N º 3 5 - D e z e m b r o 2 0 0 5 Recentemente os media dedicaram alguma atenção ao assunto “margens de refinação”. Mas, se analisarmos retrospectivamente as inúmeras ocasiões em que a Indústria Petrolífera é citada nesses meios, concluímos que normalmente só se aborda o preço do crude e o preço nas bombas. A refinação – que é uma parte importantíssima da cadeia de valor do petróleo – raramente é citada quando, afinal, são os preços à saída das refinarias que mais influenciam os preços dos combustíveis que os consumidores compram. Resulta, portanto, que achamos de interesse dedicar esta FOLHA à refinação, com o objectivo de disponibilizar informação que torne mais perceptível a sua articulação com o marketing dos produtos. Dimensão do Mercado Nacional • O consumo de derivados do petróleo no mercado português atingiu, em 2004, os valores seguintes: Fonte: DGGE Produto Quantidade (milhares de toneladas) Gasolina 1.925 Gasóleos 5.354 Gasóleo aquecimento 202 Jets 820 GPL 944 Bancas marítimas 654 Fuel óleo industrial Outros Total 2.172 3.132 15.203 Nota: Sob a designação de “Outros” incluem-se químicos, solventes, betumes, resíduos AV, parafinas, nafta química, coque de petróleo e lubrificantes. Av. Engº Duarte Pacheco - Amoreiras - Torre 2, 6º piso, sala 1 - 1070-102 LISBOA Telef. 213 844 065 • Fax 213 844 075 • E-mail: [email protected] O aparelho refinador nacional assegurou 75% destas necessidades, sendo os restantes 25% - essencialmente consituidos por gasóleo, GPL, fuel óleo, betumes e coque de petróleo - cobertos por importações. Estrutura do aparelho refinador nacional O aparelho refinador nacional é constituído pelas refinarias de Sines e Porto. A refinaria de Sines, processualmente orientada para a produção de combustíveis, dispõe duma capacidade projectada de destilação primária de 10 milhões de toneladas/ano. A sua configuração processual permite maximizar a obtenção de gasolina (gasoline orientated) dispondo, para isso, de meios de conversão catalítica que permitem a obtenção de componentes de gasolina a partir das fracções pesadas do petróleo bruto. Esta aptidão processual permite reduzir a produção de fuel óleo e acrescentar mais valor à produção por tonelada de petróleo bruto tratada. A refinaria do Porto, destina-se especialmente à produção de especialidades, designadamente aromáticos de base para petroquímica (petrochemical feedstocks) e óleos bases e lubrificantes. Produz ainda combustíveis, dispondo duma capacidade de desenho de destilação primária de 4,5 milhões de toneladas/ano. • O balanço material integrado de ambas as refinarias, referente ao ano 2004, consolida os valores seguintes: Fonte: Galpenergia Quantidade (milhares de toneladas) A - Matérias Primas Crudes Outras Matérias Primas Total 12.720 1.007 13.727 B - Produtos Mercado Nacional 11.356 Exportação 2.173 Importação 571 • A taxa de utilização média das refinarias atingiu 94% da capacidade instalada de destilação primária, reflectindo um bom desempenho da operação e uma boa qualidade de manutenção das instalações. • A matéria prima utilizada compreendeu misturas, de composição variável, de crudes leves (50%), médios (34%) e pesados (16%), com teores de enxofre diferenciados, por forma a aproximar o perfil das produções às necessidades do mercado, em quantidade e qualidade. Perfis de Produção e de Mercado Fonte: Galpenergia PERFIL DE PRODUÇÃO (%) PERFIL DO MERCADO (%) 45,0 52,0 25,9 21,1 17,4 3,6 3,2 4,9 16,6 5,3 4,3 Outros Fueis Destilados Médios Aromáticos Gasolinas Gases Outros Fueis Destilados Médios Aromáticos Gasolinas Gases 0,7 • A origem dos crudes é muito diversificada, podendo referir-se como áreas predominantes de aprovisionamento, a Arábia Saudita, México, Venezuela, Brasil, Nigéria, Mar do Norte, Rússia, Argélia, entre outros. Enquadramento Ibérico e Europeu A dimensão do mercado europeu de produtos refinados cifra-se em cerca de 690 milhões de toneladas/ano, estimando-se que no período 2005-2020 cresça a uma taxa relativamente modesta de 0,7% ao ano. A maior parte deste crescimento terá lugar em países da Europa Central e de Leste, onde o previsível desenvolvimento económico irá provocar um crescimento da procura de derivados do petróleo. Entretanto, o perfil do mercado vem-se alterando gradualmente. A gasolina continua a registar um modesto declínio no consumo, enquanto que a procura de destilados médios (Gasóleo e Jet) continua a crescer; o consumo de fuel óleo industrial, incluindo as bancas marítimas, continua a diminuir progressivamente. Refined Product Demand Fonte: Purvin&Gertz Last Revised October 2005 Other 18% Other 19% HFO 19% Gasoline 17% Gasoline 21% Kero 10% Gasoil/Diesel 36% 1995 HFO 12% Gasoline 10% Kero 7% Kero 6% Other 21% HFO 15% Gasoil/Diesel 42% 2005 Gasoil/Diesel 47% 2020 Nota: O valor agregado gasoil/diesel reflecte simultaneamente o declínio do gasóleo de aquecimento e o forte crescimento do gasóleo motor. Actualmente as refinarias europeias experimentam um aumento da sua taxa de utilização para o máximo sustentável, devido ao crescimento da procura de derivados de petróleo nos mercados mundiais, designadamente nos EUA. Apesar disto, verifica-se, por parte dos refinadores, uma elevada prudência na avaliação do comportamento dos mercados, pelo que ainda não se registaram quaisquer iniciativas de ampliação significativa da capacidade de destilação primária instalada. Até à data, foram realizados apenas alguns “debottlenecks” de capacidade, apostando as companhias mais na importação de produto em vias de fabrico (feedstocks), particularmente da Rússia, para adequar a produção às necessidades dos mercados. A generalidade das refinarias europeias está projectada para maximizar a produção de gasolinas; todavia, a evolução dos mercados tem vindo a contrariar os propósitos desta opção, na medida em que se assiste a um crescimento progressivo da procura de gasóleo e um declínio do consumo de gasolina; esta situação está a gerar um défice crónico de gasóleo no espaço europeu (cerca de 20 milhões de toneladas/ano) compensado à custa de importações, e um excedente de gasolinas (30 milhões de toneladas/ano) que actualmente, é exportado para os EUA. Não surpreende, portanto, que actualmente se assista ao lançamento de iniciativas de reformulação do processo (dieselização do aparelho produtivo) que passam pelo aumento da capacidade de conversão dos destilados pesados em destilados médios. O panorama ibérico não é diferente do contexto europeu mais alargado. As refinarias ibéricas, designadamente as portuguesas, têm em marcha projectos de aumento da capacidade de conversão e de maior flexibilização processual, por forma a aproximar o seu perfil de produção às necessidades dos mercados. Margens de Refinação – evolução recente e futura As margens de refinação são fortemente influenciadas pelo tipo de refinaria (nível de complexidade processual) pelas cotações dos produtos petrolíferos, pelos diferenciais de preços para os petróleos brutos e pela proximidade aos mercados consumidores. Quanto maior for a complexidade processual duma refinaria, isto é, quanto maior for a sua aptidão para converter as fracções pesadas do crude, maior será a margem gerada. As margens net (margem depois de deduzidos os custos fixos e variáveis) históricas e previstas até 2020, são graficamente representadas na figura abaixo. Margens de Refinação Noroeste da Europa Fonte: Purvin&Gertz CIF NWE REFINING MARGINS Last Revised October 2005 (Forecast in Constant 2005 Dollars per Barrel) 8.00 6.00 4.00 2.00 0.00 (2.00) 1985 1990 1995 Sweet/Sour Hydrocracking 2000 2005 Sweet/Sour Cat Cracking 2010 2015 Sweet Hydroskimming Nota: As margens são calculadas numa base CIF por forma a corresponder à alternativa de importação dos produtos necessários ao mercado. 2020 A margem “catalitic cracking” reflecte os ganhos das fortes exportações de gasolina para os EUA; a margem “hydrocracking”, particularmente a partir de 2004, beneficia do forte aumento da cotação do gasóleo e do jet nos mercados europeus. A margem “hydroskimming” (refinaria sem conversão) ilustra bem as vantagens da existência de sistemas de conversão. Correlação entre margens e preços de crudes Não é possível estabelecer uma correlação consistente entre a cotação dos crudes e as margens de refinação. As variações de cotação dos crudes nem sempre são acompanhadas por variação equivalente nas margens, verificando-se, muitas vezes, que estas reagem em contraciclo. Os preços dos crudes e o valor das margens dependem de numerosos factores, designadamente: • Crescimento das economias regionais, designadamente das dos países em vias de desenvolvimento, que necessitam de grandes quantidades de energia para o seu desenvolvimento; • Cartelização da maioria dos países produtores; • Conflitos regionais de natureza militar e/ou política; • Incerteza, na área de segurança quanto à funcionalidade dos meios logísticos de aprovisionamento de matérias primas; • Restrições ou impedimentos ao trânsito de matérias primas por problemas de natureza geopolítica; • Paragem de refinarias por período significativo (acidentes, paragens gerais, etc) • Alterações de qualidade dos produtos por imperativos ambientais; • Actos da natureza (tufões, inundações, etc); • Especulação nas bolsas de matérias primas e produtos acabados; A recente onda altista dos preços do crude é fundamentalmente devida à forte subida da procura associada ao crescimento das economias da China e da Índia; as cotações altas dos produtos são consequências das elevadas importações realizadas pelos EUA, na sequência dos sucessivos desastres naturais que afectaram as suas infraestruturas de produção e de refinação, as quais mesmo em situações de normalidade, são insuficientes para abastecer o mercado interno. Crescimento da procura do crude a nível mundial Central & South America 7% Europe 0% FSU East 5% World Oil Demand Growth 2005: North America 15% 1.42 million b/d or 1.7% Africa 6% Asia 45% Europe -5,000 b/d FSU East 76,000 b/d Asia 634,000 b/d Middle East 301,000 b/d Africa 87,000 b/d North America 218,000 b/d Central & South America 107,000 b/d Middle East 22% Projecções para o período 2005-2020 Em situações anteriores de crise, o mercado de produtos petrolíferos sempre reagiu de forma a estabelecer um novo equilíbrio, quer por redução compulsiva dos consumos através de medidas oficiais de racionalização do uso da energia, quer por atitude voluntária do consumidor. Actualmente, já se manifestam sinais de contracção dos consumos que irão trazer consequências na fixação dos preços. Entretanto, como era expectável, já se regista um certo esfriamento do crescimento económico da China e da Índia, que vai repercutir-se no mercado dos crudes. Por outro lado, a entrada em serviço a breve prazo, dos oleodutos na zona do Cáspio e uma maior oferta de crudes canadianos obtidos a partir de areias betuminosas, vão alterar o balanço da ofertaprocura nos mercados mundiais. Associado a este crescimento da oferta de crudes, prevê-se, ainda, que ocorra a modernização das refinarias russas e da Europa central e a ampliação de capacidade da refinação dos EUA, o que irá alterar significativamente o panorama da oferta de destilados. Com base nestes pressupostos, reputados analistas do mercado petrolífero, apontam para uma estabilização dos preços de crude, para o horizonte 2005-2020, à volta dos 40 USD/bbl e margens net de refinação (refinaria de conversão) próxima do 2-3 USD/bbl. As margens net médias para o período, para refinarias de hydroskimming, manter-se-ão no breakeven ou negativas. Northwest Europe Product Prices(1) (Current Dollars) Fonte: Purvin&Gertz 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2015 2020 LPG 303 235 235 288 381 480 490 408 355 317 307 341 402 Naphtha 265 219 223 274 377 470 467 388 338 302 293 325 383 Premium 0.15g/l 309 261 253 303 409 514 508 422 369 331 322 357 419 Regular Unleaded (2) Euro Unleaded (2) 292 249 246 295 400 506 500 413 360 322 313 347 408 304 255 247 297 403 508 502 416 362 325 315 350 411 Super Unleaded (2) 343 297 287 330 428 534 531 443 390 353 344 382 448 Kerosene 295 244 233 282 399 548 530 433 374 333 322 357 422 Diesel EN590 (3) 276 236 222 275 374 528 503 412 364 324 315 350 413 Diesel 10ppm Gasoil (4) – – – 308 399 532 507 418 364 324 315 350 413 259 221 211 260 357 496 477 389 336 297 287 319 377 RFO, 1%S 161 129 145 173 174 266 273 214 186 165 159 182 223 RFO, 3.5%S 132 109 127 145 149 236 242 188 160 138 131 152 190 Last Revised October 2005 Current Dollars per Tonne Nota: (1) (2) (3) (4) Cargoes CIF Rotterdam Based on maximum gasoline sulfur content of 150ppmw from 2000-2003; 50ppmw from 2004-2006; 10ppmw from 2007. Based on maximum diesel sulfur content of 350ppmw from 2000-2003; 50ppmw from 2004-2006; 10ppmw from 2007. Based on maximum gasoil sulfur content of 0.2% through 2006; 0,1% from 2007. Evidentemente que a quadro acima não é mais que uma previsão, das várias que são disponibilizadas à indústria petrolífera por analistas muito especializados. Previsões deste tipo constituem um instrumento muito importante para a actividade de refinação, que requer contínuos e muito elevados investimentos para que possa responder eficazmente às necessidades dos mercados. Esperamos que esta FOLHA tenha, de algum modo, contribuído para dar a conhecer um pouco melhor esta faceta da actividade petrolífera que, em última análise, é a responsável por colocar à disposição de todos nós, consumidores, os produtos necessários ao nosso dia a dia.