Auto da Barca do Inferno
Gil Vicente
 A Divina Comédia, Dante Alighieri
• O poema, no seu conjunto, é a história da conversão do pecador a
Deus.
• O poeta tencionava fazer da "Divina Comédia" principalmente sua
obra de doutrina e de edificação, uma "Suma" que compreendesse
o saber do seu tempo, da ciência à filosofia e à teologia.
• Por isso, o poema é repleto de significados alegóricos e ainda
morais.
• Assim, por exemplo, Virgílio, que cantou os ideais de paz e justiça
do Império Romano no tempo de Augusto, e que guia o poeta
através do Inferno e do Purgatório, simboliza a razão integrada com
a sabedoria moral, e é também a voz da própria consciência de
Dante.
• Beatriz, a mulher amada que o guia no Paraíso, é a sabedoria cristã
iluminada pela graça, a suprema sabedoria dos santos, a única que
pode levar a Deus.
• Tudo no poema é perfeita construção alegórica, e nisto Dante limitase a respeitar as regras do seu tempo: pois quantas não são de fato
as obras medievais que referem as viagens ultraterrenas,
devidamente arquitetadas para edificação do pecador?
• Só que, no poema dantesco, há um sutil artifício que permite ao
poeta encerrar nos seus cantos também a história do seu tempo.
• Dante imagina fazer uma viagem em 1300 e portanto refere
naturalmente tudo quanto aconteceu antes desta data; mas,
reconhecendo aos mortos a capacidade de prever o futuro, põe-nos
a profetizar os acontecimentos públicos e particulares que não
deseja deixar em silêncio.
 Elogio da Loucura, Erasmo de Rotterdan
“Mas, para responder aos que poderão me acusar de ter sido satírico,
sustento que sempre foi permitido aos homens de letras gracejar
sobre a vida humana, desde que esse gracejo não degenere em
raiva ou furor. (...) Mas aquele que critica a vida humana, sem
atacar ninguém em particular, não parece querer antes advertir e
repreender por conselhos do que ferir pela sátira? Aliás, quantas
vezes não sou eu mesmo atacado? Aquele que não poupa
nenhuma condição humana faz ver claramente que são os
vícios, e não os homens, que ele critica. Se houver portanto
alguém que pense que o ofendi nessa brincadeira, então é que ou
sua consciência o acusa em segredo, ou que ele teme que o
público possa acusá-lo.”
• Na obra citada, ao narrar que foi amamentada pela Embriaguez e
Ignorância, podemos perceber claramente o caracter irônico e ao
mesmo tempo crítico de Erasmo: a Loucura entidade que só fala a
verdade, foi sustentada quando pequena pela Embriaguez e pela
Ignorância, entidades tidas como coisas negativas na época em que
o autor vive mas que ao mesmo tempo legitimam a Loucura como
portadora da verdade.
• Depois, a Loucura apresenta as suas sete ajudantes: Amor Próprio,
Lisonja, Esquecimento, Preguiça, Volúpia, Irreflexão, Languidez.
• É importante lembrar que todas essas ajudantes se vinculam à
verdade que a Loucura representa.
 Intertextualidade
• No Inferno da Divina Comédia, de Dante Alighieri, as almas dos
condenados se acham enredadas nos mesmos pecados que
praticavam na vida: os arrogantes estão afundados em sua
arrogância; os maldizentes estão envolvidos em uma língua de
fogo, etc. No Inferno de Gil Vicente ocorre algo semelhante: os
pecadores não se desligam dos objetos de seus pecados, ou seja,
eles chegam para o julgamento trazendo os objetos que lhes
fizeram pecar em vida.
• A obra O Elogio da loucura, de Erasmo de Rotterdan, apresenta
uma postura reformista, mesma característica que podemos
observar na obra de Gil Vicente.
I. Contexto Histórico e Movimento Literário
• Transição do Feudalismo para o Mercantilismo
• Grandes navegações
• Crise do teocentrismo e ascensão do racionalismo.
• Preparo para o Renascimento
• Revolução de Avis: comprometimento do rei com a burguesia
mercantilista
II. O Autor
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Criador do teatro português: 1502 – Auto da Visitação
Crítica às camadas sociais: nobreza, clero e povo.
Amplitude temática
Mistura de elementos sérios e cômicos
Possui grande religiosidade
Demonstra grande carinho e defende o lavrador (vítima da
exploração)
Teatro de alegorias
Teatro de tipos: grande galeria de tipos sociais, sem
profundidade psicológica.
Teatro de quadros: sucessão de cenas independentes
(Sketches)
Ruptura com a linearidade do tempo
Despreocupação com a verossimilhança
Teatro cômico e satírico
Importante:
 Características medievais: religiosidade, redondilhas,
ruptura com as três unidades do teatro clássico:
• unidade de ação: a peça deve organizar-se em torno de
uma só ação principal;
• unidade de tempo: a ação deve restringir-se a um dia ou
pouco mais;
• unidade de lugar: a ação deve passar-se em um ou pouco
lugares.
 Características
humanistas:
presença
de
figuras
mitológicas, crítica social, espírito reformista, etc.
III. A Obra e seu Estilo
• O auto possui versos, em sua grande maioria, redondilhos
(maiores e menores).
• Os versos são rimados entre si e organizados em oitavas.
• Esquema de rimas, geralmente, é: ABBAACCA.
• A obra capta uma imensa variedade de registros de
linguagem: linguagem rústica, linguagem nobre, linguagem
afetada, linguagem semiculta e culta,etc.
• As personagens utilizam as formas lingüísticas próprias do
seu meio social.
• Assim encontraremos em suas peças variações do
português: vulgar, médio, elegante ou pseudo-elegante,
erudito ou pseudo-erudito, com muitos arcaísmos, que eram
correntes na linguagem popular.
• Também encontraremos o espanhol e o saiaguês(dialeto
rústico)
• O objetivo do auto é moralizador, mas não se pode negar
que, além disso, traz consigo uma faceta que o
dramaturgo desenvolveu com capacidade ímpar: divertir
enquanto critica fazer rir dos deslizes alheios como modo
de educar os costumes da época.
• Ninguém estava livre de críticas, sobretudo as que
resultavam dos comportamentos individuais como o
adultério, os jogos de interesse, o furto, as feitiçarias, a
incompetência, a vaidade, a presunção, a burrice, a
ambição, o orgulho e a falta de compreensão do mundo.
• Estrutura: peça teatral em um único ato, subdividido em
cenas marcadas pelos diálogos que o Anjo ou o Diabo
travam com os personagens.
IV. O Enredo
• Duas barcas, uma do inferno e outra do céu (ou Glória),
chegam a um ancoradouro onde devem esperar pelas almas
dos que “por morte de seus corpos terrestres”, conforme
indicação do autor, partem.
• Ali, os barqueiros julgarão tais criaturas, segundo o que elas
fizeram quando vivas e de acordo com aquilo que suas vidas
indicam.
• Julgam, está claro, sob os critérios do cristianismo católico da
época.
V. Analisando personagens
 Fidalgo: representa a nobreza, que chega com um pajem,
uma roupagem exagerada e uma cadeira de espaldar.
• A cadeira, que em vida representava o status social superior
do fidalgo, agora na morte representa do seu apego aos bens
materiais da vida e sua ilusão de que, mesmo no inferno, ele
possa continuar a desfrutar de privilégios que o colocam
acima dos demais homens.
• O diabo alega que o Fidalgo o acompanhará por ter tido uma
vida de luxúria e de pecados.
• Ao Fidalgo, nada lhe valem as “compras” de indulgências, ou
orações encomendadas.
• A crítica à nobreza é centrada nos dois principais defeitos
humanos: o orgulho e a prática da tirania.
 Onzeneiro: o segundo personagem a ser inquirido é o
Onzeneiro, usurário que ao chegar à barca do Diabo
descobre que seu rico dinheiro ficara em terra.
• Utilizando o pretexto de ir buscar o dinheiro, tenta
convencer o Diabo a deixá-lo retornar, mas acaba
cedendo às exigências do julgamento.
• Bolsão significa, denotativamente, bolsa grande (dentro
da qual está o dinheiro do Onzeneiro).
• Conotativamente, significa a grandeza da usura,
censurada pelo Anjo.
 Parvo: um dos poucos a não ser condenado ao Inferno.
• O Parvo chega desprovido de tudo, é simples, sem malícia e
consegue driblar o Diabo, e até injuriá-lo.
• Ao passar pela barca do Anjo, diz ser ninguém.
• Representa o agricultor pobre e oprimido, explorado pelos
seus senhores, que eram os donos da terra (Senhores
Feudais).
• Em sentido mais amplo, representa os pobres, desvalidos e
ignorantes em geral, vítimas da injustiça e da ambição
desmedida das classes dominantes.
• Por sua humildade e por seus verdadeiros valores, é
conduzido ao Paraíso.
 Sapateiro: representante dos mestres de ofício, que chega à
embarcação do Diabo carregando seu instrumento de
trabalho, o avental e as formas.
• Engana na vida e procura enganar o Diabo, que
espertamente não se deixa levar por seus artifícios.
 Frade: como todos os representantes do clero, focalizados
por Gil Vicente, o Frade é alegre, cantante, bom dançarino e
mau-caráter.
• Acompanhado de sua amante, o Frade acredita que por ter
rezado e estar a serviço da fé, deveria ser perdoado de seus
pecados mundanos, mas contra suas expectativas, é
condenado ao fogo do inferno.
• Deve-se notar que Gil Vicente desfecha ardorosa crítica ao
clero, acreditando-o incapaz de pregar as três coisas mais
simples: a paz, a verdade e a fé.
 Brísida Vaz: misto de alcoviteira e feiticeira.
• Por sua devassidão e falta de escrúpulos, é condenada.
• Há um jogo com a palavra Conversão, que, no sentido
religioso, significa conduzir de uma a outra religião e, no
sentido profano, significa fazer passar de uma a outra
condição.
• Personagem interessante que faz o público leitor conhecer a
qualidade moral de outros personagens que com ela se
relacionaram.
 Judeu: entra acompanhado de seu bode.
• Deplorado por todos, até mesmo pelo Diabo que quase se
recusa a levá-lo, é igualmente condenado, inclusive por não
seguir os preceitos religiosos da fé cristã.
• Bom lembrar que, durante o reinado de D. Manuel, houve
uma perseguição aos judeus visando à sua expulsão do
território português; alguns se foram, carregando grandes
fortunas; outros, converteram-se ao cristianismo, sendo
tachados cristãos novos.
• Os preconceitos da época revelados:
 Considerar o Judaísmo como um crime (bode);
 Crença de que o Judeu teria no poder do dinheiro;
 Críticas do Parvo que acusa o Judeu de desrespeitar a
religião católica.
 Corregedor e o Procurador: ambos representantes do
judiciário.
• Juiz e advogado deviam ser exemplos de bom
comportamento e acabam sendo condenados justamente por
serem tão imorais quanto os mais imorais dos mortais,
manipulando a justiça de acordo com as propinas
recebidas. (Corrupção)
 Enforcado: chega ao batel, acredita ter o perdão garantido:
seu julgamento terreno e posterior condenação à morte o
teriam redimido de seus pecados, mas é condenado também
a ir para o Inferno.
 Cavaleiros: finalmente chegam à barca quatro cavaleiros
cruzados, que lutam pelo triunfo da fé cristã e morrem em
poder dos mouros.
• Obviamente, com uma ficha impecável, serão todos julgados
e perdoados.
VI. Observação Final
• Cada um dos personagens focalizados adentra a morte com
seus instrumentos terrenos, são venais, inconscientes e por
causa de seus pecados não atingem a Glória, a salvação
eterna.
• Destaque deve ser feito à figura do Diabo, personagem
vigorosa que conhece a arte de persuadir, é ágil no ataque,
zomba, retruca, argumenta e penetra nas consciências
humanas.
• Ao Diabo cabe denunciar os vícios e as fraquezas, sendo o
personagem mais importante na crítica que Gil Vicente tece
de sua época.
• Bibliografia:
1. Auto da Barca do Inferno – Análise da Obra – Prof. Francisco Achcar Sistema de Ensino Objetivo
2. www.portrasdasletras.com.br
3. Auto da Barca do Inferno – Gil Vicente - Editora Objetivo
4. Elogio da Loucura. Erasmo de Rotterdan.
Editora L&PM POCKET. 2003.
 Observação: as referências acima não seguem o padrão da ABNT por
opção do professor.
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