a relevância do objetivo de leitura
B – Resumo de Iracema, de José de Alencar
Martim está numa jangada com seu filho e o seu
cachorro de estimação. De repente, ele ouve alguém gritar o
nome de Iracema e chora.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Iracema> fragmento
O Princípio Cognitivo da Relevância (SPERBER e
WILSON, 1995, p. 260) postula que a cognição humana
tende a ser guiada à maximização da relevância, ou seja,
maiores efeitos cognitivos com menores custos cognitivos.
Partindo da suposição de que a leitura também é regida
pela maximização da relevância, podem-se explicar as
preferências de leitura dos alunos.
Primeiro, comparar-se-á, em termos de custobenefício, o texto original (A) com o resumo5 (B). A
linguagem do texto de José de Alencar é muito rebuscada,
sendo que várias palavras não são usuais e muitas outras
são desconhecidas pelos jovens. Considere as duas
primeiras frases do fragmento, que fazem parte do primeiro
capítulo do livro:
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando
veloce, mar em fora;
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue
americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das
florestas, e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
Provavelmente, para que se consiga decodificar (note
que essa é uma primeira parte do processo de compreensão),
Não se trata, aqui, de discutir como o resumo é formado ou qual sua relação com
a obra original em termos de escrita. Trata-se apenas sobre a leitura, em que se
compara o resumo com um outro texto, no caso literário.
5
é necessário buscar na memória enciclopédica informações
lexicais sobre o que significa, por exemplo, ente, lenho, tez,
singrando, rafeiro, o que já implica certo custo cognitivo.
Entretanto, caso o leitor não conheça essas palavras,
provavelmente terá que procurá-las no dicionário, o que irá
aumentar consideravelmente o custo cognitivo.
Após a decodificação, parte-se para a construção da
explicatura e da implicatura6:
- Dito (após a decodificação): Três entes (seres)
respiram sobre o frágil lenho (barco de madeira) que vai
singrando (navegando) veloce, mar em fora. Um jovem
guerreiro cuja tez (pele) branca não cora o sangue
americano; uma criança e um rafeiro (cachorro) que viram
a luz (nasceram) no berço das florestas, e brincam irmãos,
filhos ambos da mesma terra selvagem.
- Explicatura: Três seres (jovem guerreiro, criança e
cachorro) respiram sobre o frágil barco que vai navegando
veloz, mar em fora. Um jovem guerreiro (Martim) cuja
pele branca não cora o sangue americano (dele); uma
criança (Moacir) e um cachorro que nasceram no berço
das florestas (no Brasil), e brincam irmãos, filhos ambos
da mesma terra selvagem.
- Premissas implicadas:
S1: Três seres estão no mar viajando de barco: duas
pessoas e um cachorro.
S2: O jovem guerreiro não é brasileiro.
S3: O jovem guerreiro estava lutando no Brasil.
S3: A criança e o cachorro nasceram no Brasil.
6
Segundo Sperber & Wilson (1995, p. 182), entre o código (ou dito) e aquilo que é
implicado, está a explicatura, proposição explicitamente comunicada e base para
raciocínios inferenciais. Parte-se das explicaturas para as implicaturas, que se
desdobram em premissas e conclusões implicadas.
57
Conclusão implicada 1: Jovem guerreiro, criança e cachorro
estavam no Brasil e estão indo embora de barco.
O que pode ser visto nessa passagem é que o custo
cognitivo é alto, principalmente por causa da decoficação
(palavras desconhecidas) e do processamento sintático,
semântico e pragmático. Os efeitos cognitivos são altos,
também, pois há várias premissas e suposições implicadas.
Observado o processo inferencial necessário para
que se compreenda a primeira passagem da obra literária,
passa-se para a análise do resumo do capítulo em que o
fragmento está localizado (B):
Martim está numa jangada com seu filho e o seu cachorro
de estimação. De repente, ele ouve alguém gritar o nome de
Iracema e chora.
O processo de decodificação parece ser automático,
pois não há palavras desconhecidas. Esse custo cognitivo é,
portanto, praticamente nulo. Passa-se a analisar o processo
inferencial, com a construção da explicatura e da implicatura.
- Explicatura: Martim está numa jangada com
seu filho (de Martim) e com seu cachorro (de Martim).
De repente, ele (Martim) ouve alguém gritar o nome de
Iracema e (Martim) chora.
- Premissas implicadas:
S1: Martim tem um filho e um cachorro (por
acarretamento).
S2: Martim, seu filho e seu cachorro estão viajando.
S3: Martim sente saudade de Iracema (acessado
pelo léxico chora).
Conclusão Implicada: Martim não queria deixar Iracema.
Cláudia Strey
É preciso observar que, nesse resumo, não aparece a
descrição de quem são Martim e Iracema, o que faz com que,
caso o leitor não saiba quem são as personagens, busque
essa informação, o que levará a um maior custo cognitivo.
Ao comparar o processo inferencial de um trecho do
primeiro capítulo com o seu resumo, percebe-se que:
- a quantidade de esforço mental exigido pelo
texto original é alta, pois os léxicos não são usuais, o
que compromete, de certa maneira, o processamento
sintático e semântico;
- não há quase esforço cognitivo no processamento
do resumo, pois as informações são ditas, não implicadas,
ou seja, quase não há necessidade de inferências;
- há mais efeitos cognitivos no texto original, pois se
derivam mais implicaturas, como a de que o jovem guerreiro
não é brasileiro e a criança e o cachorro são – algo que não
é implicado no resumo;
- a primeira frase do resumo corresponde ao trecho
analisado da obra literária em que as implicaturas são do tipo
acarretamento (nota-se que a informação de que o jovem
guerreiro e a criança são parentes não é possível de ser
derivada no trecho observado. Somente após a leitura de
toda a obra, pode-se fazer essa inferência, pois o primeiro
capítulo corresponde ao último acontecimento da narrativa);
- poder-se-ia afirmar, segundo os princípios da Teoria
da Relevância, que ler a obra original é mais relevante, pois
há mais efeitos do que custos cognitivos.
Entretanto, mesmo que, na perspectiva da Teoria da
Relevância, a leitura do texto original seja mais relevante,
como explicar que os jovens prefiram ler o resumo? Essa
58
resposta pode ser dada caso se considere o objetivo
de leitura e, consequentemente, a avaliação feita dessa
leitura. Para tal, considere a análise entre um resumo da
obra (C) e uma questão de vestibular (D), abaixo.
C – Resumo de Iracema, de José de Alencar
Lenda criada por Alencar, Iracema explica poeticamente
as origens de sua terra natal. A ‘virgem dos lábios de mel’ tornouse símbolo do Ceará, e o filho Moacir, nascido de seu amor com
o colonizador branco Martim, representa o primeiro cearense,
fruto da integração das duas raças. Em Iracema, a relação
amorosa entre a jovem índia e o fidalgo português Martim,
domina toda a obra. Toda a força poética do livro advém dessa
relação amorosa; os demais, a saber, a natureza, a bravura
selvagem, a lealdade do índio etc., são elementos já tratados
em O Guarani e posteriormente em Ubirajara. Por outro lado, a
ação é reduzidíssima, o que dá ao livro um notável espaço lírico
de que se valeu Alencar para escrever sua obra mais poética. A
desorientação inicial de Martim, jovem fidalgo português, que se
perdera nas matas, o surpreendente encontro com a jovem índia,
a hospitalidade do selvagem brasileiro, o ciúme do guerreiro, o
amor entre os representantes das duas raças - Iracema e Martim,
a rivalidade entre as tribos tabajara e potiguara, a nostalgia de
Martim por sua terra natal, suas viagens e a tristeza de Iracema
com a mudança inesperada de seu amado, o nascimento de
Moacir, filho de dor, e a morte de Iracema.
Essa é praticamente a síntese da fábula do livro.
Destaca-se, nesta obra, a linguagem bem elaborada de
Alencar. O estilo é artisticamente simples, procurando recriar
a poesia natural da fala indígena, plena de comparações e
personificações, o que dá ao livro as características de um
verdadeiro poema.
http://www.algosobre.com.br/resumos-literarios/iracema.html
Resumo: a relevância do objetivo de leitura
D – Questão de vestibular
(UFU-MG/2001) Sobre Iracema, de José de Alencar, podemos
dizer que:
1) As cenas de amor carnal entre Iracema e Martim são de tal
forma construídas que o leitor as percebe com vivacidade, porque
tudo é narrado de forma explícita.
2) Em Iracema temos o nascimento lendário do Ceará, a história
de amor entre Iracema e Martim e as manifestações de ódio das
tribos tabajara e potiguara.
3) Moacir é o filho nascido da união de Iracema e Martim. De
maneira simbólica ele representa o homem brasileiro, fruto do
índio e do branco.
4) A linguagem do romance Iracema é altamente poética,
embora o texto esteja em prosa. Alencar consegue belos efeitos
lingüísticos ao abusar de imagens sobre imagens, comparações
sobre comparações (sic).
Assinale:
(A) se apenas 2 e 4 estiverem corretas.
(B) se apenas 2 e 3 estiverem corretas.
(C) se 2, 3 e 4 estiverem corretas.
(D) se 1, 3 e 4 estiverem corretas.
In: DESTRO, I. O CPV ajuda a ler FUVEST, UNICAMP e PUC 2007. São Paulo:
CPV Editora, 2007.
A questão de vestibular envolve conhecimentos gerais
sobre a obra literária, ou seja, é necessário que o leitor/aluno
tenha um conhecimento amplo sobre o que a obra representa,
sua história e seus personagens. Não há necessidade de
conhecer os detalhes, as inferências vagas veiculadas pelo
dito. Isso significa que, se o aluno tiver como objetivo de leitura
obter uma informação de caráter geral (SOLÉ 1998, p. 94), ele
59
Cláudia Strey
poderá ler somente o resumo, que, como visto anteriormente,
possui linguagem mais direta e menor custo cognitivo.
Certamente, para responder à questão, são
necessárias diferentes inferências e relações com o que foi
lido. Entretanto, o resumo é mais objetivo e aborda aspectos
amplos da obra; enquanto a obra em si possui uma linguagem
não usual, em que o próprio processo de decodificação já
demanda alto custo cognitivo. O resumo, assim, é suficiente
para responder à questão, sem que haja necessidade da
leitura da obra literária (e maior esforço de processamento),
como pode ser visto no quadro ilustrativo a seguir:
Questão
Trecho do Resumo
1) As cenas de amor carnal
entre Iracema e Martim são
de tal forma construídas
que o leitor as percebe com
vivacidade, porque tudo é
narrado de forma explícita.
Não há correspondência com
o resumo
2) Em Iracema temos o
nascimento lendário do
Ceará, a história de amor
entre Iracema e Martim e as
manifestações de ódio das
tribos Tabajara e Potiguara.
- A ‘virgem dos lábios de mel’
tornou-se símbolo do Ceará,
e o filho Moacir, nascido de
seu amor com o colonizador
branco, Martim representa o
primeiro cearense, fruto da
integração das duas raças.
- A rivalidade entre as tribos
Tabajara e Potiguara
3) Moacir é o filho nascido da
união de Iracema e Martim.
De maneira simbólica ele
representa o homem brasileiro,
fruto do índio e do branco.
- A ‘virgem dos lábios de mel’
tornou-se símbolo do Ceará,
e o filho Moacir, nascido de
seu amor com o colonizador
branco, Martim representa o
primeiro cearense, fruto da
integração das duas raças.
4) A linguagem do romance
Iracema é altamente poética,
embora o texto esteja em
prosa. Alencar consegue
belos efeitos linguísticos ao
abusar de imagens sobre
imagens, comparações sobre
comparações.
- Destaca-se, nesta obra, a
linguagem bem elaborada de
Alencar. O estilo é artisticamente
simples, procurando recriar a
poesia natural da fala indígena,
plena de comparações e
personificações, o que dá ao
livro as características de um
verdadeiro poema.
Ao fazer uma análise entre os dois fragmentos,
percebe-se que o resumo é suficiente para responder à
questão. Ou seja, para uma questão cujo objetivo é verificar
aspectos gerais do texto, o objetivo de leitura também será
esse: lê-se para ter uma ideia ampla do assunto. Caso
houvesse questões que necessitassem de uma leitura com
o objetivo de ler para aprender ou, até mesmo, ler literatura,
talvez a leitura da obra literária compensasse.
Algumas considerações podem ser feitas:
- apesar de, segundo os princípios da Relevância,
a obra literária ser mais relevante (maior custo, mas maior
benefício), na realidade escolar, os resumos são mais lidos,
pois estão relacionados a aspectos gerais do texto, assim
como a maior parte das avaliações;
- nesse contexto, o resumo parece ser mais
relevante, pois não haveria necessidade de tantos efeitos
60
cognitivos. Em outro momento escolar, talvez a obra
literária fosse mais relevante.
Essas constatações trazem um grande problema para
a Teoria da Relevância: a cognição humana parece ser dirigida
pelo baixo custo, e não pelo impacto do maior benefício. Isso
significa que a leitura de obra literária, muitas vezes, implica
um custo cognitivo muito alto, que, apesar de gerar mais
benefícios, não compensa. O resumo, porém, que apresenta
menos benefícios, possui um custo também mais baixo. Para
que a leitura da obra literária compense (ou seja, o alto custo
seja compensado) na realidade escolar, há necessidade de um
benefício externo que também compense, como, por exemplo,
ir bem em uma prova, ou passar no vestibular (lembrando que
para isso ocorrer, é necessário que a prova seja elaborada
de forma a compensar custo). Assim como afirma Campos
(2005), o princípio da inércia parece se impor, e não somente
em momentos de lazer, mas também de estudo.
A maior parte dos alunos, portanto, parece despender
energia cognitiva até que determinado objetivo seja
alcançado. Se uma inferência resolve a questão proposta,
para que concentrar esforços em duas?
Considerações Finais
Este artigo buscou demonstrar a necessidade
de construção de interfaces na Linguística para que se
compreenda um objeto de estudo de forma diferenciada. Na
interface entre Psicolinguística e Pragmática, procurou-se
mostrar que a leitura feita por estudantes do Ensino Básico
é guiada pelo menor custo cognitivo, aliado ao objetivo de
leitura e ao tipo de avaliação feito.
Resumo: a relevância do objetivo de leitura
Levando em consideração que o estudo em interface
deve ser feito de forma a gerar impactos nas áreas envolvidas,
pode-se afirmar que o artigo trouxe importante questionamento
para a Teoria da Relevância: a mente humana parece não ser
guiada pelo maior benefício, mas pelo menor custo, o que
implicaria diretamente o Princípio Cognitivo da Relevância.
Além disso, pode-se questionar sobre o que é benefício, pois,
em situações de sala de aula, ele parece não ser cognitivo,
mas altamente real e objetivo (ir bem na prova, por exemplo).
Em relação à Psicolinguística, uma das
contribuições do artigo encontra-se no fato de que outra
variável parece ser essencial para saber como se dá o
processamento de leitura na sala de aula. Além do tipo
de texto, conhecimentos prévios e objetivo de leitura,
parece essencial que o tipo de avaliação da leitura seja
considerado. Como demonstrado, o leitor (e estudante) irá
definir o modo como a leitura será feita de acordo com o
que ele espera da avaliação. Cabe ao professor, assim,
direcionar a avaliação de acordo com o objetivo de leitura
que ele quer (obter informação geral, aprender).
O objetivo central do trabalho – a construção da
interface – foi essencial para que o estudo pudesse ser
feito. Sem a perspectiva de uma ou de outra área, talvez
os resultados não fossem tão elucidativos para o problema
construído. Dessa forma, o que se apresentou não foi uma
verdade absoluta sobre o objeto, mas uma perspectiva teórica
interessante e que merece mais estudos e aprofundamentos.
RESUMO – O seguinte artigo objetiva demonstrar a construção
de uma possível interface interna entre Psicolinguística e
61
Pragmática a fim de explicar o processo inferencial durante
leitura. Para tal, constrói-se o objeto de estudo a partir da
observação da realidade: por que os estudantes parecem
preferir ler resumo a obra original? Argumenta-se que essa
escolha se dá pelo menor custo cognitivo e não pelo maior
benefício, o que vai de encontro ao Princípio Cognitivo
proposto pela Teoria da Relevância (SPERBER & WILSON,
1995). Além disso, o objetivo de leitura e o tipo de avaliação
feita parecem interferir na escolha do que é mais relevante
(em termos de custo-benefício). Por fim, mostra-se que a
interface feita é uma interessante perspectiva teórica para
explicar os processos inferenciais envolvidos na leitura.
Palavras-chave: Psicolinguística. Pragmática. Relevância.
Objetivo de leitura. Avaliação.
ABSTRACT – The following article aims to demonstrate a
possible construction of an interface between Psycholinguistics
and Pragmatics in order to explain the inferential process in
reading. For this purpose, the object of study raises from the
observation of reality: high-school students seem to prefer
reading summaries than reading the original literary text. We
argue that this choice is lead by lower cost and not greatest
cognitive benefit, which goes against the Cognitive Principle
proposed by Relevance Theory (SPERBER & WILSON,
1995). Furthermore, the purpose of reading and the type
of evaluation might influence the choice of what is most
relevant (in terms of effort-benefit). Finally, we show that this
interface is an interesting theoretical perspective to explain
the inferential processes in reading.
Cláudia Strey
Keywords: Psycholinguistics.
Purpose of reading. Evaluation.
Pragmatics.
Relevance.
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Influência da leitura no aprendizado da
escrita: uma incursão pela (in)consciência
Ronei Guaresi1
Fale com o autor
O desempenho dos alunos brasileiros no PISA2
deixa a todos os que prezam pela educação deste país pelo
menos constrangidos (INEP, 2010). Embora de 2000 para
2006 tenha havido uma diferença positiva de 16 pontos,
os resultados dos alunos brasileiros devem, no mínimo,
nos preocupar. Também constatando esse problema e
buscando razões para os problemas do aproveitamento
escolar, Gastaldo (2000, p. 104) em estudo sobre a
produção escrita de alunos do 1º ano do Ensino Médio
concluiu que a escassez de leitura também pode ser uma
das causas mais importantes dos desvios do registro
formal escrito dos estudantes. Segundo o pesquisador, a
habilidade de expressão, sobretudo da expressão escrita,
não se pode adquirir sem a leitura. Vocabulário mais amplo
e domínio de estruturas linguísticas mais complexas, tais
como o uso da coordenação e da subordinação, são
elementos linguísticos adquiridos predominantemente
pela leitura, antecipou o pesquisador.
Com uma linha de reflexão semelhante, Smith
(1983) sugere que é precipitado acreditar que a instrução
prescritiva possa ser suficiente para transmitir o que um
escritor precisa saber. O pesquisador também aponta
Doutorando em Linguística pela PUCRS. Email: [email protected]
Para uma análise mais criteriosa desse teste internacional ver em http://
www.inep.gov.br.
1
2
a leitura como a fonte em que o indivíduo adquire
conhecimento linguístico, sem esforço ou intenção, de
maneira natural.
Com o exposto, partindo da pressuposição de que a
leitura influencia a escrita, hipótese que buscarei confirmar
neste estudo, surgem algumas questões instigantes: a)
a leitura influencia na aquisição e no aprimoramento de
elementos de todos os planos linguísticos? b) em todas as
faixas etárias? c) qualquer material de leitura pode influenciar,
mesmo textos com alto índice de informações novas, já
que esses textos não encontrarão conhecimentos prévios?
(Ausubel e colegas (1983) chamam de subsunçores, ou
seja, elementos no cérebro que ancoram informações
novas); d) o objetivo de leitura é variável distintiva para essa
questão, já que é elemento que determina a(s) estratégia(s)
de leitura? e) essa influência pode ser explicada pela
aprendizagem indireta, fora dos domínios da consciência?
Sem a pretensão ingênua de acreditar que há, ou
haverá, alguma resposta definitiva para as questões acima,
o estudo em questão pretende contribuir com elementos
para a discussão de respostas possíveis a algumas
dessas questões. Isso se dará através de a) levantamento
bibliográfico de pesquisas que envolvam leitura e escrita
e b) desenvolvimento, aplicação e análise de instrumento
cujo objetivo principal é verificar a aquisição de termos
lexicais e de estrutura de voz passiva por meio de leitura
exclusivamente. A hipótese que norteia este estudo é de
que a leitura é importante ferramenta de aquisição da
escrita por meio de aprendizagem implícita.
64
Com esse intento, abordam-se a) os principais
elementos cognitivos envolvidos no ato de ler, b) a
potencial influência da leitura à escrita, c) a (in)consciência
como fenômeno presente em nossas atividades diárias e,
naturalmente, nos momentos de leitura, d) como o cérebro
percebe estímulos nos diferentes graus de consciência e
e) análise de uma experiência em leitura e seu reflexo em
ditado e mostras de produção escrita.
Leitura sob a perspectiva cognitiva
Entender os elementos cognitivos envolvidos na
leitura permitem compreender, analisar e reforçar as
hipóteses deste trabalho. A bibliografia sobre o assunto
sugere como hipótese mais provável de que quem lê mais
escreve melhor, ou seja, de que a leitura é importante
ferramenta de aprendizagem da língua (GUARESI, 2004;
FLORIANI, 2005).
A leitura é uma das atividades cognitivas mais
impressionantes do cérebro humano. Afinal, através de
pistas linguísticas, absolutamente arbitrárias, o leitor é
levado a reconstruir, pelo menos proximamente, o sentido
pretendido pelo escritor. É uma atividade tão intensa e tem
impacto tão significativo no cérebro que o pesquisador
Iván Izquierdo, diretor do Instituto do Cérebro do Hospital
São Lucas, a defende como uma atividade que atrasa o
aparecimento de problemas de memória. Segundo ele, “a
melhor recomendação possível para o exercício da prática
da memória é ler, ler, ler” (IZQUIERDO, 2004, p. 51).
Influência da leitura ao desenvolvimento da escrita: uma incursão pela (in)consciência
A compreensão do sentido em leitura, finalidade
buscada pelo leitor, pressupõe automatização de uma
série de processos, entre eles recodificação, decodificação
e interpretação. Segundo Poersch (1993), a recodificação
é o processo de substituição dos signos verbais escritos
pelos signos verbais sonoros e a decodificação é o
processamento e atribuição de significado aos signos
verbais. Segundo o autor, a interpretação envolve os
aspectos pragmáticos ligados ao ato de fala. A automatização
desses processos permite que eles ocorram no cérebro
em paralelo, permitindo que os recursos atencionais do
leitor, amplamente limitados e seriais, possam ser levados
a abstrair o sentido pretendido pelo escritor.
A automatização desses processos está relacionada
à direção dos processamentos cognitivos que ocorrem no
processamento da leitura, top-down e botton-up. O primeiro
tipo de processamento, top-down, ocorre na direção do mundo
– elementos pragmáticos, conhecimentos prévios, entre outros
– às unidades menores do texto. No segundo, botton-up, o
processo é inverso, a direção é das menores unidades textuais
para fora do texto. Um aprendiz da leitura está tão preocupado
na decodificação do texto, através do processamento bottonup, que a reconstituição do sentido fica comprometida pela
falta de recursos atencionais para tal processo.
A compreensão de um texto lido decorre, dentre
outros aspectos, de dosagem adequada de informações
novas e dadas. Quando todas as informações são dadas,
ou conhecidas pelo leitor, a leitura de um texto tornase enfadonha e, sob o ponto de vista informacional, sem
benefícios, já que nada há de novidade. Por outro lado,
65
quando as informações são demasiadamente novas, o
leitor não encontra no cérebro conhecimentos prévios para
significar aquela leitura e reconstruir o sentido pretendido
pelo escritor. A adequada dosagem pelo escritor na relação
entre informações dadas e novas permite que o leitor,
durante a leitura, faça antecipações, formule hipóteses que
ao longo da leitura são confirmadas ou não, ou seja, participa
ativamente do processo de leitura (GOODMAN, 1976).
O conhecimento prévio do leitor, portanto, é importante
elemento na reconstituição do sentido.
O aprendizado da leitura representa impacto
importante no cérebro. Segundo Dehaene, aprender
a ler aumenta a nossa competência, adicionando uma
representação ortográfica de nossas representações
existentes da palavra falada. Esse aumento no espaço
mental dedicado à codificação de idioma, talvez, consiste
noutra grande diferença entre alfabetizados e analfabetos
- aprender a ler aproximadamente dobra a capacidade
de memória de curto prazo3 (DEHAENE, 2010).
Segundo esse autor, o cérebro de um leitor proficiente foi
profundamente transformado pela escolarização precoce
e intensa que caracteriza a nossa sociedade. Segundo o
autor, aprender a ler profundamente humaniza o nosso
cérebro, especialmente num setor especializado da via
ventral visual esquerda, que lida eficientemente com
símbolos escritos, sendo um dos pontos de entrada do
sistema de linguagem no hemisfério.
Smith (1983) defende a ideia de que muito dos
conhecimentos necessários para a escrita se devem à
3
É possível ver mais sobre o impacto da leitura no cérebro em www.unicog.org –
uma unidade cognitiva de neuroimagem em Paris, dirigido por Stanislas Dehaene.
Ronei Guaresi
leitura. Muitas pesquisas apontam que a consciência de
determinado fenômeno potencializa a memorização do
mesmo. Contudo, pouco ainda se sabe sobre a influência
da leitura no aprendizado de múltiplos aspectos linguísticos
nem sempre possíveis de serem adequadamente
abordados no ensino formal, dada a complexidade que
envolve o aprendizado da escrita. Como é possível ensinar
formalmente todas as sutilezas que envolvem circunstâncias
formais, tipologias textuais adequadas para cada momento
e intenção, estilo, entre outros aspectos?
Smith argumenta a favor da tese de que as convenções
da escrita penetram na mente sem que o sujeito se aperceba
do aprendizado que está ocorrendo. A aprendizagem para
Smith (1983, p. 561) “(...) é inconsciente, sem esforço,
acidental, indireta e essencialmente cooperativa”. Para ele,
é cooperativa no sentido de que se aprende pela ajuda,
normalmente inconsciente, dos professores, dos pais,
dos colegas mais competentes, dos clubes e de outros.
Mesmo crianças muito pequenas aprendem as sutilezas
de gesticulação, de entonação, de coesão, de níveis
de linguagem, e sem qualquer educação formal. Ainda
conforme o mesmo autor, as crianças instruem-se nos
clubes a que pertencem, ou seja, aprendem primeiramente
com os pais, com os coleguinhas, mais tarde com os heróis
preferidos, com os ídolos, sempre com base no critério de
seletividade desses clubes. Ela aprende a língua sem que
ninguém precise ensiná-la formal e explicitamente e sem
que trabalhe conscientemente para isso.
O autor estende esse conceito para o aprendizado
da escrita. Para ele, aprende-se a escrever, lendo. Na maior
66
Influência da leitura ao desenvolvimento da escrita: uma incursão pela (in)consciência
parte do tempo dedicado à leitura, um leitor proficiente
recebe informações a respeito da gramática que são
captadas sem que se perceba, de forma inconsciente.
Os estudantes, na aprendizagem da escrita, precisam
encontrar e assimilar uma multiplicidade de fatos e exemplos
que variam desde grafias individuais à organização
adequada de textos completos. Smith (1983) sugere que é
precipitado acreditar que a instrução prescritiva possa ser
suficiente para transmitir pelo menos parte daquilo que um
escritor precisa saber. Diante disso, Smith (1983, p. 560)
conclui que “a prática e a orientação podem ajudar a refinar
habilidades de escritura, mas não podem, de modo algum,
explicar a sua aquisição”.4 Ou seja, segundo o autor, a
educação formal tem sua parcela de contribuição para o
aprimoramento da prática da escrita; porém, grande parte
dos elementos constitutivos de qualquer texto é aprendida
sem grande esforço. Segundo ele, os textos estão aí e
contêm todo conhecimento necessário para o domínio
prático da escritura. Para o autor, a leitura e a escrita são
interdependentes, pois a escrita,
requer
enorme
bagagem
de
conhecimentos específicos que não
podem ser adquiridos em palestras,
livro-texto, treinamento, tentativa e
erro, ou mesmo pelo próprio exercício
da escrita5 (Smith 1983, p. 558).
Practice and feedback may help to polish writing skills, but cannot account for
their acquisition in the first place.
(...) I was left with the shattering conundrum that writing requires an enormous
fund of specialized knowledge which cannot be acquired from lectures, textbooks,
drill, trial and error, or even form the exercise of writing itself.
4
5
(In) Consciência e aprendizagem implícita
Os novos achados das neurociências sugerem
que os estímulos são percebidos pelo cérebro tanto pela
via da consciência quanto pela via da inconsciência.
Estímulos percebidos pelo cérebro significam alterações
das conexões sinápticas e essas alterações significam
aprendizagem. Aprender é, em última análise, alterar a
força das conexões sinápticas no cérebro.
Nesse sentido, a todo o momento aprende-se em
múltiplas atividades como assistir a um filme, conversar com
alguém, escutar uma música, assistir à televisão, passear
no shopping, navegar pela internet, conhecer alguém, dirigir,
olhar e apreciar uma janta, um vinho, um perfume, ou seja,
altera-se a força de conexões em tudo o que fazemos,
inclusive e especialmente durante a leitura. Ao olhar para
alguém, ativam-se todas as conexões que particularizam
aquele indivíduo como a fisionomia, a cor do cabelo, o jeito de
falar, o timbre de voz, a maneira de andar, etc. Esse conjunto
de estímulos ativam e/ou reforçam as conexões existentes
que dão conta das particularidades desse indivíduo.
Esses estímulos, contudo, são percebidos pelo cérebro
predominantemente fora do domínio da consciência. Uma
vez ativados reforçam as sinapses daquele conhecimento. A
simples visualização do indivíduo diariamente reforça aquele
conhecimento a ponto de ficar plenamente disponível para
eventuais evocações. Lembrar-se de alguém que não vemos
todo dia exige do cérebro maior esforço de processamento
para evocar o nome, por exemplo, o que nem sempre é
possível. Por outro lado, é fácil e rápido lembrar-se do nome
67
de um irmão, por exemplo, cujas conexões sinápticas são
reforçadas diariamente. Como é possível esquecer, por
exemplo, o nome de um irmão com o qual convivo? Quanto
mais reforçada determinada conexão mais disponível ela
ficará. Ocorre também que assim como um músculo que
se não usado se atrofia, nossos conhecimentos, se não
ativados, se esmaecem com o tempo.
De qualquer experiência nosso cérebro abstrai algo,
contudo, ele retém muito mais informações de nossas
experiências do que aquilo que se pode falar a respeito.
Aquilo que o cérebro adquire, sem que se tenha consciência,
é chamado de conhecimento implícito e o processo de
armazenamento desse tipo de conhecimento é chamado
de aprendizagem implícita. A principal característica do
processo de aprendizagem implícita é a ausência da
consciência e da intenção sobre o processo de percepção
do conhecimento por parte do sujeito.
A crença de Smith sobre o aprendizado implícito
– aprendizado inconsciente – encontra respaldo em
recentes estudos neurocientíficos. Cabe uma ressalva ao
termo aprendizagem que, a meu ver, não é prontamente
adequado para a circunstância. A meu ver, o termo que
mais bem responde para o que se quer é o termo aquisição,
já que não pressupõe ensino. Adquirir pressupõe a
ocorrência de alterações na força das sinapses sem que
se queira ou que se faça algum esforço. Nesse sentido,
parece adequada a afirmação de que se adquire um
primeiro idioma e aprende-se um idioma adicional.
Dienes e Perner (1996) concebem a aprendizagem
humana não só como um processo de mudança resultante
Ronei Guaresi
da experiência, mas como aquisição de conhecimento, por
processos tanto implícitos quanto explícitos. Tal posição,
segundo eles, tem como vantagem uma visão não reducionista
do processo de aprendizagem, diversa de perspectivas que
a veem ou só como mudança de comportamento, ou apenas
como mudança de processos e representações. O primeiro
caso trataria dos processos implícitos, como a associação,
e os segundos dos explícitos, como a reestruturação. O
processamento tanto explícito quanto implícito é realizado
pelo cérebro de forma a detectar regularidades ambientais e
realizar cômputos probabilísticos acerca dos estímulos.
Nesse sentido, podemos ver que mesmo crianças
ainda não alfabetizadas em idade pré-escolar são
capazes de identificar classes de palavras como verbos,
baseadas em regularidades como a sua terminação
(LITMAN e REBER, 2005). Como isso seria possível se
não pudéssemos abstrair regularidades do input que
recebemos? Entretanto, as crianças não permanecem
nesse estágio de mera discriminação ou associação
do som final com o tipo de palavra, pois aprendem a
identificar e extrair significado de verbos na escrita, de
modo flexível, estando eles expressos em terminações
variadas como tempo, pessoa, entre outros aspectos. São
ainda capazes, em um segundo momento, baseadas em
seu conhecimento gramatical, de usar um verbo de modo
correto, mesmo que nunca o tenha encontrado antes.
O conhecimento procedimental é essencialmente um
conhecimento adquirido pelo que se chama de aprendizagem
implícita. Grande parte do conhecimento declarativo, por sua
vez, é adquirido pela aprendizagem explícita.
68
Em se tratando da consciência, é notório que a
mesma tem sido negligenciada pela ciência, por sua
natureza imensurável e obscura. Segundo Flores (2009),
um dos principais motivos foi de caráter religioso. Segundo
a pesquisadora, as crenças existentes nos vários períodos
da história da humanidade propiciaram que se criassem
obstáculos e objeções as mais estapafúrdias às investigações
em andamento, inclusive, problemas de aceitação social aos
estudiosos da temática. Atualmente, contudo, especialmente
com o advento da tecnologia, alguns autores têm procurado
desmitificar e desenvolver hipóteses sobre a consciência
humana (FLORES, 2009; DEHAENE, 2009) especialmente
de aspectos que Steven Pinker chama, ao tecer comentário
sobre a exposição de Stanislas Dehaene à Fundação Edge6,
de cientificamente tratáveis.
Ao se falar de consciências, fala-se em graus de
consciência, numa das extremidades da escala da consciência
é a inconsciência. Segundo Flores (2009), é impossível
ignorar que o ser humano pode apresentar diferentes
graus de consciência, equilibrando-se no limiar entre um
processo interno inconsciente e um produto da consciência
daí emergente, podendo, ainda, dar mostras de absoluta
inconsciência. Deixar de lado a inconsciência significaria, de
acordo com a autora, adotar uma postura reducionista.
Nesse contínuo que caracteriza a consciência,
claro está que a linguagem e a (in) consciência enredamse em muitos aspectos. Dehaene ao estudar a linguagem
6
Entrevista concedida à chamada Fundação Edge em 17 de outubro de 2009. A
Fundação Edge foi criada em 1988 como uma consequência de um grupo conhecido como The Reality Club que se caracteriza de uma reunião de caráter informal
com as mentes mais interessantes do mundo para discutir questões intelectuais,
filosóficas, literárias e artísticas. Ver mais em http://www.edge.org/about_edge.html
Influência da leitura ao desenvolvimento da escrita: uma incursão pela (in)consciência
no cérebro procura marcas da consciência. Em todas as
vezes que o cérebro é estimulado, Dehaene mostrou
que os participantes eram conscientes de apenas uma
parte muito pequena de todos os estímulos percebidos.
Na entrevista à Edge, Dehaene (2009) cita o exemplo de
algumas garrafas em que há uma etiqueta vermelha. Muito
dificilmente as etiquetas, se não citadas como exemplo,
seriam processadas pelo cérebro no nível da consciência,
embora a informação das etiquetas vermelhas estivesse
presente na retina de todos o tempo todo.
Então, quais seriam os limites da relação linguagem
e consciência no cérebro? No que diz respeito à
inconsciência pode-se reconhecê-la em dois aspectos: a)
estímulos percebidos no tempo anterior ao processamento
consciente e b) estímulos percebidos em paralelo ao
processamento consciente.
Dehaene afirma que ao piscar palavras em uma tela
por um período de aproximadamente 30 milissegundos, não
haverá energia suficiente no estímulo para que se possa vêlo. O cérebro, contudo, percebe o estímulo sem problemas.
O pesquisador revela que ao considerar o tempo zero o
momento em que a primeira palavra aparece na tela, a
diferença entre o processamento consciente e inconsciente
está entre 270-300 milissegundos. Durante esse quarto
de segundo pode-se observar uma série de instâncias de
acesso lexical, acesso à semântica e outros processos sem
que o sujeito se dê conta conscientemente do estímulo.
Claro está que o processamento subliminar ou
inconsciente pode mesmo continuar depois de um quarto
de segundo. Em qualquer atividade que façamos há muitos
69
estímulos concorrentes e apenas uma fração destes é
percebido pelo cérebro de maneira consciente. A leitura é
atividade privilegiada como exemplo dessa natureza. Um
leitor proficiente que aparentemente lê para reconstruir o
sentido, seguramente está processando paralelamente
muitos estímulos sob a via da inconsciência.
Em relação às marcas da passagem da inconsciência
para a consciência, Dehaene afirma que a ressonância
magnética funcional (fMRI) só permite que se veja o
padrão estático de ativação em uma escala de um ou
dois segundos. Com outras técnicas, tais como eletro ou
magneto-encefalografia, no entanto, pode-se realmente
seguir em tempo, milissegundo por milissegundo, como
avança a ativação de um local para o outro.
Retornando à inconsciência, a apresentação de um
estímulo em condição subliminar não significa, segundo
Dahaene (2009), que o córtex não o processe. Algumas
pessoas pensaram inicialmente que o processamento
subliminar
significava
processamento
subcortical.
Dehaene, nesse aspecto, afirma que essa defesa é
completamente falsa. Pesquisas com neuroimagem
mostram que há ativação cortical de estímulos verbais
subliminares. Os estímulos verbais subliminares ativam
inicialmente o córtex visual, e percorre as áreas visuais da
face ventral do cérebro. Se as condições forem adequadas,
uma palavra subliminar pode mesmo alcançar níveis mais
altos de processamento, incluindo níveis semânticos. Para
Dehaene (2009), a mensagem subliminar pode viajar todo
o caminho até o nível do significado da palavra, tudo isso
sem qualquer forma de consciência.
Ronei Guaresi
Segundo o autor, ao se fazer experiência com
fMRI, o que se pode ver são duas grandes diferenças
entre o processamento consciente e o inconsciente. A
primeira diferença diz respeito à intensidade e localização
da ativação. É possível observar, no processamento
consciente, um aumento da ativação das mesmas áreas
do processamento subliminar ou inconsciente, contudo, a
ativação pode ser até dez vezes mais intensa. A segunda
diferença é que o processamento consciente ativa outras
áreas distantes do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal;
em particular, ativação na região frontal inferior e nos
setores parietal inferior do cérebro.
Pesquisas relevantes ao tema
Além das pesquisas já citadas sobre o assunto em
questão, há outras que merecem destaque. Dentre elas, Astrin
(1993), Johstrone, Ashbaugh e Warfield (2002) e Norman
Mailer (2003) mostraram através de estudos criteriosos que
a prática em escrita melhora a habilidade em escrita.
Reber (1967) mostrou que os sujeitos aprenderam
as regras de uma gramática artificial, sem saberem explicar
como eles haviam aprendido a tarefa. Os sujeitos foram
capazes, ainda, de transferir as habilidades aprendidas
para uma segunda gramática com estrutura equivalente,
mas com letras diferentes. Isso sugere que o que fora
aprendido foram as regras e não as letras.
A natureza implícita da aprendizagem também
é mostrada pelo fato de que os sujeitos conseguem
melhorar o desempenho na execução de tarefas abstraindo
70
inconscientemente regularidades (NISSEN e BULLEMER,
1987; NISSEN, KNOPMAN e SCHACTER, 1987).
A aprendizagem claramente tende a ser melhor
quando se está acordado. Embora que nem tudo possa
ser aprendido durante o sono, as pesquisas mostram que a
aprendizagem é possível na ausência da consciência normal.
Há evidências, ainda, de que o sono pode ajudar a consolidar
o que já aprenderam (DRUCHMAN e BJORK, 1994, p.
258-259). Medidas implícitas, como o priming, sugerem
que algumas aprendizagens podem ocorrer sob anestesia
(ANDRADE, 2005; DEEPROSE e ANDRADE, 2006).
Hazeltine, Grafton e Ivry (1995; 1997) mostraram
em um estudo de neuroimagem que aprendizagem com
condição implícita envolveu área do córtex motor esquerdo
e o córtex motor suplementar, ao passo que a passagem
para o hemisfério direito ocorreu nas condições de tarefa
simples, com o córtex pré-frontal direito, córtex pré-motor e
no lobo temporal direito.
Elley et al. (aput STOTSKY, 1983) mostraram
que alunos que estudaram exclusivamente literatura ou
dedicaram-se a leituras adicionais ao invés de frequentarem
aulas de gramática, tiveram um desempenho melhor em
atividades de escritura que aqueles que estudaram apenas
gramática tradicional ou transformacional.
Heys (1962), Christiansen (1965) e De Vries (1970)
(aput STOTSKY, 1983) comprovaram uma maior eficiência
de programas adicionais de leitura sobre programas de
estudo especialmente direcionados à prática da escrita,
para o aperfeiçoamento da escritura.
Influência da leitura ao desenvolvimento da escrita: uma incursão pela (in)consciência
Guaresi (2004), em estudo com alunos de 8ª
série do Ensino Fundamental, mostrou que alunos com
maior experiência em leitura apresentavam desempenho
linguístico melhor que alunos com pouca ou nenhuma
experiência de leitura diária. Floriani (2005), em estudo
com alunos de 4ª série do Ensino Fundamental, observou
que a leitura influenciou na aprendizagem implícita de
estruturas da voz passiva da Língua Portuguesa.
Os estudos acima sugerem clara influência da
leitura no aprendizado da escritura. Igualmente, os
estudos parecem sugerir que o aprendizado se dá de
forma indireta, implícita, sem que se deseje explicitamente
aprender aquela estrutura, ou seja, de forma inconsciente,
situações que requerem menos ou nenhuma atenção e
consciência às estruturas da gramática.
Metodologia
Participaram deste estudo 30 alunos de uma escola
particular de Porto Alegre, de 5ª a 8ª séries, divididos em
dois grupos de 15: grupo de controle e grupo experimental.
Foram adaptadas 33 fábulas com as seguintes
alterações: a) 106 ocorrências de voz passiva (foram
agregadas 100 ocorrências, sendo que 6 faziam parte da
escritura original); b) 100 ocorrências do termo todavia e c)
33 ocorrências do termo compreenção (propositalmente com
ç) em substituição ao termo moral no final de cada fábula.
O grupo controle leu as fábulas originais e o grupo
experimental leu as fábulas adaptadas. Após a leitura das
fábulas pelos alunos foi aplicado teste para levantamento
71
Ronei Guaresi
dos dados com as seguintes características: a) frases com
lacunas para serem completadas pelos participantes, sendo
que 50% delas eram distratoras e outras 50% para serem
respondidas com alguma conjunção adversativa (investigouse aqui se os leitores usaram ou não o termo todavia); b)
breve ditado em que entre as palavras ditou-se a palavra
compreensão (investigou-se aqui se os participantes
escreveram o termo com s ou ç); c) escritura de breve texto
tomando como motivação a história em quadrinhos Bolsa
Amarela utilizada por Floriani (2005) também para motivar
produção de texto. Essa história é constituída de 11 quadros
e sugere uma menina jogando uma bolsa no lixo e uma
segunda menina ficando feliz em encontrar a bolsa.
Outro aspecto que chama a atenção é o baixo número
de ocorrências para o grupo experimental. Apesar de terem
um input de 100 ocorrências do termo todavia, a opção
na maioria das vezes foi pela conjunção mas. Contudo,
mesmo que de maneira não significativa estatisticamente,
observou-se que 2 sujeitos usaram o termo todavia. Um dos
sujeitos usou duas vezes. O uso do termo pelos sujeitos
pode ter sido influenciado pela leitura. É possível deduzir
que essa quantidade de input é abaixo do requerido para
mostrar resultado significativo.
Os dados a respeito da grafia do termo compreensão
e sua variação compreenção podem ser visualizados na
Tabela 2. O mesmo ditado foi feito a todos os participantes.
Resultados e discussões
Tabela 2 – Grafia do termo compreensão e sua variação
Os dados levantados a respeito do uso do termo
todavia podem ser visualizados na tabela 1. Cada sujeito
poderia usar até 20 vezes o termo todavia. Como são 15
sujeitos de cada um dos grupos, o número de ocorrências
possíveis era de 300.
Tabela 1 – Ocorrências do termo todavia
Número de ocorrências
Grupo controle
Grupo experimental
0/300
3/300
Esses dados chamam a atenção para alguns
aspectos. Dentre eles, a inexistência de ocorrências do
termo para o grupo de controle. O uso do termo é incomum
pelos participantes avaliados.
Grupo controle
Grupo experimental
Grafia 1 – compreensão
7/15
6/15
Grafia 2 – compreenção
8/15
9/15
Os dados da Tabela 2 chamam a atenção para
alguns aspectos: a) alto índice de desvio da norma culta
do Grupo Controle, mais da metade dos participantes: 8; b)
diferença não significativa dos resultados dos grupos.
Os dados levantados tornam qualquer conclusão
definitiva como precipitada, uma vez que os dados do Grupo
Experimental não permitem sustentar a hipótese deste
estudo, de maneira significativa, embora 9 sujeitos do grupo
experimental tenham grafado a variação compreenção e 6
compreensão. O grupo controle 8 sujeitos grafaram a variação
72
Influência da leitura ao desenvolvimento da escrita: uma incursão pela (in)consciência
compreenção. Esses números podem ter sido influenciados
pelo input recebido pelos participantes. Seguramente há aqui
uma questão metodológica, especialmente na quantidade de
input e no número de participantes que deve ser reestruturada
para avaliação das hipóteses.
Os dados a respeito da ocorrência de voz passiva,
como podemos ver na Tabela 3, são mais esclarecedores.
Enquanto na mostra de produção textual não se observou
nenhuma ocorrência de voz passiva no Grupo Controle,
no Grupo Experimental 6 dos sujeitos somaram 16
ocorrências de voz passiva.
Tabela 3 – Ocorrência de voz passiva
Voz passiva
Grupo controle
Grupo experimental
0
16
Esses dados permitem afirmar com mais segurança
que os seis sujeitos foram influenciados pela leitura
realizada. Possivelmente aqui ocorreu aprendizagem
indireta e pela via da inconsciência.
Expostos esses dados, cabem duas questões que
ficam para reflexão e debate: a) definiu-se metodologicamente
que a leitura das 33 fábulas pelos participantes ocorresse
a partir das três horas da tarde, enquanto a aplicação do
instrumento para levantamento dos dados ocorresse a partir
das oito horas. Diante disso cabe a questão: se o instrumento
para o recolhimento dos dados fosse aplicado logo após
o término da seção de leitura, os resultados não seriam
diferentes? b) como explicar o fato de o mesmo material de
leitura mostrar boa diferença entre os dois grupos se levadas
em consideração a estrutura sintática e a diferença pouco
significativa em relação a elementos lexicais?
Os resultados deste estudo corroboram os achados
de Floriani (2005) em relação à aquisição da estrutura
da voz passiva. Em relação à influência da leitura no
aprendizado de elementos linguísticos, mesmo a diferença
não sendo significativa, seguramente por questões
metodológicas, esses resultados estão de acordo com
Guaresi (2004), Litman e Reber (2005), Reber (1967),
Nissen e Bullemer (1987), Nissen, Knopman e Schacter
(1987), Heys (1962), Christiansen (1965), De Vries (1970),
os últimos três citados por Stotsky (1983).
Esses resultados, pelo menos parte deles, reforçam
a tese de Smith (1983) sobre a influência da leitura no
aprendizado da escrita que, segundo o pesquisador, ocorre
incidentalmente, sem esforço e de maneira indireta.
Considerações finais
Embora os resultados não tenham sido significativos,
a hipótese de que a leitura é importante ferramenta de
aquisição da escrita pode ser reforçada. A aquisição de
diferentes níveis da língua – neste estudo lexical e sintático
– é possível por meio da chamada aprendizagem implícita.
A maior parte dos estímulos são percebidos
pelo nosso cérebro sob a via da inconsciência. Esses
estímulos, como cita Dehaene (2009), são processados
pelo cérebro humano não apenas subcorticalmente, mas
também no córtex. A partir dessa afirmação é possível
defender a tese de que parte do conhecimento declarativo
73
que adquirimos é de forma implícita. Claro está que o
conhecimento procedimental ou não declarativo é adquirido
predominantemente pela via da inconsciência.
A leitura é uma das importantes atividades de
estímulos indiretos aos leitores. Os resultados confirmam
que é importante a estimulação dos alunos para a leitura,
devido aos benefícios por ela proporcionados, benefícios e
aprendizados nem sempre possíveis pela instrução formal. Se
de fato acreditamos que as atividades de leitura e de escritura
envolvem quantidade considerável de conhecimentos, então,
cabe-nos concordar com a afirmação de Smith (1983) que
pouco pode ser encontrado dentro da educação formal.
Isso não significa dizer que a consciência não seja
necessária à aprendizagem. Dentro dessa perspectiva,
impõe-se, como tarefa fundamental do professor, repensar
constantemente a abordagem da leitura em aula. É
necessário que se verifiquem os meios de que a escola
dispõe, para otimizá-los, incentivando os alunos a lerem.
Por isso, a reflexão sobre métodos de ensino que deem
prioridade às habilidades efetivas de ler, escrever e a
toda forma de expressão linguística devem sobrepor-se
ao ensino puramente gramatical. Talvez uma adequada
abordagem da leitura seja uma das principais iniciativas para
o desenvolvimento da educação brasileira e a ascensão
dos alunos brasileiros em testes internacionais como o
PISA, referido anteriormente.
RESUMO - O presente estudo objetiva argumentar em
favor da tese de que a leitura é importante ferramenta para
o aprendizado da escrita. Como mostra Dehaene (2009), o
Ronei Guaresi
cérebro processa estímulos tanto sob a via da consciência
quanto sob a via da inconsciência. Nesse cenário, a leitura
é importante instrumento, pois oferece múltiplos estímulos
linguísticos, alguns dos quais não são possíveis de a
educação formal dar conta, proporcionando aprendizado
implícito de elementos da língua. No presente estudo
foram adaptadas 33 fábulas de tal forma que tivessem
múltiplas ocorrências de estruturas de voz passiva e de
determinados termos lexicais. Os participantes, alunos
de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental, foram divididos
em dois grupos: experimental e controle. Os resultados
sugerem que houve aprendizado implícito de parte dos
elementos linguísticos manipulados.
Palavras-chave: Aprendizagem Implícita. Inconsciência.
Leitura. Voz Passiva. Léxico.
ABSTRACT - This study aims at arguing in favor of the view
that reading is an important tool for learning writing. According
to Dehaene (2009), the brain processes stimuli both through
consciousness and unconsciousness. In this frame, the
reading is an important instrument since it offers multi-linguistic
stimuli, some of which are not possible to formal education
to approach them all, providing implicit learning of language
elements. In the present study 33 fables were adapted so
that they had multiple occurrences of passive structures and
certain lexical terms. The participants, students from 5th to
8th grade of elementary school, were divided into two groups:
experimental and controlling group. The results suggest an
implicit learning of part of manipulated linguistic elements.
74
Keywords: Implicit Learning. Unconsciousness. Reading.
Passive Voice. Lexicon.
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Language of Languages. San Diego: Academic Press, 1983.
Fatores compartilhados no processamento
de leitura em L1 e L2
Lisiane Neri Pereira1
Fale com a autora
A habilidade de ler é reconhecida como sendo a
mais durável e estável dentre as habilidades de linguagem
em uma segunda língua (BERNHARDT, 1991). Em
decorrência de ser uma atividade de linguagem, a leitura
não envolve somente a decodificação de sinais escritos
ou impressos, mas também, habilidades cognitivas, tais
como inferência e memória para a extração do sentido de
mensagens escritas.
Entendemos também que leitura em L1 e L2
compartilha de elementos básicos, ainda que ambos
os processos variem significativamente, acalentando a
discussão sobre a existência de dois processos cognitivos
paralelos em atividade ou de compartilhamento de estratégias
de processamento para a acomodação de ambas as línguas.
Ainda no âmbito da leitura, salientamos a
marginalização de pesquisa em leitura em L2, no sentido
de que a maioria dos estudos colocam a leitura em L2 como
sendo derivada da leitura em L1 ou, ainda, frequentemente
vista como uma versão mais lenta da mesma tarefa em
língua nativa. Tais comparações nos levam a entender que
tarefas em L2, principalmente de leitura, são tarefas de
mapeamento, ou seja, tarefas de substituição de um modo
de comportamento por outro. Nesse sentido, ainda que
1
Email: [email protected] ou [email protected]
examinássemos as diferenças cruciais entre os processos
de leitura em ambas as línguas, conferindo à leitura em
L2 o status de fenômeno único, considera-se importante
salientar os fatores em comum que sustentam a base para
leitura, seja em L1 ou L2.
Primeiramente, colocaremos nossa compreensão
sobre o que é leitura, dentre tantas compreensões,
assumindo os componentes de leitor, texto e sua interação
para definir o ato de ler ou decodificar um texto.
Leitura e leitor
Quaisquer definições sobre leitura devem
considerar aspectos cognitivos, como por exemplo,
memória e inferência, para a extração de sentido de
mensagens escritas, além do simples ato de decodificação
da linguagem escrita. A leitura é, portanto, uma habilidade
linguística que recruta o engajamento de consciência e a
familiaridade com aspectos óbvios da linguagem, como
sintaxe e conhecimento lexical. Resumidamente, uma
definição abrangente de leitura recai sobre a interpretação
bem sucedida de um texto envolvendo o leitor, o texto e a
interação entre leitor e texto (RUMELHART, 1985).
O leitor, engajado como a parte ativa do processo,
baseia-se em suas experiências prévias sobre o aprendizado
da leitura, educação e também na maneira em que a
leitura se ajusta às suas necessidades. Algumas fontes
experienciais que podemos citar incluem a influência familiar,
comunitária, escolar, cultural e influência de características
individuais de cada leitor. Veremos, a seguir, como cada
77
uma delas contribui com informações específicas, as quais
serão utilizadas no momento da decodificação de um texto.
Seja individualmente ou em conjunto, os hábitos de
leitura de uma família, especialmente de pais e adultos,
são notados desde cedo, modelando o comportamento
de futuros leitores no âmbito de conferir à leitura uma
importante ferramenta para a aquisição de informação
sobre profissões, eventos no mundo, lazer, manutenção
de equipamentos domésticos e explorar novos interesses.
Ao observar os hábitos de leitura em uma família, surge
em futuros leitores a ideia de que a atividade confere
novas perspectivas, conhecimentos e ideias.
Complementando
a
estrutura
familiar,
a
comunidade provê experiências sob diferentes aspectos,
ou seja, pessoas que crescem em fazendas, cidades,
metrópoles, apropriam-se de suas diversas atividades,
desde tarefas com agricultura a ida a eventos urbanos,
enraizando memórias específicas e conceitos mentais
relacionados aos ambientes, formando um background
de experiências que serão ressaltadas para um acesso
mais facilitado da informação.
Além das fontes mencionadas, a escola pode
proporcionar o contato dentre os diversos backgrounds
ou, também, quando instituição de natureza homogênea,
refletir valores compartilhados. Ainda assim, memórias
e formação de hábitos de leitura podem dar-se pelas
estratégias utilizadas na leitura escolar e seus objetivos,
ou seja, leituras para avaliação de compreensão, para a
identificação de léxico ou, ainda, objetivar conhecimentos
de passagens específicas no texto.
Lisiane Neri Pereira
A influência cultural, além de englobar os fatores
familiares, comunitários e escolares, é associada a fatores
cognitivos de um grupo, ou seja, enfatiza a maneira pela
qual um grupo interpreta o ambiente em que vive. Indivíduos
portam diferentes conhecimentos de mundo e estes se
refletem através de sua música, linguagem e expressão
pela arte. A cultura, portanto, caracteriza-se como um filtro
que permite realçar padrões e atitudes aprendidos.
Devido à ampla gama de diferenciação entre os
backgrounds individuais, tais características permitem uma
percepção variada durante o processo de leitura. Essa
percepção, então, é auxiliada pelos estilos individuais de
aprendizagem de leitura, níveis de motivação, atitude,
inteligência, inibição, ansiedade, autoestima e tomada de
risco frente a novas situações. A influência de características
individuais retoma o debate natureza e ambiente, ou a
dicotomia conhecida por nature versus nurture, ambos os
escopos operacionalizando na influência do aprendizado à
leitura e auxiliando na formação de perspectivas que serão
formadas durante a leitura. Crenças e hábitos advindos
das experiências de vida formam conhecimentos que
serão trazidos ao texto, criando um esquema particular que
definirá o grau de sucesso na compreensão de um texto.
Dentre os modelos de processamento de leitura,
bottom-up, top-down e o modelo interativo, descritos por
Rumelhart (1985), entendemos que este último seja o
mais utilizado pelos leitores, uma vez que assume os dois
primeiros componentes, propondo uma visão simultânea
dos processos de leitura. Respectivamente, os modelos
bottom-up e top-down, referem-se à construção da
78
leitura a partir de unidades menores do texto e à carga
de conhecimento trazida ao texto, confirmando ou não as
expectativas do leitor em relação ao texto.
O modelo interativo de processamento de leitura
também pode ser denominado modelo interativocompensatório, proposto por Stanovich (1980), o qual
sugere que leitores utilizam de informação contextual
para compensar habilidades não satisfatórias para o
reconhecimento de palavras. Dos componentes desse
modelo, a Facilitação Contextual ou Facilitação de Percepção
de Palavras, não é característica comum de leitura normal;
ao contrário, ao utilizar-se dessa estratégia, bons leitores
estariam desperdiçando capacidade cognitiva, uma vez que
leem com facilidade. Tal estratégia é utilizada por leitores não
proficientes, compensando suas dificuldades ao tentarem
decodificar. Bons leitores percebem as palavras utilizandose de estratégias direcionadas pelos dados, economizando
reservas cognitivas para monitoramento de compreensão.
Texto
A variedade de informação escrita presente na vida
diária modela-se em diferentes tipos de texto, compreendendo
desde artigos em jornal a bulas de remédio. O conhecimento
da estrutura destes antecipa expectativas e traz à tona
habilidades e estratégias para compreensão textual. Essa
organização de informação escrita pode ocorrer através de
estruturas retóricas funcionais para descrição, argumentação,
comparação, contraste, persuasão e informação, entre outros
objetivos aos quais podem propor-se um texto.
Fatores compartilhados no processamento de leitura em L1 e L2
Além disso, sintaxe, gramática e vocabulário serão
utilizados para garantir a relação implícita ou explícita entre
as ideias de um autor, garantindo uma coesão expressiva
peculiar em um texto. A familiaridade com os termos e
estruturas utilizados contribuem também para as nuances
interpretativas que surgirão a partir da leitura.
Interação entre leitor e texto
Os elementos da leitura relacionados anteriormente,
o leitor e o texto, ainda que cruciais, por si só não garantem
a compreensão dos símbolos escritos. É necessário que
ocorra uma interação entre tais elementos, resultando então
na colocação de sentido ao texto ou, visto sob outro prisma,
a compreensão aproximada do que o escritor intencionou.
Sugerimos compreensão aproximada, uma vez que o leitor
contribui inferencialmente na decodificação de um texto,
alternando a compreensão do mesmo de leitor para leitor,
conforme suas experiências de vida e de aprendizado.
Os objetivos e a maneira com que um texto é lido
alteram a percepção leitora, bem como as estratégias de
leitura utilizadas. Dentre esses fatores, mencionamos
a rapidez com a qual um texto é lido, os objetivos, sejam
de focar informação específica (scanning) ou para
compreensão de ideias (skimming), e as estratégias de
identificação de palavras chave, uso de títulos e subtítulos
para antecipar conteúdo, tolerar ambiguidades lexicais,
distinguir ideias principais de informações complementares,
uso do contexto para auxiliar na compreensão e releitura de
partes do texto ou do texto como um todo. Ainda, salienta-se
79
a importância do esquema de conhecimentos adquiridos, os
quais proveem fundamentação para análise, comparação,
identificação e compreensão da informação.
Durante a interação, estratégias de leitura são
utilizadas pelo leitor para o alcance do significado.
Muitas dessas estratégias são compartilhadas, derivando
compreensões similares de um mesmo texto por diferentes
leitores. Algumas estratégias incluem o reconhecimento
rápido de palavras, uso de conhecimento de mundo, análise
de palavras não familiares, monitoramento de compreensão,
distinção entre ideias principais e adjacentes, paráfrase,
contextualização para construção de sentido, entre outras
(ANDERSON et al. 1991; BARNETT 1989; CLARKE 1979
in AEBERSOLD and FIELD, 1997).
Esquemas também proveem auxílio ao entendimento
bem sucedido de um texto. Esquemas de conteúdo auxiliam
com uma base de conhecimento que pode ser utilizada
para comparação de experiências, esquemas formais
elicitam estruturas retóricas e organizacionais de textos
escritos e esquema linguístico, que inclui as características
de decodificação necessárias para o reconhecimento
de palavras e de que forma essas encaixam-se em uma
sentença, por exemplo. A teoria de esquemas de leitura,
estudada desde a década de 70, inclui verificações sobre
alunos com melhor compreensão textual quando estes se
utilizam de esquemas de conteúdo (STEFFENSEN & JOAGDEV 1984 in AEBERSOLD and FIELD, 1997) e, também,
estudos que investigam a interferência de esquemas na
leitura (CARRELL 1988 in AEBERSOLD and FIELD, 1997).
Lisiane Neri Pereira
Leitura em L1 e L2: diferenças e similaridades
O ato da leitura em L1 e L2, como mencionado
na introdução deste artigo, varia significativamente,
primeiramente devido à cronologia de aquisição: L1 é
sempre masterizada antes da L2, salvo em casos de
bilinguismo concomitante, em que dois sistemas linguísticos
são aprendidos simultaneamente, ainda assim com
ressalvas sobre a aquisição simultânea de duas línguas,
sendo que uma delas geralmente domina, caracterizando-a
como L1. Ainda, das distinções entre leitura em L1 e L2,
consideramos as bases linguísticas de sintaxe, fonologia,
semântica e retórica, as quais diferem de uma língua para
a outra. Adicionalmente, leitores de L2, não familiarizados
com o contexto cultural ou esquema de conteúdo da
língua-alvo, podem enfrentar dificuldades na interpretação
textual, colocando o leitor à mercê de uma compreensão
fortemente baseada em dados linguísticos. Em contraponto,
essa deficiência, aliada à falta de familiarização com dados
gramaticais da L2, aumenta a possibilidade de falha na
decodificação e interpretação de um texto. Assim, a leitura
em ambos os contextos requer o conhecimento linguístico
e de conteúdo pertencentes a cada língua e, quanto maior
a diferença entre as línguas, maior o grau de dificuldade na
significação textual.
Conforme mencionado anteriormente, leitura é um
processo de construção de sentido, envolvendo a interação
entre texto e leitor, o qual se utiliza de atividades mentais
para dar significação aos caracteres escritos ou impressos.
Tais atividades mentais, referidas como estratégias de leitura,
80
estão engajadas no processo de leitura em ambas - L1 e L2 e
incluem, além das mencionadas na seção anterior, predição
de informações, teste e confirmação de tais predições para
a compreensão do material escrito. Dessa forma, apontamos
um contraponto às diferenças entre o processamento de
leitura diferenciado em L1 e L2, iniciando uma composição
similar de leitura para ambas as línguas.
Estudos sobre leitura em L1 e L2 demonstraram que
a relação entre ambas é mais atuante em processos de
leitura do que no produto da leitura (YAMASHITA, J. p. 274).
Nos processos de leitura, diversas atividades mentais estão
engajadas, não somente processos linguísticos e cognitivos
tais como reconhecimento de palavras, construção de
proposições, predição, inferência e parsing - derivação de
representações através das relações sintáticas e semânticas
de um texto ou de uma sentença - mas também processos
metacognitivos e aqueles que refletem fatores afetivos e de
personalidade. Ainda que processos alterem, devido a fatores
como dificuldades do leitor ou objetivos da leitura, podemos
acompanhá-los durante a aproximação de um leitor ao texto
e como este sucede ou falha a cada passo da construção
do sentido. O produto da leitura, no entanto, demonstra os
resultados das operações internas realizadas pelos leitores
durante os processos, demonstrando a compreensão ou o
nível de entendimento do texto. A influência da leitura em
L1 na leitura em L2, fortemente relacionada às atividades
mentais envolvidas no processo sugere que estratégias
em L1 podem não ser inteiramente úteis na construção de
uma representação em L2 devido a fatores como a fraca
proficiência linguística de um leitor em L2.
Fatores compartilhados no processamento de leitura em L1 e L2
Leitura e bilinguismo
Derivada da discussão na seção anterior, a relação
entre leitura e bilinguismo pode ser colocada caracterizando
um leitor bilíngue como aquele que pode ler em duas
línguas. A habilidade de ler implica a compreensão textual e
os conhecimentos de quais estratégias utilizar.
Leitores bilíngues utilizam estratégias como
aplicar contextualização a partir de subtítulos, figuras e
títulos, procurar por informações importantes ou focar
atenção em diferentes aspectos, relacionar informações
para o entendimento do texto com um todo, ativar e
usar conhecimentos prévios, incluindo os esquemas de
conteúdo, formal e linguístico, reconsiderar e revisar
hipóteses sobre o significado de palavras não reconhecidas,
monitorar compreensão textual, inferir ideias principais,
reconhecer a estrutura do texto, antecipar informação pelo
conhecimento advindo do texto, entre outras. Ainda que
essa lista de fatores não esteja completa, tais estratégias
são comumente identificadas em leitores bilíngues e as
mesmas são compiladas de forma mais abrangente sob a
seguinte classificação de Aebersold & Field (1997):
- desenvolvimento cognitivo e orientação de estilo
cognitivo no início da aquisição de L2;
- proficiência em L1;
- proficiência em L2;
- conhecimento metacognitivo de estrutura da L1,
gramática e sintaxe;
- grau de diferença entre L1 e L2: sistemas de escrita,
estruturas retóricas, estratégias apropriadas.
81
Finalmente, leitores bilíngues, independente do tipo de
texto, tipo de linguagem ou ortografia, desenvolvem esquemas
para lidar com diferentes línguas e textos e caracterizam-se
como leitores flexíveis e possuidores de conhecimentos,
habilidades e estratégias que serão acomodadas em cada
e toda a situação linguística, automatizando o processo de
leitura em qualquer uma das línguas.
Modelo Unificado
Apesar das diferenças mencionadas entre a
aquisição de L1 e L2 e, principalmente as diferenças
relacionadas ao ato da leitura, o modelo unificado, proposto
por MacWhinney (2005), considera a relação entre várias
tarefas realizadas por aprendizes de L1 e L2.
No caso de multilinguismo, há evidências de que,
mesmo adquirindo as diferentes línguas como entidades
separadas, estas interagem através de processos de
transferência ou code-switching, ambos em crianças e adultos.
Ainda, MacWhinney coloca que ambos os grupos
necessitam segmentar o discurso em palavras, aprender
o significado das palavras, compreender os padrões que
governam construções sintáticas, desenvolver o conhecimento
adquirido para apurar fluência, além dos objetivos principais
e adjacentes de leitura serem similares quando no intuito de
atingir o mesmo propósito, tornando o modelo unificado uma
ferramenta eficaz na explicação dos processos anteriores.
A teoria do modelo unificado considera mecanismos de
aprendizagem em L1 como sendo um subgrupo que influencia
a aprendizagem em L2, ainda que alguns sejam mais fortes
Lisiane Neri Pereira
em L1, e que frequentemente estarão disponíveis em ambas
as línguas. Nesse modelo, formas linguísticas são organizadas
em mapas associativos para sílabas, léxico, construções e
modelos mentais. Durante o processamento, a seleção de
uma forma em particular é regida pela força de uma dica num
processador sintático central, o qual integra informação lexical
e fonológica durante reconhecimento de palavras. Essa força
da dica como uma função de validação da mesma, integra
o modelo de Competição (BATES & MacWHINNEY, 1982;
MacWHINNEY, 1987a), adotado pelo modelo unificado.
O modelo comporta, ainda, o fato de os processos de
aquisição de L1 e L2 estarem fortemente relacionados, por
exemplo: o método utilizado para o aprendizado de novas
palavras em L2 é basicamente uma extensão dos métodos
utilizados para o aprendizado de palavras em L1; similar, o
fato de que, ao combinar palavras para formar frases em
L2, utiliza-se das mesmas estratégias usadas ao aprender
a L1. Não obstante, o fato de que o aprendizado de L2 é
fortemente influenciado pela transferência de L1, significa
que seria impossível construir um modelo de aprendizado
de L2 que não considerasse a estrutura da L1.
Este Modelo Unificado enfatiza o papel
do armazenamento em mapas lexicais e a integração de
construções durante o processamento de L1 e L2. Muitas
partes desse modelo baseiam-se em diferentes teorias,
clamando por relações com abordagens construcionistas em
direção a uma ampla abordagem cognitivista.
82
Conclusão
A análise dos processos de leitura em L1 e L2 nos
coloca frente a similaridades e diferenças entre ambos os
sistemas. Procuramos aqui realçar as similaridades do
processamento de leitura em L1 e L2, uma vez que estas
recaem, principalmente, sob as habilidades e capacidades
cognitivas da linguagem. O leitor bilíngue torna-se objeto das
reflexões, por possuírem, automatizados, os processos de
leitura similares tanto em L1 quanto em L2. Da definição de
leitura, passando a seus componentes e considerando leitura
e bilinguismo bem como as diferenças e similaridades entre
leitura em L1 e em L2, concluímos com uma breve exposição
do Modelo Unificado, proposto por MacWhinney, fornecendo
um vasto território a ser explorado sobre a interdependência
entre sistemas de processamento, especialmente de leitura
em L1 e L2. Fatores considerados que contribuem para a
diferenciação entre os processos de L1 e L2 não apagam a
similaridade entre outros fatores, especialmente cognitivos,
dos processos de leitura em ambas as línguas.
RESUMO – Este artigo reflete sobre alguns aspectos
cognitivos presentes em leitores de L1 e L2, assumindo
a hipótese de um sistema cognitivo único de linguagem
no processamento da leitura em indivíduos bilíngues adaptação da ideia do Modelo Unificado. O objetivo dessa
abordagem é sugerir a complementação de estudos sobre
os sistemas de linguagem comuns a leitores de L1 e L2.
Entendemos que o uso dos conhecimentos de linguagem,
tanto para a leitura em L1 quanto para leitura em L2, reflete
Fatores compartilhados no processamento de leitura em L1 e L2
a competência linguística de um indivíduo em determinado
contexto, momento ou situação, porém, apoia-se em
um sistema cognitivo único, o qual serve de base para a
compreensão textual.
Palavras-Chave: Cognição. Leitura. Aspectos cognitivos.
Leitura em L1 e L2. Modelo Unificado.
ABSTRACT – This article reflects upon some cognitive
aspects existent in L1 and L2 readers, taking into
consideration the assumption of the hypothesis of only one
cognitive system of language in the reading processing by
bilingual individuals – adapted from the Unified Model. The
aim of proposing this approach is to suggest complementary
studies on the common language systems to L1 and L2
readers. We understand that the use of language knowledge
for both L1 and L2 reading, reflects the linguistic competence
of an individual in a certain context, moment or situation,
however, it finds support in only one cognitive system which
servers as a basis for text comprehension.
Keywords: Cognition. Reading. Cognitive aspects. Reading
in L1 and L2. Unified Model.
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83
Lisiane Neri Pereira
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Aspectos cognitivos envolvidos no
processamento da leitura: contribuição das
neurociências e das ciências cognitivas
Gislaine Machado Jerônimo1
Fale com a autora
Dentre as quatro habilidades linguísticas, a saber:
fala, audição, leitura e escrita, é a leitura a habilidade que
mais tem recebido atenção nas pesquisas dos últimos
tempos. Tal fato se ancora na necessidade de pesquisas
darem conta da grande dificuldade de compreensão leitora
apresentada por estudantes de diversas partes do mundo,
em especial, do Brasil.
No intuito de tentar explicar essa problemática, a
comunidade científica em um trabalho, que engloba uma
grande interface entre diferentes áreas do conhecimento
como linguística, neurociência e psicologia cognitiva, une
forças e traz contribuições que podem esclarecer muitas
dúvidas e dificuldades encontradas pelos docentes a
respeito de como se dá o processamento da leitura.
A natureza cognitiva da leitura revela-se no fato de
a compreensão do texto ser realizada na mente do leitor.
Em linhas gerais, o processo de leitura pode ser explicado
a partir de três modelos predominantes nas pesquisas
de cunho psicolinguístico: o modelo bottom-up, também
chamado de ascendente, o modelo top-down, chamado de
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Email: [email protected]
descendente e o modelo interativo (KLEIMAN, 1993). “Esses
modelos lidam com os aspectos ligados à relação entre o
sujeito leitor e o texto enquanto objeto, entre linguagem
escrita e compreensão, memória, inferência e pensamento”
(KLEIMAN, 1993, p. 31).
Partindo desses modelos, este artigo pretende
problematizar a noção de compreensão do sentido/
significado2 na leitura, pois, segundo Kleiman & Moraes
(2002) e Machado (2006), um texto, por um princípio
de economia, não carrega toda informação que se quer
comunicar por meio dele, já que grande parte do(s)
sentido(s) do texto repousa no conhecimento partilhado
pelos interlocutores, mas não explicitado. Sendo assim,
só as informações contidas no texto não são suficientes
para que o leitor possa compreendê-lo. Ao mesmo tempo,
não se pode desconsiderar o seu conteúdo semântico
nem os mecanismos visuais utilizados, uma vez que são
necessários para a apreensão rápida do material escrito.
Ao longo do trabalho, tentaremos responder aos
seguintes questionamentos: O sentido da leitura está no
texto, no leitor ou em ambos? Qual é o papel da memória
nos modelos botton-up e top-down? O que nos dizem os
avanços da neurociência sobre o modelo ascendente?
Apresentaremos nossa reflexão por meio das
seguintes seções: na seção um mostraremos maiores
detalhes sobre o modelo botton-up e recentes avanços das
neurociências; o modelo top-down e fatores que interferem
na compreensão leitora serão apresentados na seção dois;
a seção três apresentará o modelo interativo; enquanto a
2
No presente artigo, as palavras sentido e significado serão utilizadas indistintamente.
85
Gislaine Machado
seção quatro trará considerações advindas das ciências
cognitivas a respeito da memória e, por fim, serão trazidas as
considerações finais envolvendo retomadas e perspectivas.
Ao longo do trabalho, serão trazidas contribuições para o
ensino da leitura.
1. O modelo botton-up e avanços das neurociências
No modelo ascendente (botton-up), a leitura é vista
basicamente como uma questão de decodificação de uma
série de símbolos escritos em seus equivalentes orais. O
texto, nessa perspectiva, é o depositário de um sentido
imanente, cabendo ao leitor, no processo de leitura,
a tarefa de extrair o significado, exercendo, portanto,
um papel passivo, segundo Kleiman (1993). Essa visão
alimenta a crença sobre a leitura como um processo linear,
com base no qual o leitor constrói significados por meio
das palavras do texto.
Segundo Kato, a leitura aqui
Constitui-se numa leitura minuciosa,
vagarosa, em que todas as pistas
visuais são utilizadas. É um processo
de composição, uma vez que as partes
gradativamente vão formando o todo
(KATO, 1999, p. 62).
Esse modelo é baseado em uma concepção
estruturalista da linguagem, pois “vê a leitura como um
processo instantâneo de decodificação de letras em sons e
associação destes com o significado” (KATO, 1999, p. 50).
Evidentemente, há leitores que permanecem, ao
longo da sua experiência de vida, realizando apenas uma
leitura mecânica e não conseguem ultrapassar o nível da
decodificação. Entretanto, nessa fase, é a criança - o leitor
iniciante - quem deve receber especial atenção.
Todos os leitores passam pelo processamento
bottom-up, porém, o leitor proficiente demanda de muito
pouco tempo nessa tarefa, que passa a ser automática
pela prática. No caso da criança em fase de aprendizado da
leitura, esse estágio não se dá de forma tão automatizada
e eficiente, visto que ela precisa de um grande esforço
cognitivo, a fim de processar as letras, no nosso caso - o
sistema alfabético. A escola, por sua vez, deve considerar
o grau de dificuldade aqui presente e proporcionar
atividades que estimulem e facilitem a compreensão da
leitura nessa fase, através de textos simples que não
demandem do conhecimento inferencial da criança para
o seu entendimento, já que o processamento pautado
no conhecimento de mundo do leitor se desenvolve
posteriormente no processamento top-down, em outras
palavras, não se pode exigir da criança mais do que aquilo
que ela está apta a realizar.
Para que essa decodificação ocorra e a palavra
escrita seja processada - segundo estudos advindos da
neurociência - é preciso esclarecer que há um processamento
anterior menos específico nas áreas visuais primárias da
região occipital que diz respeito ao processamento da
palavra pelo movimento ocular. Apenas a parte mais central
da retina, denominada fóvea, é apta a processar as letras,
por ser rica em células fotorreceptoras. De certo modo há
86
Aspectos cognitivos envolvidos no processamento da leitura: contribuição das neurociências e das ciências cognitivas
limitações nesse sistema, mas em cada fixação do olhar,
independe o tamanho das letras, importando apenas a
quantidade delas (SCLIAR-CABRAL, 2008; CRYSTAL,
2006, 2010, & DEHAENE, 2009).
McConkie e Keith Rayner em 1975, nas palavras
de Scliar-Cabral (2008, p. 24) e Dehaene (2009), fizeram
um experimento muito engenhoso chamado “janela
móvel”. Tal experimento acusa o movimento dos olhos
(“controlado pelas projeções do córtex pré-frontal sobre o
núcleo caudal” (MERCIER, FOURNIER, & JACOB, 1999,
p. 27 apud SCLIAR-CABRAL, 2008, p. 25)) ao detectar
as palavras, de modo que é possível detectar as letras
que ficam à direita e à esquerda da fóvea. Scliar-Cabral
adaptou o experimento utilizando à primeira página de
Os Maias de Eça de Queiroz, a fim de ilustrá-lo, o qual
segue abaixo:
A casa que xx xxxxx xxxxxx xxxxxxx xx xxxxxxx
A tela do computador vai sendo renovada, assim que
o olhar se movimenta, resultando, no final, o seguinte:
x xxx xxx os Maias xxxxxx xxxxxx xx xxxxxx
x xxx xxx xx xxxxx vieram xxxxxx xx xxxxxx
x xxx xxx xx xxxxx xxxxxx habitar xx xxxxxx
x xxx xxx xx xxxxx xxxxxx xxxxxx em Lisboa
Por fim, ficou comprovado que os sujeitos dos
experimentos não perceberam os x. O centro da fixação
também ficou nas palavras que continham conteúdo lexical:
substantivos, adjetivos, verbos e advérbios. O experimento
de McConkie e Rayner mostrou que conscientemente nós
processamos apenas uma pequena parte do nosso input
visual (DEHAENE, 2009).
Grande parte da dificuldade de leitura, de acordo
com Spitzer (2007, p. 215) reside no fato de que “o nosso
cérebro não está construído para ler”. E complementa: “[...]
a pessoa que lê abusa, em primeiro lugar, do seu aparelho
de percepção para uma atividade não apropriada à espécie”.
Segundo Dehaene (2009), visto que o cérebro não
foi desenvolvido para a leitura, de fato, aprender a ler parece
ser uma das mais importantes mudanças no cérebro de
nossas crianças, pois o cérebro não evoluiu para a cultura,
mas a cultura evoluiu para poder ser apreendida pelo
cérebro. Desse modo, possuímos uma região no cérebro
que processa as letras, a qual o autor denomina “the letter
box”. Após seu processamento nas áreas primárias da visão,
as letras são canalizadas em direção à região occípitotemporal ventral do hemisfério esquerdo. Esses achados
foram confirmados através das modernas técnicas de
neuroimagem como PET (Positron Emission Tomography),
fMRI (Functional Magnetic Resonance Imaging) e EEG
(Electroencephalography). Dehaene diz que é fascinante a
ideia de haver esse lugar especializado em letras e ele ser
o mesmo local em todos nós – independente se a leitura for
feita em chinês, hebraico ou inglês.
Dehaene (2007, 2009) propõe a hipótese da reciclagem
neuronal. Scliar- Cabral (2008) ressalta a importância
dessa descoberta. De acordo com essa hipótese, existe
uma hierarquia de neurônios que respondem a estímulos
visuais quando aprendemos a ler, parte dessa hierarquia
de neurônios se ocupa da nova tarefa de reconhecer letras
87
Gislaine Machado
e palavras. Assim, a capacidade de ler, de acordo com o
autor, é resultado de um sofisticado processo evolucionário,
e não simplesmente fruto da plasticidade cerebral, que
muitas vezes é considerada como uma propriedade inata
do cérebro. Dehaene defende a ideia de que a plasticidade
cerebral é fruto de evolução e do instinto para aprender que
os humanos possuem.
Segundo o mesmo autor (2009), outro conceito
fundamental que serve de base para a compreensão do
processamento botton-up é o problema ou princípio de
invariância. Scliar Cabral assim o define:
Sejam quais forem as variantes de
uma ou mais letras que constituem
um grafema e de cuja articulação
depende o reconhecimento da palavra
escrita, a elas será acoplado sempre
o mesmo valor fonológico que teria
naquele contexto grafêmico, no caso
do português brasileiro (SCLIARCABRAL, 2008, p. 26).
Em outras palavras, é por meio desse princípio
que reconhecemos que as palavras dois, dois, dois,
dois, dOIS são a mesma palavra, pois o reconhecimento
da letra independe o seu tamanho, tipo ou posição, visto
que nós negligenciamos as variações irrelevantes. Só
desenvolvemos essa capacidade porque o nosso sistema
visual não se detém nos contornos da palavra, mas está
interessado nas letras que ela contém (DEHAENE, 2009).
Cabe ressaltar que esse caminho é realizado pelo leitor
que já tem familiaridade com o sistema escrito. Entretanto,
um leitor iniciante precisa de uma informação clara e de
um tipo de letra que seja legível, pois do contrário, pode
ficar confuso e não reconhecer a letra ou palavra.
Tais considerações oriundas das Neurociências
permitem refletir sobre o que ocorre nos bastidores da leitura
e do processo botton-up. E, desse modo, compreender a
forma como o cérebro processa a leitura, destacando as
maiores dificuldades e facilidade do percurso. Permite
ainda reflexões a respeito do ensino da leitura, pois o
professor que tem conhecimento do complexo percurso
que o aprendiz percorre até conseguir dominar esse tipo
de processamento pode preparar material didático mais
apropriado às necessidades do leitor/aprendiz.
2. O modelo top-down e fatores que interferem na
compreensão leitora
Enquanto o modelo botton-up trata do percurso
ocular, do reconhecimento da palavra, da informação
presente no texto e o leitor é visto de forma passiva, o
modelo top-down enfatiza o esforço cognitivo do leitor em
buscar informações extratextuais e esse passa a ser ativo
no processo de leitura e compreensão, pois o sentido é
construído a partir do seu conhecimento de mundo.
De acordo com Kato (1999), nesse tipo de
processamento, é o leitor que apreende facilmente as ideias
gerais e principais do texto, é fluente e veloz, mas, por outro
lado, faz excessos de adivinhações. É o tipo de leitor que
faz mais uso do seu conhecimento do que da informação
efetivamente dada pelo texto.
88
Aspectos cognitivos envolvidos no processamento da leitura: contribuição das neurociências e das ciências cognitivas
Aqui, o centro do processo é o leitor, pois é ele
quem detém a chave para a construção do sentido do
texto, já que “o significado de um texto não se limita ao que
apenas está nele” (KLEIMAN & MORAES, 2002, p. 62). Isto
é, o significado não é dado de antemão a espera de ser
compreendido, mas, ao contrário, o texto é um todo cheio
de lacunas, cujo preenchimento é feito pelo leitor, a partir de
seu conhecimento de mundo.
Pesquisadores como Kenneth S. Goodman e,
posteriormente, Frank Smith, lançaram bases teóricas para
romper com as teorias ascendentes sobre o processamento
da leitura, cuja principal contribuição foi a de chamar a
atenção para fenômenos de “adivinhação”, comuns na
leitura de aprendizes, que até então eram considerados
apenas erros de decodificação.
Segundo Smith,
a maneira como os leitores procuram
os significados é não considerando
todas as possibilidades, não fazendo
“adivinhações”
inconsequentes
somente quanto a um sentido, mas, em
vez disso, fazendo previsões dentro da
faixa mais provável de alternativas.
Assim, os leitores podem superar
as limitações do processamento da
informação do cérebro e, também, a
inerente ambiguidade da linguagem
(2003, p. 192).
Goodman (1967), por sua vez, propõe refutar a ideia
de que a leitura seja um processo preciso, que envolva
percepção e identificação exata de letras, palavras, padrões
de escrita e unidades linguísticas maiores. Propõe, em
substituição a isso, a ideia de que a leitura é um processo
seletivo, em outras palavras, que a leitura é um processo
que envolve o uso parcial de pistas linguísticas selecionadas
a partir das expectativas do leitor, o qual durante o percurso
da leitura faz inúmeras previsões.
As previsões são realizadas por meio do conhecimento
prévio do leitor, que, de acordo com Kleiman (1995), se
organiza em três tipos: linguístico, textual e de mundo. Para
a compreensão dos textos lidos, acionamos a nossa memória
semântica3 para resgatar o conhecimento já adquirido.
Zakaluk (1988) pontua que, quanto mais
conhecimento de mundo o leitor tiver, melhor será sua
compreensão, uma vez que, quando não se tem o
sentido completo de um texto, ele é preenchido com os
conhecimentos prévios do leitor para construir sentido.
Por outro lado, Randi et al. (2005) nos alerta que
para uma leitura bem-sucedida, apenas a suposição da
existência de um conhecimento prévio, não é suficiente,
visto que algumas atividades de leitura não ultrapassam o
nível literal, e, desse modo, não alcançam uma interação
entre o conhecimento do leitor, a informação textual e as
motivações contextuais. Isso quer dizer que, em alguns
casos, o leitor depende mais do processamento bottonup do que do top-down para a compreensão do texto,
visto que os textos se enquadram em gêneros e alguns
deles são mais informativos do que outros. “Pode-se
dizer que os próprios textos fornecem contextos para
3
A definição desse tipo de memória será trazida na seção cinco.
89
a sua interpretação” (KLEIMAN & MORAIS, 2002, p.
62). É incumbência de o professor identificar o tipo de
processamento necessário, isto é, as limitações do texto
e organizar tarefas que deem conta de sua necessidade.
Estudos que tratam do processamento da linguagem
apontam que indivíduos com algum tipo de lesão cerebral
no hemisfério direito apresentam maior dificuldade em sua
capacidade de empregar o conhecimento prévio ao abordar
o texto de forma top-down (MOLLOY e colegas, 1990;
HUBER e colaboradores, 1990 apud SCHERER, 2009).
Durante a leitura, o conhecimento prévio é peça
fundamental para a realização de inferências. Conforme se
mencionou anteriormente, o leitor, no momento da leitura,
deixa aflorar o seu conhecimento de mundo, as suas crenças,
as suas vivências, além de seu conhecimento linguístico e
textual, isto é, todo o seu conhecimento prévio. A partir desses
conhecimentos se dá a realização do processo inferencial, que
consiste no estabelecimento de conexões entre os enunciados,
com o preenchimento de lacunas deixadas pelo texto.
De acordo com Kleiman (1995), as inferências
ocorrem quando o leitor realmente assimila e agrega as
informações à sua memória semântica. A partir da interação
entre os saberes que traz e o que está disponível no texto é
possível a significação do texto.
3. O modelo interativo
A partir da constatação de que nenhum dos
tipos de processamento citados dava conta de explicar
a compreensão de um texto, a teoria interacionista ou
Gislaine Machado
interativista de leitura passou a propor a leitura como
uma associação de processos cognitivos em que se
integram o processamento ascendente (bottom-up) com
o processamento descendente (top-down), na qual o
conhecimento prévio do leitor é acionado durante a leitura e
as informações do texto interagem com esse conhecimento.
Desse modo, o modelo interativo une os dois
modelos apresentados anteriormente: top-down e bottomup, pois considera que o fluxo da informação opera de modo
descendente e ascendente, uma vez que os processos
top-down e bottom-up ocorrem alternativamente ou ao
mesmo tempo, dependendo das características do texto, do
conhecimento prévio e da capacidade de previsão do leitor, da
memória, da atenção e do domínio das estratégias de leitura.
No caso da previsão, segundo Kato (1999, p. 102), a
qual ela denomina “adivinhação”, podemos dizer que esta “é
parte da estratégia top-down, por ser mais preditiva, porém é
a estratégia bottom-up a responsável pela sua confirmação,
pelo refinamento e pela revisão da teoria”. Assim, calculamos
a importância da união entre as estratégias acima referidas,
uma vez que uma serve de base para a outra.
Ainda sobre a predição, há estudos da neurociência
que mostram uma participação maior do hemisfério esquerdo, pois é ele o responsável: por fazer as relações entre a
informação nova e os elementos previstos; ativar os itens
prováveis de serem encontrados; atuar sobre a atenção;
considerar o contexto; ser mais veloz, entre outros fatores
(FEDERMEIER & KUTA, 1999 apud SCHERER, 2009).
O significado/sentido, nessa perspectiva, é
construído através dos dados do texto que são percebidos
90
Aspectos cognitivos envolvidos no processamento da leitura: contribuição das neurociências e das ciências cognitivas
pelos olhos e logo transmitidos pelo nervo óptico até
o cérebro, o qual irá processá-los, juntamente com
informações previamente armazenadas. Caso não haja
informações no cérebro do leitor que possam ser ativadas
durante a leitura, então ele fará novas conexões que
permitam depreender o significado que o escritor quis
passar com o texto. Contudo, para isso, o leitor precisa ter
um conhecimento prévio que permita que ele faça essas
novas conexões (POERSCH, 2002).
Solé (1998) traz considerações bastante
relevantes para esse modelo ao mostrar que o leitor
utiliza simultaneamente seu conhecimento de mundo
e seus conhecimentos linguísticos para construir a
compreensão do texto. Desse modo, é o leitor maduro
quem utiliza esse processo de forma adequada e no
momento apropriado, pois sabe identificar os processos
bottom-up e top-down complementarmente.
Já o leitor iniciante apresenta dificuldades para
realizar essa união, como é o caso da criança, que lê
vagarosamente, sílaba por sílaba. Ao mesmo tempo, se o
leitor iniciante for capaz de reconhecer instantaneamente
as palavras, ele poderá ler mais rapidamente, conseguindo,
de tal forma, lembrar unidades passíveis de interpretação
semântica, assim como detectar uma série de palavras
cuja ocorrência no texto é predizível pelo assunto. Cabe,
então, ao professor “a tarefa de ajudar esse leitor a prever
e predizer focalizando, mediante diversas abordagens e
atividades prévias à leitura, as palavras-chave no texto”,
bem como propiciar contextos a que o leitor deva recorrer,
simultaneamente, a fim de compreendê-lo em diversos
níveis de conhecimento, tanto gráfico, como linguístico,
pragmático, social e cultural (KLEIMAN, 1993, p. 35-36).
4. O papel da memória para o processamento da leitura
O estudo da memória é uma das maiores contribuições
das ciências cognitivas ao estudo da linguagem. Ela é uma
função cognitiva que desempenha papel fundamental à
leitura, pois sem ela não conseguiríamos identificar as
unidades mínimas das palavras, muito menos as mais
complexas de significação. Desse modo, ela é recrutada
tanto para o processamento ascendente como descendente.
No primeiro caso, utilizamos mais a memória de trabalho,
enquanto no segundo, fazemos mais uso da memória de
curto e longo prazo (memória semântica).
A rapidez com que os olhos se movimentam
durante a leitura e processam o seu material visual, das
letras em sílabas e palavras, destas em frases, destas
em proposições, chama muito a atenção. Esse fato só é
possível porque o material visual é estocado na memória
de trabalho, que permite a organização em unidades
sintáticas, seguindo regras e princípios de nossa gramática
implícita (KLEIMAN, 1993). Quando reconhecemos uma
palavra é o hemisfério esquerdo que desempenha papel
dominante e é por meio do PET e fMRI que temos acesso
a esse dado (DEHAENE, 2009).
Segundo Izquierdo (2002, p. 19-20), a memória
de trabalho serve para manter durante alguns segundos,
no máximo alguns minutos, a informação que está sendo
processada no momento. Usamos esse tipo de memória para
91
conservar na consciência, por exemplo, a terceira palavra da
frase anterior. “Tal retenção só serve para compreender o
sentido dessa frase, seu contexto e o significado do que veio
a seguir”. Seu processamento se dá fundamentalmente no
córtex pré-frontal, a porção mais anterior do lobo temporal.
Essa região recebe axônios procedentes de regiões cerebrais
vinculadas à regulação dos estados de ânimo, isso explica o
fato de, em um estado de ânimo negativo, haver perturbações
na memória de trabalho como cansaço, por exemplo.
Uma de suas limitações, no que tange ao texto,
se dá pelo fato de que ela não pode conter demasiada
informação de uma vez só (SMITH, 1997). De acordo
com Kleiman (1993, p. 34), a memória de trabalho pode
trabalhar com aproximadamente 7 unidades ao mesmo
tempo. Caso o leitor esteja lendo letra por letra, ele não
conseguirá manter todas essas unidades na memória e
não poderá apreender essa sequência visto que as partes
não se integram num todo significativo. Assim, no início, a
leitura será muito mais difícil para o leitor, ficando quase
que limitada à decodificação.
Segundo a proposta de Goodman, a leitura deve
ser vista como um jogo psicolinguístico de adivinhação,
por meio do qual ocorrem as predições sobre o significado,
que o leitor retém na memória de curto prazo e compara
aquilo que lê com o repertório de linguagem guardado
na memória de longo prazo (GOODMAN, 1967, p. 108).
Trata-se, dessa maneira, de estabelecer um elo entre a
memória de curto e longo prazo, onde o leitor busca no
seu conhecimento já adquirido uma relação possível com
aquilo que está presente no texto.
Gislaine Machado
A memória de curta duração, diferentemente da
memória de trabalho, estende-se desde os primeiros
segundos ou minutos seguintes ao aprendizado e
pode durar até 3-6 horas (IZQUIERDO, 2002). Ela é
fundamental para a aprendizagem e, portanto, para a
leitura, pois todo o nosso conhecimento de mundo ou
conhecimento prévio, primeiramente, passa por ela e
depois se consolida na memória de longo prazo.
Ao contrário da informação na memória de curto
prazo, a informação na memória de longo prazo exige uma
ação positiva para recuperá-la, é o que diz Smith (1999),
pois quando acrescentamos algo ao nosso conhecimento
de mundo, modificamos a informação já existente. Isto é,
qualquer coisa que queiramos aprender exige que se faça
uma relação com o que já existe na memória. Se essa nova
informação não puder ser relacionada com algo que já temos
é bem possível que a mesma não faça sentido para nós.
Assim, é somente por meio da organização que a informação
pode ser estabelecida, pois é ela a chave à lembrança.
Para o ensino, atividades de pré-leitura podem
ser uma sugestão ao professor. Pois elas facilitam a
compreensão do aprendiz, uma vez que ativam a memória
de longo prazo e diminuem a carga na memória de trabalho.
Considerações finais
A natureza cognitiva da leitura abarca os modelos
botton-up, top-down e interativo. No primeiro, se assentam
as práticas de leitura que enfatizam o processamento
ascendente do texto. Sua limitação se dá no momento em
92
Aspectos cognitivos envolvidos no processamento da leitura: contribuição das neurociências e das ciências cognitivas
que o texto não contém todas as informações necessárias
à compreensão. Por outro lado, se o texto é meramente
informativo e não necessita da atuação do leitor, ele se
mostra bastante útil. O modelo top-down, por sua vez,
responde às limitações do texto, complementando as
suas lacunas com base no conhecimento de mundo, nas
predições e inferências do leitor. Caso o texto seja de
cunho informativo, esse modelo se mostra ineficiente.
Tendo em vista as limitações dos modelos anteriores,
parece mais adequado optar pelo modelo interativo, uma vez
que se apresenta mais relevante para o desenvolvimento
de estratégias flexíveis à leitura e considera como
complementares os dois modelos citados acima. Assim, o
sentido da leitura não está só no texto, nem só no leitor,
mas em ambos.
O leitor que faz uso do modelo interativo
é considerado um leitor maduro, pois a
escolha de um processo ou outro já é
uma estratégia metacognitiva, isto é, é
o leitor que tem um controle consciente
e ativo do seu comportamento (KATO,
1999, p. 51).
No caso do leitor iniciante, haverá maior
dificuldade em fazer essa união, que só se realizará a
partir do momento em que ele tiver domínio dos dois tipos
de processamento. Do contrário, demandará de tempo
na decodificação, processo que, como visto a partir de
dados das neurociências, não é tão simples quanto
parece, já que o nosso cérebro não foi desenvolvido para
a leitura. Nesse caso, “o professor deve ajudar o aluno
leitor mediante diversas abordagens e atividades prévias
à leitura” (KLEIMAN, 1993, p. 36).
O educador é peça chave para despertar no
aprendiz o gosto pela leitura e também ajudar na redução
do insucesso dos leitores.
É ele quem deve propiciar contextos a que
o leitor deva recorrer, simultaneamente,
a fim de compreendê-lo em diversos
níveis de conhecimento, tanto gráficos,
como linguísticos, pragmáticos, sociais
e culturais (KLEIMAN, 1993, p. 35).
A memória, por sua vez, desempenha papel de
grande importância, tanto no modelo ascendente como
descendente de leitura. Pois, ela é responsável pelo
processamento e retenção online da informação, no caso
da memória de trabalho. E todo o processamento top-down
se apoia na memória de longo prazo aliada à de curto prazo
para o acesso ao conhecimento de mundo do leitor.
Logo, fizemos aqui uma tentativa singela de
explicar onde reside o sentido na leitura, através de uma
perspectiva cognitiva. Trouxemos uma visão de leitura
pautada na psicolinguística, bem como contribuições
das neurociências e ciências cognitivas. Contudo, a
compreensão plena do processo de leitura reside em
um grande mistério que, aos poucos, com a interface de
diversas áreas do conhecimento, irá se desvelando.
93
Gislaine Machado
RESUMO – A natureza cognitiva da leitura revelase no fato de a compreensão do texto ser realizada na
mente do leitor. Em linhas gerais, o processo de leitura
pode ser explicado a partir de três modelos de cunho
psicolinguístico: botton-up, top-down e interativo, os quais
lidam com os aspectos ligados à relação entre o sujeito
leitor e o texto enquanto objeto, entre linguagem escrita
e compreensão, memória, inferência e pensamento
(KLEIMAN, 1993). Partindo desses modelos, neste artigo
pretendemos problematizar a noção de compreensão do
sentido na leitura, pois, segundo Kleiman & Moraes (2002)
e Machado (2006), um texto, por um princípio de economia,
não carrega toda informação que se quer comunicar por
meio dele, já que grande parte do(s) sentido(s) do texto
repousa no conhecimento partilhado pelos interlocutores,
mas não explicitado. Tentaremos responder aos seguintes
questionamentos: o sentido da leitura está no texto, no
leitor ou em ambos? Qual é o papel da memória nos
modelos botton-up e top-down? O que nos dizem os
avanços da neurociência sobre o modelo ascendente?
Ao longo do trabalho, serão trazidas contribuições para o
ensino da leitura.
(KLEIMAN, 1993). Based on these models, in this work it
is intended to make a theoretical revision and also propose
problems to the notion of meaning in reading. According to
Kleiman & Moraes (2002) and Machado (2006), a text does
not bring all the information needed due to the fact that part of
the meaning of the text rests in the readers world knowledge.
So, we are going to try to answer these questions: Where is
the meaning in reading, in the text, in the reader’s mind or in
both? What is the role of memory in the botton-up and topdown models? What does the neuroscience tell us about the
ascendant reading model? Along this work, we are going to
bring some contributions for teaching.
Palavras-chave: Botton-up. Top-down. Leitura. Memória.
Neurociência.
DEHAENE, Stanislas. Les neurons de la lecture. Paris:
Odile Jacob, 2007.
ABSTRACT – The cognitive nature of reading is based on
the comprehension in the reader’s mind. Considering the
psycholinguistics, the reading process can be explained
through: bottom-up, top-down and interactive models
Keywords: Botton-up.
Neuroscience.
Top-down.
Reading.
Memory.
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Processamento de leitura: predição
e inferências em pôsteres de paródias
de filmes de terror
Luiza Helena Müller dos Santos 1
Fale com a autora
O presente artigo trabalha com conceitos
psicolinguísticos de leitura, especificamente com a estratégia
de leitura conhecida como predição leitora e conceitos
pragmáticos de inferência presentes na Teoria da Relevância
de Sperber & Wilson (2005). O trabalho tem como objetivo
ilustrar os conceitos teóricos através de uma análise do
processo de leitura de pôsteres de paródias de filmes de terror.
A estrutura desenvolvida permite ao trabalho
primeiramente elucidar conceitos de leitura, predição leitora
e inferências segundo teorias e estudiosos (SMITH, 2003 e
PEREIRA 2009a e 2009b), partindo do que consiste a leitura
e suas ferramentas e estratégias principais até os conceitos
de inferências como decorrentes de implicaturas griceanas
e base para a predição leitora. Logo após, é descrita a
Teoria da Relevância (TR) para melhor entendimento sobre
o papel das inferências na comunicação humana.
Assim, se segue um breve histórico sobre o objeto
de análise, sendo a paródia o foco principal. A análise dos
pôsteres é feita de acordo com formulações das inferências,
juntamente com a estratégia de predição leitora, de forma
com que hipóteses sejam criadas a partir de um input de
1
Mestranda em Linguística pela PUCRS, Bolsista CAPES, [email protected]
informações explícitas para que sejam feitos processamentos
cognitivos pelo leitor, até chegar a uma conclusão implicada.
Leitura, predição leitora e inferências
Segundo Pereira (2009a e 2009b), a leitura é uma
atividade cognitiva significativa, dirigida a um objetivo,
dependendo de conhecimentos anteriores e encaminhada
pelas expectativas do leitor.
O processamento da leitura pode ocorrer
ascendentemente ou descendentemente como afirma
Pereira (2009b, p. 135):
Esse processamento ocorre de forma
ascendente (botton-up) e/ou de forma
descendente (top-down), sendo que,
no primeiro, o leitor faz o movimento
das unidades menores para as maiores
e, no segundo, o leitor realiza o
movimento das unidades maiores para
as menores. A escolha do movimento,
pelo leitor, decorre de variáveis como os
conhecimentos prévios de que dispõe,
o objetivo da leitura, o gênero e o tipo
de texto e os caminhos cognitivos já por
ele desenvolvidos.
Durante o processo da leitura, além do tipo material
de leitura e planos linguísticos para a compreensão
posterior, a concepção de leitura é uma das bases
psicolinguísticas para o processo da leitura. A concepção
de leitura agrega tanto as estratégias de leitura como os
97
Luiza Helena Müller dos Santos
processamentos que se desencadeiam. Assim, tornamse ferramentas importantes para o leitor as estratégias de
compreensão que possam ajudá-lo na identificação e no
processamento das informações, como seleção de tópicos,
leitura detalhada, autocorreção, marcações, skimming entre
outras. No presente artigo, as inferências e a predição leitora
são as ferramentas exemplificadas através das análises de
cartazes de paródias de filme de terror.
A predição leitora consiste na antecipação do
conteúdo e formulação de hipóteses que são derivadas
de processos inferenciais realizados pelo leitor. Segundo
Pereira (2009, p. 135), a predição pode ser considerada
uma espécie de jogo psicolinguístico, já que o leitor
interage com o texto de maneira em que faz suas próprias
formulações e as verifica e corrige ao longo do processo:
Associada a previsão, antevisão,
antecipação, adivinhação, a predição
consiste numa estratégia leitora que
propõe uma interação entre o leitor,
por meio de seus conhecimentos
prévios, e o texto, por meio das pistas
linguísticas deixadas pelo escritor
em todos os planos. Essa condição a
configura como um jogo psicolinguístico
de antecipação e de verificação da
correção do movimento realizado, isto é,
de formulação e testagem de hipóteses
de leitura. Trata-se, assim, de um jogo
de risco automonitorado, apoiado em
traços grafo-fônicos, morfossintáticos e
semântico-pragmáticos.
O fator que leva o leitor a usar adequadamente
essas ferramentas é a relevância das pistas contidas
no material. A predição leitora se dá a partir da relação
estabelecida entre cada pista, relevante para o leitor,
encontrada no material de leitura.
Dessa forma, a tipologia textual e o contexto
moldam o processo da leitura. Dependendo dessas
variáveis, os planos (fonológicos, morfossintáticos ou
semântico-pragmáticos) acionados pelo leitor construirão o
processamento da leitura e a compreensão.
Durante a estratégia de predição leitora, voltar-se
para a memória em busca de conhecimentos ‘de mundo’,
ou seja, procurar conhecimentos previamente conhecidos
é recurso utilizado por leitores que buscam contextualizar
as informações.
Assim, a estratégia de predição é configurada não
apenas como uma decodificação das pistas encontradas,
mas sim um jogo de ‘quebra-cabeças’ no qual cada
informação encontrada levará a uma suposição que ajudará
na compreensão do material.
As inferências levantadas pelo leitor também
fazem parte do grupo de ferramentas utilizadas pelo
leitor, assim como a predição. Neste artigo, as inferências
psicolonguísticas serão relacionadas com as inferências
pragmáticas contidas na Teoria da Relevância, que se
seguirá no próximo tópico do artigo. Portanto, as inferências
feitas pelo leitor são fundamentais para o processo da
predição leitora.
As inferências decorrem de processos inferenciais
que constroem o sentido das proposições e suas relações.
98
Processamento de leitura: predição e inferências em pôsteres de paródias de filmes de terror
Segundo Grice, podemos descrever e explicar os efeitos de
sentido que vão além do que é dito.
As inferências provêm de implicaturas, que podem ser
convencionais, quando presas ao significado convencional
das palavras e conversacionais, quando não dependem da
significação usual, sendo determinadas por certos princípios
básicos do ato comunicativo (CAMPOS, 2009).
Durante o ato comunicativo, existe um princípio de
cooperação que liga as proposições dos locutores para
que sejam geradas inferências, deduções e conclusões.
Grice descreve algumas máximas e implicaturas dentro do
princípio, como refere Campos (2009).
É importante ressaltar que a relevância também
é considerada por Grice. Sendo relevante, o locutor
apresenta ao ouvinte suas ideias diretamente para que
este possa obter o maior benefício em relação ao custo
quando se comunicar.
Teoria da Relevância
A Teoria da Relevância (TR), de Sperber &
Wilson (1986), parte dos princípios de Grice (1975) para
trabalhar a comunicação humana e estabelece algumas
reformulações de seus apontamentos. As inferências feitas
por um indivíduo sobre um material são importantes para
a conclusão de um processo cognitivo de formulações
acerca da compreensão do mesmo.
A TR considera aspectos sócio-contextuais e usa
elementos da pragmática para se basear inteiramente nas
informações contextuais que lidam desde o comportamento
de um falante até um conjunto de suposições que possam
concluir a compreensão de um material.
Prezando pelos elementos ostensivos das
informações, a TR estabelece que de um lado do ato
comunicacional uma pessoa está envolvida com a relevância
da informação através da ostensão e no outro lado uma
pessoa está envolvida nas deduções. Segundo Campos
(2008, p. 11):
Todo estímulo ostensivo (intenção
informativa e comunicativa) comunica
a presunção de sua própria relevância
ótima – o estímulo é relevante
suficiente para merecer o esforço de
processamento da audiência e – é o mais
relevante compatível com as habilidades
e preferências do comunicador. O
grau de relevância é diretamente
proporcional à relação entre esforço
de processamento e efeito cognitivo
positivo. Em contextos idênticos,
tanto menor o primeiro e tanto maior o
segundo, mais relevante o estímulo.
Logo, um falante A comunica intencionalmente a B
através de um código linguístico, também apresentando
aspectos contextuais que geram inferências em B. A se
torna relevante para B quando apresenta suas informações
ostensivamente, e é criada uma relação entre A e B de
menor custo de processamento da informação para maior
benefício na conclusão e compreensão da informação.
99
Luiza Helena Müller dos Santos
Vemos a seguir em S&W (2005, p. 03):
Intuitivamente, um input (uma visão,
um som, um enunciado, uma memória)
é relevante para um indivíduo quando
ele se conecta com informação de
background disponível, de modo a
produzir conclusões que importam
a esse indivíduo: ou melhor, para
responder uma questão que ele tinha
em mente, aumentar seu conhecimento
em certo tópico, esclarecer uma
dúvida, confirmar uma suspeita, ou
corrigir uma impressão equivocada.
Nos termos da Teoria da Relevância,
um input é relevante para um indivíduo
quando seu processamento, em um
contexto de suposições disponíveis,
produz um efeito cognitivo positivo.
A contextualização do ato comunicativo é
fundamental para as formulações cognitivas de cada
falante, logo, cada discurso representa um estímulo
ostensivo que tem de ser adequadamente interpretado. Em
S&W (2005, p. 13), vemos que o processo de interpretação
se dá naturalmente pelo caminho de menor esforço:
...quando um ouvinte segue o caminho
de menor esforço, ele chega a uma
interpretação
que
satisfaz
suas
expectativas de relevância que, na
ausência de evidências contrárias,
é a hipótese mais plausível sobre o
significado do falante. Uma vez que
a compreensão é um processo de
inferência não demonstrativo, essa
hipótese bem pode ser falsa; porém,
ela é a melhor que um ouvinte racional
pode fazer.
Durante o processo comunicativo, um ambiente
cognitivo envolve processos mentais dos indivíduos que
tomam suposições como verdadeiras mutuamente.
Um falante pode supor as inferências do interlocutor,
também, as intenções do falante podem ser reconhecidas
pelo interlocutor mesmo quando implícitas durante o
processamento da informação já que o ambiente cognitivo
é conhecido dentro de um contexto cognitivo específico.
O contexto pode se dar de formas diferentes, como o
contexto físico em que se encontra o ato comunicacional
(lugar) ou o contexto em que se insere o ato comunicacional
dependendo de discursos anteriores, logo, uma informação
passa a ser relevante somente quando ligada a um
determinado contexto.
Figuras de linguagem como a ironia, por exemplo,
pode levantar premissas específicas em determinados
contextos, podendo ainda ser relevante para a audiência
de um comunicador desde que os contextos se apresentem
mutuamente, como em S&W (2005, p. 26):
A ironia verbal não envolve nenhuma
maquinaria especial ou procedimentos
que não os já necessários para abordar
um uso básico da linguagem, o uso
interpretativo, e uma forma específica
100
Processamento de leitura: predição e inferências em pôsteres de paródias de filmes de terror
de uso interpretativo, o uso ecóico. Um
enunciado pode ser interpretativamente
usado para (meta) representar outro
enunciado ou pensamento que se
assemelha a ele em conteúdo. O tipo
de uso interpretativo mais conhecido
é a fala ou pensamento reportado. Um
enunciado é ecóico quando ele alcança
a maior parte de sua relevância ao
expressar a atitude do falante para
pontos de vista que ele tacitamente
atribui a outrem.
As explicaturas ou as implicaturas podem passar
informações. As explicaturas tratam das inferências entre o
implícito e o dito, já as implicaturas tratam das suposições
implícitas contextuais que pretendem manifestar a
relevância da informação do falante.
Como as implicaturas tratam do contexto e não do
expresso, elas variam de acordo com a interpretação que
depende de vários aspectos como ambiguidade, modo
de elocução, comportamento do falante. Desse modo, em
S&W (2005, p. 24) vemos que:
Uma proposição pode ser mais ou menos
fortemente implicada. Ela é fortemente
implicada (ou é uma implicatura forte)
se sua recuperação é essencial para
se chegar a uma interpretação que
satisfaça as expectativas de relevância
do destinatário. Ela é fracamente
implicada se sua recuperação ajuda
na construção de certa interpretação,
mas não é, em si, essencial, porque
o enunciado sugere uma escala de
implicaturas similares possíveis.
Sendo alguns conceitos fundamentais da TR
esclarecidos, a discussão da mesma, juntamente com
os conceitos psicolinguísticos já citados, analisará o
processo de leitura dos elementos presentes nos pôsteres
de paródias de filmes de terror.
Pôsteres de paródias de filme de terror
Os filmes de terror são expostos na cultura de
massa há muito tempo, fazem parte da cultura mundial e
passíveis de avaliações e críticas por parte da audiência. A
paródia simboliza um tipo de crítica sobre o objeto.
Bakhtin (1987) apontou, em seu estudo sobre
carnavalização, que o festejo carnavalesco propiciava
a criação de novos símbolos e linguagens sendo ligados
ao riso. Afirmou, também, que a paródia é decorrente do
riso carnavalesco e da reformulação de uma referência. A
paródia moderna seria puramente negativa e formal e o
riso ambivalente da época moderna, mesmo alegre, é ao
mesmo tempo sarcástico.
Com um caráter crítico, sarcástico e irônico, a paródia
moderna, por vezes, busca o humor através da reapresentação
satírica do mesmo. Logo, mostra uma semelhança ao objeto
de referência, entretanto, distorce características marcantes.
Sendo uma fuga do discurso e das normas
tradicionais e mais conhecidas, a paródia dá liberdade
ao comunicador de passar sua intenção ao público de
101
Luiza Helena Müller dos Santos
forma indireta com o uso de ironias, mas também pode
ser direta, já que o público, inserido no contexto em que
conhece a referência, está apto a receber aquele tipo de
input e espera a realização da paródia satírica.
Trabalhando com a aplicação da paródia satírica nas
produções audiovisuais conhecidas da cultura de massa,
podemos aplicar o conceito de paródia moderna nos
filmes feitos a partir dos filmes clássicos e convencionais
de terror, uma vez que as paródias distorcem histórias,
personagens clássicos e/ou conhecidos e reformulam
o objetivo da película original. Assim, uma paródia pode
apresentar características dos filmes de terror, porém o
objetivo não é aterrorizar e sim divertir através do humor
proveniente da ironia.
Análises de pôsteres
Tendo em vista que as paródias possuem uma referência, vejamos o exemplo abaixo, sendo um pôster do
filme ‘A Bruxa de Blair: A Paródia’:
(Fo n te :h ttp ://i m g .m e rc a d o l i vr e .c o m.b r/j m /i m g ? s=M L B&f=7 2 2 9 5 2 6 6 _
6904.jpg&v=E)
Pode-se ver que o processo de leitura parte da
relevância e do contexto do leitor, se o mesmo é familiarizado
com o filme original, imediatamente o pôster trará a entrada
enciclopédica, indicando que esse pôster é similar a
102
Processamento de leitura: predição e inferências em pôsteres de paródias de filmes de terror
um cartaz de outro filme. Ao prestar atenção na imagem
principal, verá que a pessoa tem o dedo no nariz e lembrará
que indica falta de educação, inferindo, assim, que
possivelmente esse cartaz não seria sobre um filme sério
ou aterrorizante, e concluindo que não seria o mesmo cartaz
do filme original. O efeito cômico produzido pela imagem se
dá pela relação entre a seriedade do filme original e sua
paródia, uma vez que em nenhum momento esse tipo de
imagem seria vinculado ao original.
É importante também ressaltar que o texto indica
que não se trata do filme original, mas sim ‘A Paródia’, ou
seja, uma reformulação engraçada do filme original de
terror. Há uma quebra no texto que descreve o filme, o leitor
contextualizado com o conteúdo e seriedade do filme original,
ao ler ‘descubra o que pode acontecer com diretores novatos
que se perdem sozinhos em florestas’ pode remeter o texto
ao suspense e terror passado no filme original, entretanto,
o segmento ‘shopping centers e parques públicos’ quebra o
suspense causando um efeito cômico, cujo beneficio é o riso,
uma vez que invalidam o suspense do filme original. Após o
processamento da leitura do pôster, a conclusão implicada é
que o filme em questão usa o humor para distorcer o filme de
terror, logo, deve ser engraçado.
Também vemos que a paródia não necessariamente
se desenrola sobre apenas um filme, mas pode envolver
muitos aspectos latentes e emergentes na cultura e no
período em que é produzido.
(Fonte:http://2.bp.blogspot.com/_f7VsN7cr56s/TM4nhEEXWCI/AAAAAAAAAWg/
A1M_pn59PBw/s400/Os+Vampiros+Que+se+Mordam.jpg)
Nesse exemplo temos muitos elementos que
tratam de um tipo de personagem clássico do terror:
o vampiro. Um leitor contextualizado de que o pôster
se trata de uma paródia verá que cada personagem ali
103
retrata personagens conhecidos, por exemplo, que os
três principais personagens são muito similares aos da
saga de filmes ‘Crepúsculo’. Também, poderá inferir que
os personagens menores retratam tanto figuras populares
quanto vampiros conhecidos, estereótipos.
O leitor começa a inferir que se trata de um cartaz
de um filme na medida em que foca a atenção em cada
elemento, e assim concluirá qual filme e seu conteúdo
assim que assimilar as informações.
Intencionalmente, as figuras destacadas farão o
leitor começar o processamento da informação. Algumas
inferências começam a ser feitas já que as imagens
mostram similaridades com outros cartazes, retratando
personagens vampirescos.
São inferências possíveis, por exemplo, sobre o
homem aparentemente nu na figura principal, mesmo que
possa representar o personagem de ‘Crepúsculo’, que a
posição indica apelo sexual, porém, com características
homossexuais. Essa inferência acaba refletindo no resto
da construção de sentido, já que rompe com a seriedade
do filme original, causando um efeito humorístico na
compreensão da leitura.
Outro elemento bastante estranho ao contexto
vampiresco é a figura do que seria a cantora Lady Gaga
juntamente com o elenco. O leitor poderá buscar em sua
memória enciclopédica e conhecimento de mundo sobre
a caricatura presente, reforçando a ideia de que o filme
não tratará sobre vampiros clássicos, e sim sobre uma
reformulação das histórias sobre vampiros ridicularizados de
maneira engraçada.
Luiza Helena Müller dos Santos
Os textos presentes marcam que o tema é a
distorção humorística do vampiro, já que no lugar de um
nome conhecido como diretor, sarcasticamente é explicito
que o filme é feito por ‘caras que não aguentam mais filmes
de vampiros’. Um leitor contextualizado sobre o sucesso
e a popularidade da saga de filmes ‘Crepúsculo’ poderá
inferir o texto como um tipo de crítica.
A indústria cinematográfica trabalha com algumas
paródias de sucesso. Os pôsteres de ‘Todo Mundo em
Pânico’ e suas sequências retratam paródias de muitos
filmes diferentes, em sua maioria filmes de terror,
suspense e ficção.
Muitos elementos textuais e imagéticos informam
ao leitor pistas que o levarão a uma série de inferências
e conclusões. Nas figuras abaixo, os quatro pôsteres
de ‘Todo Mundo em Pânico’ e suas sequências
mostram caricaturas de diversos personagens, cada um
poderá criar uma inferência no leitor, este apoiado nas
entradas enciclopédicas e contextos necessários para o
entendimento e compreensão de cada material.
104
Processamento de leitura: predição e inferências em pôsteres de paródias de filmes de terror
No primeiro cartaz, alguns personagens representam
caricaturas de outros personagens em outros filmes. A
figura principal centralizada dá ao leitor contextualizado
pistas para fazer inferências acerca do conteúdo. De
acordo com o conhecimento de mundo do leitor, a máscara
pode ser uma clara referência à série de filmes de terror
‘Pânico’, no qual o assassino em série usa uma máscara
idêntica. Porém, o personagem aparece segurando um
pacote de pipoca, assim, a suposição de que o cartaz seria
de um filme de terror é cancelada, já que outra inferência é
produzida, a de que um assassino é perigoso e não segura
pipocas. Também, vemos que o homem negro expressando
medo e segurando algo que parece ser um lençol, em que
está escrito ‘I see dead people’; esses elementos podem
produzir inferências no leitor, que busca em sua memória
uma referência para a frase. Esta pode pertencer ao filme de
terror/suspense ‘O Sexto Sentido’ e é dita por um pequeno
menino caucasiano. Logo, pode ser inferido que o homem
negro está na mesma situação, com as mesmas emoções
do menino no filme ‘O Sexto Sentido’. A relação estabelecida
produz um efeito cômico, uma vez que o homem adulto é
completamente oposto ao menino frágil do filme original.
A conclusão implicada é de que o filme é uma
paródia de filmes de terror anteriores, e é reforçada pelo
texto ‘Você vai morrer... ’ que implica uma ameaça direta ao
leitor, porém o complemento dá suporte para a conclusão
de que o filme é engraçado já que diz que a forma da morte
do leitor seria ‘... de tanto rir!’.
(Fonte: http://uphunter.files.wordpress.com/2009/10/panico.jpg)
105
Conclusão
O artigo trabalhou conceitos psicolinguísticos de
leitura, principalmente com a predição leitora e também
conceitos pragmáticos de inferência presentes na Teoria da
Relevância de Sperber & Wilson, para ilustrar os conceitos
teóricos por meio de uma análise do processo de leitura de
pôsteres de paródias de filmes de terror.
A leitura, sendo uma atividade cognitiva significativa,
dirigida a um objetivo e dependente de conhecimentos
prévios do leitor, trabalha com diversos processos cognitivos.
Entre eles, a predição leitora consiste na antecipação do
conteúdo e formulação de hipóteses que são derivadas de
processos inferenciais realizados pelo leitor. Os processos
inferenciais, neste artigo, têm base na Teoria da Relevância.
Através de análises de determinados elementos e
pistas encontrados pelo leitor durante o processo de leitura
de pôsteres de paródias de filmes de terror, vê-se que as
figuras principais são os elementos fundamentais para focar
a atenção do leitor, que julga a relevância da informação
para iniciar o processo de compreensão do material.
Os pôsteres, em geral, apresentam personagens que
se assemelham a personagens de filmes sérios, remetendo o
leitor a buscar seus conhecimentos anteriores, ou, ‘de mundo’
em sua memória para situá-lo diante da informação. Assim, o
contexto deverá ser reconhecido pelo leitor para se estabelecer
a relação, caso contrário o leitor não identificará a intenção do
material, não julgará as informações como relevantes ou até
mesmo não conseguirá compreender o mesmo.
Estabelecida a relação por meio das imagens
semelhantes, os processos inferenciais começam a ser
Luiza Helena Müller dos Santos
realizados. As primeiras inferências auxiliam a conectar
o filme original com o pôster em questão; a partir daí,
efeitos cognitivos, geralmente produzindo humor, moldam
o entendimento do material, já que algumas características
dos personagens são distorcidas, rompendo a seriedade do
papel do personagem no filme original.
O leitor poderá concluir que o pôster que apresenta
tais características seria sobre uma paródia de outros
filmes, assim, mesmo apresentando características dos
filmes sérios, poderá ser engraçado. O riso, proveniente da
paródia, é um alto e relevante beneficio para o leitor, mesmo
com os altos custos de processamento de leitura do pôster.
RESUMO – O presente artigo trabalha com conceitos
psicolinguísticos de leitura, especificadamente com a predição
leitora e conceitos pragmáticos de inferência presentes na
Teoria da Relevância. O trabalho tem como objetivo ilustrar
os conceitos teóricos através de uma análise do processo de
leitura de pôsteres de paródias de filmes de terror.
Palavras-chave: Predição Leitora. Inferências. Teoria da
Relevância. Paródia.
ABSTRACT – This article deals with concepts of reading and
psycholinguistics, specifically on the prediction reader and
pragmatic inference concepts present in relevance theory. The
paper aims to illustrate theoretical concepts through an analysis
of the process of parodies of horror movies’ posters.
Keywords: Prediction Reader. Inferences. Relevance
Theory. Parody.
106
Processamento de leitura: predição e inferências em pôsteres de paródias de filmes de terror
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SMITH, F. Compreendendo a leitura. 4. ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2003.
Palabras frecuentes y comprensión de lectura
en L2: ¿Puede el computador contribuir?
Elba Beatriz Lami
Fale com a autora
Muchas áreas dedicadas al estudio del lenguaje se
han beneficiado, en estos últimos años, de la explotación
de los datos extraídos de corpus electrónicos y los
estudios sobre la adquisición y procesamiento de segunda
lengua no han sido ajenos a esta tendencia. Una de las
invaluables ventajas que el corpus proporciona es su
confiabilidad, basada esta en la autenticidad de los datos
de acontecimientos del lenguaje natural que pueden ser
examinados por el investigador.
Este texto tiene como objetivos: destacar la
importancia del conocimiento de vocabulario en el proceso
de lectura en L2 y reflexionar sobre la conveniencia de la
enseñanza explícita de las palabras frecuentes informadas
por herramientas computacionales para mejorar la
comprensión de textos en L2.
1. Conocimiento de vocabulario y comprensión de
lectura.
Se ha aceptado desde hace tiempo que el
conocimiento del léxico es instrumental en la comprensión
de la lectura. En la investigación en primera lengua (L1) tanto
como en segunda lengua (L2), se han escuchado varias
propuestas en relación a qué se entiende por “conocimiento
de vocabulario”. ¿Qué significa conocer una palabra y cuánto
conocimiento es considerado suficiente y por qué?
Qian (2002, p. 514) cita una primera definición de
Cronbach del año 1942, en donde dicho autor dividió el
conocimiento de vocabulario en dos categorías principales:
conocimiento del significado de la palabra (generalización,
amplitud de significado y precisión de significado) y los niveles
de acceso a este conocimiento (disponibilidad y aplicación). No
obstante, como señala Qian, la pronunciación, la ortografía y la
colocación parecen estar ausentes en este marco definitorio.
En la última década, continúa el autor, ha habido
tendencias en considerar al conocimiento lexical como
constituido por dos dimensiones primarias: amplitud y
profundidad. La amplitud se refiere al tamaño del vocabulario
o el número de palabras cuyo significado conocemos, por
lo menos, superficialmente. Profundidad de vocabulario
involucra cómo correctamente uno conoce una palabra. La
dimensión de la profundidad de vocabulario tanto cuanto
su tamaño son indicadores de un buen desempeño en la
lectura en L2, especialmente de textos académicos según
lo afirma el mismo autor.
En el contexto de la investigación sobre
la lectura, la dimension de la profundidad
del
vocabulario
puede
contener
componentes tales como pronunciación,
ortografía, significado, registro, frecuencia
y propiedades morfológicas, sintácticas y
colocacionales (QIAN, 2002, p. 515).
Estructuralmente
y
funcionalmente
estos
componentes están interconectados. En el proceso de lectura
108
Palabras frecuentes y comprensión de lectura en L2: ¿Puede el computador contribuir?
ellos interactúan y se informan unos a otros para que de ese
modo se pueda lograr el mejor resultado en la comprensión.
Aprender vocabulario es un importante aspecto
del desarrollo del lenguaje. Así lo afirman Tozcu y Coady
(2004) quienes agregan que, para algunos estudiosos, el
conocimiento de vocabulario es considerado el factor más
importante en los logros académicos en aprendices de
lengua segunda o extranjera, y que esto está íntimamente
ligado a la proficiencia en la lectura. Todo esto conduce a un
mayor suceso en el ámbito escolar.
Los mismos estudiantes de L2 piensan que el
vocabulario es importante y ellos están entusiasmados
en aprender tantas palabras cuanto puedan. No obstante,
como Coady observó, los profesores tienen la tendencia
en creer que el vocabulario es fácil de aprender y que
la gramática es el desafío. El autor señala que muchos
académicos y maestros parecen concluir que “las palabras
van a ser aprendidas naturalmente de la lectura y no
necesitan ser enseñadas”. En contra de este supuesto, él
es partidario de la memorización directa de ítems lexicales
de “alta frecuencia” (TOZCU Y COADY, 2004, p. 477). De
esta manera, la automatización en el reconocimiento de la
palabra puede ser lograda enfatizando la enseñanza explícita
de palabras en los primeros estadios de la adquisición,
en etapas posteriores, no obstante, el aprendizaje de
vocabulario será basado contextualmente. De acuerdo con
Nation (1993), citado por Tozcu y Coady (2004):”learners
of a foreign language should learn the 2,000 most frequent
words as quickly as possible by using any efficient means
but especially including direct vocabulary learning”.
De lo expuesto hasta ahora, podemos observar
la necesidad de ampliar el vocabulario para una mejor
comprensión en la lectura de textos en L2. El conocimiento
de las palabras más frecuentes en la lengua objeto de
estudio es sinónimo de éxito en la comprensión lectora y
requisito necesario para lograr la proficiencia. Pero ¿cómo
podemos obtener información sobre las palabras más
frecuentes en las diferentes tipologías o géneros textuales
y en determinadas áreas especializadas? Las herramientas
ofrecidas por la nueva rama de la lingüística; la Lingüística de
Corpus, a través de un proceso asistido por computadores
parece darnos la respuesta a nuestro interrogante.
2. Breves consideraciones sobre la Lingüística de
Corpus y sus herramientas
De acuerdo con Gries,
La expresión Linguística de Corpus
se refiere a un método en lingüística
que comprende la recuperación
computarizada, y subsecuente análisis,
de elementos y estructuras lingüísticas
de los corpora (GRIES, 2008, p. 411).
Ahora bien, ¿qué es un corpus? John Sinclair (1991),
uno de los primeros lingüistas de corpus, lo define como
“una colección de textos naturalmente producidos, elegidos
para caracterizar un estado o variedad del lenguaje”.
Es decir, nos encontramos frente a una disciplina
que se alimenta de las informaciones extraídas de
109
Elba Beatriz Lami
datos del uso real de la lengua,
datos auténticos: producidos por
hablantes reales y no imaginarios o
hipotetizados. Toda esta significativa
fuente de gran porte cuantitativo es
accesible por computadores mediante
softwares especializados y ofrecida
al lingüista para poder analizarla y
hipotetizar sobre ella. La prioridad de
los datos empíricos y con ello la visión
probabilística de la lengua son, a prima
facie, los presupuestos teóricos de esta
metodología o disciplina.
¿Por qué esta vacilación entre
disciplina y metodología? Pues bien, los
estudiosos de esta área se encuentran
divididos en cuanto a considerarla
una disciplina autónoma o una simple
metodología. Debido al gran desarrollo
que este tipo de
investigación
lingüística ha alcanzado en las últimas
décadas, se la considera una disciplina
de estudio en sí misma, conocida como
Lingüística de Corpus; no obstante
existen algunos académicos que la
consideran una metodología:
Fig. 2. Ejemplo de una parte de una concordancia en el primer corpus compilado para investigación lingüística: El
Corpus Brown. (Brown University Standard Corpus of Present-Day American English).
[...] but is corpus linguistics really
comparable
with
these
other
hyphenated branches of linguistics?
(socio-linguistics, psycholinguistics,
text linguistics) No, because “corpus
linguistics” refers not to a domain of
study, but rather to a methodological
basis for pursuing linguistic research
(LEECH, 1992, p. 105).
110
Palabras frecuentes y comprensión de lectura en L2: ¿Puede el computador contribuir?
Habiendo presentado compendiosamente lo que la
Lingüística de Corpus estudia, pasamos a mencionar las
herramientas que ella nos ofrece. Existen tres tipos de
métodos: la lista de frecuencias y lista de colocaciones;
las coligaciones y las concordancias (GRIES, 2008,
p. 413). Las colocaciones constituyen el método más
descontextualizado con la posibilidad de búsqueda de una
expresión ignorando el contexto en donde la palabra o frase
fue producida (Fig.1).
Fig. 1. Ejemplo de una parte de una lista de frecuencia de palabras en el
Protocolo de Kioto. Proyecto Termisul Univerdidad Federal de Rio Grande do
Sul. Accesible en: <http://www6.ufrgs.br/termisul/>
En las coligaciones o “collonstructions” como Gries
las denomina, nos encontramos frente a la co-ocurrencias
de elementos lexicales con una gramática o estructura
particular. Nesselhauf (2003, pag. 223) señala que “las
colocaciones, esto es, combinaciones de palabras como
to make a decision o a bitter disappointment son una
parte importante de la competencia del hablante nativo” y
agrega también que “las colocaciones son de una particular
importancia para los aprendices luchando por conseguir
un alto grado de competencia en la segunda lengua”. De
ahí, su importancia como metodología para estudios en
adquisición de vocabulario en segunda lengua.
El fenómeno de colocación ha sido el más
tradicionalmente enfocado en el estudio de corpus como bien
señala Beber Sardinha (2000, p. 360), quien cita a Firth (1957)
como el primero a acuñar la famosa frase “you shall judge a word
by the company it keeps”. Sardinha menciona tres principales
definiciones de colocación en la literatura. Una definición
textual, de Sinclair, donde “colocación es la ocurrencia de dos
o más palabras distantes un pequeño espacio del texto una
de las otras”. Otra definición psicológica de Leech, “ el sentido
colocacional consiste en las asociaciones que una palabra
hace a causa de los sentidos de las otras palabras que tienden
a ocurrir en el mismo ambiente”. Y la estadística de Hoey,
donde “colocación ha sido un nombre dado a la relación que
un item lexical tiene con ítems que aparecen con probabilidad
significativa en su contexto textual”.
Finalmente, las concordancias, con un contexto más
amplio, generalmente con cuatro palabras a la derecha o a la
izquierda de la expresión (Fig.2). Y , así como Hunston (2002,
111
Elba Beatriz Lami
pag. 42), nos podemos preguntar: ¿Qué se puede observar
de las líneas de concordancias? La respuesta será lo “central
y típico del uso” de esa expresión o palabra.
Dependiendo del tipo de corpora a disposición,
Gries (2008) afirma que estos diferentes métodos pueden
ser empleados en datos de interés para la investigación en
adquisición de L2 y observar todos los tipos de lenguaje que
influencian el resultado de los aprendices.
3. Frecuencia y reconocimiento automático de
palabras.
Como hemos podido observar de lo expuesto hasta
el momento, la gran contribución de la metodología de
corpus son los datos de frecuencia de palabras. Ellis (2002)
afirma que el procesamiento del lenguaje está íntimamente
ligado a la frecuencia del input y que la frecuencia es un
componente necesario de las teorías sobre adquisición del
lenguaje y su procesamiento, en el caso que nos interesa
en este trabajo: el proceso de lectura. No obstante, el
autor nota, que ella no es la explicación que basta; existen
también otros determinantes.
Frequency is a necessary component
of theories of language acquisition and
processing . . . Of course, frequency is
not a sufficient explanation; otherwise
we would never get beyond the definite
article in our speech. There are many
other determinants of acquisition
(ELLIS, p. 178).
La psicoliguística y las teorías cognitivas de la
adquisición, como menciona el autor, sostienen que todas
las unidades linguísticas son abstraídas del uso del lenguaje.
En esa perspectiva basada en el uso, la adquisición de
la gramática es un aprendizaje por etapas de miles de
construcciones y de la abstracción parcial de frecuencia
de las regularidades entre ellas.
Language learning is the associative
learning of representations that reflect
the probabilities of occurrence of formfunction mappings. Frequency is thus a
key determinant of acquisition because
“rules” of language, at all levels of
analysis (from phonology, through
syntax, to discourse), are structural
regularities that emerge from learners’
lifetime analysis of the distributional
characteristics of the language input.
Learners have to figure language out
(ELLIS 2002, p. 144).
La estrecha conexión entre la Lingüística de Corpus
y la Lingüística Cognitiva, como argumenta Stefan Gries
(2008, p. 412) se evidenciaría en el hecho de que la
Lingüística de Corpus trata básicamente sobre frecuencias
y es este tipo de datos los que están “en el corazón” de la
Lingüística Cognitiva. ¿Cómo podemos explicar mejor esto?
Para la Gramática Cognitiva el único tipo de elementos que
el sistema lingüístico contiene son las unidades simbólicas.
Para una unidad ser considerada simbólica es necesario
que ella haya ocurrido con frecuencia suficiente para ser
112
Palabras frecuentes y comprensión de lectura en L2: ¿Puede el computador contribuir?
fijada en el sistema lingüístico del hablante / oyente. La
Lingüística Cognitiva en general y la Gramática Cognitiva en
particular son enfoques basados en el uso. El supuesto es
el siguiente: la alta frecuencia de los tokens se correlaciona
con la fuerte fijación y, como argumenta Gries citando a
Langacker (2008, p. 410) “ a mayor fijación mayor acceso a
la unidad simbólica de forma automática”.
Esta accesibilidad automática a la unidad simbólica,
rápida y sin necesidad de analizar la estructura interna, sería
otro ejemplo de afinidad entre la Gramática Cognitiva y la
Lingüística de Corpus. De acuerdo con la teoría interactiva
de la lectura, ambos procesos top-down y bottom-up ocurren
durante la lectura fluente. En otras palabras, como menciona
Coady (1993) citado por Tozcu y Coady (2004, p. 478)
readers do graphophonemic processing
of word-forms and retrieval of their
meaning, as well as inferencing from
global and local context.’ The important
point is that with more fluent readers
vocabulary processing is automatic
which, in turn, allows for more cognitive
processing attention to be given to topdown interpretation (COADY, 1993, p. 18).
Sintetizando, el autor afirma que enseñando
las palabras más frecuentes aumentará la cantidad de
vocabulario visual lo que resultará en más logros en la
proficiencia de la lectura. Igualmente, en relación a la
importancia de la automatización, Akamatsu (2008, p.
175) nota la limitación en nuestros recursos cognitivos y el
impacto que esto tiene en las teorías sobre procesos de
lectura y automatización en el reconocimiento de palabras
considerado como crucial: “automatization (i.e., the process
leading to automaticity) in word recognition is recognized as
a crucial role in reading development”. Asimismo, Wooley
(2010, p. 110) salienta que muchos autores han postulado
que la comprensión de la lectura mejora cuando hay una
disminución en la carga cognitiva en la memoria de trabajo:
during reading, the ability to comprehend is
enhanced when there is a reduction in the
overall cognitive load in working memory.
It is asserted that memory load is affected
by how attention is allocated within
and between the different component
subsystems of working memory during a
particular reading episode.
4. Conclusiones
La metodología de corpus es una alternativa
moderna y eficaz en la producción de datos significativos
para la investigación lingüística. Diferentes ramas de
la lingüística están haciendo uso fructífero de ella y los
estudios en el procesamiento de la lectura en L2 no pueden
desaprovechar la oportunidad que ella ofrece en la facilidad
de almacenamiento de datos y “visualización” de los mismos
gracias a los sistemas computarizados.
El papel que juega la frecuencia en la adquisición
del lenguaje ha sido ampliamente reconocido por los
académicos especializados en el área. Los datos de
113
frecuencia obtenidos con gran facilidad de los corpus
computarizados abren las puertas para poder lograr una
profundidad de vocabulario que resultará en una mejora en
el desempeño en la comprensión de la lectura.
El estudio individualizado de vocabulario aprendido
gracias al auxilio del computador ciertamente facilitará
su adquisición. Además, el aumento del conocimiento de
vocabulario es probable de producir un efecto positivo
significativo en la comprensión de la lectura y velocidad en
el reconocimiento de palabras frecuentes.
La significativa influencia de la frecuencia del
input en los aprendices de segunda lengua, como dato
importante obtenido en algunos estudios empíricos, debe
ser profundizada y corroborada con nuevos estudios que
puedan abarcar diferentes grupos de hablantes de distintas
lenguas y con diferentes variables individuales. Estos
resultados seguramente ayudarán en la reformulación de
métodos de enseñanza de lenguas extranjeras en el marco
de un mundo globalizado.
RESUMEN – La importancia del papel que el conocimiento
de vocabulario juega en la comprensión de la lectura en el
contexto académico ha sido ampliamente reconocido por los
estudiosos del área. La manera de ayudar a los aprendices
de L2 a incorporar la mayor cantidad de palabras en menos
tiempo y de forma efectiva es el desafío que se presenta a los
profesores de lengua extranjera.
Este trabajo tiene como objetivos presentar las
herramientas que la Lingüística de Corpus nos proporciona
para la obtención de datos de frecuencia de palabras; y
Elba Beatriz Lami
destacar la estrecha relación entre la automatización en el
reconocimiento de palabras y la comprensión proficiente
de lectura.
Palabras claves: Comprensión de Lectura en L2; Lingüística
de Corpus; Frecuencia y automatización de palabras.
ABSTRACT – The important role that vocabulary knowledge
plays in reading comprehension in academic context has
been widely recognized by scholars of the field. The way to
help L2 learners to incorporate the greatest amount of words
in less time and in an effective manner is the challenge that
foreign language teachers have to face.
This work is aiming at introducing the tools that Corpus
Linguistics offers to gather data of word frequency; and
pointing out the close relation between automatization in
word recognition and proficient reading comprehension.
Keywords: L2 Reading Comprehension; Corpus Linguistics;
Word Frequency and automatization.
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Inferências e compreensão leitora
Elisângela Kipper1
Fale com a autora
Nas sociedades letradas a questão da importância
da leitura é indiscutível visto que ela faz parte da vida
cotidiana, desde as tarefas mais banais como tomar o ônibus,
ler informações nas ruas, nomes de estabelecimentos
comerciais, até a leitura necessária nas mais diversas
profissões: o pintor precisa ler as instruções de seu material
de pintura a secretária lê e responde a diversos emails
durante o dia, a dona de casa lê uma receita nova, o
professor, o estudante, todos precisam da leitura. Percebese que nessas sociedades manusear o código escrito é uma
questão de cidadania, porém existe uma grande parte da
população que não possui acesso a esse tipo de código. Da
mesma forma, existem aqueles que tiveram algum contato
com a alfabetização, sendo considerados alfabetizados
pelas estatísticas, mas que não compreendem o que
leem, somente decodificam o código escrito, os chamados
analfabetos funcionais.
Por algum tempo o simples ato de decodificar era
entendido como sinônimo de leitura, porém esse é apenas
um primeiro nível, embora fundamental, visto que possibilita
o acesso ao código por parte do leitor e sem ele não existiria
a leitura. Quanto mais experiente for o leitor, melhor será
sua habilidade de decodificação, pois esta acaba tornandose um processo automático e à medida que esse leitor,
1
Mestranda em Linguística- PUCRS. Email:[email protected]
mais experiente, não necessitar direcionar tanta atenção a
aspectos mais básicos da leitura, como é a decodificação,
irá fazer menos fixações durante os movimentos sacádicos2
e essa atenção poderá ser focada na compreensão do
texto e na realização de inferências que o auxiliarão nesse
processo. Este seria um segundo nível de leitura, o da
compreensão, mais profundo que a simples decodificação.
Nesse sentido este artigo procurará refletir sobre a
leitura como um processo de representação da realidade e
como a busca de significado sobre os dois lados da leitura:
informação visual e não visual. Discorrerá também sobre o
tema dos processos de leitura: ascendente, descendente e
integrativo, por entender que essa discussão é pertinente para
chegar-se à questão da compreensão, a qual, por sua vez, é
adquirida através da capacidade inferencial dos leitores.
A compreensão é o fator que relaciona os aspectos
relevantes do mundo a nossa volta, estando diretamente
ligada aos conhecimentos prévios e aos esquemas mentais.
Sendo assim, este artigo também procurará discutir sobre
predição e inferências, duas estratégias fundamentais na
leitura e que se inter-relacionam. Em se tratando de predição
cabe destacar a relevância das pistas oferecidas pelo texto,
tanto o aspecto estrutural, quanto o aspecto da redundância
das pistas. O foco principal do trabalho será na estratégia
da inferência e, a partir dela, serão feitas algumas análises
de tiras do autor argentino Quino.
Saccade (francês) = espasmo. Seriam os saltos rápidos, irregulares, mas
acurados do movimento ocular, importantes na leitura, os quais englobam em
torno de sete palavras por vez nos leitores mais proficientes e um número bem
menor de palavras durante a leitura por parte de um leitor não proficiente, ou
daquele que encontra problemas durante a leitura, por exemplo, ao se deparar
com termos desconhecidos.
2
116
1. Reflexões sobre leitura
Segundo Leffa (1996), a leitura seria um processo de
representação, sem se dar por acesso direto à realidade,
visto que existe a intermediação de outros elementos
incutidos nessa realidade. Então, ocorre um processo de
triangulação da leitura, uma vez que, por meio da visão,
olha-se uma “coisa” e vê-se outra, pois a percepção está
repleta de conhecimentos prévios que irão intermediar
e influenciar o que se vê. “Não se lê, portanto, apenas a
palavra escrita, mas o próprio mundo que nos cerca”. Ainda,
“ler é na sua essência, olhar para uma coisa e ver outra”
LEFFA (1996, p. 10).
Corroborando com o pensamento de Leffa, é possível
perceber que Smith (2003), no capítulo titulado “Entre os
olhos e o cérebro”, também alude à questão da leitura como
algo muito além de somente decodificar.
Sob a perspectiva psicolinguista, Smith (2003)
argumenta que os olhos não veem, eles observam, pois
são dispositivos de coleta para o cérebro, que por sua
vez, determina o que e como vemos. O autor aponta dois
lados da leitura: o primeiro seria o da informação visual,
aquilo que vemos na página impressa e que desaparece
quando as luzes se apagam; o segundo lado, ou a segunda
percepção da leitura seria a informação não visual, que
ocorre por trás dos globos oculares e que está com o leitor
o tempo todo, não desaparecendo quando as luzes se
apagam, pois essa informação é oriunda das experiências
do leitor, ou seja, seus conhecimentos prévios. Assim,
para Smith, existe uma relação recíproca entre os dois
Inferências e compreensão leitora
tipos de informação: quanto mais informação não visual
o leitor possua, menos informação visual necessitará
durante a leitura, muito embora esta sempre envolverá uma
combinação de informações visual e não visual. Na leitura
é importante aquilo que ocorre por trás dos olhos, onde se
localizam o conhecimento anterior, a finalidade, incertezas
e questões a serem feitas.
Percebe-se que ambos os autores citados
acreditam que a ‘bagagem’ trazida pelo leitor irá influenciar
diretamente no processo de compreensão do texto, visto
que nela se encontram as representações mentais que
darão significado ao que se lê. Através dessa perspectiva
verifica-se que a leitura não é uma tarefa fácil, ela exige do
leitor ampla atividade cognitiva que envolve os sentidos, a
memória, a atenção, a capacidade de decodificação, assim
como a familiaridade com aspectos linguísticos dos mais
diversos níveis como fonológico, semântico, sintático e
também pragmático que estarão implicados de uma forma
ou de outra no que Smith denomina “visão de mundo” do
leitor, e que, por sua vez, implica diretamente no processo
da compreensão leitora.
Leffa (1996) propõe definições de leitura em que é
possível verificar a dicotomia entre leitura como extração
de significado de um determinado texto e leitura como
atribuição de significado ao texto. Na primeira visão de
leitura tem-se a direção do texto para o leitor e a ênfase é
dada no objeto escrito, como se este tivesse um significado
preciso, exato e completo a ser captado pelo leitor à medida
que este vai decodificando, linearmente, da esquerda para
a direita, palavra por palavra, a mensagem trazida pelo
117
Elisangela Kipper
texto. Nessa concepção o leitor estaria subordinado ao
que aparece nas páginas escritas, o que ele recebe é o
centro da leitura, esta vai subindo do texto em direção ao
leitor, de maneira ascendente e a compreensão acontece
enquanto o leitor avança no texto. Pereira (2009, p.12)
nomeia essa visão como um processamento cognitivo de
movimento bottom-up.
Uma segunda visão de leitura entende que ler é
atribuir significado ao texto. Dessa forma, o centro do
processo de leitura seria o próprio leitor, é ele quem atribui
e extrai significado do texto dependendo da bagagem e das
experiências prévias que inferem no momento da leitura, o
que possibilita um mesmo texto provocar diferentes leituras
dependendo da percepção da realidade de cada leitor.
A riqueza da leitura não está
necessariamente nas grandes obras
clássicas, mas na experiência do leitor
ao processar o texto. O significado
não está na mensagem do texto, mas
na série de acontecimentos que o
texto desencadeia na mente do leitor
(LEFFA, 1996, p. 15).
Essa segunda visão de leitura, ao contrário da
primeira, acredita na possibilidade de o leitor prever
(“adivinhar”, segundo Leffa) o que as frases seguintes
trazem, não sendo necessário buscar significados de
palavras desconhecidas no dicionário, visto que o contexto
geralmente autoexplicará o vocábulo desconhecido. Nessa
concepção, o entendimento se efetiva através de um
processo de leitura descendente, ou seja, desce do leitor ao
texto. Cabe salientar que, embora as diferentes realidades
possam inferir em múltiplas interpretações, existe um limite
quanto ao número de inferências possíveis nesse diálogo
entre texto (que também implica autoria) e leitor. Esse
movimento descendente, não linear é nomeado por Pereira
(2009, p. 12), como movimento top-down.
Entender o processo de leitura apenas como uma
das visões mencionadas acima implicaria não perceber que
na maioria das vezes essa dicotomia torna-se una, havendo
um processo complexo de interação entre texto e leitor, em
que ambos interagem em busca da compreensão, o que
vem, então, a gerar uma terceira visão, em via dupla: a de
leitura como interação texto/leitor e entre uma concepção
ascendente e descendente de leitura. Nessa concepção,
o leitor usa seu conhecimento prévio para interagir com a
informação do texto, processo conhecido como interativo.
Ao entender a leitura como um processo interativo,
a visão de leitor passivo, que recebe informações do texto,
deve ser abandonada, em direção a uma visão de leitor ativo, atuante na completude do texto. Esse tipo de visão implica diretamente o entendimento da compreensão como
o fator que relaciona os aspectos relevantes do mundo a
nossa volta (Smith, 2003). Por meio da leitura é possível
agregar algo novo ao que já conhecemos e ao mesmo tempo modificar nossos conhecimentos anteriores, integrando
o dito no texto e os conhecimentos prévios do leitor.
Para entender um texto devemos
relacionar os dados fragmentados do
texto com a visão que já construímos
118
Inferências e compreensão leitora
de mundo. Todo texto pressupõe essa
visão de mundo e deixa lacunas a
serem preenchidas pelo leitor. Sem
o preenchimento dessas lacunas a
compreensão não é possível (LEFFA
1996, p. 25).
Para a compreensão do mundo, segundo Leffa (1996)
e Smith (2003), o leitor necessita possuir uma representação
mental do mesmo, que lhe é fornecida através de esquemas.
Esses são estruturas abstratas, construídas pelo próprio
indivíduo para representar sua teoria de mundo, sendo
que aos poucos o indivíduo percebe que suas experiências
possuem características comuns a outras e vão se
estabelecendo convenções. Para Smith (2003), compartilhar
a mesma cultura significa ter a mesma base categórica para
organizar os conhecimentos; assim, a linguagem reflete a
maneira como certa cultura organiza a experiência.
Dentro da representação mental de um indivíduo
e de uma determinada sociedade, tem-se o esquema de
uma sala de aula, de um restaurante, de um almoço, de
uma fazenda, etc. No esquema do almoço, por exemplo,
temos uma série de elementos comuns que nos dão essa
representação mental: a hora, o uso de talheres, a comida,
etc. Leffa (1996) denomina esses elementos como sendo
variáveis, mutáveis e adaptáveis. Para ele “o que caracteriza
um determinado esquema é, portanto, uma determinada
configuração de variáveis” (p. 35). Dessa forma, segundo a
Teoria dos Esquemas, “a leitura não é nem atribuição nem
extração de significados, mas a interação adequada entre
os dados do texto e o conhecimento prévio do leitor” (p. 44).
Outros dois conceitos relevantes em se tratando de
leitura, entendidos também como estratégias, são a predição
e a inferência. Segundo Pereira (2009) essas duas estratégias
seriam os “alicerces do raciocínio para compreensão leitora”.
Segundo Goodman (1991, p. 28), “os leitores utilizam
uma quantidade mínima da informação textual disponível
necessária em comparação com os esquemas linguísticos e
conceituais do leitor existentes para obter o significado”.
A estratégia da predição, também entendida como
previsão, permite a fluência do processo de leitura, pois o
leitor, à medida que vai adquirindo experiências, consegue
perceber as pistas trazidas pelo texto que irão facilitar sua
capacidade antecipatória. Para Smith (2003), a previsão é a
eliminação anterior de alternativas improváveis e a projeção
de possibilidades, o que permite reduzir a ambiguidade e
eliminar, de antemão, alternativas irrelevantes. Esse autor
relaciona diretamente a estratégia em questão com a
compreensão. Para ele, previsão é “fazermos perguntas,
e compreensão é respondê-las”. Também entende que
previsão significa que a incerteza do ouvinte ou leitor está
limitada a umas poucas alternativas prováveis, visto que os
diversos contextos - silábico, da palavra, da frase e o próprio
sentido do texto - irão direcioná-lo para as pistas corretas.
Várias são as pistas que o leitor poderá perceber,
Smith comenta a relevância da organização textual em
estruturas formais pré-estabelecidas, os esquemas de
gêneros, que auxiliam as previsões do leitor e também na
recordação do lido. Segundo ele: “quanto mais um autor
conhece e respeita as formas que o leitor irá prever, mais o
texto será fácil de ler e recordar” (SMITH, 2003, p. 61).
119
Elisangela Kipper
As estruturas também determinam a memória.
Quanto mais o leitor puder antecipar as estruturas formais
que um autor utiliza, mais poderá compreender e recordar
o que lê. Da mesma forma, quanto mais um autor conhece
e respeita as formas que o leitor irá prever, mais o texto
será fácil de ler e recordar. O leitor precisa conhecer os
diferentes gêneros textuais para entender a leitura e o autor
precisa usá-los para facilitar a compreensão e a memória,
diretamente relacionadas.
Outras pistas são oferecidas ao leitor através da
redundância. Segundo Smith (2003) ela existe sempre
que a mesma informação está disponível em mais de uma
fonte, ou seja, quando as mesmas alternativas podem ser
eliminadas através de mais de uma maneira e envolvendo
vários níveis linguísticos. Smith (2003, p. 76) explica a
redundância com o exemplo a seguir:
O capitão ordenou que o marujo lançasse a ânPara o autor existem diferentes modos (pistas) que
possibilitam o leitor a prever (“reduzir a incerteza”) no que
tange ao restante da sentença. Primeiro poderia ser feita
uma eliminação visual, virando a página e seguindo a leitura através da evidência propiciada pelo sentido da visão.
Outro modo de previsão seria através de uma pista ortográfica, então não poderia ser “b, m, p, x,” uma vez que
não ocorrem após “ân”. Provavelmente o leitor pensaria
que se trata de um substantivo ou adjetivo, uma vez que
essas classes de palavras são precedidas pelo artigo, propiciando então uma eliminação sintática. Pode-se, também,
eliminar vários substantivos e adjetivos que começam com
“ân”, como ânfora (vaso grego), ânafe (trevo) uma vez que
se entende que não são objetos que marujos lançam ao
mar, usa-se assim uma eliminação semântica. Para o autor,
essas formas de eliminação visual, ortográfica, sintática e
semântica fornecem informações sobrepostas, implicando
redundâncias que facilitarão no processo preditivo. Assim,
quanto mais redundância existir, menos informações visuais serão necessárias para o leitor experiente.
Goodman (1991) postula três sistemas de indícios,
de onde o leitor extrairia as pistas preditivas de informação
na leitura: o sistema grafofônico (envolvendo os sistemas
ortográfico, fonológico e fonético); o sistema sintático (gramática da língua) e o sistema semântico (envolve o sentido, a pragmática).
Os leitores utilizam uma seleção de
indícios grafofônicos, sintáticos e semânticos. Esses indícios estão dentro
do texto e do leitor. Os leitores devem
ter esquemas para a ortografia, para a
sintaxe da língua e para os conceitos
pressupostos pelo autor, a fim de selecionar, utilizar e fornecer os indícios
apropriados para o texto dado (GOODMAN, 1991, p. 35).
Percebe-se que a estratégia da previsão fornece
pistas para que o leitor vá lançando suas hipóteses sobre
o que está por vir no texto, tal estratégia está intimamente relacionada com a inferência, visto que para prever ele
parte de indícios do que já conhece, tanto no que tange
120
a microestrutura (conhecimentos linguísticos), quanto a
macroestrutura (sua visão de mundo).
Este artigo procurará, a seguir, focar as estratégias
inferenciais de leitura, pois entende que as interpretações
de mundo possíveis estão diretamente ligadas ao que o leitor infere durante a leitura.
2. Inferências e compreensão leitora
Para entender o processo inferencial é necessário
ter presente a noção de esquema (estruturas para a representação de conceitos na memória), já discutida anteriormente. Segundo os defensores dessa teoria, os esquemas servem para preencher lacunas durante o processo
de compreensão e são acionados pela ativação inferencial
que é dada através de hipóteses. À medida que o texto vai
se solidificando, tais hipóteses vão se concretizando, ou
não, dependendo das inferências a que o leitor recorreu.
Para que as hipóteses se concretizem é preciso haver uma espécie de “harmonia”, uma integração entre autor, texto e leitor. Madruga (2006) aponta três motivos que
explicariam a interpretação incorreta de um texto: quando
não existem os esquemas apropriados ao leitor (a bagagem não é suficiente); quando o escritor não proporciona
os indícios adequados; ou quando o leitor constrói uma representação inferencial coerente, porém, incorreta. Nesse
sentido, a parte quatro deste artigo fará a análise prática
de algumas tiras da Mafalda, com o intuito de refletir sobre
algumas das inferências possíveis, por parte do leitor.
Inferências e compreensão leitora
Segundo Madruga (2006), as inferências são o núcleo do processo de compreensão e de comunicação humana, servindo para unir a informação nova a um todo relacionado. Ou seja, por meio delas o indivíduo consegue
interligar o input recebido nas inúmeras situações de sua
vida com a informação trazida pelo texto, gerando um novo
conhecimento e, este, por sua vez, irá interferir novamente
na aquisição de novas experiências, como em uma cadeia.
Entendendo esse processo é possível perceber por
que leitores mais experientes conseguem fazer reflexões
mais profundas em suas leituras, enquanto os menos experientes muitas vezes não conseguem compreender um texto em sua totalidade, pois a compreensão está intimamente
relacionada com o acúmulo de experiências (na memória)
que refletirão diretamente na capacidade de fazer inferências. Por isso, para Madruga o conceito de inferência é visto como um processo de recuperação da informação na
memória de longo prazo e como um processo de geração
de novos conhecimentos, que irão posteriormente para a
memória de longo prazo.
Para Pereira (2009), a inferência é definida como o
percurso cognitivo para a predição, no intuito de beneficiar a
compreensão leitora. A autora utiliza duas categorizações que
abarcam perfeitamente os processos inferenciais: a inferência
linguística episódica (que envolve os níveis grafofônico,
morfológico, sintático, semântico e pragmático, entendendo
que estes podem ocorrer simultaneamente) e a inferência
metalingüística, que se detém apenas nas pistas linguísticas.3
Para uma análise mais profunda ver: Predição e inferência, PEREIRA
(2009, p. 14 - 17)
3
121
No que tange à classificação dos tipos de inferências,
Madruga (2006) também apresenta uma categorização
bastante interessante. Ele divide as inferências em duas
maneiras de análise: a primeira considera o tipo de
processo mental implicado (inferências automáticas ou
controladas), a segunda leva em consideração os tipos de
tarefas e o nível de representação em que as inferências
estão relacionadas (inferências com coerência local e
base no texto, inferências relacionadas com a coerência
global, inferências relacionadas com o modelo situacional e
inferências relacionadas com o gênero do discurso)4.
Outra discussão interessante de Madruga diz
respeito às teorias sobre a realização de inferências, que
nas últimas décadas geraram algum tipo de polêmica:
a teoria minimalista e a teoria construtivista.5 Essas
duas visões divergem acerca do momento em que se
geram os diversos tipos de inferências. Segundo o autor,
a primeira teoria centra-se na distinção entre inferências
automáticas e estratégicas, estas últimas controladas
pelos objetivos do leitor, sustentando que as inferências
automáticas estão disponíveis na coerência local (através
das conexões do texto).
A segunda teoria sustenta que, além das inferências
depreendidas pelas conexões do texto, geram-se inferências
globais a partir do modelo mental que os leitores constroem
quando compreendem um texto. Nessa perspectiva, para
a compreensão é preciso mais do que o texto em si, é
Elisangela Kipper
necessário abarcar o modelo situacional6 (o texto mais os
conhecimentos de mundo do leitor).
De acordo com os aspectos discutidos até aqui se
verifica que a inferência é importantíssima no processo de
leitura, e, como mencionado anteriormente, as interpretações de mundo possíveis estão diretamente ligadas ao que
o leitor infere durante a leitura. No entanto, se faz necessário evidenciar que a estratégia inferencial não ocorre sozinha, estando diretamente envolvida com a predição e com
a quantidade de esquemas mentais disponíveis no leitor,
sendo impossível separar essas noções.
3. A estratégia da inferência na prática
Para uma maior reflexão prática no que tange à estratégia da inferência, selecionaram-se três tiras do escritor de histórias em quadrinhos Quino, o argentino Joaquín
Salvador Lavado, que em 1964 começou a publicar as
histórias de Mafalda, uma menina muito esperta que com
menos de oito anos faz análise dos problemas políticos,
odeia sopa, quer fazer faculdade (o que não era comum
às mulheres da época) e trabalhar na ONU, questiona sua
mãe pelo fato de dedicar-se apenas aos cuidados da casa
e não ter uma profissão. Enfim, a personagem faz uma
relexão cômica e irônica dos problemas e acontecimentos
da época em que eram escritos (1964 a 1973), mas que
são adequados e atuais para gerar reflexões nos dias de
“A principal função do chamado modelo de situação é estabelecer a coerência da
rede, o que é feito por meio do preenchimento das lacunas textuais, o que o leitor
realiza, ao mobilizar seu conhecimento prévio. Ou seja, é o conhecimento prévio
que permite ao leitor produzir inferências, construindo, dessa forma, a representação mental do texto” GABRIEL (2009, p. 06). Ver também MADRUGA (2006, p. 50).
6
Para um estudo mais detalhado dessa classificação ver: MADRUGA (2006,
p. 81 - 91).
5
Para um aprofundamento na questão das teorias inferenciais ver: MADRUGA
(2006, p. 92 -94).
4
122
hoje, misturando o trágico com o cômico, ao passo que
diverte e denuncia ao mesmo tempo.
As tiras em questão foram distribuídas para cinco
adolescentes cursando a oitava série do Ensino Fundamental (14 e 15 anos) e cinco estudantes do curso de pós-graduação em letras (25 a 35 anos), com o intuito de perceber
como as variáveis idade e escolaridade poderiam interferir
na quantidade e profundidade das inferências.
Solicitou-se que os participantes escrevessem o
entendimento que tiveram numa primeira e rápida leitura; posteriormente eles deveriam ler novamente as tiras e
relatar de forma escrita as interpretações mais profundas
(geradas por um maior número de inferências, com uma
maior refexão). Outra solicitação feita foi no sentido de pontuarem as palavras ou ícones que serviram de pistas para a
compreensão (pistas que auxiliaram o direcionamento das
inferências). Importante salientar que a tarefa foi solicitada
sem nenhuma atividade de pré-leitura.
Com relação à primeira tira (anexo I) verificou-se que
os adolesentes fizeram interpretações literais, ficando num
nível apenas linguístico, reproduzindo o escrito na tira, não
relacionando-a com acontecimentos sociais e históricos.
Não houve nenhuma referência a conflitos estudantis, que
seguramente nunca vivenciaram, mas que poderiam ter sido
acompanhados na televisão, ou ser fruto de conhecimento de
leituras prévias. No momento da realização das inferências,
se os adolescentes já possuíam algum tipo de ‘bagagem’ com
relação ao tema, estes não foram acionados, seguramente
porque não lhes foram relevantes. Já os estudantes mais
velhos, certamente com a bagagem de suas leituras e
Inferências e compreensão leitora
conhecedores das críticas do autor argentino, puderam
remeter-se ao período da ditadura quando os conflitos entre
universitários e policiais eram frequentes.
No que tange à segunda tira (anexo II) foi possível
perceber que a capacidade de abstração dos adolescentes
precisa ser mais trabalhada, visto que a maioria deles, mais
uma vez, somente parafraseou o dito na tira, não fazendo
inferência crítica com a realidade, o que se percebe na
interpretação de um dos participantes do grupo em questão:
“A aluna entendeu que a professora estava falando sobre
sua própria vida, mas sendo que na realidade ela estava
apenas explicando a matéria”.
Em se tratando dessa segunda tira, observou-se
que, com o aumento dos conhecimentos prévios, adquiridos
paralelamente com as variáveis idade e escolaridade, os
estudantes do segundo grupo, mais uma vez, mostraram
capacidade inferencial mais elevada, percebendo a intenção
de crítica ao sistema educacional vigente.
A capacidade de fazer inferências é condicionada
à capacidade de abstração. Para Madruga (2006), a abstração é característica do pensamento de adolescentes e
adultos, não sendo algo universal, pois é fruto de longos
anos de estudos e práticas intelectuais aos quais começamos a ser expostos no início dos anos escolares.
Rossa (2002) aborda a questão da experiência leitora como determinante na compreensão, entendendo-a
como algo treinável:
Quanto mais experientes como leitores, mais os aprendizes conseguem
lembrar e compreender parágrafos
123
Elisangela Kipper
inteiros, em especial as informações
explícitas no texto. Com o treinamento
adequado o aluno consegue estabelecer relações cada vez mais adequadas
e profundas e consegue ler as idéias
que estão presentes no texto, embora
não ditas diretamente. A leitura entrelinhas é mais facilmente treinável a
partir de aproximadamente 12 anos de
idade... (ROSSA, p. 137).
Com relação à terceira tira (anexo III) verificou-se que
as inferências de ambos os grupos geraram interpretações
com um mesmo nível de profundidade. Embora mais novos,
o grupo de adolescentes conhece as adversidades do
mundo, pois as vivenciam, e está diariamente em contato
com o discurso da mídia que também as relatam. Conhecer
o tema da tira certamente facilitou a interpretação no sentido
de comprender que a crítica estava voltada aos problemas
do mundo, implicando a descrição do original como um
desastre, palavra que fez com que todos os leitores,
independente da idade e escolaridade, inferissem em
seu sentido negativo que abarca a violência, os desastres
ecológicos, os conflitos entre as nações, o abuso de
autoridade, os preconceitos, etc. Nesse sentido percebe-se
a relevância das experiências significativas na construção
das inferências, outro fator que facilita a compreensão.
Através dessa reflexão prática verificou-se que
as variáveis idade e escolaridade implicam diretamente
a quantidade e a profundidade das inferências trazidas
ao texto no momento da compreensão. Conforme o
verificado através da análise da terceira tira, percebeu-se
que, além das variáveis acima mencionadas, é mais fácil
compreender elementos que condizem com a realidade
vivida, visto que estes implicam uma maior significação e
consequentemente será gravado na memória do indivíduo,
podendo ser resgatado com maior facilidade no momento
de fazer inferências durante a compreensão leitora.
Obviamente a quantidade de participantes dessa
atividade prática é questionável e não possui um peso relativo
capaz de generalizar seus resultados; no entanto, este trabalho
objetivou apenas uma pequena amostragem do quanto os
conhecimentos prévios que se adquirem no decorrer da idade
e da escolarização, assim como os elementos significativos,
podem interferir na compreensão leitora.
Conclusão
Através das reflexões aqui apresentadas, que direcionam a uma visão integrativa do processo de leitura,
verificou-se que o significado não está somente no texto,
embora seja nele que se encontre o sentido pretendido
pelo autor, a completude da compreensão somente se
dará quando as ideias do autor se unirem com o conhecimento de mundo que o leitor trará para o texto. Assim, a
compreensão leitora implica autor, texto e leitor.
As diferentes realidades vividas pelos leitores e
trazidas ao texto implicarão diferentes maneiras de reconstrução do texto, condicionando uma polissemia de
sentidos, que se verifica nas diferentes interpretações
possíveis. Nesse sentido é impossível entender a leitura
apenas como ato de decodificar, visto que o leitor ne-
124
Inferências e compreensão leitora
cessita inferir para poder extrair as ideias implícitas nas
entrelinhas do texto. Quanto mais experiente for o leitor,
maior o número de inferências possíveis no processo de
compreensão. As experiências são gravadas na memória
segundo sua relevância, ou seja, armazenam-se experiências segundo o seu grau de significação para o indivíduo. As inferências jamais ocorrem sozinhas, estando
diretamente envolvidas com a predição e com a quantidade de esquemas disponíveis na mente do leitor, sendo
impossível separar essas noções.
understanding, it will also discuss some relevant concepts to
the understanding of such strategies in a practical attempt to
analyze the possible inferences in Mafalda comic strips.
Predição. Esquemas.
LEFFA, VILSOM J. Aspectos da leitura: Uma perspectiva
sociolinguística. Porto Alegre: Sagra- D.C Luzzatto, 1996.
Keywords: Reading. Comprehension. Inferences.
Prediction. Schemes
Referências
ARAUJO, Denise de Castilhos. A comunicação iconográfico/
verbal: Uma análise hermenêutica de Mafalda. 2003, 193fls. Tese
RESUMO – Este artigo faz uma reflexão sobre o processo de (Doutorado em Comunicação Social) – Pontifícia Universidade
compreensão leitora entendendo-o como busca de significado Católica do Rio Grande do Sul, Porto alegre, 2003.
por parte do leitor e não como simples decodificação do
GABRIEL, Rosângela; SOUSA, Lucilene. Fundamentos
código escrito. Nesse sentido abordará a questão da
Cognitivos para o Ensino de Leitura. Signo. Santa Cruz do
predição e inferências, estratégias de leitura entendidas
Sul, v. 34 n. 57, p. 47-63, jul.-dez., 2009. Disponível em: http://
por Pereira (2009) como “alicerces” da compreensão,
online.unisc.br/seer/index.php/signo/index, acesso em 24 de
discutirá também sobre alguns conceitos relevantes para
novembro de 2010.
o entendimento de tais estratégias procurando analisar de
forma prática as possíveis inferências em tiras da Mafalda. GOODMAN, Kenneth S. Unidade na leitura – um modelo
psicolinguístico transacional. Letras de Hoje, n. 26, n.4, p. 9-43.
Palavras-chave: Leitura. Compreensão. Inferências. Porto Alegre: EDIPUCRS, dez. 1991.
ABSTRACT – This article reflects on the process of reading
comprehension, undestanding this process as the pursuit MADRUGA, Juan García: Lectura y conocimiento: Cognición
for meaning by the reader and not simply by decoding y desarrollo humano. Barcelona: Paidós, 2006.
the written code. In this sense, the article will address the
issue of prediction and inference, which are the reading
strategies understood by Pereira (2009) as foundations of
125
Elisangela Kipper
ANEXO I:
PEREIRA, Vera Wannmacher. Predição Leitora e Inferência.
In: CAMPOS, Jorge. Inferências linguísticas nas Interfaces.
Porto Alegre, EDIPUCRS. p. 10-22, 2009. Disponível em:
http://www.pucrs.br/edipucrs/inferencias.pdf. Acesso em
outubro de 2010.
______; KRÁS, Cléa Silva Biasi. Compreensão leitora:
Uma visão Psicolinguística. Disponível em http://forum.
ulbratorres.com.br/2010/mini_texto/miini11.pdf-. Acesso em
novembro de 2010.
ROSSA, Adriana Angelim. Uma abordagem cognitiva no
aprendizado da leitura. In: PEREIRA, Vera Wannmacher.
Aprendizado de Leitura: Ciências e Literatura no Fio da
História. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 129-139.
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise
psicolinguística da leitura e do aprendera ler. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2003.
Fonte: Araujo, 2003, p. 62.
ANEXO II:
Fonte: http://clubedamafalda.blogspot.com/2007_03_01_archive.html
126
Inferências e compreensão leitora
ANEXO III:
Fonte: http://clubedamafalda.blogspot.com/2007_03_01_archive.html
Processamento de leitura: cultura digital e
processos inferenciais
Daisy Pail1
Fale com a autora
“Food for the mind is like food for the body:
the inputs are never the same
as the outputs”.
Marshall McLuhan
Neste artigo serão analisados tweets para ilustrar
interface entre teorias linguísticas, ciências sociais e ciências
cognitivas, a fim de explanar o processamento de leitura
em contexto de cultura digital. A fundamentação teórica
do trabalho envolve a Teoria das Implicaturas (GRICE,
1975), Teoria da Relevância (SPERBER & WILSON, 1995),
a Teoria do Diálogo (COSTA, 2010) e Esquemas Mentais
(JOHNSON-LAIRD, 1983).
Tentar-se-á ilustrar a interface proposta e explicar
os processos inferenciais assumindo as hipóteses: i. sem
inferências não há compreensão leitora; ii. em cultura digital,
o conhecimento prévio ou informações enciclopédicas
não precisam existir a priori, pois o conhecimento pode
se dar online.
Nas seções 1 e 2 são explicadas, respectivamente,
a Teoria das Implicaturas e a da Relevância. Na seção 3,
expõe-se qual movimento e qual estratégia de leitura são
1
Possui especialização em Assessoria e Consultoria Linguística (2010) e está
cursando mestrado em Linguística pela PUCRS com bolsa do CNPq. Email: [email protected]
pressupostas para mensagens do twitter, enquanto na
seção 4 fala-se sobre qual papel os esquemas mentais
podem desempenhar nesse tipo de contexto. Na seção 5,
aborda-se a teoria em desenvolvimento sobre o diálogo. Na
penúltima seção, é explicado o que é cultura digital e quais
seriam alguns de seus efeitos sobre a comunicação. Por
último são apresentadas as análises do tweets.
1. Teoria das Implicaturas
H.P. Grice parte da diferença entre significado da
sentença (presente do modelo de código) e significado do
falante, portanto uma abordagem pragmática. No artigo
Lógica e Conversação, 1975, Grice apresenta um modelo
inferencial de comunicação, segundo o qual o falante dá
evidência de sua intenção de provocar certo significado,
que será inferido pelo ouvinte com base nas evidências
manifestas pelo falante.
Todo enunciado linguístico cria expectativas que
guiam o ouvinte para a interpretação. Essas expectativas
são descritas no Princípio de Cooperação (PC). Esse é
um conjunto de normas que governam o ato comunicativo
entre os envolvidos. Ao PC se vinculam máximas
conversacionais. A violação (ou não) das máximas permite
gerar as implicaturas, que podem ser conversacionais
ou convencionais. Em seu modelo inferencial, além das
implicaturas, são abordadas as noções de intencionalidade
e contexto a partir da ideia de que o que é comunicado vai
além do que é decodificado linguisticamente.
Como exemplo, segue o diálogo abaixo:
128
Mel e Ana estão no bar conversando sobre
relacionamentos.
(A) Ana: Paulo perguntou por que tu não ligou
mais pra ele.
(B) Mel: Se eu quisesse algo tão carente, comprava
um cachorro!
Conforme observa Grice, certos diálogos, como
esse acima, apresentam duas formas de significação:
o significo da sentença e o significado do falante. Para
melhor demonstrar isso, os enunciados serão analisados
um por vez. Em (A), a primeira é que Paulo perguntou por
que (B) não ligou mais para ele e a segunda, implicitada
pela primeira, que Paulo e (B) chegaram a ter algum tipo
de relacionamento, mas que (B) cortou a ligação entre eles
sem muita explicação. O enunciado de (A) leva ao (B),
em que a primeira significação é que se (B) quisesse algo
carente, compraria um cachorro, implicitando a segunda
significação: (B) não ligou mais para Paulo, pois ele é
muito carente e B não gosta disso. A segunda significação
diz respeito ao que (A) e (B) poderiam entender, mas que
não está no dito. Objetivando organizar um sistema que
explique esse tipo de significação, Grice apresenta os
termos implicitar (implicate), implicatura (implicature) e
implicitado (implicatum).
Há dois tipos de implicatura:
Implicatura convencional — presa ao significado
convencional das palavras (valor semântico) e a
Implicatura conversacional — não está presa ao
valor semântico, sendo determinada por certos princípios
básicos do ato comunicativo.
Processamento de leitura: cultura digital e processos inferenciais
Seguem alguns exemplos de implicatura convencional:
a- Ester saiu cedo, mas ainda não chegou.
b- Absolute Sandman tem quatro volumes. A Panini
lançou o primeiro, portanto deve lançar o segundo
em breve.
c- Peter é super-herói, mas tem má fama.
Está dito em a. que Ester saiu cedo e que ainda
não chegou e implicitado que ela já deveria ter chegado.
O que permitiu essa implicatura é o valor convencional de
‘mas’. Da mesma forma ocorre em b. e c., em que através
dos conectores se têm as implicaturas, respectivamente:
que, uma vez que a Panini lançou um dos volumes, deve
lançar os demais e que Peter deveria ter boa fama por
ser herói. Nos três casos, a implicatura se deve ao valor
convencional das palavras.
Segundo Grice, o outro tipo de implicatura pode ser
subdividido em outras duas:
Implicatura conversacional generalizada — quando
não depende de um contexto específico e
Implicatura conversacional particularizada — quando
depende de um contexto particular.
Como dito, o PC é um conjunto de normas. Esse
princípio é sistematizado em torno de quatro categorias
fundamentais relacionadas a máximas e supermáximas.
Categoria de quantidade — relacionada com a
informatividade. Correspondem a essa categoria duas
máximas: a) faça com que sua mensagem seja tão
informativa quanto necessária para a conversação; b) não
dê mais informações do que o necessário.
129
Categoria de qualidade — diz respeito à veracidade
das informações fornecidas. Essa categoria está diretamente
relacionada à supermáxima “Procure dizer coisas
verdadeiras” e indiretamente a outras duas: a) não afirme o
que acredita ser falso; b) não afirme algo para o qual você
não possa fornecer evidência adequada.
Categoria de relação — diz respeito à máxima
“seja relevante”.
Categoria de modo — relacionada à supermáxima “seja
claro” e a máximas como: a) evite obscuridade de expressão;
b) evite ambiguidade; c) seja breve; d) seja ordenado.
As implicaturas podem ser geradas em três situações:
a) nenhuma máxima é violada, b) uma máxima é violada
para que outra não seja e c) violação de uma máxima para
obter implicatura conversacional.
Enquanto as implicaturas convencionais são presas
ao valor semântico convencional das palavras e reconhecidas
pela intuição linguística, as implicaturas conversacionais
devem ser calculáveis ou dedutíveis, canceláveis, não
separáveis, indetermináveis, não convencionais e não
determinadas pelo dito.
2. Teoria da Relevância ― comunicação e cognição
Sperber e Wilson (1995) buscaram explicar como a
comunicação humana ostensiva2 se realiza. Em Relevância:
comunicação e cognição, os autores apresentaram uma
reinterpretação cognitiva do modelo inferencial de Grice.3
2
3
Ver crítica sobre outras situações em Fábio Rauen e Jorge Campos.
Apresentado na primeira seção.
Daisy Pail
Sperber e Wilson (S&W), apoiados em estudos sobre a
cognição humana e sobre lógica, partem da hipótese de
que o Princípio de Relevância, baseado numa relação de
economia e eficiência da informação, faz parte da cognição
humana. A partir disto, os autores desenvolveram uma
abordagem pragmático-cognitiva de como se processa
inferencialmente a comunicação.
Sperber e Wilson (S&W), devido à sua abordagem
cognitivo-comunicativa, descrevem outro tipo de inferências: as não-demonstrativas. Essas funcionam na base de
suposições que podem ser apenas confirmadas, mas não
provadas. Devido ao funcionamento baseado em suposições se pode explicar por que, mesmo nas melhores condições, pode ocorrer falha na comunicação4.
Segundo o princípio cognitivo, a cognição humana
tende a se dirigir para a maximização da relevância5. Algo
se torna relevante a um indivíduo na medida em que houver equilíbrio entre esforço cognitivo para processamento
de informação e efeitos cognitivos conseguidos: (a) quanto maior é o número dos efeitos cognitivos, maior é a relevância; (b) quanto menor é o esforço de processamento,
maior é a relevância6.
Os efeitos cognitivos são entendidos como
alteração(s) no ambiente cognitivo7 de um indivíduo. Esses
efeitos podem ser de fortalecimento das suposições —
quando as suposições já existentes são reforçadas através
Falha de comunicação significando “mal-entendido”.
Sperber e Wilson, 2001, p. 11.
6
Sperber e Wilson, 2001, p. 11.
7
S&W definem o ambiente cognitivo como um “conjunto de suposições manifestas em graus diversos” (...). Se as suposições se tornam mutuamente manifestas,
tem-se o ambiente cognitivo mutuamente manifesto (...) (SILVEIRA, 2002, p. 28)
4
5
130
de mais evidências —, de contradição das suposições —
quando há fornecimento de evidências contrárias entre duas
suposições, sendo eliminada aquela que tiver menos evidências —, e de implicações contextuais – combinação da
informação nova com as suposições existentes. Esse último
efeito é o que os autores chamam de P em C: a informação
nova (P) é processada no contexto de suposições (C) existentes na memória enciclopédica ou advindas do ambiente
físico observável para derivar uma nova informação.
Toda e qualquer informação pode servir como premissa em um processo inferencial. A escolha de qual é mais
relevante dependerá do contexto selecionado, do ambiente
cognitivo de um indivíduo e da disponibilidade de informação.
As formas de armazenamento de informação são: enciclopédica (“informações armazenadas na mente sobre a extensão
e a denotação de um conceito: isto é, sobre os objetos, acontecimentos e/ou propriedades que o representam”)8, lógica
(conjunto de regras dedutivas estáveis e finitas) e lexical (informações linguísticas de caráter representacional).
De acordo com Sperber e Wilson (1995), o contexto
será uma representação mental formada por suposições.
As suposições fatuais podem advir: da percepção, da decodificação linguística, das suposições e esquemas de suposições armazenadas na memória, e da dedução.9 Em
outras palavras, ele não é dado e sim construído.
Retomando-se o primeiro exemplo (seção 1):
Ana: Paulo perguntou por que tu não ligou mais pra ele.
Mel: Se eu quisesse algo tão carente, comprava
um cachorro!
8
9
Sperber e Wilson, 2001, p. 144.
Sperber e Wilson, 2001, p. 137.
Processamento de leitura: cultura digital e processos inferenciais
Mel, através dessa afirmação, quis tornar manifesto um
conjunto de suposições e premissas. Esse comportamento,
tornar manifesta10 a intenção de tornar algo manifesto, é
chamado, por S&W, de ato de comunicação ostensiva.
O conjunto de suposições e premissas, nesse caso,
será formado a partir do input linguístico ― para fins de
demonstração mais rápida, somente o enunciado de Mel
será analisado ―:
Premissa implicada 1: Mel e Paulo tiveram pelo
menos um encontro.
Premissa implicada 2: Mel não procurou mais
por Paulo.
Como emprego de oração subordinada condicional,
Mel já dá ao seu enunciado um tom de dúvida sobre querer
sair de novo com Paulo. Entretanto, ela implica muito mais,
como demonstrado a seguir:
Suposição 1: Paulo é muito carente.
Suposição 2: Mel não gosta de carência afetiva.
Suposição 3: Cachorros também são carentes.
Suposição 4: Mel preferia um cachorro carente a um
Paulo carente.
Conclusão implicada: Mel não pretende sair de novo
com Paulo.
Suposição 1 é reforçada pelo advérbio de intensidade
‘tão’. Já a suposição 2 é reforçada pela estrutura condicional
do enunciado de Mel. As suposições 1, 2, 3 e 4 formam uma
implicação contextual, na qual 4 é a informação nova (P)
processada num conjunto de suposições antigas (1,2 e 3),
permitindo a conclusão implicada.
Tornar algo manifesto é chamar atenção para algo, ter algo manifesto é estar
ciente sobre algo.
10
131
A ostensão carrega uma garantia tácita de
relevância, pois, ao produzir um estímulo, cria no receptor
uma expectativa de que é relevante o bastante para
merecer atenção. Assim, através de seu enunciado, Mel
comunicou a presunção de relevância ótima. É nesse
primeiro momento, no qual ocorre um estímulo ostensivo
por parte de quem comunica, que o receptor inicia um
processo inferencial, sendo a primeira inferência a que
vale o esforço para processar a informação fornecida.
3. Processamento de leitura e processos inferenciais
Dentre as estratégias de leitura ― o scanning, o
skimming, a seleção, o automonitoramento, a autoavaliação,
a autocorreção, a predição e a inferência ― a predição é
apontada por alguns autores como a mais importante para a
compreensão. Entre esses autores se encontra Smith (2003).
Segundo este autor, a nossa teoria de mundo não é
estática, ela se modifica e desempenha papel na previsão e
na predição da qual depende o processo de leitura. Ele afirma
que predição surge da associação entre previsão (elaboração
de questionamentos durante o processo de leitura) e
compreensão (respostas a esses questionamentos).
Ainda de acordo com esse autor, a previsão é a
responsável por dar ao texto potencial significativo, reduzindo
ambiguidades, eliminando alternativas irrelevantes e
projetando possibilidades.
Contudo, essa visão de leitura pode ser explicada
através de teorias inferenciais, como a de Grice e S&W,
pois a elaboração de perguntas e respostas durante a
Daisy Pail
leitura é resultado de um processo inferencial, no qual
o leitor elabora um conjunto de suposições passíveis,
nos termos da TR, dos efeitos cognitivos, levando a
conclusões implicadas.
Posição semelhante é adotada por Pereira, como se
demonstrará a seguir. Para essa autora,
Entre todas as (estratégias de leitura)
mencionadas, são mais recorrentes as
duas últimas (predição e inferência),
possivelmente por constituírem o alicerce
do raciocínio de compreensão da leitura.
(PEREIRA, 2009, p. 150)
O processamento de leitura ou os movimentos
bottom-up e top-down, segundo Pereira (2009), “sofrem
a influência de variáveis como o objetivo da leitura, os
conhecimentos prévios do leitor, o tipo de texto e os
caminhos cognitivos já desenvolvidos por ele”.
Enquanto o movimento bottom-up é caraterizado
como um movimento das partes para o todo ― ou seja, uma
leitura minuciosa e linear, na qual “todas as pistas visuais são
utilizadas” (PEREIRA, 2009) ―, o movimento top-down é não
linear, partindo da “macroestrutura para a microestrutura, da
função para a forma” (PEREIRA, 2009).
A inferência está sendo assumida como
caminho com esforço cognitivo para
a predição, com vistas ao benefício da
compreensão leitora, o que faz uma
aproximação com a Teoria da Relevância
(PEREIRA, 2009, p. 152).
132
Processamento de leitura: cultura digital e processos inferenciais
Diferentemente da autora, que considera inferências
metalinguísticas e episódicas, se assumirá neste artigo a
noção de inferências multiformes, como proposto por Jorge
Campos da Costa.
Segundo Anderson (apud OLIVEIRA, p. 51),
há seis funções dos esquemas que podem colaborar
na compreensão:
a) o esquema oferece uma estrutura básica e ideal para que seja possível assimilar a informação do texto;
b) o esquema facilita a focalização seletiva da atenção;
c) o esquema facilita o uso da inferência;
d) o esquema favorece a evocação de
informações armazenadas na memória;
e) o esquema facilita a organização e a
sumarização das informações;
f) o esquema permite a reconstrução
do sentido.
4. Esquemas e modelos
Modelos cognitivos são “estruturas
complexas de conhecimentos, que representam as experiências que vivenciamos em sociedade e que servem de
base aos processos conceituais. São
frequentemente representados em forma de redes, nas quais as unidades
conceituais são concebidas como variáveis ou slots, que denotam características estereotípicas (defaults) e que,
durante os processos de compreensão,
são preenchidas com valores concretos
(fillers)”. Assim, quanto mais contato um
leitor tiver com a leitura, mais facilidade
deverá haver na compreensão do lido
(KOCH, 2002, p. 44).
Segundo Smith,
os leitores desenvolvem e necessitam
de um grande número de esquemas
espacialmente
organizados:
os
gêneros, esquemas para vários tipos
de textos que são convencionais (Smith
2003, p. 156).
Considerando-se o exposto, os esquemas
ofereceriam um número inicial de premissas para o
processo inferencial envolvendo a leitura, neste artigo
especificamente de tweets.
5. A Teoria do Diálogo
As teorias (Teoria das Implicaturas e Teoria da
Relevância) explicitadas são de conteúdo, porém há algo
anterior a esse nível que permite e provoca o diálogo: uma
tendência natural para a conectividade ― em concordância
com a teoria de Darwin. Essa tendência é defendida na
teoria em desenvolvimento11 por Costa (2010) sobre o
diálogo como Principio da conectividade não-trivial:
11
Não há ainda publicações oficiais sobre a teoria além da que consta nas referências.
133
Daisy Pail
hipótese de sustentação da presente
abordagem (é) que deve existir uma
tendência inata para a conectividade
não-trivial ― ser uma conexão não
apenas mecânica, mas interativa e
criativa, entendida como comunicação
humana básica. Nesse sentido, a primeira expressão de tal princípio é o de
que ele se expressa através de uma
linguagem especial, humana, e a segunda é que ele representa, de maneira geral, compromissos informativos
não redundantes.
O diálogo é assumido como unidade básica de
comunicação social, na qual o bilateral é a forma mais
elementar. Porém, em cultura digital o diálogo é bilateral
apenas na relação homem-máquina, pois em sua realização
ele é realizado entre muitas pessoas12. Este tipo de diálogo
foi cunhado por Costa (2009) como virtuálogo.
De acordo com Costa (2010), “a estrutura significativa
do Diálogo envolve aspectos lexicais, sintáticos, semânticos
e pragmáticos”. Esses aspectos desempenham papel
importante em todos os níveis de articulação do diálogo e
também para proporcionar condições de veracidade.
Um entrave para o estudo das condições de
verdade em uma interface entre lógica strictu senso e
linguagem natural é a aceitação existente de argumentos
falaciosos. Strawson viu, na “conexão entre significado
e intenção, binômio capaz de preencher a lacuna
aberta pelo tratamento puramente lógico das condições
12
Não se dispõe aqui de dados sobre esses números.
de veracidade das proposições” (apud COSTA).
Contudo, Costa (2010) entende que há diferença entre
potencialidade para condições de verdade e condições
de verdade. Com a finalidade de eliminar esse problema,
é assumido o conceito de condições de veracidade que
se realizam nas condições de boa formação sintática, de
boa formação semântica e de adequação pragmática.
Além disso, as condições de veracidade são uma verdade
provisória ou online.
Há pelo menos quatro níveis de articulação para
descrição do diálogo, quais sejam: o dito explícito, o dito
implícito, o intencional e o inferencial.
O contexto codificado semanticamente no dito é
relacionado com o dito implícito. Este é pressuposto pelo
contexto. No dito implícito não é feito cálculo inferencial para
a recuperação dessas informações, pois o dito explícito é
que ficou econômico.
Por exemplo, voltando ao pequeno diálogo de
Ana e Mel:
Ana: Paulo perguntou por que tu não ligou mais
pra ele.
Mel: Se eu quisesse algo tão carente, comprava
um cachorro!
O dito explícito é somente o expresso no enunciado
de ambas, já o dito implícito ― entre colchetes ― em
Ana é “Paulo perguntou [para mim, Ana] por que tu [Mel]
não ligou mais para ele [Paulo]” e em Mel é “Se eu [Mel]
quisesse algo tão carente [como Paulo], comprava um
cachorro [que é tão carente quanto Paulo]”.
134
O intencional, ligado ao emocional, guia um
diálogo afetando o inferencial. “Dada uma certa intenção,
o significado dialógico é obtido pela interatividade das
subpartes” (COSTA, 2010).
Supondo-se que no exemplo acima a intenção de
Ana não fosse apenas saber por que Mel não telefonou
mais para Paulo, mas saber se a outra ficaria chateada
caso viesse a se relacionar com aquele. Então, a
conclusão implicada no enunciado de Ana seria outra que
não apenas a curiosidade.
Apesar de as teorias de Grice e S&W considerarem
a intencionalidade, a TR não abarca situações nas quais o
princípio de relevância é contrariado. Essas situações são
descritas por Costa e Rauen (2009) e podem ser justificadas,
segundo os autores, pela hipótese da conectividade não trivial,
assumida aqui para melhor explicitar os tweets escolhidos.
Processamento de leitura: cultura digital e processos inferenciais
de “comunidades inteiras em estado de conexão”, nas
palavras de Costa.
Nessa concepção, os chamados meios se tornam
“infovias com efeitos impressionantes ao nível do movimento
das massas, da ocupação de espaços, da integração
sociocultural, da globalização econômica, etc” (COSTA13). A
distinção antes existente entre forma e conteúdo se desfaz,
como vaticinado por McLuhan em The médium is the massage (1969). Segundo essa concepção, o meio faz parte da
mensagem, uma vez que a importância recai sobre o como,
e não mais apenas no que, e esta (a mensagem) produz na
massa um efeito semelhante ao de massagem modeladora
ao mesmo tempo em que o meio valoriza a era da massa.
De acordo com Costa,
o interessante de se considerar é que
estamos num mundo digital, somos
inforgs, tipos conectados numa infosfera
dentro da biosfera e interagindo com
ela, e, ainda, não temos resposta para
o conceito elementar de fatos (COSTA,
2010, p.7).
6. Cultura digital e twitter
Desde a criação da World Wide Web, por Tim BernersLee em 1989, a mudança iniciada pela computação se
acelerou e se globalizou. E como “qualquer nova tecnologia
de transporte ou comunicação tende a criar seu respectivo
meio ambiente humano” (McLUHAN, 1979), se tem hoje
uma verdadeira cultura digital, na qual estamos conectados
através de diferentes meios.
“A nova interdependência eletrônica recria o mundo
à imagem de uma aldeia global” (McLUHAN, 1979), pois
permite ao homem estar em mais de um lugar, aumentando
seu alcance geográfico e tornando-o representante
Porém, apesar de não termos essa resposta não é
possível ignorar que a cultura digital necessita passar por
investigações para elaboração de educação para essa nova
concepção. Supondo-se, como proposto por Costa,
que, ao invés de uma microvisão sobre
os meios, a interface a ser estabelecida seja com uma visão mais ampla das
13
http://www.jcamposc.com.br/textos_para_as_disciplinas.html
135
Daisy Pail
Ciências Sociais. Nessa direção, antes
do que conteúdos, as redes comunicativas representam em si mesmas o
centro das atenções, já não modeladas
pelo microângulo cognitivo.
Conforme Costa,
o meio em si tem sido identificado com
o suporte material, entidade física,
enquanto o conteúdo veiculado tem sido
apresentado como entidade abstrata,
talvez psicológica ou cognitiva, de
natureza não típica, em oposição ao
suporte que o transporta (COSTA,
2010, p.8).
Modelos como de Shannon e Weaver (modelo de
códigos) e de Sperber e Wilson (inferencial) consideram
meio e conteúdo de forma separada, ocupando-se apenas
do segundo. Entretanto, dentro do quadro esboçado nesta
seção, conforme Costa, o universo da comunicação
assume uma visão não-dualista
na direção de uma semiótica das
materialidades em que as redes,
estruturas e conexões estão no centro
das investigações. Isso instaura,
então, uma outra perspectiva analítica
das comunicações, em que a natureza
dos meios passa a ter o papel
sociocultural mais relevante.
Este artigo é uma tentativa de dar um passo a essa
perspectiva. Como ilustração da tentativa dessa interface,
serão analisados alguns tweets, mensagens da rede
social twitter. O twitter foi criado em 2006 por Jack Dorsei.
Suas mensagens são limitadas a 140 caracteres, assim
afetando não só a forma, mas também a mensagem.
7. Processos inferenciais em contexto de cultura digital
Apesar de se assumir que os tweets constituem um
virtuálago, nos termos de Costa (2009), alguns deles serão
analisados separados dos demais, como é o caso dos três
primeiros. Se há uma tendência natural para a conectividade
não-trivial (COSTA, 2010), então se pode dizer que,
trivializando um pouco o conceito de S&W (1995), o primeiro
benefício será o da conexão através da interação. Os tweets
serão processados dentro do esquema já existente para
o twitter, se e somente se não se tratar de novo usuário.
Nesse caso, se novo usuário, então o processamento será
do esquema origem para o esquema alvo.
Assumindo-se não ser esse o caso, as seis funções
dos esquemas, apontadas por Anderson, oferecem a
estrutura básica dos tweets: o ponto para o qual deve dirigir a
sua atenção, a evocação ou busca de informações ― como
a hipótese apresentada na Introdução ―, a organização
e a reconstrução de sentido. Essas funções facilitam o
movimento top-down.
Os processos inferenciais serão demonstrados pela
teoria do Diálogo, pela teoria das Implicaturas, para as quais
serão considerados os seguintes conceitos da TR: princípio
136
da relevância, ambiente cognitivo, efeitos cognitivos e
entradas de informação.
Neste tweet se tem uma implicatura conversacional
particularizada a partir da quebra da máxima de modo.
Fonte 1 - http//:www.twitter.com
Relacionado com o dito explícito se tem o dito
implícito demonstrado entre colchetes:
“Cinco traficantes foram passear, além do Complexo
[do alemão] para brincar, o BOPE [Batalhão de OPerações
Especiais] falou, pá pá pá pá... E nenhum traficante voltou
de lá [Complexo do Alemão]”.
Através das entradas lexicais abaixo são acionadas
as seguintes entradas enciclopédicas:
‘Complexo do Alemão’: território dominado por
traficantes;
‘BOPE’: tem histórico de extrema violência,
incluindo execuções.
Por meio disso é possível fazer as seguintes
suposições:
S1 Os traficantes não possuíam inimigos em seu
território;
S2 O BOPE usou força bélica para enfrentar os
traficantes;
Processamento de leitura: cultura digital e processos inferenciais
S3 Dizer que alguém não voltou de um confronto
bélico é implicar que este morreu.
Conclusão implicada: O BOPE matou os traficantes.
A S1 é gerada a partir de ‘brincar’, no primeiro verso,
devido à despreocupação que brincar acarreta. Já S2 é
gerada através da onomatopeia ‘pá pá pá pá’ que
indica, dentro do contexto do tweet, disparos de armas
de fogo. Essa suposição reforça a subsequente que
permite a conclusão implicada.
Através da estrutura e da sequência fonética
é acionada a entrada enciclopédica referente à
música infantil da Xuxa. Para demonstrar isso, será posto
entre colchetes o que foi modificado ao lado de seu original
em negrito.
“Cinco patinhos [traficantes] foram passear, além da
montanha [do Complexo] para brincar, a mamãe chamou
[falou]: quá, quá, quá, quá [pá pá pá pá], mas [e] nenhum
patinho [traficante] voltou de lá”.
Houve quebra intencional da máxima de modo para
gerar, além da conclusão implicada, um efeito de paródia,
conseguido através da associação de música infantil com
um quadro de violência.
No tweet abaixo, o esquema existente para análise
de gênero fará parte da paródia. Em algumas redes sociais
é exibido o complemento ‘sorte do dia’ que é utilizado
para gerar uma implicatura conversacional particularizada
através da aparente quebra da máxima de relação ― no
entendimento de Grice: manutenção do tópico.
137
Fonte 2 - http://www.twitter.com
Daisy Pail
Com a aparente quebra da máxima de relação
foi gerado um efeito sarcástico, podendo ser este
considerado o benefício: a percepção do sarcasmo.
No tweet que segue, também ocorre aparente
quebra da máxima de relação por não mencionar a
invasão da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão.
Assim como no primeiro tweet analisado, o
dito implícito será posto entre colchetes:
“Sorte do dia [25 de novembro de 2010]:
“Você [leitor] não mora na Vila Cruzeiro [do Rio de
Janeiro, capital] e nem no Complexo do Alemão [do Fonte 3 - http://www.twitter.com
Rio de Janeiro, capital]””.
A entrada lexical ‘sorte’ é relacionada a algo bom,
“Ibope informa que [o time de futebol] flamengo tem
enquanto ‘dia’ se refere ao dia da invasão da Vila Cruzeiro e
a maior torcida [de futebol] do Brasil. BOPE informa que
vésperas da invasão do Complexo do Alemão pelo exército
amanhã [depois da invasão Vila Cruzeiro e do Complexo do
e pelas polícias civil e militar.
Alemão pelo BOPE] não terá mais”.
O tweet corresponde à informação nova processada
A entrada lexical ‘flamengo’, além de se referir ao
em um contexto de informações antigas, acionadas pelas
time de futebol, permite acesso à entrada enciclopédica
entradas enciclopédicas referentes à ‘Vila Cruzeiro’ e ao
referente à ligação entre a concentração de torcedores
‘Complexo do Alemão’. Nesse exemplo, as suposições
desse time e essas comunidades. A entrada enciclopédica
podem ser:
‘BOPE’, dentro do contexto do Rio de Janeiro no dia 26
S1 Algo bom vai ou está acontecendo;
de novembro de 2010, também se refere ao histórico
S2 Haverá confronto entre polícia e exército contra
de violência, com casos de execução. As suposições
os traficantes da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão;
que podem vir a ser geradas a partir desse conjunto de
S3 Esses lugares serão zona de batalha;
informações são:
S4 Pessoas inocentes que morarem lá podem
S1 O maior número de torcedores do Flamengo se
ser feridas.
encontra no Complexo do Alemão;
Conclusão implicada: Quem não morar na Vila
S2 Há muitos traficantes no Complexo do Alemão;
Cruzeiro e no Complexo do Alemão pode se considerar
S3 Os traficantes torcem para o Flamengo;
agraciado pela sorte do dia.
138
S4 O BOPE invadirá o Complexo do Alemão;
S5 O BOPE matará muitos traficantes.
Conclusão implicada: O Flamengo não terá mais
a maior torcida do Brasil, pois o BOPE matará muitos de
seus torcedores.
O benefício, nesse caso, se encontra na compreensão
do humor negro.
No conjunto de tweets abaixo é gerada uma
implicatura conversacional generalizada a partir da quebra
da máxima de quantidade.
Processamento de leitura: cultura digital e processos inferenciais
Explicitando o dito implícito entre colchetes, o
tweet ficará assim:
“Qual a semelhança entre Casseta e Planeta
[programa humorístico da Rede Globo no ar há 19 anos]
e essa piada [que estou contando agora]? R: Nenhum dos
dois [Casseta e Planeta e essa piada] tem mais graça”.
Através do input linguístico ‘Casseta e Planeta’ é
acionada a entrada enciclopédica sobre o programa. Este
está no ar há quase duas décadas e há muito perdeu seu
caráter crítico, se focando apenas em parodiar a novela
das nove horas. A partir da quebra de máxima
de quantidade através do retweeted da piada é
possível as seguintes suposições:
S1 Quando a piada é repetida muitas vezes,
ela perde a graça;
S2 Casseta e Planeta tornou-se repetitivo.
Nesse caso a conclusão implicada é que
Casseta e Planeta não é mais atrativo enquanto
programa humorístico.
Apesar de nenhum dos exemplos serem
passíveis às condições de verdade, todos possuem
condições de veracidade: boa formação sintática, boa
formação semântica e, principalmente, adequação
pragmática. Devido a essas características os tweets
são aceitos como possíveis e verossímeis.
Considerações finais
Fonte 4 - http://www.twitter.com
Tentou-se demonstrar aqui como e por que foi
assumido que processos inferenciais estão na base
139
da compreensão leitora, sem eles não se chegaria às
conclusões implicadas e consequentemente ao sentido
dos tweets. Os processos inferenciais foram demonstrados
de maneira superficial, haveria outros níveis para serem
incluídos na ilustração da interface, mas estes tornariam a
explicação muito extensa.
Apesar de o valor informativo dos tweets ser muito
baixo, o principal benefício é a satisfação do princípio da
conectividade não-trivial, todos buscavam a criatividade
e a interatividade. Outro ponto a ser acrescido às
observações é que o próprio custo parece se realizar como
parte do benefício por misturar elementos linguísticos e
extralinguísticos, tais como a repetição.
Embora as entradas enciclopédicas tenham sido
descritas como existentes a priori, elas não são assumidas
como necessárias, visto que, por se tratar de rede social de
cultura digital, é pressuposto que o leitor esteja conectado
a web. Se assim for, as informações necessárias para
compreensão podem ser adquiridas online, isto é, no
momento da leitura. Isso, claro, se se considerar que o leitor
não esteja sendo guiado pelo baixo custo.
Por último, cabe lembrar a frase de McLuhan: “the
medium is the massage”, pois o próprio meio e estrutura
serviram para a elaboração das suposições, como
demonstrado nas análises.
RESUMO – Neste artigo é apresentada uma tentativa de
explicitar o processamento de leitura em contexto de cultura
digital através de uma interface entre linguística e ciências
cognitivas. A interface, mais especificamente, é entre a
Daisy Pail
Teoria de Implicaturas, a Teoria da Relevância, a Teoria do
Diálogo e a Teoria de Modelos Cognitivos. São assumidas,
neste artigo, as hipóteses: i. sem inferências não há
compreensão leitora, ii. em cultura digital, o conhecimento
prévio ou informações enciclopédicas não precisam
existir a priori, pois o conhecimento pode se dar online.
Para demonstração do processamento inferencial, foram
escolhidos alguns tweets e estes analisados de acordo com
a interface criada.
Palavras-chave: Processamento de Leitura. Processos
Inferenciais. Teoria das Implicaturas. Teoria da Relevância.
Teoria do Diálogo. Esquemas Mentais.
ABSTRACT – This paper presents an attempt to explain the
process of reading in the context of digital culture through
an interface between linguistics and cognitive sciences.
The interface, more specifically, will be among the theory of
implicatures, Theory of Relevance, theory of dialogue and
theory of cognitive models. The following assumptions will be
assumed in this paper: i. there is no reading comprehension
without inference, ii. in digital culture, prior knowledge
or encyclopedic information do not need toexist a priori,
since knowledge can take place online. To demonstrate the
inferential processing, we chose some tweets and they were
analyzed according to the interface created.
Keywords: Read Processing. Inferential Processes. Theory
of Implicatures. Relevance Theory. Theory of Dialogue.
Mental Schemes.
140
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141
Kelli da Rosa Ribeiro
Uma discussão sobre estratégias
metacognitivas em leitura na escola
Kelli da Rosa Ribeiro1
Fale com a autora
Cada dia mais, nós, professores de Língua
Portuguesa, temos a necessidade de contribuir para o
desenvolvimento da competência de leitura nos estudantes
de Ensino Fundamental e Médio, para que se tornem
cidadãos capazes de exercer sua cidadania em qualquer
situação que a sociedade lhes impõe. Assim, torna-se
indispensável que a finalidade do ensino de língua materna
seja leitura e produção de textos de diversos gêneros que
tenham relevância social.
Pensando nessas questões de ensino, iniciamos
esse artigo com os seguintes questionamentos: como
formar leitores, como despertar o aluno para a importância
e, principalmente, para o prazer na leitura? Estas são talvez
as problemáticas mais levantadas nos últimos tempos tanto
nas escolas quanto nas academias.
Dessa forma, escolhemos para fundamentar nossas
reflexões sobre leitura a corrente teórica da Psicolinguística,
levando em consideração a sua preocupação com os
processos que envolvem atividade de leitura e compreensão.
Assim, esse trabalho tem por objetivo oferecer subsídios
teórico-práticos sobre estratégias metacognitivas que são
Mestranda em linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). Email: [email protected]
1
mobilizadas na compreensão leitora de textos, observando
vários aspectos que constituem a leitura no momento da
construção de sentidos de um texto.
Trataremos desses subsídios, a partir da reflexão
e sistematização metodológica do instrumento Escala
de estratégias metacognitivas de leitura, utilizado em
pesquisa por Joly e Marini (2008) no artigo A leitura no
Ensino Médio e o uso das estratégias metacognitivas2. A
partir das bases teóricas apresentadas e das informações
da escala apresentada pelas autoras, formularemos
alguns procedimentos norteadores de atividades de leitura
em sala de aula.
Visando cumprir tais metas o presente artigo está
dividido em três seções seguidas das considerações
finais. A primeira traz algumas considerações sobre
a Psicolinguística e sua contribuição para a área das
pesquisas em leitura. A segunda mostra noções de leitura
e estratégias metacognitivas fundamentadas na corrente
teórica da Psicolinguística. A terceira seção, com base em
pesquisa realizada sobre estratégias metacognitivas em
leitura, tenta dar alternativas de questões que ajudem os
professores na condução da atividade de leitura.
A proposta da Psicolinguística: breves considerações
Conforme Cabral (1991), foi o impacto da Segunda
Guerra Mundial que desencadeou a “necessidade de
desenvolver o conhecimento sobre os sistemas de
comunicação”. Surge, então, dessa necessidade, uma
Artigo publicado na revista Estudos e pesquisa em psicologia da UERJ, RJ, ano
8, n2, pg. 505-522, 1º semestre de 2008.
2
142
possibilidade de unir as descobertas e os avanços de
pesquisas da área da Psicologia e da Linguística no sentido
de entender os processamentos da linguagem e a mente.
Assim, por volta dos anos 50, nasce a Psicolinguística
enquanto disciplina autônoma, tendo como principal
objeto de estudo os processos cognitivos e psicológicos
subjacentes à produção e compreensão da linguagem
verbal. Segundo Leitão (2008), o principal interesse dessa
disciplina pode ser resumido em três pontos, tais como:
modo de aquisição da linguagem verbal, modo de produção
da linguagem e a compreensão da mesma.
Alguns autores merecem destaque no surgimento
da Psicolinguística. É com as ideias inatistas de Noam
Chomsky que a disciplina dá seus primeiros passos, pois,
se baseando na ideia de que a faculdade da linguagem
é inata na mente humana, os pesquisadores da área se
posicionam contra o modelo estruturalista de Ferdinand
Saussure para quem a linguagem era essencialmente
um fato social.
Nesse sentido também se direcionavam as reflexões
de Humboldt que se preocupava basicamente com a
relação entre os processos mentais e o comportamento
verbal. Scliar-Cabral (1991) salienta que Humboldt fazia
distinção entre dois aspectos da linguagem: ergon (produto)
e energeia (processo). Resumidamente, ergon passa a ser
o objeto da linguística de Saussure e a energeia passa a
ser o objeto da Psicolinguística.
Vale ressaltar, nesse espaço de breves considerações
sobre a Psicolinguística, as importantes contribuições de J.
Piaget e L. Vygotsky para o desenvolvimento das pesquisas.
Uma discussão sobre estratégias metacognitivas em leitura na escola
Esses dois grandes pensadores socioconstrutivistas se
preocupavam com o desenvolvimento das estruturas
mentais e como isso influi no desenvolvimento do indivíduo.
Os dois estudiosos partiam de pontos diferentes
para explicar essa questão: Piaget utilizava uma abordagem
epistemológica e Vygotsky uma abordagem genética.
Enquanto Piaget acreditava que o conhecimento se constrói
através da ação do sujeito sobre o objeto, ou seja, na
interação homem-meio, sujeito-objeto, Vygotsky afirma que é
na família e nas diversas relações e interações sociais que o
sujeito adquire o conhecimento. Uma importante contribuição
para a Linguística proposta por Vygotsky é que a relação
entre homem e mundo é uma relação mediada, na qual,
existem elementos que auxiliam a atividade humana. Estes
elementos de mediação são os signos e os instrumentos.
Como não é função deste trabalho pormenorizar e
aprofundar as propostas de cada teórico fizemos apenas um
panorama geral do terreno no qual nasce e frutifica a atual
disciplina chamada de Psicolinguística. Passemos à próxima
seção que abordará questões de leitura e estratégias, foco
deste trabalho.
Leitura e estratégias
Como este artigo tem por objetivo refletir sobre os
processos de leitura relacionados ao ensino-aprendizagem
de língua materna, é pertinente trazer para nossas
reflexões noções de leitura que constam em documentos
oficiais brasileiros.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) de
143
Kelli da Rosa Ribeiro
Língua Portuguesa do terceiro e quarto ciclos do Ensino
Fundamental trazem uma proposta de tratamento didático a
vários conteúdos dessa disciplina. Segundo esse documento
a leitura é o processo no qual o
leitor realiza um trabalho ativo de
compreensão e interpretação do texto,
a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre
o autor, de tudo que sabe sobre a
linguagem (PCNs: p. 69)
Dessa forma, não podemos conceber uma ideia
de leitura como mera e simples decodificação de letra por
letra, palavra por palavra, a fim de extrair as informações
do texto. Mais do que isso, “trata-se de uma atividade que
implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação, sem as quais não é possível proficiência3”.
Assim, podemos entender que muitos alunos não leem
de forma competente, porque não lhes são dados os
instrumentos necessários para o ato da leitura.
Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB)
determina que o Ensino Fundamental tenha por objetivo a
formação básica do cidadão, “mediante o desenvolvimento
da capacidade de aprender, tendo como meios básicos
o pleno4 domínio da leitura, da escrita e do cálculo”.
(Artigo 32 – inciso I)
Percebemos em tais documentos ideias de leitura
como processo ativo e por meio da qual a aprendizagem
em geral é possibilitada. Desse modo destacamos que a
3
4
Grifo meu. O trecho citado se encontra na página 69 dos PCNs.
Grifo meu
leitura é um fenômeno complexo e dinâmico, pois mobiliza
vários mecanismos de apreensão e compreensão do que
está sendo lido.
Segundo Kato (1985), o processo de leitura pode ser
entendido como um conjunto de habilidades que envolvem
estratégias de vários tipos. Em tais habilidades, como,
por exemplo, encontrar parcelas significativas do texto,
estabelecer relações de sentido, coerência e de referência
entre certas partes do texto, avaliar a verossimilhança e a
consistência das informações e inferir o significado, bem
como o efeito pretendido pelo autor, o leitor utiliza esquemas.
Esses esquemas conduzem o percurso da leitura e,
segundo Kato (1985), podem ser ativados basicamente de
duas formas: de um lado temos o processamento top-down,
que é uma leitura realizada do todo para as partes, ou seja,
de maneira descendente. Por outro lado, verificamos o
processamento bottom-up, uma leitura feita em caminho
inverso em relação ao da anterior, isto é, das partes para o
todo (caminho ascendente).
Interessante observarmos que há dois tipos de
estratégias de leitura. Ao lado das estratégias metacognitivas
estão as estratégias cognitivas, ou seja, princípios que
regem o comportamento automático e inconsciente do leitor.
Já as estratégias metacognitivas são princípios que regulam
a desautomatização consciente das estratégias cognitivas
(KATO, 1985: 102).
Kato (1985) destaca algumas estratégias em
leitura que corroboram as estratégias apresentadas
na escala utilizada por Joly e Marini (2008). São elas:
esclarecer os propósitos da leitura; identificar aspectos da
144
mensagem que são importantes; distribuir a atenção para
que haja mais concentração nos conteúdos principais;
monitorar as atividades em processo para verificar se
ocorre compreensão; revisar se os objetivos estão sendo
atingidos; adotar ações corretivas quando se detectam
falhas na compreensão; prevenir-se contra truncamentos
e distrações. Estas estratégias são autodirigidas e estão
no nível da metacognição, ou seja, quando o indivíduo
monitora conscientemente sua atividade.
Importante sublinhar que, para as estratégias
metacognitivas terem êxito no ensino de leitura, é
necessário serem traçados objetivos para a leitura. Dessa
forma, cada estratégia será utilizada tendo em vista um
objetivo específico de leitura e isso acontece nas mais
variadas situações da vida cotidiana. Nessa perspectiva,
Solé (1998) aponta alguns objetivos que podem auxiliar
o professor de língua materna a organizar a atividade de
leitura na escola, dentre os quais destacamos:5
•
ler para obter uma informação precisa:
consiste em localizar no texto alguma informação que
interessa ao leitor, como por exemplo, a busca de uma
palavra no dicionário;
•
ler para obter uma informação de caráter
geral: é uma leitura guiada e mais aprofundada, como
por exemplo, a consulta a materiais específicos para a
elaboração de trabalho acadêmico;
•
ler para aprender: é a busca de ampliação
dos conhecimentos, através da leitura de um texto, como
5
Esses objetivos foram extraídos de Solé (1998: 93 a 99)
Uma discussão sobre estratégias metacognitivas em leitura na escola
por exemplo, a leitura de textos para estudar, em que se
fazem anotações, sublinham-se partes importantes do
texto, estabelecem-se relações com outros textos;
•
ler para revisar um escrito próprio: é a
revisão do próprio texto para verificar se ficou adequado
para transmitir o significado que o levou a ser escrito;
•
ler por prazer: experiência individual e
subjetiva do leitor, sendo que muitas vezes o texto literário
é o mais utilizado em leituras de lazer;
•
ler para comunicar um texto a um auditório: a
leitura prévia é uma ação indispensável nesse caso;
•
ler para verificar o que se aprendeu: ler para
verificar a compreensão parcial ou total do texto.
Solé (1998) ainda aponta outros aspectos que são
de fundamental importância para o entendimento do texto.
Corroborando as tabelas que serão mostradas na seção
seguinte com as estratégias metacognitivas globais, de
suporte à leitura e solução de problemas, a autora pontua
que o professor deve explorar os conhecimentos prévios do
aluno e isso aconteceria antes e depois da leitura.
Além disso, antes da leitura o professor pode
explorar um mecanismo de previsões sobre o que diz o
texto. Segundo Solé (1998) muitas vezes “só com a leitura
do título e dos subtítulos é possível imaginar o que vamos
encontrar no texto”.
Nessa perspectiva, na próxima seção, abordaremos
questões práticas seguidas de reflexões teóricas.
Sistematizaremos em duas tabelas o instrumento utilizado
por Joly e Marini (2008) e estabeleceremos alguns princípios
145
Kelli da Rosa Ribeiro
norteadores na elaboração da atividade de leitura.
Da teoria à prática: sistematização para
metodológicos
fins
É função da escola a formação de cidadãos proficientes
em sua língua materna. E, sobretudo, o professor de Língua
Portuguesa tem destaque no direcionamento de atividades
que desenvolvam a competência em leitura. Por isso, a
instrumentalização do aluno através do ensino de estratégias
de leitura permite que ele seja cada vez mais autônomo e
perspicaz nas diversas leituras que faz na sociedade.
É nessa direção que segue o artigo de Joly e Marini
(2008), que teve como principal objetivo identificar a frequência
de uso de estratégias metacognitivas de leitura por estudantes
de Ensino Médio, levando em consideração a variável idade,
gênero, série, turno e rede de ensino frequentada. Ao todo,
participaram da pesquisa 641 estudantes de escolas públicas
e particulares, com idades entre 14 e 17 anos. Os resultados
mostraram que das estratégias metacognitivas globais, de
suporte e de solução de problemas, a mais solicitada é a de
solução de problemas. Além disso, é durante a leitura que as
estratégias são mais utilizadas.
Com base nas informações contidas no estudo
feito pelas autoras sistematizaremos a escala que possui
39 estratégias de leitura, de forma que fiquem claro, em
um quadro, quais estratégias metacognitivas são globais,
de suporte e solução de problemas. Em outro quadro
mostraremos quais estratégias são mais adequadas antes,
durante e depois da leitura. Cabe destacar que será uma
sistematização metodológica e didática, pois sabemos
que as estratégias ocorrem sem fronteiras tão delimitadas.
Analisemos o primeiro quadro.
Estratégias metacognitivas globais
Estratégias metacognitivas de
suporte à leitura
Estratégias metacognitivas de
solução de problemas
Fazer perguntas sobre o conteúdo do texto
Grifar o texto para destacar informações
Parar de ler para ver se estou entendendo
Ver como é a organização do texto
Fazer anotações ao lado do texto
Reler trechos quando tenho dificuldade
Organizar um roteiro para ler
Fazer anotações sobre o texto
Levantar hipóteses sobre o conteúdo do texto
Interpretar o que autor quis dizer
Reler em voz alta os trechos que não
compreendeu
Fazer comentários críticos sobre o texto
Escrever com as próprias palavras
Opinar sobre as informações do texto
Fazer lista dos tópicos mais importantes
Relacionar o assunto com conhecimento prévio
Voltar e ler alguns parágrafos
Verificar se as hipóteses que fiz estão certas
ou erradas
Consultar o dicionário
146
Uma discussão sobre estratégias metacognitivas em leitura na escola
Deduzir informações do texto
Fazer um resumo do texto
Ler com atenção e devagar
Fazer um esquema do texto
Fixar a atenção em determinados trechos do
texto
Ler novamente os trechos para fazer relações
Reler trechos para relacionar as informações
Copiar os trechos mais importantes
Analisar se as informações são lógicas
Questionar o texto para entendê-lo melhor
Listar as informações que entendi
Concentrar-se na leitura quando o texto é difícil.
Fazer suposições sobre o significado de um
trecho
Diferenciar as informações da opinião do autor
Identificar se fez hipóteses corretas
Ficar atento aos nomes, datas, épocas e locais6
Ler em voz alta quando o texto é difícil
Pensar por que fez suposições certas e erradas
Relembrar os principais pontos
Verificar se atingiu o objetivo
Quadro 1 – Estratégias metacognitivas
É evidente que o estudante de Ensino Fundamental
e Médio não utilizará tais estratégias se não for trabalhado
e preparado para tal. Cabe ao professor juntamente
com a turma o direcionamento, aos poucos, dessas
estratégias. Importante notar que é, necessariamente, o
objetivo de leitura e o gênero que conduzirão as escolhas
estratégicas mais adequadas. Por exemplo, se o aluno
deve falar aos colegas sobre as principais informações
de uma notícia policial a estratégia metacognitiva de
solução de problemas “ficar atento aos nomes, datas,
épocas e locais” torna-se indispensável.6
O professor pode e deve participar ativamente de
algumas estratégias e, inclusive, consideramos que algumas
Dependendo do gênero que se está lendo.
66
estratégias dependem dele para que o aluno aprenda a usálas. É o caso da estratégia metacognitiva global “organizar um
roteiro para ler” apontada no quadro 1. Tal estratégia exige que
os primeiros roteiros sejam preparados pelo professor e que
gradativamente a tarefa seja desempenhada pelo estudante.
Assim também é a estratégia metacognitiva de solução
de problemas “consultar o dicionário”. É através do auxílio do
educador que o aluno desenvolverá a capacidade de procurar
as palavras no dicionário quando lhe surge uma dúvida no
momento da leitura. Outro exemplo de auxílio do professor é
quando se estabelece o objetivo de ler para pesquisar algum
tema determinado, as estratégias utilizadas podem ser “ler
com atenção e devagar” que é uma estratégia metacognitiva
global, “ler novamente os trechos para fazer relações” que
147
Kelli da Rosa Ribeiro
é uma estratégia metacognitiva de solução de problemas.
Além disso, para o objetivo de pesquisa também é possível
usar estratégias de suporte à leitura como “copiar os trechos
mais importantes” e “listar as informações que entendeu”
para dar suporte ao futuro texto do aluno-pesquisador.
Podemos ainda supor que o professor separe um
tempo das aulas para o objetivo de ler por prazer. Assim,
as estratégias metacognitivas globais “fazer comentários
críticos sobre o texto”, “opinar sobre as informações do
texto” e “relacionar o assunto com conhecimento prévio”
ajudam numa possível discussão com os colegas sobre o
que cada estudante leu. O professor pode aproveitar esta
tarefa de leitura de escolha pessoal e prazerosa de um texto
e solicitar que a turma faça um resumo do texto, para que
um tenha conhecimento do que outro gosta de ler.
Vejamos no segundo quadro como podemos
organizar as estratégias metacognittivas globais, de suporte
à leitura e solução de problemas em estratégias que podem
ser utilizadas antes, durante ou depois da leitura:
Estratégias utilizadas antes da leitura
Estratégias utilizadas durante a leitura
Estratégias utilizadas depois da leitura
Fazer perguntas sobre o conteúdo do texto
Fazer comentários críticos sobre o texto
Relembrar os principais pontos
Ver como é a organização do texto
Opinar sobre as informações do texto
Verificar se atingiu o objetivo
Organizar um roteiro para ler
Parar de ler para ver se estou entendendo
Escrever com as própriaspalavras
Levantar hipóteses sobre o conteúdo do
texto
Reler trechos quando tenho dificuldade
Fazer lista dos tópicos mais importantes
Reler em voz alta os trechos que não compreendi
Fazer um resumo do texto
Voltar e ler alguns parágrafos
Fazer um esquema do texto
Copiar os trechos mais importantes
Verificar se as hipóteses que fez estão certas
ou erradas
Listar as informações que entendeu
Grifar o texto para destacar informações
Identificar se fez hipóteses corretas
Fazer anotações ao lado do texto
Fazer anotações sobre o texto
Interpretar o que autor quis dizer
148
Uma discussão sobre estratégias metacognitivas em leitura na escola
Estratégias utilizadas antes da leitura Estratégias utilizadas durante a leitura Estratégias utilizadas depois da leitura
Consultar o dicionário
Fixar a atenção em determinados
trechos do texto
Ler novamente os trechos para fazer relações
Relacionar o assunto com conhecimento prévio
Deduzir informações do texto
Analisar se as informações são lógicas
Concentrar-me na leitura quando o
texto é difícil.
Ficar atento aos nomes, datas, épocas e locais
Ler em voz alta quando o texto é difícil
Quadro 2 – Estratégias utilizadas antes, durante e depois da leitura
Destacamos que as estratégias metacognitivas
de suporte à leitura predominantemente fazem parte do
processo, ou seja, é durante a leitura que o aluno utilizará
as estratégias que o auxiliarão na atividade. Depois, são
as estratégias metacognitivas de solução de problemas que
compõem o quadro das estratégias utilizadas durante a
leitura. Segundo Kato (1985) as estratégias metacognitivas
são ativadas “quando o leitor sente alguma falha em sua
compreensão”. Dessa forma, segundo a autora, tais
estratégias funcionariam como “mecanismos detectores
de falhas e são resultado de um esforço maior de nossa
capacidade de processamento” (KATO, 1985:84).
Como não é pretensão deste trabalho criar uma
receita de como trabalhar leitura em sala de aula, trouxemos
discussões a respeito do assunto que não devem se esgotar
num simples artigo. Aliás, é impossível e improdutivo
colocar a atividade dinâmica e complexa da leitura numa
forma. Assim, para suscitar reflexões e a fim de redirecionar
estratégias de leitura, formularemos, com base em todos
os subsídios vistos anteriormente, alguns procedimentos
norteadores da atividade.
Acreditamos que o primeiro procedimento que
guiará o professor é o conhecimento da turma, ou seja, de
suas dificuldades, habilidades, necessidades do público
leitor. A partir do mapeamento da turma, o professor tem
a tarefa de selecionar o gênero textual a ser trabalhado
149
com os alunos, de maneira que a dificuldade aumente
gradativamente. O terceiro procedimento é estabelecer e
variar objetivos para a leitura e explicitar aos alunos que
o objetivo guia a atividade de ler. Isso ajudará nas leituras
fora dos muros escolares.
O quarto procedimento é a seleção de estratégias
metacognitivas que auxiliem na compreensão do texto.
Nesse procedimento é importante lembrar que estratégias
metacognitivas globais, de suporte à leitura e solução de
problemas precisam estar articuladas e cabe ao professor
escolher quais são pertinentes a serem usadas, dependendo
do gênero lido. O terceiro procedimento é crucial para a
seleção das estratégias.
O quinto e último procedimento estabelecido por
este trabalho é a seleção das estratégias e atividades que
serão utilizadas antes, durante e depois da leitura. Esse é
o último procedimento, pois necessariamente depende dos
anteriores. Nesse sentido, resumimos que o aluno-leitor
precisa aprender a adaptar o uso das estratégias de acordo
com o texto lido, com seus conhecimentos prévios e com
seus objetivos de leitura.
Considerações finais
É preciso, nesse sentido, articular diversas situações
de ensino de leitura em que se garanta sua aprendizagem
significativa de leitura. Em se tratando de ensinar as
estratégias responsáveis pela compreensão, o aluno deve
aprender vivenciando a própria atividade em sala de aula. Isso
fica evidente nos resultados obtidos por Joly e Marini (2008),
em que as autoras chegam à conclusão de que os alunos
Kelli da Rosa Ribeiro
participantes da pesquisa fazem pouco uso das estratégias
metacognitivas e que não o fazem por falta de treino e preparo.
É justamente na escola o lugar de aprender e treinar a
leitura em suas diversas formas e com seus variados objetivos.
É na escola que a criança aprende a manusear o dicionário,
elaborar resumos, fazer roteiros de leitura e outras estratégias
que fazem parte do processo de leitura. É o professor que
ensina a adequação ao gênero, levando textos de diferentes
tipos e graus de complexidade. É o professor quem desafia o
aluno a entrar no texto e entender seu funcionamento.
Foram essas reflexões e discussões que guiaram
este trabalho. Acreditamos que a posição da Psicolinguística
no que tange a leitura é bastante pertinente e viável, pois
tal disciplina trabalha com o processamento e não só com o
produto final da leitura. Ao término deste artigo destacamos
que as pesquisas em leitura de todas as áreas da Linguística
e da Psicologia são pertinentes, pois trazem discussões e
convites a novas pesquisas. Através de pequenos passos
podemos avançar em conhecimento e, talvez, o ensino de
leitura nas escolas ganhe espaço menos secundário.
RESUMO – Leitura é o processo ativo de compreensão e
interpretação do texto, sendo realizada pelo sujeito a partir
de objetivos, de conhecimentos prévios sobre o assunto,
bem como de informações contextuais que envolvem o
texto. Pensando nessa questão e baseando-se nela, este
artigo faz reflexões teóricas e práticas sobre os processos
e as estratégias que envolvem a atividade de leitura e
compreensão. Além disso, tais reflexões, apoiadas na corrente
interdisciplinar da Psicolinguística, têm por objetivo oferecer,
150
Uma discussão sobre estratégias metacognitivas em leitura na escola
ao professor de língua materna, subsídios teórico-práticos
sobre estratégias metacognitivas que são mobilizadas na
compreensão leitora de textos, observando alguns aspectos
que constituem a atividade de leitura. Para tanto, mostramos
alguns referenciais teóricos sobre leitura e estratégias
metacognitivas e sistematizaremos as informações do
instrumento Escala de estratégias metacognitivas de leitura
utilizado em pesquisa por Joly e Marini (2008) no artigo A
leitura no Ensino Médio e o uso das estratégias metacognitivas.
Por fim, elaboramos alguns procedimentos norteadores da
atividade de leitura em sala de aula.
Palavras-chave: Compreensão Leitora. Estratégias
Metacognitivas. Psicolinguística.
school and the use of metacognitive strategies. Finally, work
out some procedures of reading activities in the classroom.
Keywords: Reading Comprehension. Metacognitive
Strategies. Psycholinguistics.
ABSTRACT – Reading is an active process of understanding
and interpretation of the text, being performed by the subject
from goals, prior knowledge on the subject, as well as
contextual information surrounding the text. Thinking about
this issue and based on it, this article will cause theoretical
and practical reflections on the processes and strategies that
involve the activity of reading and understanding. Moreover,
these considerations, supported by current psycholinguistic
interdisciplinary, aim to offer the teacher of language,
theoretical-practical information on metacognitive strategies
that are mobilized in the reading comprehension of texts,
noting some aspects that constitute the reading activity. To
this end, we show some theoretical references about reading
and metacognitive strategies and organize information of the
instrument range metacognitive reading strategies used in
research by Joly and Marini (2008) Reading the article in the
JOLY, Maria Cristina; MARINI, Janete Aparecida. A leitura
no ensino médio e o uso das estratégias metacognitivas. In
Estudos e pesquisas em psicologia. UERJ, Rio de Janeiro.
ISSN: 1808-4281. p. 505-522, 2008.
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BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
LDB – Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
LEI No. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
KATO, Mary. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins
Fontes, 1985.
LEITÃO, M. Psicolingüística Experimental: Focalizando
o processamento da linguagem. In: Martelotta, M. (org.)
Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto, 2008.
SCLIAR-CABRAL. L. Introdução à psicolingüística. São
Paulo: Ática, 1991.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Art
Med, 1998.
151
Samanta Demetrio da Silva
Concepção de leitura: abordagens
psicolinguísticas em interface com
abordagens da neurociência
Samanta Demetrio da Silva1
Fale com a autora
A leitura é um dos processos fundamentais da
comunicação humana. As concepções de leitura existem
sob diversos modelos teóricos. O foco de nossa atenção,
no presente texto, são dois modelos que se entrelaçam: a
psicolinguística em interface com a neurociência. Segundo
Leonor Scliar Cabral, em entrevista à revista Revel, a
psicolinguística, como o nome indica, é uma ciência
híbrida que resultou da intersecção entra a linguística e a
psicologia, acrescidas pela teoria da informação, no que
elas têm em comum.
As bases epistemológicas que possibilitaram o
surgimento da psicolinguística no seminário de verão, na
Universidade de Cornell, realizado de 18/06 a 10/08 de
1961, eram semelhantes. A interdisciplinaridade passou
a prevalecer cada vez mais no cenário científico atual em
que as neurociências dominam. O olhar da linguística até
meados do séc. XX, tanto sob a influência do pensamento
saussureano, quanto nos Estados Unidos, sob a ótica
do distribucionalismo, era focado sobre o objeto língua,
desvinculado de como era processado por falantes e
ouvintes ou leitores e escritores. Sendo assim, a interface
1
Graduada pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI – em
Letras em 2009. Email: [email protected].
proposta é fundamental e elucida com bases teóricas
o processo tanto de aquisição da linguagem quanto de
compreensão da leitura.
Pesquisas psicolinguísticas entendem que o ato de
ler é interagir com o texto. As relações texto-autor-leitor
regem pesquisas realizadas por inúmeros autores em
que essa interação, muitas vezes, rege o processamento
da leitura. De acordo com Smith, a leitura não pode ser
separada da escrita e do pensamento. Para esse teórico,
ler não é simplesmente extrair informações do que está
impresso. Sabemos que existe um conjunto de enfoques
necessários para dar conta do que é o ato de ler. Existem
necessidades tais como objetivos e expectativas de leitura.
Nesse processo estão embricados o conhecimento prévio,
a compreensão, as previsões tanto globais quanto focais,
as estratégias de processamento do texto entre outras.
Stanislas Dehaene, em seu livro Reading in the brain,
descreve pesquisas pioneiras de como nosso cérebro
processa a linguagem, sob diversos aspectos. Em se
tratando da leitura, propriamente dita, Dehaene afirma
que temos a ilusão de que a leitura é algo simples e que
não demanda esforço porque através de vários anos de
prática desenvolvemos essa habilidade. É através desse
cenário teórico das contribuições psicolinguísticas e das
recentes pesquisas e contribuições das neurociências
que discorremos nosso artigo. Para tanto, contaremos
com uma divisão em tópicos em que desenvolveremos,
separadamente, elementos dessas duas grandes áreas.
152
Concepção de leitura: abordagens psicolinguísticas em interface com abordagens da neurociência
Leitura: abordagem psicolinguística
Muito tem se discutido acerca do ato de ler. Pesquisas
sob a perspectiva da Psicolinguística sugiram a fim de dar
conta de todo o processo de leitura e todo o conjunto cognitivo
envolvido na leitura. Para Goodman (1976, p. 498), existe na
leitura uma espécie de jogo psicolinguístico de adivinhação,
envolvendo, através de tentativas, processamento de
informações. Em seu modelo nos coloca, ainda, que a
eficiência na leitura não é resultado da identificação exata
de todos os elementos nem da percepção precisa, mas da
habilidade e a capacidade de selecionar a maior quantidade
de “pistas” necessárias para elaborar as “adivinhações” que
estavam certas desde o início. Sendo assim, nesse jogo
de adivinhações consideramos que as “adivinhações” e as
“pistas” são de suma importância para a compreensão do
que está sendo lido. Esse conjunto cognitivo engloba as
inferências e as predições. As inferências são as pistas
que nos levam às adivinhações, o que pode estar ou está
implícito, e as predições são as habilidades de antecipar o
que será dito, as informações a seguir. Ao analisarmos esse
processo percebe-se a importância em encontrar o sentido na
leitura. As predições e as inferências configuram estratégias
de leitura que dão sentido ao que está sendo lido.
Uma série de fatores faz parte do processamento da
leitura. Segundo Smith (1999, p. 116-119), em princípio, o
sentido da aprendizagem da leitura é para encontrar sentido
na escrita. As crianças se empenham para encontrar
sentido na escrita, e, como consequência, aprendem a ler. É
evidente as muitas facetas da leitura a serem dominadas e
em situações diferentes. Nesse sentido, atualmente existem
estudos que se dedicam, exclusivamente, ao ensino de
estratégias para a compreensão leitora, a docência para
a proficiência efetiva. Deixemos claro que esse não é o
foco central deste texto, mas é uma questão que envolve,
também, os tópicos que abordamos.
As estratégias de leitura podem ser classificadas em
cognitivas e metacognitivas. Em Kato (2007) e Solé (1998)
encontra-se uma distinção entre estratégias cognitivas e
metacognitivas. Para essas autoras, estratégias cognitivas
são aquelas que regem o comportamento automático e
inconsciente do leitor, enquanto que as metacognitivas
referem-se aos princípios que regulam a desautomatização
consciente das estratégias cognitivas.
Metacognição refere-se, assim, ao conhecimento
do leitor e ao controle que este tem de seu próprio
conhecimento na atividade de leitura. Outro uso das
estratégias metacognitivas ocorre quando a leitura é feita
com a intenção de memorizar ou de aprender. Kato (2007)
postula que as estratégias metacognitivas funcionam como
mecanismos detectores de falhas e que são resultados de
um esforço maior de nossa capacidade de processamento.
Ainda assim, resumidamente, dizemos que estratégias
cognitivas são operações inconscientes sem um objetivo
pré-estabelecido e as metacognitivas são conscientes,
com algum objetivo já em mente. Além dessas estratégias
é fundamental no processo de compreensão leitora o
conhecimento prévio. Segundo Kleiman (2002, p. 13-17), a
compreensão de um texto é um processo que se caracteriza
pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza o que
153
ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida.
É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento,
como o conhecimento linguístico, o textual, o conhecimento
de mundo que o leitor consegue construir o sentido do
texto. A leitura é considerada um processo interativo porque
o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento
que interagem entre si..
Para Kleiman (2002), sem o conhecimento prévio
do leitor não haverá compreensão. Para Frank Smith
(1999, p. 73-75), a compreensão depende da previsão. O
que já temos em nossa mente é a nossa única base tanto
para encontrar o sentido de mundo como para aprender
sobre ele. A interface com os estudos cerebrais começa a
delinear-se. Smith (1999, p. 73-75) diz que para entender
o processo de compreensão precisamos entender como
funciona o cérebro humano. Para o autor, o que temos
no cérebro é um modelo do mundo intrincadamente
organizado e inteiramente consistente, construído como
resultado da experiência, não da instrução, e integrado
em um todo coerente como resultado de uma permanente
aprendizagem e pensamento adquiridos com total
desenvoltura. F. Smith fala que em nossas mentes temos
uma teoria de como é o mundo, e essa teoria é a base de
toda a nossa percepção e compreensão.
Com efeito, para dar sentido ao que lemos utilizamos
todo esse conhecimento de mundo, guardado no cérebro,
na memória. É essa uma estratégia de leitura que nos leva
a realizar mais seguramente as inferências, as previsões e
compreender mais eficientemente o texto e o que o texto
nos diz. Conforme Smith (1989, p. 32-35), nossa habilidade
Samanta Demetrio da Silva
para extrair sentido do mundo, como nossa habilidade
para recordar eventos, para agir apropriadamente e para
prever o futuro é determinada pela complexidade do
conhecimento que já possuímos. Nesse sentido todas as
pessoas fazem previsões todo o tempo. Esse constante
estado de antecipação é pelo fato de nossa teoria de
mundo, nosso conhecimento prévio, funcionar tão bem.
Previsão e compreensão estão interligadas. A previsão
significa que fazemos perguntas ao lermos um texto, e a
compreensão significa que somos capazes de responder
a algumas das perguntas formuladas. À medida que
fazemos mais perguntas e somos capazes de respondêlas, então compreendemos. Para tanto, a leitura não pode
ser separada do pensamento. A leitura é uma atividade
carregada de pensamentos. Na visão psicolinguística de
Smith, a leitura pode ser definida como um pensamento que
é estimulado e dirigido pela linguagem escrita.
Leitura: abordagem da neurociência
Stanislas Dehaene (Collège de France), pesquisador
francês considerado uma autoridade mundial na
neurociência cognitiva da linguagem e do processamento
de números, em sua obra Reading in the brain, descreve
pesquisas pioneiras sobre como o cérebro humano processa
a linguagem, sob os mais diversos aspectos. De acordo com
Dehaene, temos a ilusão de que a leitura é algo simples
e que não demanda esforço porque desenvolvemos essa
habilidade através de vários anos de prática. Na realidade,
esse processo é bastante complexo: ao ser visualizada
154
Concepção de leitura: abordagens psicolinguísticas em interface com abordagens da neurociência
pela retina, a palavra é dividida em inúmeros fragmentos,
visto que cada parte da imagem visual é reconhecida por
um fotorreceptor distinto. A questão e o desafio, então, é
reorganizar esses fragmentos em forma de letras, colocálos na ordem correta para, finalmente identificar a palavra.
Ancorado em pesquisas realizadas com tecnologia de
ponta, Dehaene (2009) nos coloca sobre o tema proposto, o
que ele denomina de “paradoxo da leitura”. Nosso cérebro
é produto de milhões de anos de evolução em um mundo
em que não havia escrita; então, ele se adaptou a ponto
de reconhecer palavras e símbolos. Segundo o autor, o
cérebro humano não foi projetado para a leitura. Como
conseguimos, então, dar conta dessa habilidade? Para ele,
a ideia de que o cérebro possui uma infinita capacidade
de se adaptar à cultura é refutável. Entretanto, propõe
uma teoria que tenta resolver o “paradoxo da leitura” que
é a hipótese da reciclagem neural. De acordo com essa
hipótese, a arquitetura do cérebro humano submete-se a
fortes restrições genéticas, mas alguns circuitos cerebrais
desenvolveram-se a uma margem de variabilidade. Sendo
assim, através dessa reciclagem neural pode-se explicar a
alfabetização, seus mecanismos no cérebro e sua história.
Em seu livro, aborda que cada leitor adapta sua estratégia
de exploração visual de acordo com sua língua ou com a
língua que estiver lendo. Os movimentos rápidos dos dois
olhos para a mesma direção de uma pessoa que está lendo
um texto em chinês tendem a ser menores do que uma
pessoa que está lendo um texto em português, porque o
sistema de escrita chinês é através de ideogramas, que
representam ideias e conceitos, e não de letras.
Dessa mesma forma, o reconhecimento de
grafemas e fonemas nos remete à questão da invariância,
ponto em que as pesquisas de Stanislas também se
debruçam. A tarefa realizada pelo cérebro que reconhece
que aspectos da palavra não variam independentemente
do tamanho ou forma em que a palavra se apresenta.
Sob esse princípio conseguimos reconhecer que as
palavras SETE, sete e sete são a mesma palavra. A
região que processa especificamente a palavra escrita é
a região occípito-temporal ventral esquerda. Essa região
cerebral é a mesma tanto para leitores de português,
japonês ou italiano. O autor, a partir de seus estudos,
comprova a ideia de que existem mecanismos universais
responsáveis pela leitura. Essa área do hemisfério
esquerdo do córtex podem ser visualizadas com o uso
de tecnologias de neuroimagem, como PET (Position
Emission Tomography), FMRI (Functional Magnetic
Resonance Imaging) e EEG (Eletroencephalography).
Ao longo de muitos estudos concluiu-se que existe
uma universalidade fundamental nos circuitos de leitura.
Isso significa que, independentemente da diversidade
dos sistemas de escrita e das normas ortográficas de
uma língua, todas as pessoas solicitam as mesmas áreas
cerebrais quando leem. A esse lugar é dado o nome de
“caixa de palavras”. Logo os estímulos escritos, ao entrar
em contato com o córtex, são canalizados na região da
caixa de palavras e então reconhecidos independentemente
de seu tamanho ou forma. Esse input visual é enviado para
uma de duas rotas principais: uma que converte o input em
som (rota fonológica) e outra que converte em significado
155
(rota lexical). As duas rotas, fonológica e lexical, operam de
maneira simultânea e paralela.
De acordo com estudos desenvolvidos, Stanislas
Dehaene argumenta que existe uma hierarquia de
neurônios que respondem a estímulos visuais. Através
da hipótese da reciclagem neural, quando aprendemos
a ler, parte dessa hierarquia de neurônios se ocupa da
nova tarefa de reconhecer letras e palavras. Então, a
capacidade de ler, segundo o autor, é resultado de um
sofisticado processo evolutivo, e não somente resultado
da plasticidade cerebral, que muitas vezes é considerada
como uma propriedade inata do cérebro. Os estudos e
pesquisas realizados por ele defendem a ideia de que a
plasticidade do cérebro é fruto da evolução e do instinto
de aprender que nós, humanos, possuímos. Portanto,
fica mais fácil compreender como pessoas com acidentes
cerebrais e até mesmo com parte do cérebro removida
conseguem, ainda assim, dar conta da leitura. Retomando
a ideia expressa pelo “paradoxo da leitura”, de que
nossos genes não se desenvolveram com a finalidade
de nos habilitar a ler, o cientista afirma que os sistemas
de escrita devem ter se desenvolvido de acordo com as
limitações de nosso cérebro. A explosão das atividades
em neurociência vem delineando caminhos interessantes
para as pesquisas nesse campo. Através da hipótese da
reciclagem neural, Dehaene explica as principais fases
da aquisição da leitura, dividida em estágios. Primeiro o
estágio pictórico, em que a criança registra (fotografa)
algumas poucas palavras; o segundo, estágio fonológico,
em que a a criança aprende a decodificar grafemas em
Samanta Demetrio da Silva
fonemas; e o terceiro, estágio ortográfico, em que o
reconhecimento da palavra se torna rápido e automático.
De acordo com as pesquisas, o autor afirma que
estudos envolvendo neuroimagem mostram que muitos
circuitos do cérebro são alterados durante esses estágios,
principalmente aqueles ligados à caixa das palavras.
Para Stanislas, o ponto chave da aquisição da leitura e
ponto de partida para a efetiva compreensão leitora,
está no estágio fonológico na conversão das letras em
sons. Sendo assim, podemos dizer que a psicolinguística
contribuiu efetivamente durante décadas e através de
estudos, e modelos tais como o conexionista, para a
chegada até as pesquisas em neurociência. Um ponto é,
ainda, bastante discutido pelos pesquisadores: apenas
a espécie humana é capaz de se adaptar as invenções
culturais tão sofisticadas quanto a leitura. Para Dehaene,
somos a única espécie que criou uma cultura que foi capaz
de adaptar seus circuitos cerebrais a novos usos. Ou seja,
ao longo de sua trajetória, os homens foram descobrindo
progressivamente, que podiam reutilizar seus sistemas
visuais como um input substituto à língua e, dessa forma,
chegaram à leitura e à escrita.
Os estudos desenvolvidos sobre leitura abrem novas
perspectivas a respeito da natureza da interação entre
cérebro e cultura. Sob esse olhar, essa fusão de cultura e
cérebro, o autor chega a suas conclusões de que sua ideia
inicial sobre o paradoxo da leitura na realidade não existe.
A evolução biológica, de acordo com o autor, não explica
o desenvolvimento do cérebro para essa habilidade da
leitura. Para ele, o cérebro humano nunca se desenvolveu
156
Concepção de leitura: abordagens psicolinguísticas em interface com abordagens da neurociência
para esse fim. A única evolução que aconteceu foi cultural.
A habilidade de leitura desenvolveu-se progressivamente
para uma forma adaptada aos circuitos de nosso cérebro.
O ser humano é a única espécie culturalmente sofisticada.
Os estudos e as pesquisas, nesse âmbito, são capazes
de auxiliar e resolver qualquer problema relacionado à
leitura e à escrita. A Psicolinguística e a Neurociência
desempenham um papel fundamental para descobrir e
desvendar como o cérebro leitor funciona.
Considerações finais
Em suma, de acordo com os estudos teóricos
propostos pela Psicolinguística, o processamento da
leitura é dinâmico, é resultado da interação do leitor com
o texto e do leitor com o autor. Esse processo é altamente
ativo na construção de sentidos e envolvem uma série de
fatores tais como: estratégias cognitivas e metacognitivas,
conhecimentos linguísticos e extralinguísticos, predições e
um brilhante esforço cognitivo. Desse modo, o significado
na leitura vai sendo construído a partir dessa relação feita
com o texto. Os avanços propostos pela neurociência trazem
contribuições mais do que efetivas que dão conta de todo
o esquema cerebral envolvido nessa tarefa. Nosso trabalho
passa por essas etapas revisando-as, com base nas teorias
reconhecidas atualmente. Deve ser levado em consideração
que todas as pesquisas realizadas nesse âmbito e em
outras áreas voltadas para o ensino e a compreensão de
tais processos podem se fundir em uma única ciência da
leitura. Através de tantos subsídios, chega-se a um ponto
fundamental que deve unir todos os esforços: como a leitura
deve ser ensinada e como compreender esse processo de
ensino da leitura. Para tanto, fica a mensagem de que os
avanços de todas as áreas envolvidas devem dar conta de
melhorar a compreensão e o ensino da leitura. Os elementos
teóricos disponibilizados ao longo do texto elucidam o cerne
da questão. Além dos tópicos desenvolvidos, cabe ressaltar
em nossas considerações finais que viabilizar esses estudos,
colocá-los em prática, só poderá ser possível em um país com
políticas públicas voltadas para a educação. São necessárias
políticas que assegurem esses conhecimentos a professores
e alunos e não só em forma de propostas ou diretrizes.
RESUMO – O presente artigo tem como proposta apresentar
uma breve revisão acerca da concepção de leitura sob o
olhar teórico da Psicolinguística em interface com algumas
abordagens teóricas da Neurociência. O processamento
da leitura, conhecimento prévio e estratégias de leitura são
os aspectos enfatizados, no presente trabalho, à luz das
perspectivas teóricas da Psicolinguística e da Neurociência.
O texto destaca algumas contribuições recentes de
pesquisas pioneiras realizadas pelo renomado cientista
Stanislas Dehaene sobre o processo cerebral da leitura em
interface com as contribuições psicolinguísticas – ramo da
Linguística que analisa os processos cognitivos de produção
e recepção da linguagem verbal na compreensão leitora.
Palavras-chaves: Concepção de leitura. Psicolinguística.
Neurociência. Processamento da Leitura. Conhecimento
Prévio. Estratégias.
157
ABSTRACT – This article aims to present a brief review
on the concept of reading from the perspective of
theoretical psycholinguistic interface with some theoretical
neuroscience. The process of reading, prior knowledge
and reading strategies are emphasized aspects of the
present work in light of the theoretical perspectives of
psycholinguistics and neuroscience. The following text is
intended to highlight the recent contributions of pioneering
research conducted by renowned scientist Stanislas
Dehaene on the brain’s process of reading in the interface
between psycholinguistic contributions - branch of linguistics
that examines the cognitive processes, also in reading,
which is the difficulty of text comprehension.
Keywords: Concept of reading. Psycholinguistics. Neuroscience.
Reading Processing. Prior Knowledge. Strategies.
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158
Nível de compreensão de leitura de um aluno colombiano no processo de aprendizagem do português: um estudo de caso
Nível de compreensão de leitura de um aluno
colombiano no processo de aprendizagem do
português: um estudo de caso
Vanessa Nery Souza1
Fale com a autora
O bom desempenho de leitura está relacionado a quanto e como a criança compreende um determinado texto.
Este estudo trata do processo de compreensão de leitura
na aprendizagem do Português por um aluno colombiano,
que está apresentando dificuldades na disciplina de
Português do Ensino Fundamental (7ª série) em tarefas de
compreensão de leitura; analisado através do Teste Cloze
que serve para mensurar o grau de compreensibilidade
de determinado texto por parte do leitor. O objetivo desta
pesquisa é verificar se existe relação entre o desempenho
obtido pelo aluno e os resultados do teste Cloze. Para
aplicação do teste Cloze foi selecionado um texto – A canoa
que virou coisa.
1. Referencial teórico
O processo de leitura é mais complexo do que
nos parece, devido aos inúmeros fatores que interferem
diretamente na nossa capacidade de compreensão, sejam
eles físicos ou psicológicos. Mesmo assim, há pessoas que
consideram a leitura como a simples percepção da forma
1
Email: [email protected]
das palavras e seus significados.
As experiências proporcionadas pela leitura, além
de facilitarem o posicionamento do ser humano diante
da sociedade, são, ainda, as grandes fontes de energia
que impulsionam a descoberta, a elaboração e a difusão
de conhecimento.
Sendo assim, o processo da leitura não pode ser
visto apenas como a transcrição fonética da fala. Conforme
Kleimann (1997), leitura é um ato social entre dois sujeitos leitor e autor, que interagem entre si, obedecendo a objetivos
e necessidades socialmente determinados.
Da mesma forma, Kato (1987) considera a leitura
como um ato de reconstrução dos sentidos alinhavados
pelo autor, ou seja, segundo a autora, há necessariamente
uma interação entre leitor-autor. Ao ler, acompanhamos
o pensamento do autor, ou seja, entendemos o texto,
imaginando-nos como um de seus produtores. O texto
reúne em si um conjunto de pistas, o que significa dizer
que o mesmo texto lido por vários leitores poderá ter várias
significações, já que cada leitor tem objetivos pessoais,
próprios, para ler, isto é, cada qual formula perguntas que
acha importantes sobre o assunto, buscando encontrar
respostas para elas. Cada leitor tem suas barreiras, suas
superações. E a cada texto há uma informação nova a
ser processada.
Aspectos cognitivos envolvidos no processo da leitura
Ler consiste, basicamente, no processamento de informações de um texto escrito com a finalidade de compre-
159
endê-las e interpretá-las. Mas o processo não é simples,
pois o leitor não pode se fixar somente nas palavras e no
aspecto visual do texto, a compreensão dependerá do conhecimento prévio do leitor, adquirido ao longo da vida.
Kleiman (1997) classifica o conhecimento prévio em
três dimensões: conhecimento linguístico, que possibilita
ao leitor compreender diferentes textos, conforme sua estruturação linguística, ou seja, o leitor deverá ser capaz de
agrupar elementos que possam estar alternados no texto;
conhecimento textual, que é a capacidade do leitor interagir com diferentes tipologias textuais. O domínio maior
desse conhecimento facilitará a construção de significados
para os textos lidos; e conhecimento de mundo, ou seja, o
repertório de informações adquiridas ao longo da vida.
Ao final da leitura, é esperado que o leitor, valendo-se das três dimensões de conhecimento envolvidas, consiga formular boas hipóteses sobre os sentidos do texto lido.
Colomer e Camps (2002) afirmam que, além das três dimensões de conhecimento referidas, o leitor também deve
estar decidido a ler, tendo uma intenção para realizar a leitura, ou seja, um objetivo de leitura.
Dessa maneira, o processo da leitura envolve
apropriação, invenção e produção de sentidos
(CHARTIER, 1999).
Assim, o resultado alcançado dependerá do
desempenho de cada leitor ao ler, analisar e criar um sentido
para o que está posto ou implicitado no texto.
O ato de ler será aqui compreendido como um
processo, no qual a interpretação do que é lido depende,
não só do que está impresso, mas também das hipóteses
Vanessa Nery Souza
do próprio leitor, formuladas com base no seu conhecimento
prévio e no estabelecimento de conexões intertextuais que
permitem a leitura significativa (ALVES, 2003).
Teste Cloze
Criada por W. Taylor em 1953, a Técnica Cloze é
uma técnica da psicolinguística, fundamentada na Teoria da
Informação e na noção de amostra aleatória, cujo objetivo
é a mensuração da compreensibilidade (ADELBERG;
RAZEK, 1984). Essa técnica consiste na retirada de
palavras e substituição por um espaço pontilhado. Os
leitores têm que preencher, de acordo com o contexto, tais
espaços, sendo que o índice de compreensibilidade do
texto é dado pela maior ou menor facilidade que o leitor
tem para reconstituir tal texto (STEVENS, STEVENS e
STEVENS, 1992).
Conforme Williams et al. (2002), para medir a
clareza pelo método Cloze seguem-se os passos abaixo:
a) os trechos do texto a ser avaliado são escolhidos
aleatoriamente; b) a décima sexta palavra e, a partir dela,
toda quinta palavra do trecho selecionado é retirada e
substituída por lacunas de tamanho único; c) o trecho
é repassado aos participantes, que não tiveram contato
prévio com o trecho completo; d) aos participantes, é dada
a instrução de preencherem as lacunas com as palavras
que acreditem terem sido retiradas; e) as respostas
são consideradas corretas quando eles completam a
lacuna com a palavra que foi retirada; f) a passagem que
proporcionar o maior número de acertos será considerada
160
Nível de compreensão de leitura de um aluno colombiano no processo de aprendizagem do português: um estudo de caso
a mais clara, com relação ao assunto em questão e,
também, a mais clara para o público-alvo representado
pelo grupo participante da avaliação. O trecho que permitir
a segunda pontuação mais alta será considerado o
segundo mais claro e assim por diante.
Bormuth (1968) demonstrou que os resultados
do método Cloze possuem correlação com os de outros
métodos como, por exemplo, de métodos de compreensão.
Ele verifica ainda a existência de algumas vantagens
comparativas para o uso da versão comum do método Cloze
como medidor da clareza: a) os testes pelo método Cloze
são simples e fáceis de preparar, gerenciar e avaliar; b) os
itens do método Cloze estão embutidos no próprio texto,
evitando, assim, sofrer a influência daqueles que fazem o
teste; c) os testes pelo método Cloze demonstraram ser
altamente confiáveis e válidos como medidores da clareza
relativa dos materiais propostos; d) as respostas podem
ser avaliadas de forma objetiva e simples.
O método Cloze não apresenta nenhuma suposição
quanto à correlação entre a facilidade de compreensão e a
frequência de aparecimento de elementos como comprimento
de palavras e sentenças, palavras diferentes ou semelhantes,
partes do discurso, voz ativa ou termos concretos. As unidades
avaliadas no método Cloze são as reproduções do texto
efetuadas com sucesso (WILLIAMS et al., 2002).
Bormuth (1968) comenta ainda que, diferentemente
da fórmula da clareza, o método Cloze permite uma medição
direta da eficácia com que um leitor interage com o texto. A
eficiência do processo de compreensão leitora depende da
capacidade do leitor de prever o conteúdo, do conhecimento
prévio do assunto pelo leitor, da simplicidade e consistência
do estilo de escrita e do uso, pelo autor, das convenções da
linguagem (WILLIAMS et al., 2002). Segundo esse autor, o
método Cloze capta o ponto de partida em que se encontra
o leitor, suas experiências, compreensão e expectativas,
como por exemplo: uso de frases não convencionais ou
obscuras, jargão não familiar. O grau até o qual o leitor
consegue prever a parte ausente do texto é considerado
um indicativo da eficácia na comunicação.
Santos et al. (2002) argumenta que a técnica Cloze
é bastante eficaz sob o ponto de vista prático em função
dos altos índices de correlação positiva de seus resultados
com o desempenho acadêmico; isto é, alunos com maiores
percentuais no teste apresentam melhores resultados nas
médias das disciplinas.
Diante da importância da leitura, independente da
concepção de compreensão adotada, o objetivo da pesquisa
é verificar se existe relação entre o desempenho obtido
pelo aluno na disciplina de português e os resultados do
teste Cloze. A hipótese de trabalho é de que relação entre o
desempenho obtido pelo aluno na disciplina e o desempenho
no teste Cloze e, ainda, de que o desempenho acadêmico
está relacionado a outras questões de sua história.
A escola e o ensino da leitura
De acordo com Foucambert (1994), o acesso ao
“poder” só é possível a partir da reflexão. Segundo esse autor,
tal feito só é viável através do acesso ao processo de produção
do saber e não apenas por meio da transmissão dos saberes.
161
Nesse sentido, Foucambert (1994) juntamente com
Smith (1999) e Solé (1998) defendem um ensino de leitura
no qual se aprenda a ler lendo, em um processo em que o
aluno deve estar em contato com os mais diversos gêneros
e tipologias textuais. Para esses autores, saber ler não se
confunde com saber decodificar, já que a mera decodificação
do código escrito não garante o desenvolvimento da
capacidade de ver além do que é visível aos olhos.
Para Smith (1999), o significado precede a leitura da
palavra, enquanto unidade específica. Já a compreensão,
que seria o núcleo da leitura, está além das palavras ou
da informação visual. Pois a cada nova leitura, ainda que
seja do mesmo texto, o leitor já não é mais o mesmo do
instante anterior. Foi modificado pelo que leu, adquiriu
novos conhecimentos que vão interferir, por sua vez, na
próxima leitura.
Segundo Silva (1993), a prática da leitura a partir
de interpretações pré-estabelecidas, sem análise e reflexão
do grupo envolvido na atividade, sem mobilização do
conhecimento prévio e sem, portanto, qualquer chance de
formular inferências, permite apenas que o leitor decodifique
um enunciado que já está elaborado, pronto e embalado
para uso, não havendo a possibilidade de construção de
significado para o texto lido.
Nesse sentido, Soares (1979) traz sugestões que
podem ser aplicadas pelos professores durante o estudo
de textos em sala de aula. Segundo a autora, o professor
deve proporcionar aos alunos leituras de acordo com as
habilidades que quer que os estudantes desenvolvam.
Vanessa Nery Souza
A autora ainda reitera que o que ocorre, na maioria
das vezes, é a manifestação de pouco (ou nenhum) interesse
dos alunos em pensar sobre o texto, bem como a pouca
preocupação do professor em fazê-los refletir e envolvê-los
no assunto, com a finalidade de gerar uma interpretação
crítica e produtora de sentidos.
O envolvimento do professor é de suma importância
para melhorar as propostas de atividades de leitura no
contexto escolar, já que é exclusivamente através do convívio
com os alunos, que o professor pode desenvolver e dispor de
uma metodologia adequada para possibilitar o conhecimento.
2. Desenvolvimento da pesquisa
O projeto foi realizado a partir da constatação do
baixo desempenho no nível de compreensão leitora que
um aluno colombiano vem apresentando no processo de
aquisição do Português.
A pesquisa foi desenvolvida com a participação de
um aluno da sétima série do Ensino Fundamental, com a
finalidade de detectar o nível de conhecimento prévio que o
aluno possuía sobre o assunto tratado no texto e avaliar a
compreensão leitora do sujeito pesquisado.
O objetivo do presente trabalho foi o de analisar os
fatores que intervêm no processo de compreensão leitora,
considerando os aspectos cognitivos envolvidos através do
aprofundamento dos conhecimentos e do nível detectado
de compreensão leitora do sujeito. A fim de alcançar o
objetivo do trabalho, foram levantadas duas hipóteses a
serem investigadas:
162
Nível de compreensão de leitura de um aluno colombiano no processo de aprendizagem do português: um estudo de caso
a) a primeira hipótese considera que a compreensão
leitora varia dependendo de vários fatores, dentre eles o
conhecimento linguístico, o conhecimento textual e, por
fim, o conhecimento de mundo. Isto é, se o texto apresenta
um vocabulário desconhecido, ou faz uso de uma temática
considerada hermética sobre a qual o leitor não possa
fazer inferências, sua compreensão será afetada. Quanto
menos inferências o leitor for capaz de realizar, menos
conhecimento prévio ele possui acerca do assunto lido.
Como consequência, menor será seu nível de compreensão.
b) a segunda hipótese propõe que a compreensão
leitora pode ser influenciada pelo desenvolvimento
cognitivo atingido, pela capacidade de memorizar e pelas
experiências anteriores. Além disso, o ambiente no qual o
leitor está inserido também poderá facilitar ou dificultar a
leitura, conforme valorize ou não essa atividade, abrindolhe os espaços necessários ou interditando-os.
Para testar essas hipóteses, nossa pesquisa de
campo foi dividida em duas etapas. Primeiramente, foram
coletados dados pessoais do sujeito pesquisado: idade, sexo,
nível socioeconômico e experiência de leitura. Na segunda
etapa, o aluno preencheu um texto – A Canoa que virou coisa
- ANEXO 1 - através da técnica Cloze – e, em seguida, foi
solicitado a ler e a contar o que entendeu do texto.
O caso
O sujeito deste estudo é um aluno colombiano, 15
anos de idade, sexo masculino, estudante repetente da
sétima série do Ensino Fundamental de uma escola particular
de classe alta de Porto Alegre/RS. O aluno estudou até o
ano de 2008 na Colômbia, quando os pais (médicos) foram
transferidos para o Brasil. Os pais do aluno procuraram
atendimento fonoaudiológico por sugestão da escola para
auxiliar no processo de compreensão de leitura, visto que
vinha apresentando dificuldades com a mesma na escola.
O menino recebeu o texto para preencher quarenta
lacunas de acordo com a palavra que julgasse mais adequada.
Análise dos resultados
Tradicionalmente, o significado dos escores do
teste Cloze é conferido segundo três níveis de leitura
(ADELBERG, 1979; SANTOS et al., 2002; SMITH e
TAFFLER, 1992). Um percentual de até 44% de acerto
indica que o leitor conseguiu retirar poucas informações
da leitura e, consequentemente, obteve pouco êxito na
compreensão. Um percentual de acertos entre 44% a 57%
do texto mostra que a compreensão da leitura é suficiente,
porém indica a necessidade de auxílio adicional externo.
Por fim, um nível de acertos superior a 57% equivale a um
nível de autonomia de compreensão do leitor.
Os escores do teste Cloze apontam que o aluno
em questão preencheu mais de 57% das lacunas de forma
satisfatória, o que indica que consegue retirar informações
da leitura para a compreensão do texto, e, sendo assim,
que ele tem autonomia para a compreensão de textos na
Língua Portuguesa.
Nesse diapasão de entendimento, considera-se que
os resultados obtidos com a amos­tra desta investigação
163
indicam compreensão e autonomia suficientes para o bom
entendimento do que está sendo lido, a questão no caso,
não é o português, então, este estudo será continuado a
fim de ampliar sua representatividade, para verificar como
a influência de outras variáveis desse contexto como, por
exemplo, a história do paciente, a mudança de país, entre
outras, podem influenciar negativamente o desempenho
escolar desse aluno.
RESUMO – O objetivo deste relato é apresentar os resultados
de uma investigação sobre o processo de compreensão/
interpretação leitora acompanhado por um estudo de
caso – considerando os aspectos cognitivos, de natureza
individual e social e a forma como esses aspectos vinham
sendo trabalhados na escola que o participante frequenta.
A metodologia de estudo envolveu o preenchimento de um
texto através da técnica Cloze. Além disso, comprovou–se
a tendência de o professor constatar o problema existente,
porém não se observou busca de solução para a dificuldade
detectada. A questão é quanto ao modo como vem sendo
avaliada a compreensão de leitura por um aluno colombiano
no processo de aprendizagem do Português.
Palavras-chave: Compreensão. Leitura. Teste Cloze.
ABSTRACT – The purpose of this report is to present the
results of an investigation into the process of understanding
/ interpreting reader accompanied by a case study considering the cognitive aspects of individual and social
nature, and how these issues were being worked on in
Vanessa Nery Souza
school that the participant attend. The methodology of the
study involved completing a cloze text by the technique.
Moreover, it proved the tendency of the teacher to see
the existing problem, but there was no attempt to solve
the difficulty detected. The question is about the way has
been assessed on reading comprehension by a Colombian
student in the process of learning Portuguese.
Keywords: Comprehension. Reading. Test Cloze.
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165
Vanessa Nery Souza
ANEXO 1
A CANOA QUE VIROU COISA
(Luiz Raul Machado)
Era uma vez um índio que resolveu fazer uma canoa
bem bonita da casca de uma árvore. Quando ele estava
quase terminando, a mulher dele teve um filho. Como índio
não trabalha logo depois que nasce um filho, ele ficou em
casa e deixou a canoa quase pronta lá no mato.
Um dia, ele foi ________ (1) de novo. Mas, quando
________ (2) no mato, a canoa ________ (3) estava mais
lá. O ________ (4) sentou e ficou pensando:
“ ________ (5) será que aconteceu com ________
(6) minha canoa?”
Aí ele ________ (7) um barulho e viu ________ (8)
a canoa estava voltando ________ (9) pro lugar dela. “Ué,
________ (10) que a minha canoa ________ (11) virando
uma coisa?”
A ________ (12) tinha olhos e andava ________ (13)
um bicho. Ele resolveu ________ (14) dentro dela e falou:
- ________ (15) pode me levar pra ________ (16)?
A canoa mexeu um ________ (17) e foi pra lagoa.
________ (18) que entrou na água, ________ (19) os
peixes começaram a ________ (20) pular pra dentro dela.
________ (21) canoa começou a comer ________ (22)
peixes. Aí mais peixes . ________ (23) pra dentro dela e ela
________ (24) deu pro índio. Depois, ________ (25) canoa
saiu da lagoa ________ (26) foi pro lugar dela. ________
(27) homem ainda disse:
- Fica ________ (28) quietinha que depois eu
________ (29).
Quando ele chegou em ________ (30) com os
peixes, a ________ (31) perguntou:
- Onde é que ________ (32) pegou tanto peixe?
Ele ________ (33) :
- Encontrei um lugar muito ________ (34) de pescar.
Dias depois ________ (35) foi pescar de novo.
________ (36) no mato e a ________ (37) não estava lá.
Dali ________ (38) pouco, ele ouviu o ________ (39) de
coisa se arrastando. ________ (40) ela.
A canoa chegou, balançou pra lá e pra cá e ele pensou:
“Quando ela mexe assim é porque está me chamando”.
Entrou e a canoa foi para a lagoa. Lá, os peixes
começaram a pular pra dentro dela. O homem quis pegar
logo os peixes pra ele. Aí a canoa não gostou e o comeu.
Como vender para quem não
compreende o que lê?
Luciana Braun Reis1
Fale com a autora
A comunicação como ciência debate em sua
essência os processos envolvidos no ato comunicativo.
Variáveis foram introduzidas à análise do processo
comunicativo, elevando sua complexidade. O que no
início consistia numa relação entre emissor e receptor,
na contemporaneidade há outras variáveis entre esses
extremos, por exemplo: o canal, as condições de produção
da mensagem, a adequação de linguagem e principalmente
o ruído existente nesse circuito.
O ruído pode ser de muitas naturezas, sua descrição
e análise permite diagnosticar as mutações, as alterações
de sintonia no processo de comunicação, entre outros.
Diga-se que é na divergência, no anacrônico e vernacular
que existe a renovação e suas manifestações no cotidiano.
A análise do processo de comunicação, na
visão desta autora, requer um olhar hermenêutico,
contextualizando a comunicação. Essa afirmação
encontra respaldo em Mafesolli (2008) em que aborda
“comunicação como entendimento de mundo”, isto
é, requer que se considere não o sintoma isolado, mas a
problemática dos atores sociais, sua história, sua essência
e sua deficiência. Nesse caso o ruído encontra relevância
na atualização do processo comunicacional.
1
Email: [email protected].
Nesse sentido, Irene Machado (2001) faz referência
à noção de Mafesolli:
Em todos esses campos, o estudo
das mensagens como fenômeno de
troca visa uma maior compreensão do
modo como acontecem as interações
por meio da linguagem. Emissão e
recepção, canais de transmissão,
códigos que organizam as informações
em mensagem centralizam grande
parte dessas abordagens (abordagens
como
possibilidade de estudo da
comunicação) (p. 279).
Nesse contexto observa-se a comunicação como
um fenômeno complexo, suscetível de interferência
e suscetível às idiossincrasias comuns do cotidiano.
Acredita-se que o signo não é perene e sim se adapta
conforme a cultura, o tempo, o lugar, e essas são
apenas algumas entre tantas variáveis desse fenômeno.
Muitos elementos estão envolvidos no mistério da
comunicação e da compreensão. Segundo Machado, é
importante “estar no lugar de, para alguém”,ou seja, é
preciso entender qual é a visão de mundo que existe na
audiência alvo da comunicação.
Em relação à audiência, um fato merece atenção e
desvela a incapacidade de se comunicar dos brasileiros:
grande número de alunos com 15 anos não sabe ler. A
compreensão em leitura é uma das habilidades que
constituem a prova do PISA - Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes, juntamente com habilidades de
matemática e ciências.
167
Luciana Braun Reis
O site do INEP, Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, traz maiores
informações sobre a prova do PISA e as questões que a
subjazem bem como os objetivos da aplicação do programa:
Até que ponto os jovens adultos estão
preparados para enfrentar os desafios
do futuro? Eles são capazes de
analisar, raciocinar e comunicar suas
idéias efetivamente? Têm capacidade
para continuar aprendendo pela vida
toda?2(sic)
Em 2003 participaram do PISA 250 mil adolescentes
com 15 anos de idade em 41 países, sendo 30 deles
membros da OCDE e os demais países convidados.3
Comparativamente, o Brasil, apesar de uma visão
até certo ponto otimista do governo federal, está muito
aquém do que se poderia considerar aceitável, conforme
pode-se averiguar no anexo 1. Analisaremos especialmente
a questão do letramento, pois acreditamos que esse
aspecto relaciona-se diretamente com a eficiência do ato
comunicativo bem como da compreensão do sujeito e da
sua interação com o mundo.
Segundo Cecília Goulard, o aluno de baixa renda
precisa entender para que serve a leitura, sendo que
entender a origem do aluno e os conhecimentos prévios
têm muito valor.
2
3
Disponível em http://www.inep.gov.br/internacional/pisa/ acesso em 06/12/2010.
Idem.
2000
Posição / Pontuação
2003
Posição /
Pontuação
2006
Posição / Pontuação
39º - BRASIL 396,03
38º – BRASIL 402,80
49º – BRASIL 392,89
43 países
41 países
56 países
O ser letrado, que tem fluência em leitura, tem
capacidade de analisar, compreender, manipular e construir
sua realidade de forma autônoma e plena. O indivíduo que não
domina a leitura, não domina os códigos e limita-se à “periferia”
do mundo contemporâneo. Ele não consegue ter acesso, por
exemplo, à compreensão bulas de remédios, de contratos,
de jornais, de folhetos, de publicidade ou de embalagens.
Observa-se que, na tabela acima, o desempenho dos alunos
brasileiros está sistematicamente piorando a média, bem
como sua posição entre os países que participam da prova.
Ou seja, não se está ensinando os alunos a ler um texto escrito
e a retirar dele as conclusões e reflexões esperadas. Isto é,
tem-se no Brasil uma população que não domina a leitura e
se comunica de forma limitada, uma vez que não atinge nível
razoável de compreensão do que lê.
Poderíamos discorrer, talvez em vão, sobre as
causas que contribuem para esse cenário. Algumas
considerações, contudo, são importantes, especialmente
aspectos econômicos e sociais. A escola, na ausência
de uma força institucional, familiar ou governamental,
tem de dar conta de várias atividades que a desloca da
função de ensinar. Investe-se o tempo do aluno e o dos
168
professores em alimentação, ações sociais, algumas
vezes assistencialistas que, na tentativa de retirar esta
população do abandono, as entregam ao mesmo, não
conferindo competência aos alunos para, no mínimo, ler,
compreender e refletir sobre o mundo. Ou seja, a escola
tornou-se o “núcleo do bem” das comunidades ao invés de
ser um núcleo de conhecimento e compreensão.
Essa constatação impacta várias áreas que não
estão diretamente relacionadas ao mundo escolar, mas
que dependem do ensino para tornarem-se mais eficientes.
Essas áreas são mais bem descritas a seguir:
Economia. Em relação aos países pertencentes
ao BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) o Brasil está
sistematicamente atrás da Rússia nas três edições,
assim como da China na última edição. Isso mostra
que a velocidade de mudança e capacidade de tornarse produtivo está favorável naqueles países mais bem
localizados no ranking.
Estrutural. Há quem pense que o problema da
educação é questão de remuneração e de investimento tanto
humano, técnico, bem como financeiro. Sim, são questões a
serem consideradas, mas não únicas. Especula-se que deva
se pensar sobre o que se está ensinando e qual a validade
de relevância para os alunos em seu meio. Em questão
à universalidade do ensino, empregam-se os mesmos
conteúdos tanto para quem terá uma educação sistemática e
continuada, como àqueles que, por estatística, sabe-se que
a fase escolar é restrita a episódios normalmente isolados de
sua realidade. Em alguns casos, não há integração entre o
conhecimento de mundo dos alunos e o projeto pedagógico.
Como vender para quem não compreende o que lê?
Cultura. Observa-se a diminuição da percepção do
ensino como elemento de modificação da hierarquia social.
Surgem celebridades endeusadas por outros atributos como
aspectos físicos, quantidade financeira, carisma ou até
violência, entre outros. Ou seja, as manifestações culturais
distanciam-se do ensino ou das práticas escolares.
Cotidiano. A problemática aparece com ênfase na
Publicidade, área de interesse da autora. A pergunta que
abre o artigo volta à tona: como vender para quem não
compreende o que lê? Essa limitação do ensino ainda
não tinha sido considerada como um ruído no processo
de comunicação contemporâneo. Ou seja, acreditamos
que é necessário considerar como o texto é utilizado na
publicidade: esse recorte é a inovação e contribuição do
artigo à área.
A publicidade e seu entendimento ancorado no texto
O varejo, por exemplo, utiliza em profusão textos. Isso
descortina a falta de reflexão da Publicidade sobre questões
sociais. Oferecem-se aos consumidores textos em splash,
que entram na tela ou aparecem rompendo as páginas dos
jornais. Inúmeros itens como diminuição de juros ou outros
recursos racionais dificilmente são decodificados ou fazem
sentido a grande parte da população.
Observam-se anúncios cuja tônica criativa e
comunicacional se dá através de texto, que, em muitos casos,
não será decodificado, pois grande número de brasileiros não
mostra habilidade efetiva para ler e compreender questões
que estão no texto, como mostra o anexo 2.
169
A pergunta continua: “como vender ou se comunicar
de forma eficiente com esse público não letrado?” Pareceme que não cabe à publicidade resgatar essa população do
anonimato educacional e sim adaptar-se às condições da
audiência a fim de prover discurso aceitável. O contrato de
fala só se estabelece se quem fala é reconhecido como ser
falante. Ou seja, como autoridade e representante de parte
do seu mundo.
Luciana Braun Reis
Segundo Reis
comunicação exposto:
(2008),
sobre
o
contrato
de
É a possibilidade de aceitar que existem,
na formulação do projeto final, seres
independentes,
porém
articulados
e empenhados no entendimento e
persuasão do outro. De forma inovadora
avaliam os aspectos psicossociais, ou
seja, situacionais, que interferem na
leitura, compreensão e interpretação
das peças publicitárias pelo público-alvo.
Como se vê, não existe relação simétrica
entre os parceiros da comunicação
publicitária, mas uma assimetria que
caracteriza a relação dialética entre o
processo de produção e o de interpretação
de uma peça publicitária (p. 117).
Essa noção colabora com
Viana (2000) quando esta afirma:
Ao observar o Contrato de Comunicação Publicitária
de Patrick Charaudeau (2006), observamos que a
publicidade entende e se apropria das intenções do mundo
dos consumidores, na esfera real (amarela) atuando nos
ambientes psicossociais. A marca, EUe, é construída
a partir da noção de mundo da audiência, criando elos
comunicacionais, e fazendo a construção de sentido do
diálogo a partir dos reconhecimentos de ambos: EUe e TUd.
Fatores de ordem cognitiva e
interacional caracterizam as produções
individuais, e o falante, com base no
conhecimento de mundo partilhado com
o ouvinte, é capaz de desempenhar-se
lingüisticamente, de forma adequada ao
contexto situacional. Nesse processo,
a consciência metalingüística permite
a manifestação não apenas de fatores
lingüísticos e extralingüísticos mas
também da atividade de autocorreção
na produção oral (sic).
170
A problemática deve ser balizada pela questão:
de qual comunicação se está falando? Fala-se da
comunicação que extrapola o “Be à Bá” instrumental
da publicidade tradicional. Há os que acreditam que a
comunicação deve explorar a base emocional. Segundo
Machado, “as mensagens não apenas têm sentido, mas
são sentidas. Produzir sentido não é transmitir algo já
dado, mas construir uma dimensão sensível em ato de
troca” (p. 290).
Então como fazer para, além de ter sentido,
ser sentido? Na prática, a comunicação não deve ser
preguiçosa, ao contrário, deve sair às ruas, fazendo parte
da vida dos consumidores como agente presente em seu
território. Isso é entender que o ser humano é provido de
emoção e estas são estabelecidas através das experiências
que o consumidor tem com a marca.
Segundo Lindstrom (2008), é por meio das
emoções que o cérebro codifica coisas que têm valor,
boa parte do que acontece no cérebro é emocional e
não cognitivo. Lindstrom (2008) constata que a maioria
das atitudes dos consumidores é emocional, ou seja, há
espaço para conversar e se relacionar com indivíduos
não letrados através de atitudes relacionais, ou seja,
constrói-se uma marca somando experiências positivas
e essas experiências são vitais à distinção, preferência e
fidelidade da marca.
Concluindo, o estudo do ruído “ineficiência de
leitura e compreensão do texto”, ineficiência mostrada
pela avaliação do PISA, requer atenção dos publicitários
na elaboração e gestão da publicidade em relação à
Como vender para quem não compreende o que lê?
eficiência comunicativa. Espera-se que o artigo tenha
alertado à presença desse ruído e sugerido caminhos e
mediações para que se consiga vender para quem não
compreende o que lê.
RESUMO - A falta de habilidade na decodificação do código
letrado dos jovens brasileiros, constatado na avaliação do
PISA, pode ser considerado mais um dos muitos ruídos que
podem levar à incompreensão de peças publicitárias, bem
como do mundo no qual o indivíduo está inserido.
Palavras-chave: Comunicação. Publicidade. Pisa. Leitura.
Compreensão.
ABSTRACT - The lack of capacity in decoding the lettered
code used by Brazilian youth, assessed by means of PISA
(Programme for International Student Assessment), can
be considered as one of the many noises that lead to the
misunderstanding of advertisements, as well as of the world
the individual is inserted.
Keywords: Communication. Advertising. PISA. Reading.
Understanding.
Referências
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo:
Contexto, 2006.
171
Luciana Braun Reis
LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo : verdades e
mentiras sobre por que compramos. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, p. 207, 2008.
VIANA, Marília Processos metalingüísticos e matacognitivos
na compreensão da leitura. UNICAP. Revista SymposiuM.
Ano 4, Número Especial, novembro 2000.
MAFFESOLI, M. A terra fértil do cotidiano. Revista Famecos,
n° 36. Porto Alegre, agosto. 2008, p. 5-9.
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. PISATM
2006. Competências em ciências para o mundo de amanhã.
Volume 1: Análise. MODERNA LTDA. 2008.
REIS, Luciana Braun. A Comunicação do varejo popular: o
que (por que) não muda?: o varejo do Rio Grande do Sul –
1970 a 2000. – Porto Alegre, p. 287, 2008.
Entrevista com Cecília GOULARD, disponível em http://
www.youtube.com/watch?v=vMf-YOPHoOE
172
Como vender para quem não compreende o que lê?
Anexos 1:
2000
Clas.
País
1
FINLANDIA
2
CANADA
3
HOLANDA
4
5
2003
Média
2006
Clas.
País
Média
Clas.
País
Média
546,47
1
FINLANDIA
543,46
1
COREIA
556,02
534,31
2
COREIA
534,09
2
FINLANDIA
546,87
531,91
3
CANADÁ
527,91
3
HONG KONG
536,07
NOVA ZELANDIA
528,80
4
AUSTRALIA
525,43
4
CANADÁ
527,01
AUSTRALIA
528,28
5
LIECHTENSTEIN
525,08
5
NOVA ZELANDIA
521,03
6
IRLANDA
526,67
6
NOVA ZELANDIA
521,55
6
IRLANDA
517,31
7
HONG KONG
525,46
7
IRLANDA
515,48
7
AUSTRÁLIA
512,89
8
KOREA
524,75
8
SUECIA
514,27
8
LIECHTENSTEIN
510,44
9
REINO UNIDO
523,44
9
HOLANDA
513,12
9
POLONIA
507,64
10
JAPÃO
522,23
10
HONG CONG
509,54
10
SUECIA
507,31
11
SUÉCIA
516,33
11
REINO UNIDO
507,01
11
HOLANDA
506,75
12
AUSTRIA
507,13
12
BELGICA
506,99
12
BELGICA
500,90
13
BELGICA
507,13
13
NORUEGA
499,74
13
ESTÔNIA
500,75
14
ISLANDIA
506,93
14
SUIÇA
499,12
14
SUIÇA
499,28
15
NORUEGA
505,28
15
JAPÃO
498,11
15
JAPÃO
497,96
16
FRANÇA
504,74
16
MACAO
497,64
16
CHINA (TAIWAN)
496,24
17
ESTADOS UNIDOS
504,42
17
POLÔNIA
496,61
17
REINO UNIDO
495,08
18
DINAMARCA
496,87
18
FRANÇA
496,19
18
ALEMANHA
494,94
19
SUIÇA
494,37
19
ESTADOS UNIDOS
495,19
19
DINAMARCA
494,48
20
ESPANHA
492,55
20
DINAMARCA
492,32
20
ESLOVENIA
494,41
21
REPUBLICA TCHECA
491,58
21
ISLANDIA
491,75
21
MACAO
492,29
22
ITÁLIA
487,47
22
ALEMANHA
491,36
22
AUSTRIA
490,19
23
ALEMANHA
483,99
23
AUSTRIA
490,69
23
FRANÇA
487,71
24
LIECHTENSTEIN
482,59
24
LATVIA
490,56
24
ISLANDIA
484,45
25
HUNGRIA
479,97
25
REPUBLICA CHECA
488,54
25
NORUEGA
484,29
26
POLÔNIA
479,12
26
HUNGRIA
481,87
26
REP. TCHECA
482,72
27
GRECIA
473,80
27
ESPANHA
480,54
27
HUNGRIA
482,37
173
Luciana Braun Reis
28
PORTUGAL
470,15
28
LUXEMBURGO
479,42
28
LETÔNIA
479,49
29
RUSSIA
461,76
29
PORTUGAL
477,57
29
LUXEMBURGO
479,37
30
LATVIA
458,07
30
ITÁLIA
475,66
30
CROACIA
477,36
31
ISRAEL
452,17
31
GRÉCIA
472,27
31
PORTUGAL
472,30
32
LUXEMBURGO
441,25
32
ESLOVÁQUIA
469,16
32
LITUANIA
470,07
33
TAILANDIA
430,68
33
FEDERAÇÃO RUSSA
442,20
33
ITÁLIA
468,52
34
BULGARIA
430,40
34
TURQUIA
440,97
34
ESLOVÁQUIA
466,35
35
ROMENIA
427,93
35
URUGUAI
434,15
35
ESPANHA
460,83
36
MÉXICO
421,96
36
TAILANDIA
419,91
36
GRECIA
459,71
37
ARGENTINA
418,25
37
SERVIA
411,74
37
TURQUIA
447,14
38
CHILE
409,56
38
BRASIL
402,80
38
CHILE
442,09
39
BRASIL
396,03
39
MÉXICO
399,72
39
RUSSIA
439,86
40
MACEDONIA
372,51
40
INDONÉSIA
381,59
40
ISRAEL
438,67
41
INDONESIA
370,61
41
TUNÍSIA
374,62
41
TAILANDIA
416,75
42
ALBANIA
348,85
Total
459,58
42
URUGUAI
412,52
43
PERU
327,08
43
MÉXICO
410,50
Total
460,36
44
BULGÁRIA
401,93
45
SERVIA
401,03
46
JORDANIA
400,58
47
ROMENIA
395,93
48
INDONÉSIA
392,93
49
BRASIL
392,89
50
MONTENEGRO
391,98
51
COLOMBIA
385,31
52
TUNISIA
380,34
53
ARGENTINA
373,72
54
AZERBAJÃO
352,89
55
CATAR
312,21
56
QUIRZIQUISTAO
284,71
Total
446,13
174
Como vender para quem não compreende o que lê?
Anexo 2:
Descrições resumidas dos cinco níveis de proficiência em leitura
Limite inferior do escore
O que os estudantes tipicamente são
capazes de fazer
Nível 5 - 625,6
Localizar e possivelmente dispor em sequência ou
combinar informações múltiplas profundamente inseridas,
algumas das quais podem estar fora do corpo principal do texto.
Inferir qual das informações do texto é pertinente para a
tarefa. Lidar com informações concorrentes altamente plausíveis
e/ou abrangentes.
Construir o significado de linguagem matizada ou
demonstrar entendimento pleno e detalhado de um texto.
Avaliar criticamente ou formular hipóteses com base em
conhecimento especializado.
Lidar com conceitos contrários às expectativas e basearse em uma compreensão profunda de textos longos ou complexos.
Em textos contínuos, os estudantes são capazes de
analisar textos cuja estrutura discursiva não é óbvia nem
claramente assinalada, a fim de discernir a relação de partes
específicas do texto com intenções ou temas implícitos.
Em textos não-contínuos, os estudantes são capazes
de identificar padrões entre muitas informações apresentadas
em uma representação visual, que pode ser longa e detalhada,
às vezes buscando referências em informações externas à
representação visual.
O leitor pode necessitar compreender de maneira
independente que uma compreensão plena daquela parte do
texto requer que ele busque referência em uma parte separada
do mesmo documento – por exemplo, uma nota de rodapé.
Limite inferior do escore
O que os estudantes tipicamente são
capazes de fazer
Nível 4 - 552,9
Localizar e possivelmente dispor em sequência ou
combinar informações múltiplas inseridas, sendo que cada uma
delas pode precisar atender a critérios múltiplos, em texto cujos
contextos ou formas sejam familiares. Inferir qual informação
presente no texto é relevante para a tarefa. Utilizar alto nível de
inferências baseadas no texto para entender e aplicar categorias
em um contexto não-familiar, e construir o significado de uma
parte do texto, levando em conta o texto como um todo. Lidar
com ambiguidades, ideias contrárias à expectativa e ideias
enunciadas em forma negativa. Utilizar conhecimento formal
ou público para formular hipóteses sobre um texto ou avaliá-lo
criticamente. Mostrar compreensão exata de textos longos ou
complexos. Em textos contínuos, os estudantes são capazes
de perceber ligações linguísticas ou temáticas ao longo de
diversos parágrafos, muitas vezes na ausência de marcadores
claros do discurso, a fim de localizar, interpretar ou avaliar
informações inseridas ou de inferir significado psicológico
ou metafísico. Em textos não-contínuos, os estudantes são
capazes de esquadrinhar um texto longo a fim de encontrar
informações relevantes, muitas vezes com pouca ou nenhuma
ajuda de elementos organizadores, tais como etiquetas ou
formatação especial, para localizar diversas informações a
serem comparadas ou combinadas.
175
Limite inferior do escore
Luciana Braun Reis
O que os estudantes tipicamente são
capazes de fazer
Nível 3 - 480,2
Localizar e, em alguns casos, reconhecer a relação entre
informações, cada uma das quais pode necessitar atender a critérios
múltiplos. Lidar com informações concorrentes proeminentes.
Integrar diversas partes de um texto a fim de identificar a ideia
principal, entender uma relação ou explicar o significado de uma
palavra ou frase. Comparar, contrastar ou categorizar levando
em conta muitos critérios. Lidar com informações concorrentes.
Fazer conexões ou comparações, dar explicações ou avaliar uma
característica de texto. Demonstrar uma compreensão detalhada
do texto com relação a conhecimentos familiares do cotidiano, ou
basear-se em conhecimento menos comum. Em textos contínuos,
os estudantes são capazes de utilizar convenções de organização
de texto, quando presentes, e seguir ligações lógicas implícitas
ou explícitas – tais como relações de causa e efeito – por meio
de sentenças ou parágrafos, para localizar, interpretar ou avaliar
informações. Em textos não-contínuos, os estudantes são capazes
de considerar uma representação visual à luz de uma segunda
representação, separar documentos ou representações visuais,
possivelmente em formatos distintos, ou combinar diversas
informações espaciais, verbais e numéricas em um gráfico ou
mapa, para tirar conclusões sobre a informação representada.
Nível 2 - 407,5
Localizar uma ou mais informações, cada uma das quais
pode precisar atender a critérios múltiplos.
Lidar com informações concorrentes. Identificar a ideia principal
em um texto, compreender relações, formar ou aplicar categorias
simples, ou explicar significado dentro de uma parte delimitada
do texto, quando as informações não são proeminentes e são
Limite inferior do escore
O que os estudantes tipicamente são
capazes de fazer
exigidas inferências de nível inferior. Fazer uma comparação ou
conexões entre o texto e conhecimentos externos, ou explicar uma
característica do texto baseando-se em experiência e atitudes
pessoais. Em textos contínuos, os estudantes são capazes
de seguir conexões lógicas e linguísticas dentro de um parágrafo, a
fim de localizar ou interpretar informações, ou sintetizar informações
por meio de textos ou partes de um texto, a fim de inferir a intenção
do autor. Em textos não-contínuos, os estudantes demonstram
alcançar a estrutura essencial de uma representação visual – tal
como um diagrama de árvore simples ou uma tabela – ou combinar
duas informações de um gráfico ou tabela.
Nível 1 - 334,8
Localizar uma ou mais informações independentes
apresentadas de maneira explícita, que atendem tipicamente a um
critério simples, com pouca ou nenhuma informação concorrente
presente no texto. Reconhecer o tema principal ou a intenção do
autor em um texto sobre um tópico com o qual o estudante tenha
familiaridade, quando a informação requerida no texto é proeminente.
Fazer uma conexão simples entre informações contidas no texto e o
conhecimento cotidiano comum. Em textos contínuos, os estudantes
são capazes de utilizar redundância, títulos de parágrafos ou
convenções comuns de edição para formar uma impressão da
ideia principal do texto, ou localizar informações mencionadas de
maneira explícita dentro de um trecho curto de texto. Em textos
não-contínuos, os estudantes são capazes de focalizar informações
individuais, geralmente dentro de uma única representação visual –
tal como um mapa simples, um gráfico linear ou um gráfico de barras
–, que apresenta somente uma pequena quantidade de informações
de modo direto, e na qual a maior parte do texto verbal limita-se a um
pequeno número de palavras ou frases.
Uma nova proposta de ensino de estratégias
de leitura: a utilização da teoria dos blocos
semânticos em sala de aula
João Henrique Casara Borges1
Fale com o autor
Questões relacionadas ao ensino são debatidas
constantemente no ambiente acadêmico, especialmente
dentro de uma faculdade que visa formar novos professores.
Cada área de conhecimento preocupa-se em como se pode
fazer os alunos compreenderem da melhor forma possível o
que se está sendo proposto. No caso do ensino de Língua
Portuguesa, tem-se a preocupação em colaborar para uma
formação do estudante como leitor proficiente e ativo dos
textos em sala de aula.
Acreditamos que é de fundamental importância que
os professores possuam uma boa base nos conhecimentos
linguísticos, pois dessa forma serão capazes de diagnosticar
possíveis problemas na leitura e produção textual. Aqui
trataremos primordialmente da forma como se pode fazer
uma leitura aprofundada e ativa de textos, criando assim
leitores com capacidade de compreender bem um texto
escrito, logo, se tornando capazes de discernir quais
informações importantes são subtraídas desse texto.
A Teoria dos Blocos Semânticos (daqui em diante
denominada TBS) é o momento atual de estudo da Teoria
Mestrando em Linguística Aplicada pela PUCRS, autor do trabalho de conclusão
de curso: A construção do sentido em Pão de cada dia de Gabriel, o Pensador, à
luz da Teoria dos Blocos Semânticos. E-mail: joã[email protected]
1
da Argumentação na Língua, desenvolvida por Oswald
Ducrot e colaboradores. O ponto principal desses estudos é
verificar o papel do linguístico na construção do sentido em
objetos de estudo, tais como textos didáticos, ou quaisquer
formas de texto escrito. A Teoria dos Blocos Semânticos
parte do princípio de que o sentido encontra-se na língua,
nos fatores linguísticos inerentes ao texto de forma que
esses fatores devem ser os primeiros a serem levados em
consideração na leitura. A teoria ainda afirma que todo texto
é argumentativo, sendo assim, para seu estudo, criam-se
encadeamentos argumentativos que são os responsáveis
pela compreensão do sentido no texto.
O presente trabalho será desenvolvido da seguinte
forma. Em um primeiro momento serão apresentados os
conceitos da Teoria dos Blocos Semânticos que podem
servir como base para o estudo do texto. Apenas alguns
conceitos serão abordados, porém deixamos claro que o
conhecimento da totalidade da teoria é a melhor forma de
capacitar o professor a utilizá-la em sala de aula. Além da
exposição dos conceitos, serão explicitados seus benefícios
para a construção de estratégias de leitura, ainda nesse
momento observaremos como a visão cognitivista pode
colaborar com o estudo do texto.
Após a fundamentação teórica, os conceitos serão
aplicados de forma a demonstrar e validar sua utilização em
sala de aula, tentando criar assim uma proposta de ensino de
estudo do texto que venha a acrescentar na árdua tarefa de
trabalhar leitura em sala de aula. Este trabalho tem o intuito
de servir como iniciação a estudos sob esta perspectiva.
177
Fundamentação teórica
Existem muitas formas de se trabalhar o texto escrito
e também diversos modos de abordagem. Neste trabalho
usaremos uma abordagem que trata principalmente dos
componentes linguísticos, pois acreditamos que o estudo
do texto deve começar pelo que o próprio texto contém,
para a seguir trabalhar com informações extratextuais.
Inicialmente o conceito de encadeamento
argumentativo se faz necessário. Um encadeamento
argumentativo é composto por um suporte (primeiro
segmento) e um aporte (segundo segmento), unidos por
um conector. O conector pode ocorrer de duas formas:
uma normativa, representada por donc (DC); e outra
transgressiva, representada por pourtant (PT). Esses
conectores representam as formas de normatividade
e transgressividade e não necessariamente condizem
exatamente com o que a gramática normativa estabelece
para a conjunção francesa donc e pourtant.
Os encadeamentos terão uma interdependência
semântica, ou seja, o sentido criado por esses encadeamentos
precisa ter a mesma significação independente dos conectores
usados. Tomemos Pedro é feliz. Ele tem muito dinheiro, como
exemplo. Nesse caso podemos ter o seguinte encadeamento
argumentativo dinheiro DC felicidade, em que dinheiro é o
suporte e felicidade o aporte. Isso criaria um bloco semântico
em que a ideia de ter dinheiro corresponde à ideia de
felicidade, ou seja, para ser feliz é preciso dinheiro. Partindo
desse exemplo podemos criar outros três encadeamentos:
neg-dinheiro PT felicidade, dinheiro PT neg-felicidade e ainda
João Henrique Casara Borges
neg-dinheiro DC neg-felicidade. Se chamarmos dinheiro de
A e felicidade de B, teremos os seguintes encadeamentos
respectivamente: A DC C, Neg-A PT B, A PT Neg-B e Neg-A
DC Neg-B. Temos assim dois aspectos normativos e dois
transgressivos que são interdependentes e correspondem à
ideia de que para a felicidade é preciso dinheiro.
A negação de um dos segmentos, ou ambos, é parte
fundamental na construção do bloco semântico. No caso
dos encadeamentos descritos acima, se temos apenas
uma negação teremos um sentido transgressivo para o
encadeamento, caso os dois segmentos sejam negados
voltamos a ter o aspecto normativo.
Mostraremos agora como um bloco semântico é
estabelecido. Um encadeamento argumentativo é constituído
pela relação entre duas informações, aqui chamadas de A e B.
Quatro encadeamentos formam um bloco semântico, mas para
isso eles devem ter a mesma interdependência semântica.
Por exemplo, o enunciado de Carel (2005, p. 23): “temos
um verdadeiro problema, portando, deixemo-lo de lado” pode
ser descrito através do seguinte encadeamento A DC B, em que
A significa dificuldade e B tem o significado de postergar. Esse
encadeamento encabeça o bloco semântico que chamaremos
de 1. Depois dele temos a variação de conector e também da
posição da negação. Sendo assim, forma-se o seguinte bloco
que daqui em diante será denominado BS1:
1
A DC B
A PT NEG-B NEG-A PT B NEG-A DC NEG-B
178
Uma nova proposta de ensino de estratégias de leitura: a utilização da teoria dos blocos semânticos em sala de aula
Podemos ainda construir outro bloco semântico
partindo do enunciado, também de Carel (2005, p. 23):
“temos um verdadeiro problema, portanto não deixemolo de lado”. Esse enunciado pode ser representado por
A DC Neg-B. Como visto anteriormente, mudando o
conector e a posição da negação temos outros três
aspectos, além desse, e eles formam o bloco semântico
que denominaremos BS2:
2
A DC NEG-B
A PT B
NEG-A DC B
NEG-A PT NEG-B
Os segmentos A, como sendo dificuldade, e B,
postergar, mantêm o mesmo sentido em ambos os blocos,
porém devemos frisar que no BS1 se tem a ideia de que
frente a uma dificuldade devemos postergar a solução,
enquanto que em BS2 a ideia é de que quando encontramos
uma dificuldade não devemos postergar sua solução.
Dessa forma podemos afirmar que a interdependência
varia de BS1 para BS2.
Fica claro que a interdependência semântica
depende do objeto escolhido para o estudo. Em ambos os
blocos descritos A corresponde a dificuldade e B a postergar.
No entanto, de acordo com cada enunciado temos uma
forma diferente de relação entre eles.
A noção de bloco semântico é formalizada através
do quadrado argumentativo. A e B podem se combinar de
forma a criar oito aspectos diferentes que são agrupados
em dois blocos distintos. Cada bloco semântico formará um
quadrado argumentativo.
Para a formalização do quadrado argumentativo,
devemos seguir algumas convenções. São elas: CON
significa conector (tanto o normativo, quanto o transgressivo);
se CON designa um conector de certo tipo, CON’ designará o
oposto; e também as letras X e Y designam o que precede e
o que sucede os conectores.
Dessa forma construiremos o quadrado da
seguinte forma:
O quadrado argumentativo ilustra bem as relações
entre os segmentos. Por exemplo: dinheiro DC felicidade
encontra-se no canto superior esquerdo do quadrado, seu
aspecto recíproco, no canto superior direito, corresponderia
ao encadeamento neg-dinheiro DC neg-felicidade. Isso
mostra que o exato oposto de um encadeamento, ou seja, a
utilização de negação nos dois lados do encadeamento forma
179
João Henrique Casara Borges
uma ideia recíproca. Enquanto a utilização de apenas uma
negação e a troca de conector forma um aspecto converso,
representado na parte inferior direita, no caso de A DC B.
Os encadeamentos esclarecem as relações de
sentido nos textos e partem do linguístico presente no
texto, ou seja, traduzem de forma argumentativa o que
está presente. Assim a importância é inegável, pois o texto
significará o que está escrito nele. De acordo com o contexto
presente criamos as relações possíveis. Nem todas as
relações são possíveis, apenas aquelas que podem ser
descritas pelos blocos e pelo quadrado argumentativo.
No ensino temos a preocupação de mostrar
aos alunos as ideias presentes nos textos. Utilizando
os encadeamentos argumentativos teremos uma base
fortemente fundamentada para o estudo, pois tratam do que
está presente estruturalmente no texto.
Passemos agora ao conceito de Argumentação
Interna (AI). Para Carel (2005, p. 64),
a argumentação interna de uma
entidade e está constituída por um
certo número de aspectos aos quais
pertencem os encadeamentos que
parafraseiam essa entidade e.2
Em outras palavras, a AI diz respeito às paráfrases que
são possíveis de serem construídas a partir de um item lexical.
Carel (2005, p. 65) traz os seguintes exemplos:
prudente, temeroso e inteligente, como podendo ser
2
La argumentación interna (AI) de una entidad e está constituida por un cierto
número de aspectos a los que pertenecen los encadenamientos que parafrasean
esta entidad e.
parafraseados, respectivamente, da seguinte forma através
da utilização de encadeamentos: perigo DC precaução, neg
perigo PT precaução e difícil PT compreende. É importante
destacar que se queremos parafrasear um item lexical
não podemos utilizá-lo na paráfrase. Devem ser utilizados
diferentes itens ou expressões. Paráfrase, aqui, quer
dizer um encadeamento que pode ser construído a partir
da entidade em análise, que pode ser um item lexical, um
sintagma, um enunciado ou parte de um discurso.
No caso da Argumentação Externa (AE) o sentido
contido em uma determinada entidade nos leva mais
adiante, ou ainda nos faz chegar naquela entidade. A
AE pode ser encontrada de duas formas: à direita ou
à esquerda. As AE à esquerda são constituídas pelas
continuações e as AE à direita são formadas por tudo
aquilo que pode preceder a entidade e. Na AE à direita de
prudente, podemos ter o seguinte encadeamento prudente
DC segurança, e na AE à esquerda o segmento tem medo
DC é prudente é possível (CAREL, 2005, p. 63).
Ainda no caso da AE, temos mais duas definições
importantes: AE estruturais e contextuais. Para CAREL
(2005, p. 63-64):
as AE são estruturais se fazem
parte da significação linguística de
uma entidade, se estão previstas
pela língua. É o caso de prudente
DC segurança / prudente PT negsegurança. Ambos aspectos fazem
parte da significação de prudente
180
Uma nova proposta de ensino de estratégias de leitura: a utilização da teoria dos blocos semânticos em sala de aula
pelo fato de que prudente está
vinculado a segurança por um DC
e por Neg-segurança por um PT3.
No caso das AE contextuais, é a situação de discurso
que vincula o sentido à entidade. Por exemplo, como
visto acima, prudente pode ter a seguinte AE estrutural:
É prudente DC confio nele. No entanto se criarmos uma
situação discursiva em que ser prudente não inspire
confiança, o encadeamento pode ser outro.
Vejamos a seguinte situação: uma pessoa contrata
um guarda costas que deve protegê-lo de assassinos. Se
o guarda costas for prudente, não arriscará a própria vida
para proteger aquele que o contratou, logo podemos criar
o seguinte encadeamento prudente DC neg-confiança
(CAREL, 2005, p. 64).
As argumentações externas demonstram quais as
possibilidades de relação de uma determinada entidade,
sendo assim podemos afirmar que os textos possuem
um número limitado de possibilidades de interpretação.
Isso garante que em estudos interpretativos em sala de
aula os alunos possam ser direcionados a reler os textos
em busca das informações corretas. A releitura é parte
importante da boa compreensão de um texto, delimitando
as possibilidades de interpretação estaremos levando
o aluno a buscar no texto as informações presentes que
proporcionem interpretações condizentes.
3
Las AE son estructurales si forma parte de la significación lingüística de una
entidad, si están previstas por la lengua. Es el caso de prudente PLT seguridad /
prudente SE Neg-seguridad. Ambos aspectos forman parte de la significación de
prudente por el hecho de que prudente está vinculado a seguridad por un PLT y a
Neg-seguridad por un SE.
O cognitivismo expressa uma visão diferenciada,
mas que pode servir como apoio à TBS. Enquanto a TBS
parte do texto para a construção do conhecimento, o
cognitivismo estuda as atitudes do leitor frente a seu objeto,
ou seja, analisa as possíveis inferências que podem estar
sendo feitas no momento da leitura.
O estudo do texto corresponde ao conhecimento
linguístico (conhecimento do léxico e da gramática, responsável pela escolha dos termos e da organização do material linguístico na superfície textual, inclusive dos elementos
coesivos) e a análise das inferências diz respeito ao
conhecimento enciclopédico (compreende as informações
armazenadas na memória de cada indivíduo. O conhecimento do mundo compreende o conhecimento declarativo,
manifestado por enunciações acerca dos fatos do mundo).
Para Smith (1999) a leitura é a ponte entre o que
está atrás dos olhos com o que está na frente dos olhos.
É necessário, além de decodificar, encontrar o sentido de
um texto, caso contrário não podemos chamar de leitura.
Então, a leitura é uma atividade que acontece por meio de
antecipação, realizada através do conhecimento prévio e
exige do leitor uma atitude reflexiva, a qual lhe favorece
compreender e explicar as coisas.
Solé (1998) mostra que para uma leitura proficiente
é necessário que o leitor sinta que é capaz de ler, de compreender o texto tanto de forma autônoma como buscando
ajuda de leitores mais experientes. Aponta ainda que a leitura de verdade é aquela que os leitores têm o domínio de
experimentá-la da forma como for mais conveniente.
181
João Henrique Casara Borges
Proposta de estudo de um texto
Escolhemos um texto retirado da Folha de S. Paulo,
Caderno de Esportes. Publicado em São Paulo, sábado, 27
de maio de 2000, escrito por Eduardo Ohata (da Reportagem
Local). O texto foi previamente adaptado para estudos em
sala de aula. Chama-se O homem de gelo. A seguir o texto:
A – 30 ºC, o sangue frio será, em diversos
sentidos, a principal arma de Waldemar
Niclevicz, 33, em sua terceira tentativa de
se tornar o primeiro brasileiro a escalar o
K2, segunda maior montanha do mundo
e a mais perigosa, localizada no norte do
Paquistão, perto da fronteira com a China.
O K2, com 8.611m, por seu alto grau de
dificuldade — 54 pessoas morreram ao
tentar escalá-lo —, foi conquistado por
só 164 alpinistas e também já provocou
muitas mortes na descida. Embora seja o
mais alto e famoso do mundo, o Everest,
de 8.848m, teve a escalada concluída por
1.200 pessoas.
Niclevicz, o primeiro brasileiro a escalar
o Everest e que tentou e teve de desistir
da escalada do K2 em 1998 e 1999,
deixa o país nesta quarta, acreditando
que estar frio será importante em dois
aspectos: o climático e o psicológico.
“Quanto mais frio, melhor. Isso significa
que o clima está estável e há menos riscos
de avalanches. Sinto-me mais seguro
quando estamos a – 30 ºC ou temperaturas
mais baixas. É quando a temperatura
começa a oscilar que chega a hora de
nos preocuparmos”.
O alpinista brasileiro acredita que pare
ser bem sucedido nesta nova tentativa
também vai ser fundamental o sanguefrio que adquiriu com a experiência
acumulada nas duas vezes em que
tentou escalar o K2, por já conhecer
bem a rota de escalada, chamada de
Esporão dos Abruzzos.
O K2 é considerado mais difícil de escalar
— há três anos ninguém alcança seu topo
—, pois tem um alto grau de inclinação,
com contornos abruptos, além de ficar na
parte mais inacessível da Cordilheira do
Himalaia, onde não há estrutura ou vilas.
Em sua primeira tentativa, em 1998,
o brasileiro foi obrigado a desistir por
causa de uma avalanche, após ter
alcançado os 8.040m. Na segunda, no
passado, a morte de um colega romeno,
atingido na cabeça por uma pedra,
impressionou o grupo de alpinistas e
levou Niclevicz a desistir.
Hoje, ele acha que tem mais sangue-frio,
ao se acostumar com ocorrências que
antes o assustavam, como, além dos
acidentes, as avalanches com pedaços
de corpos de pessoas desaparecidas.
“Respeito muito o K2, é realmente uma
escalada perigosa. Mas hoje não fica
mais impressionado com ele. Sabemos
182
Uma nova proposta de ensino de estratégias de leitura: a utilização da teoria dos blocos semânticos em sala de aula
como chegar ao topo, depende de nós
mesmos, é uma escalada interna”,
filosofa. “Perguntam se eu gosto de
adrenalina. Ao contrário, sou muito
prudente, com os pés no chão. Esse é
meu segredo”.
A estrutura apresenta parágrafos curtos e com as
ideias bem elaboradas, cada parágrafo tem, claramente,
um tema principal.
De acordo com a fundamentação teórica apresentada,
iremos tratar primeiramente das argumentações internas
de algumas palavras. Por exemplo, no primeiro parágrafo
temos a palavra arma, em que podemos criar o seguinte
encadeamento sangue-frio DC ajuda para escalar, que
pode ser considerado a AI da palavra arma, dentro desse
texto, mais especificamente, dentro desse parágrafo.
A forma como a palavra é empregada deixa claro que
sangue-frio será importante para a escalada. No entanto,
aqui, arma tem um sentido diferente de outros possíveis.
Não se trata de uma arma de fogo e nem de algo que
pode ser usado para ferir. Esse esclarecimento ajudará os
alunos a compreenderem a importância de uma leitura um
pouco mais cuidadosa do texto, em que se deve levar em
consideração o contexto presente no objeto de estudo.
Ao pensar na Argumentação Externa, podemos
concluir algo como possuir uma arma DC mais condições
de escalar então se pode afirmar que, de acordo com o
texto, e com a AI de arma construída anteriormente, a
posse de uma arma é algo positivo. Esse é um caso de AE
contextual. Não podemos analisar o item lexical de forma
isolada, devemos sempre analisá-lo em suas relações
com o resto do texto. Ao se chegar a um encadeamento
argumentativo, derivado do anterior, como arma DC bom
podemos utilizar essa ideia para chamar a atenção dos
estudantes para o texto. Se uma questão como “Por que é
positivo possuir uma arma?” for levantada, e indicações de
que ela seja respondida de acordo com o texto, os alunos
terão o esforço de entender o que significa o item lexical
arma e também de que forma ele pode ser utilizada em um
contexto que diga que arma é algo positivo.
Vamos agora à formação de um bloco semântico a
partir de uma ideia presente no texto. No quarto parágrafo temos
o seguinte enunciado Quanto mais frio, melhor. Usando-o
como base para criar um bloco semântico podemos começar
com o encadeamento frio DC bom, e usando o quadrado
argumentativo podemos criar os outros três restantes: neg
frio PT bom, frio PT neg bom e neg frio DC neg bom. Esses
quatro encadeamentos representam o bloco semântico que
afirma que o frio traz benefícios. É importante frisar que a
ideia traduzida pelo bloco é uma opinião contida no texto, não
deve ser levada como uma verdade arbitrária, pois em outras
situações o frio pode não trazer benefício algum.
Ao esclarecer para os alunos que as condições de
verdade dependem do objeto que está sendo estudado, a
atenção do aluno se volta, mais uma vez, para o texto fazendo
com que a opinião pessoal seja deixada para outro momento.
As opiniões de cada indivíduo são extremamente importantes,
mas não devem ser colocadas como a prioridade no estudo
linguístico de um texto, pois, se isso acontecer, os estudos
serão baseados em opiniões e interpretação que podem não
183
João Henrique Casara Borges
estar presentes no texto. E retirar informações que não estão
no texto, nem podem ser ativadas por inferências, pode ser
considerada uma forma não apropriada de leitura.
Acreditamos que o próprio texto indique o
momento de se buscar mais fortemente uma inferência
extralinguística, ou seja, aquela que não está presente na
estrutura linguística do texto devendo ser acessada pelo
conhecimento de mundo. O caso da palavra arma referido
acima é um bom exemplo disso. Para entender o contexto
em que ela está sendo usada, e compreender seu sentido,
necessitamos do conhecimento de mundo associado ao
contexto linguístico do texto em que ela está inserida.
RESUMO – O presente artigo visa propor uma forma de
trabalho com o texto em sala de aula. Para isso acreditamos
ser necessário o conhecimento de teorias linguísticas
por parte do professor, que deve criar uma ponte entre a
teoria que deseja utilizar e sua aplicação na metodologia
de ensino. Nessa proposta utilizaremos alguns conceitos
da Teoria dos Blocos Semânticos, tais como argumentação
interna e externa e encadeamentos argumentativos, como
uma forma de estudo do texto, e também levaremos em
consideração a visão cognitivista da atividade de leitura.
Palavras-chave:
Cognitivismo.
Ensino.
Texto.
Blocos
Semânticos.
ABSTRACT – This paper intends to demonstrate a new
way of working the text in classroom. In order to achieve this
we believe is necessary that teachers know the linguistic
theories. Teachers who must create a bridge between theory
and its application in teaching methodology. In this proposal
we will use some concepts of the Theory of Semantic
blocks, such as internal and external arguments and chains
of argument, as a way to study the text. The article will also
take into account the view of the cognitive activity of reading.
Keywords: Teaching. Text. Semantics Blocks. Cognitive
Science.
Referências
CAREL, Marion. La semántica argumentativa: una
introduicción a la teoría de los bloques semánticos. 1ªed.
Buenos Aires: Colihue, 2005. Tradução: Maria Marta García
Negroni e Alfredo M. Lescano.
SMITH, Frank. Leitura significativa. 3ªed. Porto Alegre:
Editora Artes Médicas Sul Ltda.1999. Tradução: Beatriz
Affonso Neves.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6ªed. Porto Alegre:
Artmed, 1998.
A interferência das otites médias no
processo de alfabetização1
Fernanda Dias2
Fale com a autora
A aquisição da linguagem escrita tem sido objeto de
investigação de diferentes campos do conhecimento. Tais
estudos contribuem para o entendimento da aprendizagem
normal da leitura. Contudo, oportunizam espaço para questionamentos quanto a possíveis intercorrências no início da
alfabetização. Um quadro clínico comum e muitas vezes
despercebido em sala de aula é o das otites de repetição,
mais conhecido como otite média crônica. Em função da
grande incidência dessa doença na faixa etária pré-escolar
e escolar, faz-se necessário investigar se o prejuízo auditivo decorrente de tal problemática pode interferir nas habilidades de consciência fonológica e, consequentemente, na
emergência da leitura.
Consciência fonológica é definida por Freitas (2004)
como a habilidade de fazer uma reflexão consciente sobre
os sons que compõem a fala. Dessa maneira, é possível julgar e manipular a estrutura sonora das diferentes palavras.
Existem tarefas de consciência fonológica, as quais requerem o armazenamento da unidade na memória enquanto é
realizada a manipulação. Elas podem variar de acordo com
Artigo elaborado para a disciplina Compreensão de Processamento da
Leitura 2010/2.
2
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Email: [email protected].
1
a quantidade de sílabas, o contexto, a posição do som na
palavra, a quantidade de operações cognitivas exigidas e
o tipo de operação. Estas habilidades são desenvolvidas
gradualmente, sendo que o nível mais complexo é o dos
fonemas. Os níveis anteriores são os das sílabas e das unidades intrassilábicas.
A literatura tem reconhecido a relação entre a consciência fonológica e o processo de alfabetização. Para
melhor compreender as possíveis interlocuções entre tais
aspectos, é fundamental conhecer os diversos pontos de
vista que compõem a relação da consciência fonológica e a
aprendizagem da leitura e escrita.
A partir dessas considerações, três concepções contrárias foram desenvolvidas sobre a relação dessa habilidade com a escrita. A primeira sugere que são as capacidades
metafonológicas que possibilitam a aquisição da escrita.
Constata-se, entretanto, a sensibilidade grafêmica aparenta já estar presente antes que se desenvolva a consciência
fonológica. Assim, Freitas (2004) traz um segundo ponto de
vista, o qual refere que a escrita é adquirida antes das habilidades metafonológicas. Se ainda não se alfabetizaram, as
crianças não pensam com clareza sobre a organização da
fala. Porém, essa colocação limita-se apenas à consciência fonêmica, esquecendo os outros dois níveis, certamente
emergidos antes da alfabetização.
Finalmente, uma última abordagem afirma, segundo Freitas, que a consciência fonológica e a aquisição do
código escrito são mutuamente influenciadas. Assim, a
aprendizagem da leitura proporciona o aprimoramento das
habilidades metalinguísticas, ainda que alguns níveis de
185
consciência fonológica precedam à alfabetização. O processamento de leitura do tipo ascendente (KATO, 2007),
característico dos leitores em fase de aprendizagem, tanto
requer a análise dos segmentos da palavra quanto proporciona uma maior consciência dos mesmos.
A discussão anterior aponta para uma relação entre a consciência fonológica e o aprendizado lectoescrito.
Entretanto, para manipular os fonemas durante a alfabetização, a criança precisa de uma boa acuidade auditiva, a
fim de identificar os traços que os diferenciam. Gonçales
(2002) lembra que o fato da acuidade auditiva existir desde
o período intraútero não é o bastante para a compreensão
das informações auditivas e seu uso como instrumento de
comunicação. A capacidade de análise e interpretação dos
sons, os quais foram detectados pelo sistema auditivo periférico, é fundamental para aquisição de tais habilidades.
Crianças que apresentam perdas auditivas frequentes devido aos episódios de otite podem ter dificuldades
para desenvolver as habilidades auditivas. Um dos traços
mais sutis a ser discriminado é o de sonoridade, que pode,
entretanto, alterar o sentido de toda a palavra. Sendo assim, tal habilidade é fundamental no processo de decodificação. Outro fator relacionado é a redução da capacidade
atencional a esses sons. Prejuízos dessa natureza podem,
portanto, gerar problemas de aprendizagem, especialmente
no processo de alfabetização.
Um questionamento que se faz necessário é se os
prejuízos auditivos gerados pela otite média crônica podem
alterar a aquisição das habilidades de manipulação dos
sons durante a leitura. Dessa forma, busca-se no presente
Fernanda Dias
artigo encontrar possíveis inter-relações entre as variáveis
alfabetização, consciência fonológica e alta incidência de
otites. Pretende-se, assim, buscar na literatura indicadores
que apontem para essa relação, os quais possam sugerir a
importância de um olhar atento a essas possíveis intercorrências nos primeiros anos de vida.
1. As hipóteses e os desafios no processo de
alfabetização
É possível observar que as crianças interessam-se
pelas questões relacionadas à leitura e escrita muito antes
do ingresso no Ensino Fundamental. Desde muito cedo elas
formulam suposições acerca desse processo. É inegável o
reconhecimento do trabalho de Ferreiro e Teberosky (1999)
sobre as hipóteses em questão. Seus estudos realizados
com crianças em faixa etária pré-escolar, desde o quarto
ano de vida, indicaram cinco diferentes níveis no percurso
de apropriação da língua escrita. Os dois primeiros níveis
são correspondentes à escrita pré-silábica; o terceiro
refere-se à hipótese de escrita silábica; o quarto nível está
relacionado à escrita silábico-alfabética; e o quinto nível, à
hipótese de escrita alfabética.
No nível inicial, o infante busca reproduzir os traços
que julga como básicos na escrita. Embora as escritas
nesse período sejam parecidas, as crianças as consideram
diferentes, uma vez que a intenção ao realizá-las era
distinta. Nesse momento, Ferreiro e Teberosky entendem
que a escrita ainda não parece transmitir informação, a
interpretação só é possível pelo escritor. Ainda existe a
186
crença de que o tamanho da palavra seja proporcional ao
objeto a que ela se refere ou às características do objeto.
Este é possivelmente um dos fatores que impossibilita a
relação entre a escrita e a sua forma sonora. Zorzi (2003)
complementa com a afirmação de que nesse período
não se observa correspondência entre os sons e suas
representações gráficas, uma vez que a criança ainda
não analisa os componentes sonoros dos vocábulos. Ela
já consegue manipular seus componentes silábicos, mas
não o faz na escrita. Mesmo distinguindo a escrita do
desenho, estes últimos são eventualmente usados para
assegurar o significado.
No nível dois, as crianças acreditam que palavras
diferentes não podem ter a mesma grafia. A partir desse
momento, passa a haver um registro de um número
mínimo de grafismos, diferentes de uma palavra para
outra. Ferreiro e Teberosky sugerem a possibilidade da
aquisição de certas formas fixas (ex: seu nome) e a recusa
em escrever palavras que desconhecem a grafia. A criança
pode também usar modelos que já conhece para escrever
outras palavras (ex: mudando as letras do nome de lugar).
No nível silábico, a criança já tenta atribuir um
valor sonoro a cada um dos grafemas de uma escrita.
Dessa forma, cada sílaba é representada por uma letra,
cuja grafia pode ser diferente ou não do grafema. A sílaba
também pode apresentar um valor sonoro estável. Outra
possibilidade apontada por Ferreiro e Teberosky é a criança
inserir letras a mais quando houver conflito da hipótese de
escrita silábica com a de quantidade mínima de grafemas.
O aluno pode manter a hipótese silábica ao passar da
A interferência das otites médias no processo de alfabetização
escrita de substantivos para a escrita de frases, porém,
pode atribuir uma letra para cada constituinte imediato.
Nesse último caso, irá selecionar uma letra para o sujeito
e outra para o predicado, por exemplo.
O quarto nível pode ser considerado o momento de
transição da hipótese de escrita silábica para a alfabética.
O conflito entre a hipótese silábica e o número mínimo de
grafemas leva a criança a buscar uma análise diferenciada
da que tem realizado até então. Agora a criança já sabe
que as letras correspondem a valores sonoros menores
do que as sílabas, de acordo com Ferreiro e Teberosky
(1999). Aqui, a atenção está voltada para os aspectos
intrassilábicos (ZORZI, 2009).
O nível alfabético indica que a criança já se
alfabetizou, conforme Ferreiro e Teberosky. Nesse período,
o infante consegue segmentar os vocábulos em seus
constituintes fonêmicos. Todavia, Zorzi (2009) alerta que
tal capacidade não representa garantia de compreensão
das regras que estabelecem as convenções da escrita.
Assim, já pode analisar as palavras fonemicamente, porém
passa a lidar com as dificuldades que a ortografia impõe.
Uma proposta alternativa de apresentação das fases
de aquisição de leitura é trazida por Dehaene (2009a). O
autor realiza uma divisão em três etapas. A primeira delas é
a fase pictórica, um período relativamente curto no qual os
pequenos «fotografam» apenas alguns vocábulos. A segunda
fase é denominada estágio fonológico, período em que
aprendem a decodificar grafemas em fonemas. A última etapa
é chamada de fase ortográfica, momento no qual observa-se
um reconhecimento de palavras mais rápido e automático.
187
O processo de aprendizagem da leitura também é
discutido por Scliar-Cabral (2008). A autora refere que, num
primeiro momento, a criança percebe sua fala como um
contínuo, escrevendo símbolos gráficos não separados por
espaços. Apenas no período seguinte ela consegue relacionar
um símbolo para cada sílaba, etapa que pode ser considerada
equivalente à hipótese silábica de Ferreiro e Teberosky
(1999). Nessa etapa, a criança é capaz de segmentar a cadeia
da fala em sílabas em um nível consciente. Contudo, não
entende como uma ou mais letras não são correspondentes
a uma sílaba, mas sim a um fonema. Percebe-se, portanto,
que ela não consegue conscientemente decompor uma
sílaba em uma unidade menor. Para dar conta dessa
demanda, Scliar-Cabral entende que os neurônios precisam
aprender determinadas regras para a atribuição dos valores
fonológicos aos grafemas. Entre elas, são citadas as regras
de correspondência fonema-grafema, as que dependem
da metalinguagem e as que dependem do léxico mental
ortográfico. O aprendizado da leitura ocorre, para a autora,
por meio de processos bottom-up, pelo qual as letras são
relacionadas aos seus valores fonológicos. Ela entende,
portanto, a aquisição leitora como um processo analítico.
Algumas considerações reiteram esse processo de
aprendizagem da leitura, que se dá de forma ascendente
(das partes ao todo). Dehaene (2009b) sugere que a
cultura evoluiu para que o cérebro pudesse apreendêla. Essa ideia justifica o fato de as formas das línguas
escritas evoluírem para uma gradual simplificação. Assim,
é provável que os grafemas tenham se originado dos
contornos de formas visuais naturais. O autor entende
Fernanda Dias
que é possível “reciclar” uma área do encéfalo, de modo a
atribuir-lhe uma nova função. A leitura pode ser um destes
exemplos de “reciclagem neuronal”. A aprendizagem da
leitura ocorre a partir de sutis alterações nos circuitos
do cérebro, partindo de uma estrutura que já existia
anteriormente. Dehaene defende que o cérebro não utiliza
os contornos gerais do vocábulo e sim realiza rapidamente
uma segmentação deste em letras. Dessa forma, a pessoa
acredita que a palavra foi lida de forma global.
2. A metalinguagem e a consciência fonológica
Consciência e linguagem são assuntos intimamente
relacionados. De acordo com Flôres (2009), muitos estudos
têm buscado diálogo entre os temas. O ingresso na escola
e o processo de alfabetização demandam a tomada de
consciência de aspectos como a relação entre fonemas e
letras, por exemplo. Talvez seja esse o motivo que levou
Flôres a destacar a grande quantidade de pesquisas na área
de consciência fonológica.
A capacidade de manipular a linguagem, tanto
em sua produção quanto em sua compreensão, ocorre
precocemente. Gradativamente, essa habilidade vai se
tornando consciente. As atividades de metalinguagem
correspondem justamente a essas tarefas conscientes
e reflexivas dos aspectos linguísticos. Elas implicam,
portanto, uma habilidade de reflexão e autocontrole em
relação à linguagem. No entanto, Gombert (1999) lembra
que o surgimento da habilidade metalinguística não deve ser
confundido com o surgimento da faculdade da linguagem.
188
O conceito de consciência metalinguística é definido
por Yavas (1998) como a habilidade do ser humano de
tratar a linguagem como objeto de análise e reflexão, além
da possibilidade de planejar e controlar seus processos
linguísticos. Dessa forma, o indivíduo consegue refletir
sobre a sua linguagem. Tunmer e Bowey (apud FLÔRES,
2009) complementam a definição de consciência linguística
afirmando que esta trata da utilização do sistema linguístico
para que o indivíduo possa compreender e produzir
sentenças. Segundo os autores, elas se manifestam tanto
por meio de atividades linguísticas espontâneas quanto
pelas baseadas em conhecimentos que foram internalizados
e aplicados de maneira intencional.
A expressão da habilidade metalinguística demanda,
de acordo com Flôres (2009), o domínio de diversas
capacidades. As habilidades citadas contemplam segmentar
a fala em suas unidades constitutivas, ressaltar os vocábulos
de seus referentes, perceber semelhanças sonoras entre as
palavras, analisar a adequação dos aspectos semânticos e
sintáticos da frase ou texto, examinar a forma de distribuição
das informações no texto. Tais habilidades são consideradas
fundamentais para o processo de alfabetização.
Dentro das muitas dimensões que a consciência
linguística apresenta, optou-se por destacar a consciência
fonológica, uma vez que o principal prejuízo gerado pelo
quadro de otites frequentes seria possivelmente nesse
nível. As perdas auditivas de condução, muitas vezes
causadas pelas otites médias, não seriam suficientes para
afetar a compreensão do sentido global dos enunciados
nem mesmo da maneira como as frases se estruturam.
A interferência das otites médias no processo de alfabetização
Sendo a consciência fonológica um dos objetos da
presente discussão, é necessário conceituá-la. Freitas (2003)
discute o assunto, referindo que a consciência fonológica
requer uma habilidade em reconhecer que os vocábulos
são constituídos por sons, os quais podem ser manipulados
de modo consciente. Tal capacidade, segundo a autora,
possibilita o reconhecimento de que as palavras rimam,
terminam ou começam com o mesmo som. Além disso, a
criança consegue perceber que os vocábulos são formados
por sons individuais e que estes, por sua vez, podem ser
manipulados para a construção de palavras novas.
As habilidades conceituadas no parágrafo anterior
abrangem diferentes capacidades, as quais se desenvolvem
em momentos distintos. Dessa maneira, podemos concluir
que a consciência fonológica se manifesta em diferentes
níveis. Os principais são o das sílabas, o das unidades
intrassilábicas e o dos fonemas. Moojen & Santos (2001)
referem que tais níveis exigem aumento gradual de
complexidade linguística. Dessa forma, os processos
iniciais encontram-se primeiro no nível das sílabas,
passando pelas unidades intrassilábicas e, finalmente,
os fonemas. Esses níveis são constituídos por tarefas, as
quais demandam graus de complexidade distintos. Nesse
contexto, é possível citar tarefas referentes a contagem,
segmentação, união, adição, supressão, substituição e
transposição de sílabas e fonemas.
Os diferentes níveis de consciência fonológica podem
ser observados durante todo o processo de alfabetização.
A fim de posteriormente relacioná-los com aquisição da
linguagem escrita, os mesmos serão elucidados a seguir.
189
O nível silábico da consciência fonológica contempla a
capacidade que a criança adquire para segmentar palavras
em sílabas, aglutinar sílabas para formar vocábulos e
reconhecer que certas sílabas compõem palavras. Zorzi
(2009) conclui que nessa fase já se pode observar que
as palavras são decompostas em subunidades. Em geral,
esse é o nível mais simples (exceto pela sensibilidade à
rima) e, portanto, o primeiro que a criança acessa. A sílaba
é entendida por Gombert (1992) como a unidade natural de
segmentação da fala, por isso seria mais fácil para a criança,
se comparado aos demais. Tal habilidade manifesta-se
precocemente e de forma espontânea nas brincadeiras.
As habilidades de nível intrassilábico referem-se à
percepção de que os vocábulos podem ser divididos em
unidades maiores que o fonema, contudo, menores que a
sílaba. Zorzi (2009) refere que as sílabas são compostas
por “onset” (também chamado de ataque, que se refere à(s)
consoante(s) inicial(ais)) e “rima” (alude os elementos que
surgirem a partir da primeira vogal).
A consciência de nível fonêmico está relacionada
com a habilidade de segmentar palavras e sílabas em
unidades sonoras menores que as anteriores. Essas
unidades são os fonemas. Scherer (2008) lembra que
tal nível também é comumente chamado de consciência
fonêmica. Ao citar Goswami & Bryant (1990), destaca que
o fonema é considerado a menor unidade sonora que pode
transformar o sentido da palavra. A autora ressalta que o
nível fonêmico, comparado aos demais, é o que demanda
maior maturidade linguística da criança, devido ao fato de
solicitar que ela manipule com as menores unidades da
Fernanda Dias
língua. A tarefa pode tornar-se difícil, visto que muitas vezes
o falante ainda nem percebe esses sons dentro da palavra.
O fato de a consciência fonêmica ser a mais
complexa leva ao questionamento de sua possível relação
com as hipóteses que a criança realiza ao ler. A literatura
ainda diverge sobre qual dos dois aspectos seria mais
influente ao outro, discussão a ser trazida no seguimento
do trabalho. Scherer (2008) ainda cita Goswami & Bryant
(1990) em defesa da importância da consciência fonêmica
para a alfabetização. Os autores argumentam que o conjunto
de grafemas em uma palavra corresponde a um grupo de
fonemas que o pequeno falante deve perceber para o ato de
ler, uma vez que as letras do alfabeto representam os sons
da língua. A afirmação aponta para a relevância da relação
entre consciência fonêmica e o processo de aprender a ler.
Capacidades
como
consciência
fonológica,
atenção, memória, síntese, compreensão, interpretação de
informações auditivas, entre outras não são consideradas
pela ASHA (2005) competências do processamento
auditivo, ainda que estejam relacionadas à integridade
das funções auditivas centrais. Essas últimas são
consideradas funções superiores cognitivo-comunicativas
ou ainda, funções relacionadas aos aspectos linguísticos.
Rueda (1995) relaciona os processos cognitivos que
desempenham alguma influência nas atividades que
mensuram o conhecimento fonológico em diferentes graus
de complexidade. Os processos cognitivos de ouvir o estímulo
e o de perceber os sons separadamente, por exemplo,
estão relacionados com quase todas as tarefas. O processo
de discriminação relaciona-se à tarefa de comparação de
190
palavras, o que se mostra claro no exemplo do parágrafo
anterior. Esta última tarefa, somada à capacidade de isolar
e omitir fonemas, requerem os processos cognitivos de
segmentar, identificar e isolar o som.
Alterações nessas habilidades, ocasionadas por otite
média crônica, podem prejudicar a alfabetização. CostaFerreira e Sávio (2009) mencionam diversos trabalhos que
relacionam processamento auditivo e aquisição de leitura,
citando inclusive o trabalho de Costa (2003) que aponta
para tal relação. Outro trabalho destacado pelas autoras é
o de Margall (2002), o qual salienta o importante papel da
função auditiva entre as habilidades indispensáveis para
um satisfatório aprendizado da leitura e da escrita.
3. Consciência fonológica e alfabetização: relações
possíveis
Uma questão discutida ao longo do texto remete às
interlocuções que as habilidades de consciência fonológica
e a aprendizagem de leitura e escrita podem fazer. Esta
discussão abre espaço para divergências, pois alguns
autores, como Dehaene (2009a) e Scliar-Cabral (2008),
consideram que há influência do nível fonológico da
metalinguagem na alfabetização e outros, como Freitas
(2004), a posição oposta. Este último insiste que apenas com
o aprendizado da leitura e escrita a criança desenvolverá a
consciência fonológica. Contudo, tais autores parecem fazer
referência apenas ao nível fonêmico, desconsiderando os
dois anteriores (silábico e intrassilábico). Devido à polêmica
estabelecida nesse assunto, faz-se necessário esclarecer
A interferência das otites médias no processo de alfabetização
alguns aspectos. A exposição visa elucidar se um possível
prejuízo na percepção dos fonemas (decorrente de otites
médias crônicas) poderia interferir na manipulação dos
sons e, consequentemente, na alfabetização.
Uma das possibilidades sugeridas no livro de Freitas
(2004) traz a necessidade de a criança já estar alfabetizada
para poder refletir sobre os sons da língua. Essa concepção,
como comentado anteriormente, parece desconsiderar que
a consciência fonêmica não é o único nível de consciência
fonológica adquirido pelo ser humano. Os níveis das sílabas
e das unidades intrassilábicas já estão presentes antes
mesmo que o aluno conheça a escrita. Além disso, a própria
consciência fonêmica pode ser treinada em crianças que
ainda não aprenderam a ler.
Alguns autores apontam para a necessidade da
alfabetização como favorecedora da consciência fonológica.
Scherer (2008) cita Baddeley e Gathercole (1993) ao trazer
dois motivos para a consciência fonêmica não ocorrer
tão precocemente. O primeiro argumenta que o sistema
fonológico da criança ainda está em desenvolvimento,
num período pré-escolar. Coloca ainda que o pequeno não
consegue perceber as particularidades das configurações
dos gestos articulatórios. Os autores atribuem, dessa forma,
à necessidade da alfabetização para que a consciência
fonêmica desenvolva-se. Eles consideram que o aprendizado
da leitura requer a compreensão de que a fala, a qual é
um sistema contínuo e é constituída por fonemas, cuja
representação se dá por símbolos gráficos na escrita.
A proposta anterior sugere que as crianças em
processo de aprendizagem de um sistema alfabético,
191
ao formularem hipóteses, percebem que a escrita não
representa o objeto ao qual se refere, mas sim a fala. O
domínio desse sistema requer o conhecimento necessário
para analisar e manipular os sons que compõem as palavras,
o que aconteceria pela alfabetização. Contudo, Zorzi (2009)
argumenta que o conhecimento silábico pode ser adquirido
antes mesmo da alfabetização.
Outro ponto de vista destaca a necessidade
do desenvolvimento da consciência fonológica para a
alfabetização. Entretanto, tal perspectiva não considera
que a criança possa vir a aperfeiçoar suas habilidades
metafonológicas após alfabetizar-se. A principal relação
estabelecida é a de quão mais bem desenvolvida for a
consciência fonológica, melhor será a correspondência
entre fonema e grafema ao escrever. Desse modo, a
criança precisa dominar a relação fonema-grafema para
compreender a escrita, recorrendo de seu saber oral.
A terceira abordagem sobre o assunto referida
por Scherer (2008) considera que existe uma relação de
reciprocidade entre a consciência fonológica e o processo
de alfabetização. Isso significa que certas habilidades de
consciência fonológica favorecem o aprendizado da leitura
e da escrita e outras podem ser promovidas por ela. Existem
alguns aspectos da consciência fonológica que podem ser
alcançados num período anterior à alfabetização e beneficiam
esse processo, bem como há certos níveis de conhecimento
fonológico que apenas são adquiridos no momento em que a
criança apropria-se da linguagem escrita.
A autora entende que tal relação de reciprocidade
parece acontecer como um mecanismo de retroalimentação.
Fernanda Dias
Assim, a pessoa dispõe de certas capacidades em
consciência fonológica que lhe permitem iniciar a
alfabetização. Entretanto, a escrita alfabética lhe possibilita
o aprimoramento das habilidades de consciência fonológica
que já possui, desenvolvendo novas capacidades. Zorzi
(2003) concorda que existe uma relação de dependência
recíproca. Desse modo, quanto maior o aprendizado
da criança sobre a escrita, maior o seu conhecimento
fonêmico, porém o aprendizado sobre os fonemas também
proporciona ampliação do saber sobre a escrita e a leitura.
A consciência fonológica é considerada por Viana
(2000) uma das capacidades linguísticas relacionadas ao
ato de ler, no que se refere ao processo de decodificação
fonema/ grafema. Nesta associação, ela destaca a habilidade
de segmentação fonêmica. A autora afirma ainda que a
compreensão de leitura contempla o desenvolvimento de
habilidades cognitivas e a consciência da criança quanto às
mesmas. Viana considera a mesma relação de reciprocidade
discutida anteriormente. Gombert (1999) concorda com
a colocação, argumentando que apenas o contato com a
escrita não garante o desenvolvimento de habilidades de
processamento. A criança precisa de alguma dedicação
paraUn effort de l’apprenti lecteur est nécessaire pour mettre
adquirir o controle intencional do processamento linguístico,
que a aquisição leitora exige. O autor também compartilha
com a hipótese de reciprocidade já apresentada. Assim, podese inferir que a capacidade metalinguística e a aquisição de
leitura beneficiam-se mutuamente.
É importante relembrar que, inicialmente, o
processamento de leitura é do tipo ascendente. Também
192
chamado de bottom-up por Kato (2007), pode-se
considerá-lo linear e indutivo, uma vez que realiza análisesíntese durante o ato de leitura. Tal estratégica exige uma
capacidade de perceber os sons da palavra, ao passo
que favorece uma maior consciência dos mesmos. A
decodificação das palavras somente é possível, segundo
Scliar-Cabral (2008), se houver acesso à via fonológica
de leitura. Ela é utilizada inclusive em leitores mais
experientes, ainda de forma automatizada. Essa via é a
responsável pela conversão de grafemas em fonemas,
sendo essencial que tal correspondência seja inequívoca.
Dessa forma, deve-se investigar se uma privação sensorial
auditiva, mesmo que leve e/ou temporária, poderia interferir
nessa relação.
4. As otites médias de repetição e sua interferência na
alfabetização
Uma vez estabelecida a relação inegável entre
consciência fonológica na aprendizagem de leitura e
escrita, é preciso determinar a importância da acuidade
auditiva nesse processo. A aquisição de símbolos
gráficos exige uma adequada integridade sensorial. Além
disso, é necessário que a criança seja capaz de integrar
experiências não verbais, conseguindo diferenciar um
símbolo do outro, atribuindo sentido a ele para, por fim,
retê-lo. A integridade auditiva é, dessa forma, fundamental
para a alfabetização.
Uma das intercorrências mais comuns na infância,
devido à diferença anatômica na tuba auditiva é a otite média.
A interferência das otites médias no processo de alfabetização
Segundo Fialho (1999), a otite média crônica consiste em
alterações irreversíveis da orelha média, muitas vezes com
perfuração da membrana timpânica e pela presença de
muco catarral vindo da orelha média. A otite média crônica
pode ser decorrente de otite média aguda de repetição,
sem tratamento clínico adequado ou ser consequência de
um único episódio com má evolução.
Os episódios de otite na infância têm aumentado
gradativamente nos últimos anos. Klausen, Møller,
Holmefjord, Reisærter e Asbjørnsen (2000, apud BALBANI
e MONTOVANI, 2003) alertaram que em torno de 80% das
crianças em seu estudo apresentaram ao menos um episódio
de otite média secretora até completarem oito anos. Desse
grupo, cerca de 55% teve perda auditiva leve nas frequências
da fala. Essa alteração pode prejudicar a discriminação dos
fonemas tanto na fala quanto na alfabetização.
É importante ressaltar que não há necessidade
da existência de um grau profundo nem um caráter
irreversível de perda auditiva para prejudicar a aquisição
da linguagem. Balbani e Montovani (2003) citam Santos
et al. (2001) para destacar que inclusive os quadros de
hipoacusia (perda auditiva) leve é o bastante para interferir
em algumas funções auditivas. A característica flutuante
(alterando com fases de audição normal) dos déficits
auditivos nas otites médias conduz a uma estimulação
sonora inconsistente do sistema nervoso auditivo central.
Tal alteração prejudica a percepção dos sons da língua.
Outra possível intercorrência é a de o fluido na orelha
média causar ruído junto à cóclea (na orelha interna),
distorcendo a percepção dos sons.
193
Muitas pesquisas têm apontado os prejuízos deste
tipo de alteração no processo de aquisição linguística. Um
dos estudos sugere que as perdas auditivas que ocorrem
entre um e três anos de idade geram maior dificuldade
para adquirir linguagem, percepção reduzida dos sons
da fala os quais incluam consoantes surdas ou fricativas
como /s/ e /z/ (PETINOU, SCHWARTZ, GRAVEL e
RAPHAEL, 2001 apud BALBANI e MONTOVANI, 2003).
Os autores também citam o trabalho de Paradise (1998)
lembrando que a etiologia mais frequente nesse tipo de
dificuldade é a hipoacusia condutiva leve ocasionada por
otite média, mesmo que seja em apenas uma das orelhas.
Nos períodos de infecções, os estímulos sonoros são
percebidos de maneira distorcida. Considerando que o
leitor iniciante utiliza um processamento ascendente de
leitura (KATO, 2007), é necessário que ele tenha acesso a
uma percepção clara dos fonemas para compor o todo da
palavra ao decodificá-la.
Algumas investigações encontraram danos a longo
prazo relacionados à doença em questão. Balbani e
Montovani (2003) discutem o estudo de Van Cauwenberge,
Watelet, Dhooge (1999), o qual observou a persistência
até os onze anos de defasagens para o entendimento
de linguagem visual, articulação de palavras, atenção
e capacidade de leitura nas crianças que apresentaram
otites médias nos primeiros três anos de vida. Outra
pesquisa trazida pelos autores é a de Luotonen et al.
(1998), a qual identificou prejuízos escolares na leitura,
compreensão de textos, expressão verbal e escrita nas
crianças com histórico de otite média aguda recorrente nos
Fernanda Dias
três primeiros anos de vida. Assim, autores como Ruben
(1999) e Zielhuis, Gerritsen, Gorissen, Dekker, Rovers,
Van der Wilt, et al. (1998) são citados para a conclusão
de que as dificuldades causadas por otites médias e a
provável perda auditiva nos três primeiros anos de vida
podem prejudicar o desenvolvimento linguístico e, até
mesmo, a aprendizagem do infante.
Considerações finais
Ao final desta discussão, evidencia-se uma
notável interferência das otites médias de repetição na
aquisição da língua escrita. A alfabetização, como antes
mencionado, demanda integridade das vias auditivas.
Mesmo uma alteração sutil, como uma otite, pode gerar
comprometimentos importantes na manipulação dos sons
da língua e, consequentemente, na relação destes fonemas
com sua representação escrita.
Embora existam perspectivas distintas sobre a
relação entre consciência fonológica e aquisição da
língua escrita, todas apontam uma relação muito próxima
entre ambas. A capacidade de manipular os sons requer
que estes sejam percebidos de maneira adequada para
o sucesso na alfabetização. Scherer (2008) entende que
atualmente exista um consenso entre os pesquisadores de
que a consciência fonológica e o aprendizado da leitura e
escrita influenciam-se mutuamente. Assim, é necessário
atenção a todos os fatores que possam interferir nessa
relação. Scherer define a noção de reciprocidade como o
fato de a consciência fonológica favorecer a alfabetização,
194
ao mesmo tempo que a aquisição de um sistema alfabético
auxilia no desenvolvimento da consciência fonológica.
A concepção de reciprocidade apontada no texto
sugere coerência, pois a aquisição da língua escrita
requer algumas aprendizagens específicas de consciência
fonológica, ao passo que outras habilidades sejam resultado
da alfabetização. Então, a criança que aprende a ler
começa a desenvolver habilidades metalinguísticas, mas
são justamente estas que irão facilitar a aprendizagem da
língua escrita. Contudo, para analisar e conhecer os sons
que formam a fala, bem como para aprender a decodificar
os sons dos grafemas na leitura, a criança não pode ter
qualquer privação para percebê-los.
Ao longo desta discussão, foram apresentadas
diferentes pesquisas que apontam para possíveis
interferências da otite média no processo de alfabetização.
A percepção dos traços que diferenciam os fonemas é
imprescindível para manipulá-los sem alterar-lhes o
sentido. A não discriminação do traço de sonoridade,
por exemplo, pode levar a criança a confundir a palavra
“vaca” com a palavra “faca”.
O trabalho de Rueda (1995) realiza uma relação
com os processos cognitivos que exercem algum tipo de
influência nas atividades que medem o conhecimento
fonológico, como discutido anteriormente. Eles referem-se
à função chamada de processamento auditivo, a qual se
julgou relevante considerar ao fim desta discussão, uma
vez que se encontram em relação muito próxima às tarefas
de consciência fonológica.
A interferência das otites médias no processo de alfabetização
Uma vez apontada a necessidade de observar e
acompanhar possíveis quadros de otites antes e ao longo
do aprendizado da leitura e escrita, deve-se salientar a
importância da estimulação de todos os aspectos que a
favoreçam. Cielo (1996) considera que a sensibilização
fonológica leva ao aumento da sensibilidade fonológica
e de decodificação das crianças em processo de
aprendizado lectoescrito. As tarefas que a pesquisadora
utilizou abordaram a capacidade de reconhecer e produzir
rimas; excluir, analisar, sintetizar, contar e substituir
fonemas; identificar palavras com o mesmo fonema inicial;
sintetizar, analisar e contar sílabas. Também trabalhou
com a conceituação e a discriminação de sons verbais e
não verbais. A relação de reciprocidade entre a consciência
fonológica e a aquisição da leitura e escrita evidencia
que a estimulação de tais habilidades associadas à
correspondência fonema-grafema seja favorecedora das
habilidades de alfabetização, confirmando a discussão
trazida anteriormente.
Portanto, é fundamental que se estimulem, antes
mesmo da primeira série, a manipulação e a reflexão
dos sons da fala, de modo a promover a facilitação da
aquisição da língua escrita. Esta, por sua vez, também irá
auxiliar no desenvolvimento das habilidades fonológicas.
O processamento ascendente da leitura iniciante requer
integridade do sistema auditivo para realizar os processos
de análise-síntese sem alterar o significado da palavra.
O acompanhamento e a observação das crianças com
histórico de otite média crônica, associada à estimulação
das habilidades de consciência fonológica, certamente
195
favorecerão a apropriação da língua escrita, minimizando
aspectos que poderiam prejudicar tal processo. A
revisão de literatura apresentada destaca ainda como
tais cuidados também podem ser favorecedores da
capacidade de decodificação dos símbolos gráficos e,
portanto, da leitura.
RESUMO – O objetivo deste trabalho é apresentar
algumas reflexões quanto às possíveis interferências dos
quadros de otite crônica no percurso da alfabetização. Os
processos inflamatórios na orelha podem causar perdas
de audição transitórias do tipo condutivas, prejudicando a
percepção adequada dos sons da língua. Tal capacidade
pode ser considerada fundamental na aprendizagem de
leitura e escrita, pois está relacionada às habilidades de
consciência fonológica. O presente artigo busca, portanto,
alertar sobre a necessidade de observar tais aspectos nas
crianças em fase de aquisição da língua escrita, buscando
algumas considerações acerca dos aspectos envolvidos
no processo de aprendizado da leitura.
Palavras-chave: Alfabetização. Consciência Fonológica.
Otites de Repetição.
ABSTRACT – This paper presents some reflections about
the possible interferences of the management of chronic
otitis in the path of literacy. The inflammatory processes in
the ear can cause temporary hearing loss of conductive type,
impairing the adequate perception of speech sounds. Such
capacity can be considered fundamental in learning reading
Fernanda Dias
and writing, as it is related to phonological awareness. This
article aims, therefore, warn about the need to observe these
aspects in children in the course of acquisition of written
language, looking for some comments about aspects of the
process of learning to read.
Keywords:
Literacy.
Recurrent Otitis.
Phonological
Awareness.
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Neurofisiologia do uso da segunda língua
através de estudos por imagem
Ramon Gheno1
2). O primeiro método possui a habilidade de demonstrar
a atividade metabólica cerebral através do consumo de
radionuclídeos; já o segundo nos permite avaliar e quantificar
o fluxo sanguíneo cerebral, e inferir que áreas do parênquima
encefálico podem estar mais ativadas.5
A linguagem possui um papel fundamental na
organização social de comunidades e estados. Certos
países ou regiões apresentam uma enorme variedade de
línguas oficiais, sendo um dos exemplos mais significativos
a comunidade europeia, onde vinte e três línguas são
reconhecidas oficialmente2. Nessa região, são vários os
indivíduos multilíngues que se adaptam às mais variadas
circunstâncias linguísticas para atingirem uma comunicação
adequada. Tal situação requer a obtenção de várias
habilidades gramaticais (fonológicas, morfológicas, sintáticas,
etc.) e lexicais.3 Entretanto os mecanismos neurofisiológicos
que modulam a linguagem, em especial o aprendizado da
segunda língua (L2), ainda são pouco compreendidos4.
Dentre os métodos de imagem atualmente disponíveis
e comumente utilizados para a avaliação fisiológica do cérebro,
podemos citar a Tomografia por Emissão de Pósitrons (TEP)
(Figura 1) e a Ressonância Magnética Funcional (Rmf) (Figura
Figura 1: Tomografia por Emissão de Pósitrons cerebral nos planos sagital e axial.6
Email: [email protected]
2
“[[Europa (web portal)|Europa]],” in Consolidated version of Regulation No 1 determining the languages to be used by the European Economic Community ([[European Union]], [s.d.]), http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CO
NSLEG:1958R0001:20070101:EN:PDF.
3
Frédéric Isel et al., “Neural circuitry of the bilingual mental lexicon: effect of age of
second language acquisition,” Brain and Cognition 72, n. 2 (Março 2010): 169-180.
4
Dehaene, “Fitting two languages into one brain”; C J Price, D W Green, e R von
Studnitz, “A functional imaging study of translation and language switching,” Brain:
A Journal of Neurology 122 ( Pt 12) (Dezembro 1999): 2221-2235.
5
Daniel Branco e Jaderson Costa da Costa, “Ressonância Magnética Funcional de Memória: Onde Estamos e Aonde Podemos Chegar,” J Epilepsy Clin
Neurophysiol 12, n. 1 (2006): 25-30; Alessandro A Mazzola, “Ressonância
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McCook, e Frank S Torok, “An introduction to PET-CT imaging,” Radiographics:
A Review Publication of the Radiological Society of North America, Inc 24, n. 2
(Abril 2004): 523-543.
6
D Klein et al., “The neural substrates underlying word generation: a bilingual
Fale com o autor
1
199
Ramon Gheno
- uma interface audiopremotora, a qual é
concebida como um simulador motor interno que pode
ser muito importante no aprendizado de novas palavras
fonologicamente,
- a interface integradora do significado, a qual
é imaginada como sendo um mecanismo que envolve
significados de inferências usando múltiplas pistas
internas e externas e
- interface lexicoepisódica, a qual é encarregada
do mapeamento rápido de palavras novas em contextos
específicos e na consolidação a longo termo desse novo
trajeto lexical.
A interação entre esses três sistemas é modulada
por um controlador cognitivo comum de funções complexas;
como o córtex pré-frontal médio é envolvido no raciocínio
dedutivo, e os circuitos subcorticais talamoestriados são
envolvidos na coordenação de diferentes caminhos para
a retroalimentação de recompensa.8
Figura 2: Ressonância Magnética Funcional cerebral em diferentes níveis no
plano axial.7
O aprendizado da linguagem pode ser hipotetizado
de numerosas formas, sendo a revisão proposta por
Rodrigues-Fornells uma das mais atualizadas (Figura 3).
Nela, o processo é realizado por diferentes mecanismos:
functional-imaging study,” Proceedings of the National Academy of Sciences of the
United States of America 92, n. 7 (Março 28, 1995): 2899-2903.
7
Denise Klein et al., “Bilingual brain organization: a functional magnetic resonance
adaptation study,” NeuroImage 31, n. 1 (Maio 15, 2006): 366-375.
Antoni Rodríguez-Fornells et al., “Neurophysiological mechanisms involved in language learning in adults,” Philosophical Transactions of the Royal Society of London.
Series B, Biological Sciences 364, n. 1536 (Dezembro 27, 2009): 3711-3735.
8
200
Figura 3: Interconectividade entre os três sistemas do
processo de aprendizagem.
A rota dorsal (verde) começa com a representação
fonológica da palavra nova (PN) processada no giro
temporal superior (gTs) e no giro temporal superior
posterior (gTsp), o qual conecta a alça dorsal e a rota
de processamento. A interface da inferência semiótica
ventral (amarelo) começa com a informação contextual do
aprendizado (pontos pretos representam os grupamentos
Neurofisiologia do uso da segunda língua através de estudos por imagem
conceituais) via regiões temporais inferior,
medial e anterior fartamente conectadas
pelo fascículo uncinado com o giro frontal
inferior (gFi) ventral. Finalmente, a palavra
nova e o seu contexto correspondente
pode desencadear um processos de
armazenamento dependente no lobo
temporal medial (lTm) (interface episódicolexical). Com repetidas exposições a
palavra nova e após a conexão com o
seu significado (via associação direta
ou inferência da rota ventral), essa nova
representação episódica-palavra nova
pode ser armazenada no léxico mental
(nível
palavra-forma),
independente
do mecanismo de ensaio do lTm.
Muitas regiões envolvidas no controle
cognitivo, raciocínio dedutivo e motivação
(relacionada à retroalimentação) podem
ser
seletivamente
desencadeadas
dependendo da demanda e da situação
do aprendizado da língua. PN: palavra nova, L1: traçado
léxico, lTm: lobo temporal medial, gTai: giro temporal
ântero-inferior, gTm: giro temporal medial posterior, pTa:
polo temporal anterior, gFiv: giro frontal inferior ventral,
gFm: giro frontal médio, cvpm: córtex pré-motor ventral,
gFip: giro frontal inferior posterior, gsm: giro supra-marginal,
gTsp: giro temporal súpero-posterior. As linhas espessas
representam as principais conexões entre as diferentes
correntes dos processos de aprendizagem. Caixa verde:
201
interface audiomotora dorsal, azul: interface episódicolexical, amarelo: interface semiótica ventral, descoloridas:
mecanismos cognitivos compartilhados.9
Várias pesquisas demonstram que a língua
materna (L1) e a segunda língua (L2) são mediados por
um sistema neuronal unitário, embora recursos adicionais
possam ser requisitados para tarefas específicas10. Cabe
ressaltar que a aquisição da L2 é mais suscetível ao
ambiente e a fatores idiossincráticos11.
No estudo de Gandour et al. foram avaliados
indivíduos com conhecimento do mandarim(L1) e do
inglês (L2) em sentenças do tipo focada (sentença
inicial versus final) e outras classificadas como tipada
(declarativas e interrogativas). A comparação direta entre
L1 e L2 não mostrou diferença significativa na sequência
tipada, mas na sequência focada uma maior ativação
para L2 ocorreu bilateralmente na ínsula anterior e no
sulco frontal superior. Os diferentes padrões de ativação
são atribuídos, primariamente, devido a disparidades
entre L1 e L2 quanto a manifestações fonéticas. Tais
diferenças acarretam uma maior demanda computacional
para o processamento da L212.
Ibidem.
Isel et al., “Neural circuitry of the bilingual mental lexicon”; Klein et al., “The neural
substrates underlying word generation”; Klein et al., “Bilingual brain organization”;
Jackson Gandour et al., “Neural basis of first and second language processing of
sentence-level linguistic prosody,” Human Brain Mapping 28, n. 2 (Fevereiro 2007):
94-108; S Dehaene et al., “Anatomical variability in the cortical representation of first
and second language,” Neuroreport 8, n. 17 (Dezembro 1, 1997): 3809-3815.
11
Kuniyoshi L Sakai et al., “Distinct roles of left inferior frontal regions that explain
individual differences in second language acquisition,” Human Brain Mapping 30,
n. 8 (Agosto 2009): 2440-2452.
12
Gandour et al., “Neural basis of first and second language processing of sentence-level linguistic prosody”.
9
10
Ramon Gheno
Klein et al. utilizaram a TEP para avaliar sujeitos
proficientes em francês e inglês a fim de mostrar que um
substrato neuronal comum está envolvido em mecanismos
de busca da linguagem e que a região frontal inferior esquerda
é ativada tanto através de pistas fonológicas quanto de
semânticas13. Posteriormente, os mesmos autores, num
estudo envolvendo RMf, monstrou que num nível lexical,
os substratos neurológicos de L1 e L2 são compartilhados,
mas que provavelmente diferentes populações neuronais
são utilizadas na percepção de palavras em L1 e L214.
Após a obtenção de dados dispersos com o uso
da TEP, Dehaene e colaboradores utilizaram, num de
seus estudos, a RMf para avaliar as diferenças entre as
regiões corticais em indivíduos proficientes em francês
(L1) e moderadamente proficientes em inglês (L2). Nesse
estudo muitos sujeitos apresentaram uma ativação
significativa no giro frontal inferior esquerdo e no cíngulo
anterior apenas quando escutavam a L2. O cíngulo
anterior tem sido relacionado como uma região central
executiva no processamento de tarefas, o que sugere
que alguns indivíduos têm maiores recursos da atenção
para a L2 do que os processos automatizados da língua
materna. Também, a ativação frontal inferior pode refletir
uma estratégia interna de ensaio em L1 das palavras
utilizando a alça fonológica enquanto mantém sentenças
L2 na memória de trabalho. Além disso, a variabilidade na
lateralização da linguagem parece estar relacionada com a
diversidade na representação de L2. Esse trabalho suporta
a hipótese de que a aquisição de L1 baseia-se numa rede
13
14
Klein et al., “The neural substrates underlying word generation”.
Klein et al., “Bilingual brain organization”.
202
dedicada do hemisfério cerebral esquerdo, enquanto que
a aquisição de L2 não está necessariamente associada
com alguma área específica15.
O grupo de trabalho liderado por Isel avaliou adultos
bilíngues precoces, expostos, com cerca de 3 anos, ao
alemão e ao francês, e bilíngues tardios, apresentados ao
francês (L2) com cerca de 11 anos. Além disso, todos os
participantes tinham o conhecimento do inglês (L3). Foi
constatado que a L1 e a L2 compartilham a mesma região
espacial para bilíngües, tanto falantes precoces como
falantes tardios. Entretanto, a maturação neuronal parece
afetar a representação conceitual das palavras na L1 e na
L2, no que se refere ao conhecimento lexical16.
Numa pesquisa que comparou as diferentes
formas de aquisição da linguagem, Jeong e colaboradores
estudaram de que forma ocorre a representação cortical
da L2 em japoneses (L1) submetidos ao aprendizado
da língua coreana (L2). O giro supra-marginal direito
e o giro médio-frontal esquerdo estiveram envolvidos
nas situações do aprendizado baseado em vivência e
baseadas em textos, respectivamente, enquanto que
o giro frontal inferior esquerdo foi ativado quando os
aprendizes usavam o conhecimento da L2 em um modo
diferente. Esses dados sugerem que as regiões cerebrais
que mediam a L2 diferem da maneira como as palavras de
L2 são aprendidas e usadas17.
Neurofisiologia do uso da segunda língua através de estudos por imagem
O grupo de Price avaliou se existe uma correlação
entre os achados de imagem e o modelo Inibitório
Controlador. Nesse estudo, foram avaliadas a tradução e
a permutação das línguas em indivíduos proficientes em
alemão (L1) e inglês (L2). De acordo com o modelo inibitório
controlador, as tarefas linguísticas são externas ao sistema
lexicossemântico e competem para o controle da saída. A
produção de uma palavra na língua dominante (L1) está em
competição com a produção da segunda língua (L2). Assim,
para falar na linguagem L2, os indivíduos devem inibir a
forma de produção de L1. Os dados demonstram que a
tradução modula regiões associadas especificamente com
a semântica, córtex temporal extrassylviano e ínferofrontal
esquerdos, e a articulação18.
Além disso, sabe-se que tanto em bilíngues como
em monolíngues, usualmente a percepção e a compreensão
envolvem uma interação dinâmica entre múltiplas regiões,
não apenas de um único hemisfério19.
Quanto ao amadurecimento neuronal, os dados
obtidos por Newman-Norlod et al. demonstraram que,
além do papel comum da área de Broca para a aquisição
de línguas, esse processo ocorre de maneira similar, não
apenas em crianças, mas em adultos, indivíduos esses
considerados fora da puberdade, ou “período crítico”20.
Price, Green, e von Studnitz, “A functional imaging study of translation and language switching”.
Gandour et al., “Neural basis of first and second language processing of sentence-level linguistic prosody”.
20
Aaron J Newman et al., “A critical period for right hemisphere recruitment in
American Sign Language processing,” Nature Neuroscience 5, n. 1 (Janeiro 2002):
76-80; Roger D Newman-Norlund et al., “Anatomical substrates of visual and auditory miniature second-language learning,” Journal of Cognitive Neuroscience 18,
n. 12 (Dezembro 2006): 1984-1997.
18
19
15
Dehaene et al., “Anatomical variability in the cortical representation of first and
second language”.
16
Isel et al., “Neural circuitry of the bilingual mental lexicon”.
17
Hyeonjeong Jeong et al., “Learning second language vocabulary: neural dissociation of situation-based learning and text-based learning,” NeuroImage 50, n. 2
(Abril 1, 2010): 802-809.
203
Devemos ressaltar que a discrepância entre os
resultados das pesquisas relacionadas ao PET e à Rmf,
provêm, muitas vezes, da metodologia empregada em
que fatores como os parâmetros de obtenção de imagem,
a língua materna, a idade de aquisição da linguagem e
o grau de proficiência na mesma influenciam de maneira
significativa os resultados.
Além do grande avanço nas técnicas de imagem tanto
para estudos anatômicos quanto funcionais do cérebro, o
que resultou numa ampla gama de teorias neurofuncionais,
é imperativo que tais achados sejam correlacionados com
diferentes áreas neurológicas, como a eletroneurofisiologia,
neuroendocrinologia e neuroimunologia. Dessa forma, a
obtenção de teorias sobre o funcionamento da segunda
língua encontrar-se-ão mais próximas da realidade.
RESUMO – As teorias referentes aos mecanismos
fisiológicos responsáveis pelo aprendizado da segunda
língua apresentam um grande avanço nas duas últimas
décadas em virtude do desenvolvimento de técnicas
radiológicas, notadamente a tomografia por emissão de
pósitrons e a ressonância magnética funcional. Através
delas, numerosos centros de pesquisa vêm desenvolvendo
diversas hipóteses referentes ao metabolismo do encéfalo.
Apesar da grande diversidade metodológica empregada,
os resultados sugerem que centros específicos do
lobo temporal (regiões inferior, medial e anterior) são
responsáveis por boa parte do processamento da segunda
língua.Entretanto, apesar do desenvolvimento tecnológico
por imagem, cabe ressaltar que esses resultados refletem
Ramon Gheno
somente uma das formas com a qual podemos abordar
o funcionamento do cérebro. Assim, para uma correta
compreensão é necessária a correlação entre as diversas
áreas que estudam a sua neurofisiologia.
Palavras-chaves: Fisiologia. Segunda Língua. Radiologia.
ABSTRACT - The theories regarding the physiological
mechanisms responsible for learning a second language
had a major breakthrough in the last two decades due to
the development of radiological techniques, notably positron
emission tomography and functional magnetic resonance
imaging.Through them, numerous research centers, have
developed several hypotheses regarding the brain metabolism.
Despite the great diversity of methodologies employed, the
results indicate that some regions in the temporal lobe (inferior,
medial and anterior regions) are responsible for a considerable
part of this learning process. However, despite the development
of imaging technology, it is noteworthy that these results reflect
only one of the ways in which we can study the brain. Thus, for
a correct understanding is necessary the correlation between
different neurophysiological areas.
Keywords: Physiology. Second Language. Radiology.
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