Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
Reforma do sistema educacional dos anos 90: breves considerações sobre os aspectos
históricos, econômicos, e políticos
Beatriz Galvanin
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Resumo: O artigo apresenta um panorama geral dos aspectos históricos, econômicos e políticos que influenciam e
refletem nas atuais mudanças do sistema educacional brasileiro. Envolve parte do “Quadro Teórico” de Bárbara
Freitag, fornecendo o referencial teórico da economia da educação segundo o modelo gramsciano, bem como a
literatura histórica destacando em cada período as diferentes tipificações do Estado brasileiro percebidas através de
suas posições políticas; e finalmente, destaca a procedência de alguns aspectos específicos que fundamentam a
reforma educacional nos anos 90. Neste sentido, procura despertar para uma visão contextualizada e crítica dessas
mudanças educacionais que revestidas de terminologias inovadoras percebidas através dos documentos oficiais, na
realidade são fontes de polêmica tanto devido ao sentido das palavras na sua interpretação, quanto na eficácia da
operacionalização dessas mudanças.
Palavras-chave: Política educacional. Planejamento educacional. Economia da educação. Reformas da educação
Reform of educational system in 90’s: breve considerations about aspects historical, economical and political
Abstract: The article presents a general view of historical, economical and political aspects that influence and reflect
the early changes of Brazilian Educational System. It Involves part of “Quadro Teórico” of Barbara Freitag,
suplying the referencial theorical of Economy of Education to according the gramscian model, as well as the
historical literature showing each time the different characteristics of Brazilian State perceived through their political
positions; and finally, shows the origin of some specifical aspects that validate the educational reform in the 90’s.
Under these conditions, it searches to awake a contextualized vision and critical of these educational changes that
covered of new terminologies realized through official documents, in fact are sources of polemic as due to purpose
of words in comprehension, much as in the efficacy of operationalization of these changes.
Keywords: Educational politics. Educational planning. Economy of education. Educational changes
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Professora na área de Administração da Faculdade Estácio de Sá de Ourinhos – FAESO. Professora de educação
profissional nível técnico do CEETEPS na unidade de ensino ETE Prof. Pedro Leme Brisolla Sobrinho/Ipaussu-SP.
Mestranda em Educação pela Universidade Estadual Paulista-UNESP, campus de Marília.
E-mail: [email protected] .
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1. INTRODUÇÃO
A década de 90 é marcada por um processo de reformas operacionalizadas na educação,
pelo governo brasileiro envolvendo mudanças nos vários níveis e modalidades do ensino. Para
entendermos as atuais mudanças que permeiam o sistema educacional brasileiro há a necessidade
de situá-las diante do processo de reestruturação da organização do trabalho capitalista e de
novos modelos de gestão. Bem como, discuti-las no contexto da reforma do Estado, através de
uma perspectiva econômico-política.
Embora tenha tomado notabilidade no Brasil ao final dos anos 80, a polêmica em torno de
uma nova relação entre inovação tecnológica, educação e qualificação está colocada nos países
de capitalismo desenvolvido desde a década de 70 (FOGAÇA, 2001, p. 55). Azuete Fogaça,
afirma que, as transformações nos processos de produção e organização do trabalho,
desencadearam estudos2, que apontavam os impactos crescentes do avanço tecnológico e
científico nos novos padrões de concorrência, em função de um mercado que começava a se
globalizar – destacando a exigência de novos perfis ocupacionais, em novas condições de
formação escolar em todo nível da hierarquia ocupacional. Nas conclusões do estudo, o sentido
observado era de que:
[...] deveria priorizar, dali para frente, reformas nos sistemas educacionais dos
países industrializados ou em processo de industrialização, de forma a preparar
melhor seus recursos humanos para essa nova etapa da produção capitalista, na
qual a escola cumpriria um papel fundamental na qualificação profissional básica
de todos os segmentos da hierarquia ocupacional. [FOGAÇA, 2001, p. 55]
A correspondência das transformações do processo produtivo na educação e formação
profissional através das mudanças na forma de produção exigiram alterações no delineamento do
trabalhador. Ou seja, o processo produtivo à medida que modifica e evolui o mecanismo de
produção mecânica para tecnológica, exige modificações também na formação do trabalhador
quanto a seus conhecimentos e técnicas para atender esse processo produtivo.
Considerando desde a revolução industrial, que rompe com uma produção artesanal,
marcando um processo produtivo baseado na eletromecânica, incorpora os princípios tayloristas e
fordistas de produção em massa, ou seja, em grandes quantidades, representando o estilo norte2
Como o realizado na França, em indústrias européias, com financiamento pela Unesco, divulgado em 1979.
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americano de produção em série e padronizada, onde os operários deveriam ser treinados para
acompanhar o ritmo da maquinaria. O redirecionamento produtivo, para o modelo japonês,
fundamentado pelos princípios toyotistas, evoluiu e culminou com a revolução da informática,
com base na microeletrônica, com desenvolvimento de tecnologias complexas, passando a exigir
profissionais com níveis de educação e qualificação mais elevado, polivalentes e flexíveis.
As idéias de F. W. Taylor são consolidadas com o controle científico do trabalho, através
do controle de tempos e movimentos dos operários, caracterizando a ausência de participação de
trabalhadores nos processos de tomada de decisão dentro das empresas, no que diz respeito tanto
à produção quanto aos procedimentos administrativos e normativos. (MARTINS, 2002, p. 71).
Dessa maneira, a formação da mão-de-obra que executava movimentos repetitivos não exigia um
aprofundamento de conhecimentos, pois atendia aos postos de trabalho permitindo que vários
trabalhadores executassem inúmeras tarefas utilizando-se de gestos simples que acompanhassem
o ritmo das máquinas.
Acrescente-se a relação desta concepção nas políticas educacionais implementadas no
início do século XX, pois da mesma maneira que o trabalhador, na condição de “executor” das
tarefas, segundo os princípios tayloristas, recebia treinamento para que de forma mecânica
desempenhasse seu papel, sem opinar, participar, refletir; sua formação também estava associada
a uma escolarização conteudista, baseada na memorização, onde:
[...] a taylorização do trabalho educacional institucionalizado foi
apontado como um dos principais elementos – senão o principal – de
absoluta ausência da participação de professores e alunos dos processos
decisórios acerca do que e como se ensina, constituindo uma cultura de
transmissão de conhecimentos e de cuidados assistenciais com as gerações
custodiadas. Saliente-se que as análises realizadas sobre o currículo
oculto têm apontado que o que as escolas vêm ensinando, historicamente,
são habilidades relacionadas à obediência e submissão á autoridade
(MARTINS, 2002, p. 73).
A concepção de uma nova organização do trabalho, na economia capitalista, começou a
ser discutida nos anos 1950 e 1960 com um novo modelo de gestão na empresa Toyota, no Japão,
e provocou grande impacto nas relações sociais de produção. Nesse novo paradigma toyotista de
gestão, contrapondo ao modelo norte-americano (taylorista/ fordista) de produção em massa (em
grandes quantidades) - a produção passou a ser “enxuta” (eliminação de desperdícios), o processo
denominado de “just -in-time” (com fluxo contínuo, sem estoques), flexível (caracterizada por
pequenos lotes, sob encomenda). Surgiu a noção de “qualidade total”(fazer certo da primeira vez,
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corrigir causas e erros)... assim, o envolvimento de funcionários na detecção de problemas e no
encaminhamento de soluções provocaram uma interferência direta no processo de tomada de
decisões da empresa. (MARTINS, 2002, p.78).
Além dos princípios de eliminação de desperdícios e fabricação com qualidade do sistema
Toyota de produção, a administração participativa ganha destaque neste cenário, cujo foco está
no compartilhar das decisões que afetam a empresa com funcionários. Portanto,
[...] a exigência de trabalhadores polivalentes, cooperativos e capazes de
desenvolver toda sua potencialidade de aprendizagem e de trabalho, bem como a
eleição do conhecimento como mola propulsora desta etapa recente de
reorganização do capitalismo, constituíram o caldo cultural que vem permeando
as mudanças operadas no conceito da educação necessária para a formação dessa
mão-de-obra. (MARTINS, 2002, p. 86)
Quanto ao aspecto político, se faz presente a interferência de idéias relacionadas às
agências multinacionais (Banco Mundial, FMI, CEPAL), que, na condição de agências
financiadoras, definem as diretrizes que servem de base na constituição das políticas
educacionais. As práticas sugeridas por estas agências de acordo com as necessidades do
mercado são assimiladas e assim,
Diante de propostas concretas do Banco Mundial para os diversos níveis de ensino
que propõem a revisão do papel do Estado na educação, deixando de ser o
principal executor e passando a constituir uma instância coordenadora e
controladora, o Ministério da Educação tem apresentado propostas nem sempre
convergentes, nas quais alguns princípios do Banco Mundial, entretanto, têm
encontrado acolhida nas propostas educacionais. Entre estes, o princípio de que
mecanismos de mercado são indispensáveis para a melhoria da escola pública.
Para conseguir atingir estes mecanismos concorrênciais, preconiza-se a
descentralização administrativa, pedagógica e financeira das unidades escolares,
entendendo-se por descentralização uma forma de atingir público específico e
uma forma de redução de responsabilidades e de gastos. (BRITO, 2001, p.137,
grifo nosso)
As relações capitalistas de produção passam a incorporar o cotidiano escolar ao assimilar
propostas do Banco Mundial na formulação das políticas educacionais, observados através de
critérios como eficiência, eficácia, produtividade – bem como conceitos de empregabilidade,
competência, e conduzem a escola como obrigação de preparar para o mercado de trabalho.
Idéias de descentralização das ações estatais na educação e incorporação da forma de gestão
utilizada pela iniciativa privada remetem os países a reformas estruturais.
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2. ASPECTOS POLÍTICOS E ECONÔMICOS DA EDUCAÇÃO
A educação é permeada por aspectos políticos que se fazem presentes através da
legislação educacional, bem como, por aspectos econômicos, por meio da correlação entre
crescimento econômico e nível educacional dos trabalhadores.
Partindo de uma abordagem econômica da educação, Becker (1986), Schutz (1986),
Edding (1986) e Solow (1986), deram origem a disciplinas como planejamento educacional e
economia da educação. O conteúdo destas disciplinas orientam as decisões na área educacional
de muitos governos (apud FREITAG, 1986, p. 27). Os autores incomodavam-se com o fato de
não encontrar uma explicação plena sobre o crescimento econômico do mundo ocidental que
segue a II Guerra Mundial. Segundo eles, “ Os fatores input da função de crescimento – capital e
trabalho – não justificariam o output (taxa de crescimento) registrado” (apud FREITAG, 1986,
p.27). Diante disto, Becker e Schultz atribuíram à educação a causa do crescimento excedente:
[...] validada esta hipótese, os investimentos econômicos “rentáveis” seriam
aqueles que se concentrassem no aumento quantitativo e qualitativo da educação
formal da população ativa. Desde então se vem falando em investimento em
recursos humanos, formação de capital humano, formação de manpower .
(apud FREITAG, 1986, p. 27)
Como conseqüência desta situação, o Estado, será o autor dos investimentos e do
planejamento educacional em nome do desenvolvimento da nação. Pois, há a necessidade do
direcionamento da formação de trabalhadores que atendam as expectativas do mercado
capitalista. Segundo os teóricos da economia da educação há uma “taxa de retorno social e
individual”. Assim, “[...] a taxa de lucro criada com a maior produtividade dos indivíduos devida
ao seu mais em educação é repartida de maneira justa entre o indivíduo e o Estado.” (apud
FREITAG, 1986, p. 27, grifo dos autores).
Freitag (1986, p. 28), numa análise idológico-crítica afirma que:
[...] a taxa de retorno se desmascara como a taxa de mais-valia que em verdade
não beneficia o trabalhador que a produz, nem uma entidade abstrata como a
nação, representada pelo Estado, mas sim o empresário capitalista que empregou
a força de trabalho. Toda concepção da educação como investimento é válida,
desde que considerada como investimento lucrativo para as empresas privadas.
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Assim, a ênfase maior no investimento na educação do trabalhador por parte do Estado, na
realidade desloca da preocupação com sua formação humana e caminha para uma formação subordinada
às demandas do setor produtivo.
Um dos críticos da economia da educação, Altvater (1986), afirma que “[...] há de fato
uma socialização dos gastos educacionais, mediatizada pelo Estado, no interesse da empresa
privada [...]” (apud FREITAG, 1986, p. 28); e que os investimentos, sob a forma da “qualificação
da mão-de-obra”, precisam ser vistos no contexto da produção capitalista, para ele:
A força de trabalho não é qualificada, no interesse do trabalhador, para que
melhore sua vida, se independentize e se emancipe das relações de trabalho
vigentes, mas sim, para aprimorar e tornar mais eficazes essas relações, ou seja, a
dependência do trabalhador em relação ao capitalista. [...] a economia da
educação, baseada nos princípios da economia neoclássica, nada mais faz do que
explicar “o crescimento econômico” por manipulações feitas com auxílio da
intervenção estatal na composição orgânica do capital [...].
Para Altvater, “a fim de cumprir com essa tarefa, a economia da educação recorre ao
planejamento educacional” (apud FREITAG, 1986, p. 29), que executa na prática, as teorias
propostas nos dois modelos clássicos da economia da educação – o modelo do investimento (in
put ou rate of return) cujo enfoque é o dinheiro, buscando meios de otimizar os gastos estatais,
enfatizando a racionalidade - e o modelo da demanda (output, manpower ou social demand
approach) , cujo enfoque é a pessoa qualificada formada pelo sistema educacional, enfatizando
no mercado de trabalho o equilíbrio entre a oferta e a procura de mão-de-obra.
Desta forma, afirma que o planejamento educacional:
[...] além de alocar os meios escassos de maneira ótima a fim de garantir o
output quantitativo e qualitativo necessário para cobrir a demanda do
mercado, funciona como mecanismo corretivo entre o sistema educacional
e o mercado de trabalho. (FREITAG,1986, p. 30)
Os modelos da economia e do planejamento educacional, segundo Huisken (1986), “nada
mais fazem que ajustar o pessoal formado pelas escolas aos ciclos e às crises geradas pela
economia capitalista. Criam eles uma certa flexibilidade do sistema capitalista face a tais crises.”
(apud FREITAG, 1986, p. 30)
Buscando uma análise política da educação, Gramsci, conceitua a política educacional
oficial, como ação estatal, abrangendo as atividades educacionais dentro de um contexto que
envolve a criação de uma nova tipologia de Estado. Esta tipologia se subdivide em duas esferas
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conceituadas como sociedade política, na qual concentra o poder repressivo da classe dirigente
(governo, tribunais, exército, polícia) e a sociedade civil, constituída pelas associações ditas
privadas (igreja, escolas, sindicatos, clubes, meios de comunicação de massa) (apud FREITAG,
1986, p. 37).
O modelo gramsciano considera a sociedade política “o lugar do direito e da vigilância
institucionalizada, encarregada de formular a legislação educacional, de impô-la e fiscalizá-la”.
(FREITAG, 1986, p. 41). Dessa forma, a legislação educacional, é uma via de concretização das
doutrinas da classe dominante, na forma do senso comum, interiorizando na classe subalterna, os
valores e as normas do esquema de dominação elaborado. Considera ainda, a sociedade civil,
como o lugar do sistema educacional onde se implantam as leis; cuja materialização é refletida
(idem, ibidem, grifo do autor):
[...] nos conteúdos escolares, na seriação horizontal e vertical de informações
filtradas, na imposição de um código lingüístico (o das classes dominantes), nos
mecanismos de seleção e canalização de alunos, nos rituais de aprendizagem
impostos ao corpo discente pelo corpo docente, etc. (apud FREITAG, 1986, p. 42,
grifo do autor)
Gramsci afirma que a política educacional estatal deixa um pequeno grau de liberdade
para a sociedade civil, conseguindo a dominação pelo consenso, garantindo a supremacia da
classe dominante no poder. Esta liberdade aparente é percebida através das opções , feitas pelas
classes subalternas. Quando esse grau de liberdade é utilizado para alastrar uma contra-ideologia,
procurando corroer o senso comum, o Estado interfere, mobilizando corretivos para impedir a
materialização
dessa
contra-ideologia,
“[...] reformulando
leis
(reforma
do
ensino),
reestruturando a organização interna do sistema educacional, reorganizando currículos, etc.”
(apud FREITAG, 1986, p. 42).
Por isso, a análise crítica da escola ou do sistema educacional só faz sentido, quando
vinculada com a política educacional do Estado, pois, segundo Gramsci, este é numa primeira
visão o ator e a causa central do funcionamento do moderno sistema de educação capitalista, mas,
na verdade, desempenha um papel de articulador dos interesses da classe dominante.
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3. ASPECTOS HISTÓRICOS DAS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Para compreensão do desenvolvimento das mais recentes mudanças que estão ocorrendo
no sistema de ensino brasileiro, necessitamos destacar aspectos do contexto histórico do Estado,
pois o compromisso assumido em sua agenda econômica e política, influenciado pelo sistema
capitalista, é seguido de inúmeros outros compromissos na esfera social, particularmente na
educação por meio de documentos políticos que refletem nas suas reformas.
Azevedo (2001, p. 144) assinala que,
[...] apesar das diferentes tipificações históricas, o autoritarismo, o
verticalismo, a exclusão, as relações clientelísticas com a sociedade, a
hegemonia dos interesses privados no seu interior e a sua apropriação pelas
elites são traços permanentes do Estado brasileiro.
O autor identifica o Estado, nos diferentes períodos históricos, de acordo com a postura
política adotada, denominando de:
•
Estado oligárquico controlado pelas elites agrárias;
•
Estado intervencionista, que mesclou aspectos keneysianos e fascistas, representado
pelo período varguista (1930/1945);
•
Estado liberal-populista (1946/1964);
•
Estado militarista autoritário (1964/1985)
•
Estado neoliberal, cujas políticas estão em pleno desenvolvimento. (AZEVEDO,
2001, p. 145)
O ideário político que molda o Estado em cada período histórico é refletido no campo
educacional através dos discursos presentes nos documentos oficiais, como a legislação e as
reformas implementadas. Segundo Oliveira (2001), há uma distinção entre três períodos de
importantes movimentações no campo da educação brasileira. A autora toma tais períodos como
referência e divide-os denominando-os como:
•
1ª referência: anos 50 até meados de 70 – Educação e desenvolvimento;
•
2º referência: meados de 70 até final dos 80 – Educação e democracia;
•
3ª referência: anos 90 – Educação e equidade social.
A noção de educação e desenvolvimento para Oliveira (2001, p. 71) se justifica em função
dos anos 50 consolidarem o esgotamento de êxito através da pequena propriedade, da tentativa no
Brasil de “modernização da economia através da in dustrialização, o que exigiu da classe
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trabalhadora melhores e maiores quesitos educacionais”. Justificando “no imperativo de
organizar os sistemas de ensino de acordo com as demandas do mercado de trabalho dentro do
padrão de industrialização emergente”. Considerando ainda a educação formal como um
“elevador social”. A autora citada assinala que
O vínculo direto entre escolaridade e trabalho, em decorrência da relação
educação e desenvolvimento, é forjado a partir daí, o que pode ser percebido no
texto da primeira LDB nº. 4024, de 1961. Tal relação intensifica-se durante o
regime autoritário, que tem lugar no Brasil a partir de 1964, apresentando a
educação como investimento produtivo, como ficou expresso na lei 5692, de
1971. (OLIVEIRA; DUARTE, 2001, p. 71)
Na referência à relação entre educação e democracia, Oliveira e Duarte (2001, p. 72)
destaca que no Brasil, na década de 70 e início dos anos 80, em decorrência da ampliação do
direito à educação, conforme a Lei 5692/71, há um crescimento súbito da estrutura educacional
no país de maneira desordenada, marcada pelas contradições do regime militar, combinando
descentralização administrativa, com planejamento centralizado. Destaca ainda, que neste
período, a organização do sistema nacional de educação, traz na sua gestão, o autoritarismo e
verticalismo. Outro ponto a considerar, é a interferência do planejamento econômico na gestão
da educação. Há também, no final da década de 70, um movimento em defesa da educação
pública e gratuita, extensiva a todos se contrapondo á dissociação entre planejamento econômico
e social. A consolidação da ampliação da educação básica, incluindo agora a educação infantil,
ensino fundamental e médio, envolvendo a gestão democrática, são enfatizadas na Constituição
Federal de 1988. Dessa forma, a autora afirma:
A principal característica desse processo foi a discussão do direito à igualdade. Se
a educação do ponto de vista econômico era imprescindível para o
desenvolvimento do país, do ponto de vista social era reclamada como a
possibilidade de acesso das classes populares ás melhores condições de vida e
trabalho. (OLIVEIRA; DUARTE, 2001, p. 73).
Na terceira referência, a relação entre educação e equidade social terá seu traço marcante,
para Oliveira (2001, p. 74), como “uma educ ação que responda às exigências do setor produtivo
(gestão do trabalho) e outra que atenda às demandas da maioria (gestão da pobreza)”. Salienta a
complexidade do conceito de equidade social, como aparece nos documentos da Conferência
Mundial Sobre Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jomtien - marco das reformas
educacionais; pois “sugere a possibilidade de estender certos benefícios obtidos por alguns
grupos sociais á totalidade das populações, sem, contudo, ampliar na mesma proporção as
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despesas públicas para esse fim”. (idem, p. 74). Dessa maneira, “[...] educação com equidade,
implica oferecer o mínimo de instrução indispensável às populações para sua inserção na
sociedade atual”. A mudança do foco da educação como um direito de todos e proporcio nadora
de uma vida melhor, muda o eixo econômico da escolarização para um ponto mais político
centrado na idéia de sociedade civil, cidadania e participação. Oliveira afirma que a idéia
econômica estará preservada, pois continua a preocupação com a educação básica originadora de
força de trabalho apta ao mercado; salientando que o caráter profissional dessa educação básica,
devido às mudanças no processo produtivo tecnológico, passa a exigir um novo perfil
profissional focado não mais em saberes específicos, mas em modelos de competências, que
resulte num ser flexível e adaptável.
Nesse sentido, as palavras de Oliveira e Duarte (2001, p. 75) são as seguintes:
As orientações para as reformas educacionais dos anos 90 resguardam a
possibilidade de continuar a formar força de trabalho apta ás demandas do
setor produtivo, e no lugar da igualdade de direitos oferecem a equidade
social, entendida como a capacidade de estender para todos o que se
gastava só com alguns.
4. REFORMA EDUCACIONAL DOS ANOS 90
No início da década de 90, segundo Silva Júnior (2002, p-76-77) no contexto das reuniões
mundiais organizadas pela Unesco, em geral com financiamento e assessoria do Banco Mundial,
desencadeou um processo de reformas educacionais, na América Latina e particularmente no
Brasil. As orientações para a implantação dessas reformas se fizeram através de documentos
políticos: Declaração mundial sobre educação para todos, de Jomtien (UNESCO, 1990); a
Declaração de Nova Delhi (UNESCO, 1993); salientando que “os compromissos a ssumidos por
meio de tais documentos internacionais, com as agências internacionais, aqui com destaque para
as de ordem financeira, deve realizar-se sob a orientação de um ajuste estrutural no país”.
(SILVA JÚNIOR, 2002, p.109-110).
No Brasil, na esfera educacional, o documento Plano decenal de educação para todos
(1993-2003), “é a expressão brasileira do movimento planetário orquestrado pela Unesco,
Bird/Banco Mundial e assumido como orientador das políticas públicas para a educação [...]”
conforme afirma Silva Júnior (2002, p. 78). Destacando o mesmo autor que as reformas
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envolvem todos os níveis e modalidades de ensino, com diretrizes curriculares, referenciais
curriculares e os parâmetros curriculares nacionais. E que na esfera executiva, as reformas se
refletirão no documento Planejamento político-pedagógico 1995/1998, do Ministério da
Educação.
Silva Júnior (2002, p.76) enfatiza a maneira como o documento Plano decenal de
educação para todos, publicado pelo MEC, foi apresentado e dirigido aos professores e dirigentes
escolares, sem discussão com coletivos (secretarias estaduais, associações docentes, profissionais
e científicas), sem reflexões sobre a educação brasileira. Afirma o autor:
O movimento que resultou no Plano...mostra de forma clara o papel de alguns de
nossos intelectuais na legitimação dessa nova cultura política caracterizada pela
legitimação de uma ciência mercantil e uma redução instrumental e não reflexiva
de sua identidade. Afirma-se isso porque se trata da ciência que não faz crítica de
forma distanciada, mas da ciência engajada em um projeto político, portanto,
instrumental e produzida para o fim desse projeto político. (SILVA JÚNIOR,
2002, p. 79)
Considerando, que as reformas educacionais, são influenciadas através da assessoria e do
financiamento de agências internacionais, principalmente Banco Mundial, Silva Junior, alerta que
se tratando de um Banco, as políticas públicas formuladas, devem-se orientar com base em algum
critério, e que “[...] o Banco Mundial tem como critério a eficiência, a eficácia, a produtividade:
razão mercantil, o que implica dizer que o critério fundamental é a razão de proporcionalidade
custo/benefício, sem a menor preocupação com a formação humana. (nosso grifo) (Idem,
2002, p. 121, grifo nosso).
A descentralização, a flexibilidade dos currículos, a autonomia das unidades escolares, o
estabelecimento de um processo de avaliação externa sobre os sistemas de ensino, são alguns dos
conceitos e incorporados nas reformas mais recentes dos sistemas de ensino. Martins, assinala
que:
Esses conceitos encontram correspondência no conceito de descentralização das
grandes corporações industriais, na autonomia relativa de cada fábrica em função
do processo de desesterritorialização das unidades de produção e/ou de
montagem, na flexibilidade da organização produtiva para ajustar-se á
variabilidade de mercados consumidores. Com efeito, as reformas das políticas
setoriais estão baseadas nas reformas das estruturas e aparato de funcionamento
do Estado, por meio de um processo de desregulamentação na economia, da
abertura de mercados, da reforma dos sistemas de previdência social, saúde, e
educação, dentre outros, sob a justificativa de descentralizar seus serviços e,
conseqüentemente, de otimizar seus recursos. (MARTINS, 2002, p. 88)
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As diretrizes internacionais insistem na defesa da descentralização de suas políticas
sociais e no consentimento de autonomia à rede de escolas, principalmente no que refere á sua
organização curricular e administrativa, mas, ao mesmo tempo, em sentido contrário, aderem o
processo de avaliação externa dos sistemas de ensino – com base em exames e testes
padronizados -, estabelecem fórmula única de currículos em âmbito nacional e (re) centralizam o
fluxo de financiamento. Nesse sentido, na opinião de Martins (2002, p.115-116), o processo de
descentralização – ao que tudo indica mais próximo à operacionalização de medidas de
desconcentração administrativa – aparece como norte das políticas educacionais recentes,
contrapondo à excessiva centralização das políticas sociais implantadas anteriormente, e
utilizando, de forma equivocada, como sinônimo de autonomia das próprias unidades escolares.
Portanto, as reformas educacionais na América Latina, e particularmente no Brasil,
segundo Silva Junior (2002, p. 76)
[...] são uma intervenção consentida realizada pelas autoridades educacionais nos
moldes das agencias multilaterais, no contexto da universalização do capitalismo,
direcionadas por uma razão instrumental e pela busca de consenso social geral,
que se constitui no epicentro de um processo de mercantilização da esfera política,
em geral, e da esfera educacional em particular – lócus privilegiado, para o
Estado, de formação do ser social, portanto, de construção de um novo pacto
social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos considerar a reforma educacional dos anos 90, marcada por ambigüidades e
contradições que atravessam as políticas educacionais. Nossa visão não pode ficar restrita aos
aspectos inovadores das terminologias e do discurso. Temos que considerar o “peso” da
globalização e consolidação do sistema econômico capitalista, através das transformações nos
processos produtivos, como pano de fundo, refletindo nas várias reformas.
Na reforma do Estado: - a transformação e redefinição na sua configuração, natureza e
funções que diante da reorganização capitalista que se configura na afirmação de um novo
modelo econômico (neoliberalismo), substituindo o modelo do capitalismo social (o “Welfare
State”) que vigorava desde o período pós -guerra, conforme colocado por (STARK, 1999, p. 69),
na direção de reduzir a presença do Estado nas políticas sociais – a chamada proposta moderna
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do Estado mínimo - expressas através das políticas adotada; faz com que o Estado deixe de ser o
principal executor e passe a constituir uma instância coordenadora e controladora através de
mecanismos como Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE). Ao mesmo
tempo em que desenvolve um discurso voltado para descentralização (que implicaria na
transferência das parcelas de decisão) se observa um processo de desconcentração (mudanças no
espaço físico-territorial) percebidos através da regionalização e municipalização dos sistemas de
ensino, com base em modelos indicados pelos países desenvolvidos. (MARTINS, 2001, p 29-48)
Na reforma do sistema educacional: - a autonomia escolar aparece como instrumento
descentralizador, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, “os programas de reforma
consolidam o processo de avaliação externa sobre os resultados obtidos na aprendizagem de
alunos, com base em testes padronizados, normatizam currículos em âmbito nacional e (re)
centralizam o fluxo de financiamento” (MARTINS, ibidem). Percebe -se a incorporação da forma
de gestão utilizada pela iniciativa privada, predominando critérios como eficiência, eficácia,
produtividade –, para aferir a capacidade da esfera educativa através da divisão dos recursos pelo
custo-aluno, além de conduzirem a escola como obrigação de preparar para o mercado de
trabalho.
Mudanças no perfil profissional do indivíduo: considerando sua formação atrelada ao
processo produtivo, desde que atenda ao mercado de trabalho; enfatizando o desenvolvimento de
conceitos como competência e empregabilidade – focando o individualismo, a competição, onde,
– “o modelo de competência implica a exacerbação dos atributos individuais em detrimento das
ações coletivas na construção das identidades e espaços profissionais [...]”, (FERRETTI, 2003, p.
47)
Portanto, considerando ainda, a interferência das agências multilaterais, como principais
agentes do movimento de reformas, pois elaboram as estratégias e diretrizes a serem seguidas,
tratam os países subdesenvolvidos de forma homogênea, desconsiderando muitas das históricas
diferenças entre as nações, as quais como salienta Silva Júnior (2002, p. 65) “ [...] a elas são
impostos determinados valores e entendimento da realidade [...]” .
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Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, Ourinhos/SP, Nº 03, 2005
REFERÊNCIAS
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FOGAÇA, Azuete. Educação e qualificação profissional nos anos 90: o discurso e o fato. In:
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FREITAG, Bárbara.Escola, Estado e Sociedade. São Paulo:Moraes, 1986. p. 27-43
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Reforma do sistema educacional dos anos 90