O Direito de Morar em Salvador - O Acesso dos Sem Teto ao Programa Minha Casa
Minha Vida
Autoria: Maria Elisabete Pereira dos Santos, Rosely de Fátima Afonso, Suely Maria Ribeiro,
Luiz Cezar dos Santos Miranda, Renata Alvarez Rossi
Propósito Central do Trabalho:
Esse trabalho discute as formas de acesso dos Sem Teto de Salvador ao programa Minha Casa
Minha Vida, destacando o significado social e político da conquista da moradia como também
as limitações decorrentes das atuais formas de inserção socioeconômica dos Sem Teto e do
aprofundamento da segregação socioespacial, resultado da política habitacional implementada
pelo atual governo. Especificamente, discutiremos se o acesso ao Programa Minha Casa
Minha Vida assegura o direito a moradia dos Sem Teto em Salvador e afirmamos a tese de
que o acesso a casa, sonho dos moradores das ocupações, corre o risco de se tornar em um
pesadelo, pela dificuldade de arcar com os custos da moradia e de acesso aos serviços de
consumo infraestrutura urbana e de consumo coletivo. Desse modo, o Programa Minha Casa
Minha Vida não se constitui em exemplo de uma política universalizante nem de autonomia
do estado em relação aos interesses hegemônicos, reproduzindo, em tempos de
redemocratização, o velho padrão periférico e segregador de urbanização. Fundamenta essa
discussão a reflexão teórica sobre a demanda pela universalização do acesso a moradia e a
implementação de políticas públicas no atual contexto de redemocratização e flexibilização
produtiva periférica. Situamo-nos assim no âmbito que a literatura qualifica como pluralismo
jurídico e a possibilidade de autonomia do estado, que se traduz na implementação de
políticas públicas, particularmente a habitacional, voltada ao atendimento de necessidades
sociais e coletivas.
Marco Teórico:
A discussão sobre o exercício do direito à moradia e à cidade situa-nos no campo teórico e
político do pluralismo jurídico e das aporias relativas aos significados da intervenção do
estado e construção de políticas públicas, no atual contexto de redemocratização, regulação
flexível e globalização capitalista. (SANTOS, 2000). Destarte, precisamos aprofundar a
reflexão critica sobre as possibilidades de universalização do direito a moradia
(constitucionalmente instituído) em contextos profundamente marcados pela lógica da
acumulação – que apresentam conseqüências particulares nos contextos das cidades situadas
na periferia ou semi-periferida do capitalismo, a exemplo de Salvador. Agora, como antes, a
ocupação “ilegal” da terra urbana determina a relação entre os moradores das ocupações com
o seu entorno, com o conjunto da sociedade e com o estado -lócus do conflito entre os
defensores incondicionais da propriedade da terra e os que buscam subordiná-la a
determinações sociais. Recuperamos aqui o debate sobre o pressuposto de que a produção do
direito e da política publica é monopólio do Estado, aqui compreendido como centro da
regulação. O desafio de pesar a concretização do direito a moradia através da implementação
de políticas públicas no atual contexto de globalização e acumulação flexível requer o retorno
a macro teoria, a teoria do estado, o que descortina várias possibilidades de abordagem. Theda
Sckocpol, em plana década de oitenta, chamava a nossa atenção para o surpreendente
movimento de retorno ao estado (bringing the state back) e consequentemente às teorias do
estado. É como se constatássemos um certo esgotamento das abordagens focadas no governo,
arena na qual os embates entres os distintos interesses são travados. Sckocpol parte do
pressuposto do esgotamento das abordagens neo-marxistas que conceituam o estado como
instrumento de classe, garantidor das relações de produção e acumulação ou mesmo como
arena na qual são travadas as lutas de classe (Cf. SCKOCPOL, 1985, p. 6). Recorrendo a
Marx Weber e Otto Hintze, a referida autora considera que o estado pode ser concebido como
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uma organização que exerce o controle do território, constrói políticas, se constitui em
elemento de mediação entre a ordem uma dada sociedade e a ordem transnacional, sendo
condicionado pelas mudanças e relações de competição entre estados (Cf. SCKOCPOL, 1985,
p. 8). O estado, desse modo, é concebido como uma organização, melhor dizendo como uma
instituição, consequentemente como fonte de normas, procedimentos e convenções. Quais são
os elementos determinantes da autonomia e da capacidade do estado, questiona Sckocpol. Tal
questionamento não remete Sckocpol as macro teorias de inspiração marxista ou mesmo
funcionalista mas a construção do que ela qualifica como modelos analíticos capazes de
produzir conhecimento sobre a regularidades causais capazes de explicar as experiências de
construção das políticas públicas em distintas escalas. O questionamento se o acesso ao
Programa Minha Casa Minha Vida assegura o direito a moradia dos Sem Teto em Salvador
reporta-nos a discussão sobre as possibilidades de autonomia do estado e consequentemente
sobre a possibilidade de implementação de políticas de cunho universalizante, que atenda
interesses dos que não conseguem ter acesso a moradia por meio mercado.
Método de investigação se pertinente:
Fundamenta essa discussão a reflexão teórica sobre a demanda pela universalização do acesso
a moradia e a implementação de políticas públicas no atual contexto de redemocratização e
flexibilização produtiva periférica. Situamo-nos assim no âmbito que a literatura qualifica
como pluralismo jurídico e a possibilidade de autonomia do estado, que se traduz na
implementação de políticas públicas, particularmente a habitacional, voltada ao atendimento
de necessidades sociais e coletivas. Essa reflexão se fundamenta nos resultados de pesquisa
empírica desenvolvida em 36 ocupações do Sem Teto em Salvador com aplicação de
questionários e realização de entrevistas semi-dirigidas com moradores e lideranças do Sem
Teto. Essa pesquisa abrangeu um universo de 5027 famílias, o que totalizou um contingente
de, aproximadamente, 21.415 pessoas, tendo sido realizada no período de 2009 a 2010. A
seleção dos domicílios pesquisados foi feita por amostra probabilística aleatória simples, sem
reposição, com margem de 5% para cima ou para baixo, e os questionários tabulados em
banco de dados MsQuery e front-end em Access, com tratamento estatístico gerado a partir do
módulo Solver do MS Excel (com dados sem formato de planilha Excel versão 2007). Vale
destacar que os dados relativos ao número de famílias e de população apresentados na
caracterização de cada ocupação são estimados. O tamanho médio da família de cada
ocupação é resultado da relação entre o número de famílias e de pessoas que se constituíram
em objeto da pesquisa. As principais referências teóricas utilizadas são Henri Lefebvre,
Joachim Hirsch, Theda Sckocpol, Boaventura de Sousa Santos, José Geraldo de Sousa Júnior,
Ermínia Maricato e Ângela Gordilho, autores que de forma direta ou indireta abordam
questões estruturais relativas ao direito a moradia e a cidade como também ajuda-nos a refletir
sobre a possibilidade de constituição de políticas publicas de caráter universalizante.
Resultados e contribuições do trabalho para a área:
A experiência de implementação do Programa Minha Casa Minha Vida para os Sem Teto em
Salvador coloca em questão a tese da autonomia do estado, como formulada por Sckocpol na
formulação de política habitacional no Brasil no atual contexto de redemocratização. Em
verdade, o que poderíamos, a luz das formulações de Sckocpol qualificar como autonomia do
estado na construção da política habitacional se confunde com o projeto de fomento da
economia, a indústria da construção civil, em tempos de crise. Em sendo assim, o conceito de
estado como expressão particular, histórica, de relações de poder, dominação e apropriação do
excedente socialmente, produzido formulado por Hirsch explica de forma mais edequada a
experiência analisada. O modo como o Minha Casa Minha Vida tem sido implementado,
particularmente no que diz respeito as limitações de acesso a terra urbana e aos serviços de
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infraestrutura urbana e a dissociação entre o direito a moradia e ao trabalho sugere estarmos
diante de um padrão de ação e intervenção que não rompe com as tradicionais políticas
habitacionais. O fato é que a pesquisa realizada revela que o acesso ao Programa Minha Casa
Minha Vida assegura apenas parcialmente o direito a moradia dos Sem Teto em Salvador.
Reafirmamos aqui a tese de que o acesso a casa, sonho dos Sem Teto, pela primeira vez, passa
a se constituir em uma possibilidade. Entretanto, esse acesso é eivado limitações pelos
seguintes motivos: (i) o programa não contempla o conjunto das pessoas que efetivamente
precisam de moradia; (ii) parcela considerável da população Sem Teto contemplada não tem
condições de arcar com os custos da moradia, o que tem resultado na insólita situação de
venda, por preços irrisórios, do imóvel recém adquirido; (iii) as unidades habitacionais estão
sendo construídas em terrenos “periféricos”, ou seja, distantes dos bairros consolidados (local
de trabalho e fonte de renda de muitos dos moradores das ocupações) e sem infra-estrutura
urbana (transporte, equipamentos de saúde e habitação) a exemplo dos conjuntos situados na
Estrada do Aeroporto. Ao deslocar os moradores de ocupações situadas em bairros
consolidados e centrais (degradados ou não) para áreas periféricas e sem infraestrutura
urbana, o Programa Minha Casa Minha Vida reproduz, em tempos de redemocratização, o
velho padrão periférico e segregador de urbanização. Desse modo, a tese da “autonomia” do
estado, das possibilidades de construção de políticas que não estejam associadas a interesses
hegemônicos não se aplica a esse estudo. Como afirma Maricato, o problema da moradia no
Brasil não resulta da falta de planejamento ou de leis. O país tem uma das melhores
legislações do mundo relativas à questão urbana. O fato é que apesar dos avanços no processo
de democratização da sociedade brasileira nos últimos vintes anos, da institucionalização de
instrumentos de gestão voltados à ampliação do acesso à terra urbana e à moradia, a
radicalização dos processos de mercantilização da terra urbana agrava a situação da população
que se insere de forma precária no contexto das sociedades globalizadas. A conjuntura
econômica tem impulsionado a indústria de construção civil e o mercado imobiliário,
ampliando as fronteiras e possibilidades de investimento nas grandes cidades, passando a
habitação para os segmentos situados nas menores faixas de renda um campo promissor de
investimento. Tal cenário repercute na implementação das políticas públicas para moradia. A
experiência e a literatura têm demonstrado que a efetividade de uma política habitacional
depende da possibilidade de inserção social e produtiva. Como afirmam os moradores das
ocupações: não basta ter a casa. Para mantê-la é preciso ter trabalho. A implementação de
uma política habitacional sem se contrapor à lógica capitalista de valorização do solo urbano,
sem o combate à periferização, sem regularização fundiária e segurança da posse, tem pouca
efetividade.
Referências bibliográficas:
EVANS, Peter, Sckocpol, T. et al. (ed.) Bringing the State Back In. Cambridge University
Press, 1985. ; SANTOS, Boaventura de Sousa. O Estado e o direito na transição pós-moderna:
para um novo senso comum sobre o poder e o direito. In: Revista Crítica de Ciências Sociais.
Coimbra, 30: 13-43, jun., 1990. ; MARICATO, Ermínia. Globalização e política urbana na
periferia do capitalismo. Revista Territórios. Bogotá, 2008. ; SANTOS, M. E. Atlas sobre o
Direito de Morar. EDUFBA/CIAGS. 2012. ; FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit
habitacional no Brasil 2008. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação.
Brasília: Ministério das Cidades, 2011.
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