INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
------------------------------------JORGE W. ARBAGE
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Devemos considera r como fato natural os questionamentos Que envolvem a decisão interpretativa do Tribunal Superi o El eitora l a respeito da Lei Complementa r nQ 135 CLei Ficha Limpa), de 04 de junho de 20 10. t anto ma is po rque a aprovação se
deu por maioria absoluta no pl enar io da Co rte. Diz o brocardo po
pular que "decisão judici al não se di scute , cump re-se". Todavia,
como constituinte de 1988 que fui, j ulgo-me no deve r de apreciar
a matéria e emitir opini ão sobre o que penso da maneira como foi
interpretada a legislação complementar.
Começo por observar que a idéia de interpretação
conforme a Constituição, que aliás vem ganhando constante noto.
riedade, e consequencia dos principias da supremacia, imperativl
dade e unidade da mesma. Em virtude destes princípios, ou seja da prevalencia do texto constitucional -, toda e qualquer interpretação deve cingir-se, na busca de solução, ao que atenda ao I
conjunto dos princípios antes referidos. Além disso, e fundamental que a interpretação deva ter origem na própria Carta Política e jamais embasada numa norma infraconstitucional.
A rigor, salienta com propriedade Alexandre de I
Moraes Cob.cit,pg,43) que "a supremacia das normas constituciona
is no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade ,
no tocante às leis e atos normativos editados pelo Poder público
competente, exigem que na função hermeneutica de interpretação I
do ordenamento jurídico , seja sempre concedida preferencia ao 11
sentido da norma que seja adequada à Constituição Federal . Assim
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sendo, no caso de normas com varias significações possíveis , deverá ser encontrada a que apresente maior conformidade com as //
normas constituc ionais, evitando sua declaracão de inconstituciQ
nalidade e consequente retirada do ordenamento Jurídico".
De fato , e prudente a finalidade deste pr incipio. o
que implica estender-se praticamente a todos os casos da mesma I
espécie e natureza, de evitar o abandamento do nosso ordenamento
Jurídico de normas com mais de uma interpretação poss ível, que a
rigor possam harmonizar-se com a Lei Mater.
Há, contudo, alguns Juristas que criticam a aplicacão desmezurada da teoria . o tema utilizado em concu rsos, e, para os Autores, um tanto perigoso. Conquanto a teoria seJa do pon
to de vista técnico bem arquitetada, sua aplicação em solo brasi
leiro encontra o calcanhar de Aquiles na observação da prática I
legiferante nacional, seJa pelo Congresso , seJa pelo Executivo a
través das Medidas Provisorias. A enorme quantidade de normas de
claradas inconstitucionais no Brasil decorre, principalmente, do
despreparo dos governantes e legisladores, associado à falta ostensiva de respeito à Constituição. A diminuição de normas reJel
tadas pelo Supremo Tribunal Federal, não deveria ter fulcro na a
plicacão desta teoria, mas sim por falta absoluta de maior apreço à Constituição, que não poderia ser, como vem sendo, vilipendiada em prol de programas de governo e interesses de arrecada cao.
Não e o caso, diga-se de passagem, do disposto no I
artQ 16, da vigente Constituição "Cidadã" de 1988. A sua redação
e de clareza meridiana e, portanto, de fácil interpretação. De termina que a "lei que alterar o processo eleitoral entrará em I
vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que/
ocorra até um ano da data de sua vigência" (EC nQ 04/93).
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Note-se que aqui trata-se de um caso curioso de vacatiolegis, que impõe a mesma Constituição . Não deve ser confundido em
nada com o principio da anualidade, vigorante relat ivamente aos I
tributos. Naquele, ~que a Carta Politica impede ê a lei produzir
efeitos no mesmo exercício financeiro. mas não veda que, conforme
a data da sua promulgação, a lei venha a se tornar eficaz com a I
intermediação de um prazo ínfimo.
Já no tocante ao preceito em comento (artQ 16, CF), dirse á que o prórprio texto constitucional exige, ou seja, impõe ta
xativamente o prazo de um (01) ano de intertiscio ent re a data da
promulgação e a sua entrada em vigor , independentemente da êpoca,
em que for aprovada. Ali ás, esses prazos longos de vacatio legis,
são normame lmente utilizados ao ensejo da publicação dos grandes/
Códigos, exemp lo dos quais o de Processo Civil, que promulgado em
17 de janeiro de 1973, teve a sua vigencia estendida até lQ de Ja
neiro de 1974.
Precizamos reconhecer o quanto o legislador constituinte
de 1988 foi cuidadoso nas regras do artQ 16, ao procurar deixar I
implícito e explicito o objetivo de que a lei ele itoral deve, antes de tudo, respeitar o mais possível a igualdade ent re os diver
sos partidos, fixando normas equânimes -que não venham a favorecer
nem prejudicar qualquer candidato ou partido. Se por acaso uma //
lei desse porte, fosse aprovada dentro do contexto, com uma confi
guração mais ou menos delineada, os seus efeitos provocariam, cer
tamente, verdadeiro rebuliço no processo eleitoral. o eleitorado/
brasileiro merece, sim, o respeito que lhe assegurou o artQ 16 da
Constituição Republicana. cujo escopo vizou mais do que sanear , a
perfeiçoar, também, a lisura e a moralidade nas disputas eleitora
is
I
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Trago à colação, porque faz parte do nosso ordenamento
jurídico, o problema da hermeneutica , que tem o objetivo primacl
al de proceder o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis com vistas a determinar o sentido e o alcance das normas //
constitucionais. Hermeneutica, no sentido lato da pa lavra , e a I
ciencia que fornece a técnica e os principias segundo.os quais o
operador do Direito poderá apreender o caráter social e jurídico
da norma constitucional em exame, ao passo que o vocábulo Hinter
pretaçãoH consiste em desvendar o real significativo de uma norma.
Sinceramente, não me atrevo indagar se os principias I
da hermeneutica, em si mesma, ou da interpretação, isolada ou//
conjuntamente, contribuíram, de algum modo, na respeitave l decisão do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, cujo Relator , Ministro Arnaldo Versiani, inseriu no Parecer este primor de argumen
to, segundo o qual Ho processo eleitoral não abarca todo o di ~ ~
reito eleitoral, mas apenas o conjunto de atos necessarios ao I
funcionamento das eleições por meio de sufragio eleitoral" <Gri
fos nos pertencem>.
Admitamos, para argumentar, que o processo eleitoral,
em si mesmo, não abarca todo o direito ·eleitoral. Pergunta-se ,
entretanto, se "no conjunto de atos necessarios ao funcionamento das eleições" - texto do Relator -, não figura o instituto I
das inelegibilidades, antes previsto na Lei Complementar nQ 64,
de 1990? <Grifas são nossos>. Ora, a resposta afirmativa, e lo
gicamente não pode ser outra, testifica que a Lei Complementar/
nQ 135 (Ficha-LimpaH, ao alterar dispositivo da Lei Complemen tar nQ 64/90 que fixava a inelexibilidade contra os infratores/
da legislação eleitoral em três (3) anos, elevando a penalidade
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para oito (8) anos , e claro que incidiu na vedação do artQ 16, da
Constituição Federal, não podendo, assim , ter ap licabilidade à eleição que ocorra até um ano da data da sua vigencia . A referida/
lei complementar entrou em vigor na data da sua publicação , isto.
e, em 04 de junho de 2010 . Repito que a vedação decorre de norma/
constitucional ...
Longe de nós o intuito de defender políticos ímprobos
no exercício de mandatos populares. Mas o respeito à Constituição
que ajudei a elaborar, está acima de interesses polít ico-partidarios, daí a -nossa divergencia na decisão interpretativa ou hermeneutica do Tribunal Superior Eleitoral, que nos parece decorrente
de um entendimento extensivo aos limites tanto dos art igos 5Q, In
ciso XXXVI e 16, da Constituição Federal, como ainda de dispositi
vos da Lei Complementar nQ 135, de 2010. Há, portanto , mais cedo,
ou mais tarde, o risco de algum candidato suscitar ação direta de
inconstitucionalidade e obter decisão favorável no Supremo Tribunal Federal. Estou falando em tese.~.!
Lembro, por oportuno, esta máxima do Mestre Pontes de
Miranda em "Comentár ios à Constituição de 1967 e Emenda nQ Ol, de
1969": "normas jurídicas escritas com claresa, não comportam in terpretação extensiva". E o caso, por e~emp lo, do Inciso XXXVi do
ArtQ 5Q da Constituição Federa l: -a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. o princ1
pio da Irretroatividade da Lei estabelece que a lei nova não pode
rá retroagir para alcançar o direito já adquirido, o ato jurídico
já aperfe içoado ou a coisa julgada. A intenção do legislador con~
tituinte e dotar sd relações jurídicas dr ums rdtsbilidade e de I
um mínimo de segurança para as partes envolvidas. A expressão ///
"lei" deve ser entendida como qualquer ato normativo primaria (ar
tigo 59) infraconstitucional, de modo que a emenda à Constituição
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e a propria Carta Magna não estão submetidas a este principio , po
dendo olvidar os três institutos e, até mesmo não os reconhecer.
Com efeito, o inciso citado não se confunde com o in
ciso XL, do mesmo artigo 5Q da Carta Fundamental, com esta reda cão: - a lei penal não retroagirã, salvo para beneficia r o réu. A
qui reside outro importante principio do Direito Penal , que e o I
da Irretroatividade da Lei Penal, salvo em favor do réu. (Artigos
2Q a 4Q do Codigo Penal).
Ao apreciar a Consulta nQ 112025, relatada pelo Mi nistro Hamilton Carvalhido, o TSE, em 10 de junho de 2010, respon
deu afirmativamente, concluindo que a nova lei terã aplicação para as proximas eleições. <Grifas são nossos>. A fina l de contas,
não estã explicito o carater retroativo da Lel da "Ficha-Limpa",/
expontaneamente confessado pelo proprio Ministro-Relator do TSE?
De relevante, no caso, os votos favorãveis dos Mi nistros Arnaldo Versiani, Carmem Lúcia Antunes Rocha, Aldir Passarinho Jr, Marcelo Ribeiro e também o presidente da Corte, Mi nistro Ricardo Lewandowski e contrãrio o Ministro Marco Aurél io.
A ofensa ao inciso XXXVI do artQ 5Q da Constituição,
e clara e ostensiva, ao dar carater retroativo pa ra punir agen tes políticos e mandar às favas "o direito adqui rido, o ato jur1
dica perfeito e a coisa julgada".
Fiquemos de atalaia, no aguardo dos jul gamen tos que
pouco demorarão bater às portas do Pretória Excelso.
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Devemos considerar como fato natural os questio