A Poesia Trovadoresca
Ana Paula Ferreira
A Poesia Trovadoresca
ESTRUTURA SOCIAL
A sociedade medieval é constituída por três classes ou
ordens, mais ou menos bem delimitadas: clero, nobreza e povo.
Originariamente essas classes distinguiam-se pela respectiva
função: função religiosa, função guerreira, função
trabalhadora. O clero zelava pelo bem estar espiritual e pela
salvação dos homens; os nobres defendiam a comunidade das
agressões; o povo sustentava, com o seu trabalho, toda a
sociedade.
No entanto, na realidade, os limites entre essas três ordens
não eram tão rígidos como esta descrição faz supor. Entre um
membro da baixa nobreza empobrecido e um burguês rico a
diferença poderia não ser muito grande... Por outro lado, apesar
da relativa rigidez houve sempre alguma mobilidade social: ao
longo dos séculos a nobreza foi sendo renovada pela nobilitação
de indivíduos de origem popular; e não é de excluir a ideia de que
algumas famílias nobres, por empobrecimento progressivo,
tenham perdido a sua ligação à classe de origem, integrando-se
nos estratos superiores do terceiro estado — o povo.
Clero
O clero constituía uma classe aberta, na medida em que os
seus membros eram recrutados entre o povo e a nobreza. Não
era uma classe homogénea e há que distinguir entre o alto clero
(bispos, abades e outros dignitários) e o baixo clero. Pela
riqueza, pelo poder, pela consideração social e até pela origem,
os altos dignitários da Igreja estão muito perto da nobreza, onde
quase sempre são recrutados. Por sua vez muitos curas de
aldeia mal se distinguem dos seus paroquianos, partilhando com
eles a pobreza e a ignorância.
Por esse motivo, as relações entre a hierarquia e o baixo
clero nem sempre eram pacíficas. No entanto, os seus membros
tinham em comum a função religiosa.
Constituía uma classe privilegiada: possuía isenção de
impostos; regia-se por um direito próprio e tinha tribunais
específicos; possuíam direitos sobre certos estratos populares na
área sob seu domínio.
Pela natureza das suas funções constituíam a classe mais
culta, a única sistematicamente alfabetizada, o que explica que a
cultura literária da Idade Média seja marcadamente religiosa.
O seu poder tinha uma origem divina; por isso, o clero
resistia ao poder régio e, por vezes, tendia a suplantá-lo. Em
Portugal, por exemplo, o rei D. Sancho II foi afastado do trono por
interferência directa do Papa, tendo sido substituído pelo irmão, o
Conde de Bolonha, com o nome de Afonso III. Este episódio,
aliás, está na origem de um número substancial de cantigas de
escárnio e maldizer, como a seu tempo se verá.
Nobreza
Ao contrário do clero, era uma classe fechada, visto que a
condição de nobre herdava-se com o nascimento — era nobre o
filho de nobre. No entanto, o rei podia nobilitar membros
destacados da burguesia, como forma de recompensar os seus
serviços.
Também não era uma classe homogénea. No século XII
existiam ricos-homens, infanções e cavaleiros. Dois ou três
séculos depois continuamos a encontrar nela estratos
diferenciados, embora com designações diferentes: vassalos do
rei, cavaleiros e escudeiros.
Era também uma classe privilegiada: possuía isenção de
impostos e direito próprio. O seu poder económico vinha-lhe da
posse da terra e do domínio que exerciam sobre os servos, que
deviam ao seu senhor trabalho não remunerado e o pagamento
de taxas diversas.
O desenvolvimento da economia mercantil, com maior
circulação da moeda, e a transformação dos servos em homens
livres, a par da progressiva divisão da propriedade pelos
descendentes, foi debilitando o poder económico da nobreza, que
procurava reagir, lutando pela manutenção e aumento dos seus
privilégios, pelo casamento com membros da burguesia, ou pelo
envolvimento em actividades mercantis, em princípio vedadas
aos membros da nobreza.
Povo
Também não era uma classe homogénea. Os vilãos eram
homens livres, mas entre eles havia os mais abastados, que
tendiam pela riqueza e pelo comportamento a aproximar-se da
nobreza, a que alguns chegaram a ascender, e outros que viviam
pobremente. Uns e outros, encontramo-los, tanto no campo como
na cidade.
Os servos (ou semisservos) não tinham o mesmo grau de
liberdade dos vilãos. Estavam na dependência de um senhor,
nobre ou religioso, para o qual tinham de trabalhar. À medida que
os séculos passaram os servos foram ascendendo à condição de
homens livres, engrossando as fileiras dos vilãos.
Na sociedade medieval, os escravos foram sempre em
número reduzido. Basicamente este grupo era constituído por
cativos de guerra (mouros).
Letrados
Distinguem-se pela sua formação literária. Quase sempre
oriundos da burguesia (a camada superior do povo)
desempenham na sociedade tarefas especializadas para as
quais adquiriram formação específica: físicos (médicos),
boticários, tabeliães... Muitas vezes esses letrados eram
membros do clero.
Pela sua formação, ocupavam frequentemente posições
importantes da administração régia.
CULTURA
A cultura literária era quase exclusiva do clero. Durante
muito tempo só havia escolas nas catedrais e alguns
mosteiros. Até ao século XV, os "livros" eram todos manuscritos
e, por isso, extremamente caros. As oficinas de copistas
funcionavam em alguns mosteiros e dedicavam-se a produzir
textos para uso da Igreja. A língua utilizada era quase sempre o
latim e o conteúdo essencialmente religioso.
A partir do século XII, a cultura literária começou a sair para
fora das catedrais e conventos. Com o desenvolvimento da
burguesia, a pouco e pouco foram surgindo nas cidades escolas
particulares, onde um mestre ensinava aos seus discípulos. A
Igreja procurou controlar essa actividade, autorizando o ensino
apenas àqueles que possuíssem a "licentia docendi" (daí o
termo "licenciado") e sujeitando essas pequenas aulas a uma
autoridade comum (reitor). Surgiram assim as universidades
("universitas scholarium et magistrorum"), a primeira delas em
Paris (1215), logo seguida por várias outras (entre elas, Lisboa,
em 1288-1290).
A maioria da população, inclusive muitos nobres, era
analfabeta e vivia mergulhada numa cultura oral, que passava
de pais para filhos. As manifestações menos pragmáticas dessa
cultura eram constituídas por narrativas e cantigas que os
jograis difundiam nas ocasiões festivas. Estas produções
utilizavam, naturalmente, as línguas nacionais e estão na
origem das literaturas europeias.
ORIGEM DA POESIA TROVADORESCA
Da literatura oral à literatura escrita
Em todas as sociedades a literatura oral é anterior à
literatura escrita. A cultura oral, transmitida de geração em
geração, comportava todos os conhecimentos que permitiam às
pessoas compreender a vida e o mundo à sua volta. Era uma
cultura essencialmente pragmática, mas onde havia também
espaço para a dimensão lúdica e estética. Faziam parte dela
lendas, histórias míticas, narrativas versificadas, cantigas...
É essa literatura oral que está na origem das literaturas
europeias, propriamente ditas, que se começaram a constituir nos
séculos XI e XII. Aconteceu assim na península ibérica, com a
poesia trovadoresca; na França, com a poesia provençal e as
canções de gesta, etc.
Que essas literaturas nacionais tenham começado pela
poesia é fácil de entender, dada a sua origem oral. De facto, o
verso, a rima, o ritmo facilitam a memorização e eram
utilizados até nas narrativas.
Poesia trovadoresca
A expressão "poesia trovadoresca" é utilizada para designar
as composições em verso produzidas na península ibérica, entre
os finais do século XII e meados do século XIV. Trata-se de
um conjunto de cerca de 1600 cantigas de carácter profano, a
que poderemos acrescentar cerca de 400 poemas de conteúdo
religioso.
Esses poemas foram reunidos em cancioneiros diversos,
tendo chegado até nós três deles. O mais antigo, provavelmente
uma cópia do século XIV, é o chamado Cancioneiro da Ajuda.
Conhecem-se outros dois, posteriores e mais completos, o
Cancioneiro da Biblioteca Nacional e o Cancioneiro da Vaticana,
ambos cópias feitas no século XVI, em Itália, a partir de um
manuscrito mais antigo.
Apesar de escrita em galaico-português, não se trata de
uma poesia estritamente portuguesa e galega, mas sim
peninsular, uma vez que os cerca de 150 trovadores e jograis que
as produziram eram oriundos de diversas regiões da península.
Esses trovadores eram geralmente nobres, enquanto os jograis,
que cantavam as cantigas nas feiras, romarias e até palácios,
eram de origem popular.
Nesses cancioneiros encontramos cantigas de amigo, em
que o sujeito poético é uma donzela que exprime os seus
sentimentos amorosos pelo amado (amigo), e cantigas de amor,
nas quais o poeta dá expressão ao seu amor por uma dama. Há
também cantigas de escárnio e maldizer; de carácter satírico,
como o nome indica, distinguindo-se pelo facto de as primeiras
não nomearem directamente a pessoa a que se referem, o que
acontece no segundo grupo.
Origem do lirismo trovadoresco
Ao longo dos anos tem-se discutido muito a questão da
origem desta poesia, tendo sido propostas várias explicações,
nenhuma delas aceite de forma unânime. Alguns insistiram na
origem popular: estas cantigas mais não seriam do que a
apropriação de formas e temas populares por parte dos poetas.
Outros quiseram fazê-las herdeiras da poesia em latim produzida
por clérigos durante a Idade Média. Houve quem defendesse a
sua dependência de formas poéticas moçárabes. Outros ainda
pretenderam que ela teria surgido na península por simples
imitação da poesia provençal (sul da França).
Qualquer destas teses, se tomada em exclusividade, é
radical e insuficiente para explicar o fenómeno. A posição mais
consensual defende a acção combinada de todas essas
influências. Na verdade, a arte reflecte sempre a sociedade que
a produz, com a sua diversidade e as suas contradições. Mesmo
quando uma influência externa é evidente, há sempre um
processo de adaptação à realidade local, que passa pela
integração de elementos autóctones ou anteriormente
absorvidos.
No caso da poesia trovadoresca é visível a presença de
duas tradições poéticas que, de certo modo, se fundiram. É
evidente que as cantigas de amigo, pela singularidade do sujeito
poético feminino, pelo ambiente doméstico e rural que as
caracteriza, pela sua estrutura paralelística, manifestam uma
origem popular. Já as cantigas de amor reflectem claramente a
influência provençal.
É sensato imaginar que o início deste surto poético entre a
nobreza peninsular tenha surgido por influência da literatura
provençal. Os contactos da península com a França eram mais
intensos do que se poderia imaginar: a luta contra os mouros
trouxe à península ibérica nobres franceses (o pai de Afonso
Henriques, por exemplo); Santiago de Compostela era um dos
principais centros de peregrinação e a ele acorriam, não apenas
cristãos da península, mas também do resto da Europa; a corte
portuguesa tinha relações intensas com a corte de Aragão, junto
à Provença; o futuro rei Afonso III passou vários anos em França,
na região de Bolonha.
E uma vez iniciado o processo, a lírica popular acabou por
ser também assimilada pelos trovadores, cruzando-se as duas
influências, de tal modo que aspectos característicos das
cantigas de amigo aparecem nas cantigas de amor e vice-versa.
CANTIGAS DE AMIGO
Lirismo feminino
As cantigas de amigo são uma das manifestações da poesia
trovadoresca. Têm em comum com as cantigas de amor o facto
de a sua temática ser amorosa, mas, enquanto nestas o sujeito
poético é o homem, naquelas é a mulher que exprime os seus
sentimentos para com o "amigo".
Do ponto de vista didáctico, as cantigas de amigo têm uma
vantagem suplementar: permitem distinguir com clareza o autor
(ser real, com existência empírica cronologicamente datável) do
sujeito poético (um ser de ficção, que só existe verdadeiramente
no poema). É que, na formulação de Fernando Pessoa, "o poeta
é um fingidor". Isto é, não devemos nunca confundir o poeta, ser
de carne e osso, com o sujeito poético, uma espécie de ser de
papel, que só no papel existe, tal como, no discurso narrativo, é
necessário distinguir o "autor" do "narrador".
Ora, nos primórdios da literatura portuguesa, exactamente
nas cantigas de amigo, encontramos já essa distinção feita com
absoluta clareza. Assim, sabemos, sem margem para dúvidas,
que o trovador (ou jogral) Pero Viviaez compôs a cantiga "Pois
nossas madres vam a San Simion", na qual uma donzela exprime
o seu desejo de exibir a sua graça e beleza na festa do santo.
Poesia tradicional e influência provençal
Sabemos que as cantigas de amigo têm um carácter
tradicional, ou seja, constituem a apropriação literária de
antigas cantigas populares por parte dos trovadores rendidos à
moda do trovar provençal.
Na Idade Média, o termo "Provença" designava a região do
sul da França com frente para o Mediterrâneo. O clima ameno, a
equilibrada distribuição da propriedade, o comércio florescente,
propiciaram o aparecimento nessa região de uma sociedade
próspera, favorável a uma cultura do prazer. Foi aí que os
membros da aristocracia encontraram condições para
exprimirem através da poesia e da música sentimentos
requintados. A poesia perde aqui o carácter didáctico que a
Igreja lhe havia atribuído e passa a ser utilizada como forma de
alcançar o prazer estético, de exprimir sentimentos mais
humanos que divinos.
A moda da poesia provençal espalhou-se pela Europa e
chegou inclusive ao extremo da Península Ibérica. É que, nessas
épocas remotas (séculos XI e XII) o isolamento não era absoluto.
Havia já, entre as várias regiões, contactos bastante intensos,
historicamente documentados, que faziam com que as novidades
circulassem e se fizessem sentir a grande distância.
Vale a pena lembrar que a monarquia portuguesa tem a sua
origem num fidalgo de além Pirinéus, D. Henrique de Borgonha,
pai do primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques;
frequentemente a casa real portuguesa procurava noivas em
Aragão, região oriental da Península Ibérica, vizinha da
Provença; Santiago de Compostela constituía na época um dos
principais centros de peregrinação, atraindo gentes de toda a
Europa; a ordem religiosa de Cister, originária da França,
implantou-se também em Portugal, onde fundou vários
conventos, entre eles o de Alcobaça.
Sob influência da poesia provençal, alguns nobres da
península começaram também a compor cantigas de amor e
cantigas satíricas (escárnio e maldizer). Depois de familiarizados
com a poesia amorosa de inspiração provençal, os trovadores
apropriaram-se das cantigas de cunho popular e submeteramnas, em maior ou menor grau, aos artifícios versificatórios da arte
de trovar. É assim que, a par de formas puras de um e outro tipo,
encontramos formas híbridas: cantigas de amor com refrão, por
exemplo, e cantigas de amigo em que o paralelismo tradicional se
encontra diluído.
Características das cantigas de amigo
Além do sujeito poético feminino, as cantigas de amigo
têm outras características marcantes.
O sujeito poético é, não apenas mulher, mas donzela, isto é,
uma rapariga solteira, pertencente aos estratos médios do povo.
Essas cantigas documentam bem a importância social da mulher,
que era, na época, o garante da estabilidade familiar, dado que
os homens tinham que se ausentar frequentemente, envolvidos
nas campanhas militares de defesa e ataque que opunham
cristãos e mouros.
A donzela aparece-nos inserida num ambiente doméstico e
burguês, muitas vezes em diálogo com as amigas e a própria
mãe e as cantigas documentam todas as fases e sentimentos do
namoro.
A natureza não é um simples cenário em que decorre a
acção; apresenta uma espécie de vida própria, que documenta o
animismo típico de sociedades mais primitivas. É sempre uma
espécie de testemunha viva das alegrias e tristezas da donzela.
Por vezes a sua personificação é total, como por exemplo na
famosa cantiga “Ai flores, ai flores do verde pino”, onde as flores
respondem e tranquilizam a donzela, saudosa e preocupada com
a ausência do amigo. Essa natureza é frequentemente
representada pela fonte, o rio, a praia, o campo.
A atestar a antiguidade deste tipo de cantigas temos os
arcaísmos que os trovadores conservaram, provavelmente
porque tomavam do povo anónimo temas e versos inteiros que
depois desenvolviam.
Tendo em conta os temas e sobretudo os ambientes
retratados é usual distinguir várias variedades nas cantigas de
amigo: bailias ou bailadas; cantigas de romaria; marinhas ou
barcarolas; albas ou alvoradas, entre outras.
Finalmente, as cantigas de amigo caracterizam-se pelo
recurso em maior ou menor grau ao paralelismo, que consiste
na repetição da ideia expressa numa estrofe na estrofe seguinte,
formando pares, sendo cada uma delas encerrada por um refrão.
As cantigas paralelísticas perfeitas têm as seguintes
características:
• Coplas de dois versos (dísticos), seguidos de refrão
(um verso);
• As coplas organizam-se em pares, de tal modo que a
copla par repete integralmente as ideias expressas na
copla ímpar anterior – paralelismo semântico (1-2, 3-4,
5-6, ...);
• Utilização do leixa-prem — o 2º verso da copla 1 é o 1º
verso da copla 3; o 2º verso da copla 2 é o primeiro da
copla 4, etc.
CANTIGAS DE AMOR
O amor cortês
Vimos já algumas das circunstâncias que favoreceram o
aparecimento da poesia provençal, nos finais do século XI.
Vejamos agora como surgiu e quais as características do amor
cortês, típico desse lirismo.
A prosperidade económica permitiu o aparecimento na
Provença de pequenas cortes. Nesse ambiente requintado, os
cavaleiros conviviam com as damas, suavizavam as suas
maneiras rudes e entregavam-se aos prazeres da música, da
dança, da poesia.
O amor é o tema predominante dos seus poemas. Neles um
trovador nobre exprime o seu amor por uma dama, quase sempre
casada, pertencente a um estrato superior da nobreza. Trata-se
de um amor idealizado, de inspiração platónica, sentimento puro,
em que o impulso sexual é sublimado, porque o seu objecto é
inacessível. Daí o sofrimento (a “coita” de amor), mas também o
prazer de amar na esperança de uma improvável compensação.
A exibição desse amor adúltero compreende-se, porque o
casamento, na época, e sobretudo entre os nobres, era um mero
“negócio”, com o qual se procurava manter ou aumentar o poder e
o prestígio de uma família. No havia aí espaço para o sentimento.
Na concepção dos trovadores o amor só era possível fora do
casamento.
Foi também nesta época que a figura de Nossa Senhora
começou a assumir um papel de relevo na religião cristã e isso
contribuiu para elevar o prestígio da mulher na sociedade
medieval.
Além disso, os trovadores transferem para o campo amoroso
as relações típicas do feudalismo. O poeta assume-se como
vassalo e reconhece a sua dama como “senhor”. Deve-lhe
lealdade e obriga-se a prestar-lhe serviço.
Esse “serviço amoroso”, que o trovador deve à sua dama,
rege-se por normas estritas:
• O amor pela dama devia ser expresso de forma comedida
(“mesura”), de forma a não incorrer no seu desagrado
(“sanha”);
• A identidade da dona deveria ser escondida, referindo-se a
ela, quando necessário, através de um pseudónimo
(“senha”);
• A vassalagem amorosa decorria em quatro fases: “fenhedor”
– o trovador limita-se a exprimir o seu sofrimento; “precador”
– ousa dirigir pedidos à dama; “entendedor” – o sentimento
do trovador é correspondido; “drut” – o poeta transforma-se
em amante.
Tendo surgido em ambiente palaciano e obedecendo a
regras rígidas, a poesia provençal apresenta com frequência um
carácter artificial. Os motivos repetem-se de poeta para poeta e
a preocupação formal sobrepõe-se à expressão dos sentimentos.
Cantigas de amor peninsulares
Nem todos os traços característicos do trovar provençal
foram incorporados nas cantigas de amor peninsulares,
nomeadamente no que diz respeito às regras do amor cortês. Por
exemplo, a fase de “drut” (amante) jamais aparece nas nossas
cantigas de amor, mas apenas nas cantigas de escárnio e
maldizer.
Quanto aos artifícios versificatórios utilizados pelos
provençais, é possível encontrá-los também na poesia peninsular.
Mas também no aspecto formal a imitação não é absoluta, visto
que em muitas cantigas de amor encontramos recursos típicos
das cantigas de amigo, de cunho mais popular — o paralelismo
semântico e o refrão —, de tal modo que podemos distinguir entre
cantigas de mestria (ao estilo provençal) e cantigas de refrão.
A análise comparativa das cantigas de amigo e cantigas de
amor revela claramente que as primeiras são poemas para serem
cantados, enquanto as segundas são poemas para serem lidos.
As cantigas de amigo são manifestações de uma cultura oral, ao
passo que as cantigas de amor são já produto da escrita literária.
CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER
A par da poesia lírica encontramos nos trovadores a poesia
satírica. A tendência para criticar os vícios e os defeitos dos
outros é característica de todas as sociedades e de todas as
épocas. Por isso não é de estranhar que os trovadores tenham
aplicado os seus dotes poéticos ao exercício da crítica individual e
social.
Nas cantigas de escárnio a crítica é feita de forma
encoberta, sem que o objecto de crítica seja claramente
identificado. Nas cantigas de maldizer a vítima da crítica é
claramente identificada.
Esses poemas satíricos têm um grande valor documental,
visto que nos revelam qual a reacção das pessoas face a
determinados acontecimentos e situações. Através dessas
cantigas podemos perceber melhor a sociedade da época e ter
acesso a informações que outros documentos, mais impessoais,
não revelam.
No conjunto de cantigas que chegaram até nós é possível
distinguir um conjunto de temas que mais chamaram a atenção
dos trovadores. São eles:
• A entrega dos castelos ao conde de Bolonha. — Na
sequência de um grave conflito que opôs o rei ao clero, em
1245 o papa retirou a D. Sancho II o título de rei e entregou o
governo do país a seu irmão, o conde de Bolonha, futuro D.
Afonso III. Seguiu-se um período de guerra civil, durante a
qual vários alcaides, a quem D. Sancho II havia confiado
castelos, entregaram essas fortalezas ao conde de Bolonha,
violando desse modo o código de honra da nobreza. Os
traidores foram violentamente criticados pelos trovadores.
• A cruzada da Balteira — as soldadeiras eram uma espécie
de bailarinas que se exibiam nas festas e eram conhecidas
pelos seus comportamentos dissolutos. A mais famosa delas
parece ter sido uma tal Maria Peres, conhecida por Balteira,
que foi vítima frequente dos trovadores. Dado o seu estatuto
e a natureza das críticas que lhe eram feitas, muitas dessas
cantigas recorrem a uma linguagem obscena.
• Escândalo das amas — O relacionamento amoroso de
fidalgos com mulheres plebeias não era bem visto na época,
embora fosse frequente. Daí as críticas dos trovadores,
principalmente quando uma simples ama era louvada em
cantigas de amor, como se fosse uma “dona”.
• As impertinências do jogral Lourenço — Os jograis eram
homens do povo a quem competia apenas executar em
público as canções compostas pelos trovadores. Alguns
deles tornaram-se, no entanto, exímios poetas e atreveramse a compor as suas próprias cantigas, caindo no desagrado
dos trovadores que ridicularizavam com frequência as suas
pretensões.
• A traição dos cavaleiros na guerra de Granada — Em
1264 o rei D. Afonso X de Castela viu-se obrigado a
combater uma revolta da população moura sob o seu
domínio, entretanto ajudados por cavaleiros vindos de África.
Face à gravidade da situação, pediu o auxílio dos nobres da
península. Alguns deles, receosos do inimigo, furtaram-se ao
combate e incorreram nas críticas do rei e outros trovadores.
ALGUMAS LIGAÇÕES
Cantigas Medievais Galego-Portuguesas
Coletânea de Poesia Portuguesa
Estúdio Raposa
Lusofonia
No You Tube
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