Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade, 2012 (7): 114-130
Sexual and reproductive rights of adolescents and young
Maria Helena Franco1
Vera Lúcia Simonetti Racy2
Maria Cecília Moraes
Simonetti 3
1
Mestre em Ciências pela Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo, coordenadora de projetos
e pesquisadora da ECOS –
Comunicação em Sexualidade.
Socióloga, mestre em Ciências da
Comunicação: jornalismo pela Escola
de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, sóciafundadora da ECOS - Comunicação
em Sexualidade.
2
Socióloga sanitarista, mestre e
doutoranda pelo Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal da
Bahia, integrante do grupo feminista
IMAIS - Instituto Mulheres pela
Atenção Integral à Saúde, Direitos
Sexuais e Reprodutivos, em Salvador,
Bahia.
3
Autoras para correspondência:
1- Maria
Helena Franco
E-mail: [email protected]
2Vera
Lúcia Simonetti Racy
E-mail:[email protected]
3 Maria
Cecília Moraes Simonetti
E-mail:
[email protected]
Resumo
Garotas cumprindo medida socioeducativa em unidades distribuídas
pelas cinco regiões geográficas do território brasileiro não têm seus
direitos sexuais e direitos reprodutivos respeitados. Este artigo
aborda a questão trazendo os resultados do projeto Promovendo os
direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a
lei, que procurou levantar, em 2011,elementos para a discussão da
efetivação desses direitos, a partir de entrevistas com adolescentes e
jovens em situação de restrição de liberdade, em treze unidades de
atendimento socioeducativo das regiões Norte, Nordeste, CentroOeste, Sudeste e Sul do Brasil. A pesquisa incluiu entrevistas com
profissionais da gestão e do corpo técnico dessas unidades e com
operadoras e operadores do direito das sete unidades federativas
visitadas. Um dos temas que orientou a pesquisa foi o direito à visita
íntima, assegurado a adolescentes casados ou vivendo
comprovadamente em união estável, pela Lei 12.594/2012, de 20 de
janeiro de 2012, que instituiu o SINASE – Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo. Além da visita íntima, outros aspectos
que são apontados no artigo são a homoafetividade, a distribuição de
preservativos e demais métodos contraceptivos, a saúde sexual e
reprodutiva e o preconceito contra adolescentes e jovens, do sexo
feminino e em conflito com a lei, terem vida sexual ativa. Os
resultados da pesquisa indicaram a dificuldade de profissionais do
direito, assim como daqueles que trabalham nas unidades de
cumprimento de medida socioeducativa, de reconhecerem a
importância, a necessidade, a urgência e seus preconceitos para
lidarem com esses temas.
Palavras-chave: Direitos Sexuais, Direitos Reprodutivos,
VisitaÍntima, Adolescência, SistemaSocioeducativo.
Abstract
Girls complying with a social-educational measure at institutional
units of five geographical regions of Brazil don´t have their sexual
and reproductive rights respected. This paper addresses the issue by
bringing the results of the project Promoting sexual and
reproductive rights of adolescents in conflict with the law, which
Franco, Racy e Simonetti
Direitos sexuais e reprodutivos de jovens e
adolescentes
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sought to raise in 2011 to discuss elements of effectuation of these
rights, from interviews with adolescents and youths in freedom
privation, in thirteen units of socio-educational system in the North,
Northeast, Midwest, South and Southeast of Brazil. The survey
included interviews with girls complying with a social-educational
measure, with managers and staff of these units and with carriers and
law enforcement officers of the seven federal units visited. One of the
themes that guided the research was conjugal visits, ensured to the
teens demonstrably married or living in stable relationship, by Law
12.594/2012 of January 20, 2012, which established the SINASE Socioeducational National System. Besides conjugal visits, other
aspects that are mentioned in the article are homosexual affection,
distribution of condoms and other contraception methods, sexual and
reproductive health and prejudice against teenagers and young females
in conflict with the law having sexually active life. The results
indicate the difficulty that personnel working at the legal system, as
well as those working in the social-educational measure units have in
recognizing the importance, necessity, urgency and their prejudices to
deal with these issues.
Keywords: Sexual Rights, Reproductive Rights, Conjugal Visits,
Adolescent, Social-EducationalMeasure System.
Introdução
Oferecer um espaço de qualidade para a educação
e a reinserção de adolescentes em conflito com a
lei não é apenas dar uma nova chance, mas, muitas
vezes, é dar a primeira chance a esses jovens que,
em geral, têm histórias de vida carregadas de dor,
carências e contradições e que têm a violência
como um modo de ‘educação’ para a vida. (...) É
importante sublinhar que o adolescente privado de
liberdade não está privado de seus direitos
(VOLPI, LESSA e CATALÃO, 2002, p. 4).
Pode-se afirmar que os direitos sexuais e os direitos
reprodutivos (DSDR) são uma geração recente dos direitos humanos
e, no Brasil, são um campo de reflexão relativamente novo. No
entanto, a enorme distância entre a elaboração dos direitos humanos e
sua efetivação, por meio de políticas públicas, exige um esforço
coletivo e transdisciplinar para que tais direitos beneficiem a quem de
direito. E se existem parcelas da população à margem desses
benefícios, uma delas é a de adolescentes e jovens do sexo feminino
em situação de internação provisória ou cumprindo medida
socioeducativa, nas unidades construídas para esta finalidade, no
território brasileiro.
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Argumenta-se que os direitos sexuais e os direitos
reprodutivos dessas adolescentes e jovens incluem o direito à visita
íntima, quando estão casadas ou vivendo em união estável, e o direito
à livre expressão de suas orientações sexuais, assim como os
relacionados à contracepção, à prevenção de doenças sexualmente
transmitidas, de hepatites virais e de infecções pelo vírus da
imunodeficiência adquirida (HIV), à atenção à saúde nos processos de
gravidez, abortamento, pré-natal, parto e puerpério, à amamentação de
suas filhas e filhos e à informaçãoconsistente sobre esses direitos e seu
exercício. O artigo pressupõe que a efetivação desses direitos
relaciona-se ao seu reconhecimento e garantia pelo Estado, através de
políticas públicas. Numa aproximação ao pensamento de Neto (2012),
considera-se que a discussão sobre políticas públicas constituem um
tema central, aberto e ainda em construção nos movimentos sociais e
nos meios acadêmico e jurídico.
Segundo o Levantamento Nacional do Atendimento
Socioeducativo aos Adolescentes em Conflito com a Lei – 2010, em
média, no Brasil, para cada dez mil adolescentes, 8,8 encontram-se em
situação de privação ou restrição de liberdade. Desses, 95% são
garotos (888 garotas para 16.815 garotos). O número relativamente
menor de garotas envolvidas na infração está associado a diversos
fatores sociais, econômicos e culturais que permeiam a questão de
gênero, que desembocam também nos direitos sexuais e reprodutivos
dessa população (BRASIL, 2012).
Em janeiro de 2012, foi sancionada a Lei 12.594/2012, que
instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE), referente ao grupo de adolescentes e jovens em conflito
com a lei. Esta lei é vista como a primeira lei nacional para a execução
de Medida Socioeducativa (MSE) no país (BRASIL, 2012). Vários/as
defensores/as dos direitos humanos consideram a lei um grande
avanço na garantia dos direitos desse grupo populacional no Brasil,
por tornar possível normatizar a internação dos que cumprem MSE, ao
criar parâmetros de adequações nos poderes jurídico e executivo.
O SINASE avança em relação a temáticas não contempladas
no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto à sexualidade
e à saúde sexual e reprodutiva, em especial os artigos 35, 60, 67 e 68:

Art. 35, inciso VIII, sobre a não discriminação do adolescente,
notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social,
orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou
pertencimento a qualquer minoria ou status;
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
Art. 60, incisos IV e VI – diretrizes para a atenção integral à
saúde do adolescente no Sistema de Atendimento Socioeducativo,
incisos IV (ações de educação em saúde sexual e reprodutiva e
prevenção das DST) e VI (capacitação de profissionais nos temas de
saúde sexual e reprodutiva) 1;

Art. 67 e 68 – sobre as visitas, inclusive a íntima. O Art. 67
anuncia visita do cônjuge, companheiro, pais ou responsáveis,
parentes e amigos a adolescente a quem foi aplicada medida
socioeducativa de internação. A visita observará dias e horários
próprios definidos pela direção do programa de atendimento. No Art.
68 é assegurado ao adolescente casado ou que viva,
comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima.
Parágrafo único. O visitante será identificado e registrado pela direção
do programa de atendimento, que emitirá documento de identificação,
pessoal e intransferível, específico para a realização da visita íntima.
Porém, esse arcabouço legal parece deficitário, sobretudo
quando estas leis e políticas são aplicadas a adolescentes e jovens do
sexo feminino em situação de internação provisória ou cumprindo
medida socioeducativa de internação.
Para contribuir com o conhecimento sobre o cumprimento dos
DSDR deadolescentes e jovens em medida socioeducativa de privação
de liberdade, com foco na condição das mulheres jovens, a ECOS –
Comunicação em Sexualidade2-, com o apoio da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República (SDH/PR), realizou em 2011
uma pesquisa em unidades socioeducativas e Varas da Infância e
Juventude, no âmbito do projeto Promovendo os direitos sexuais e
reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei. Objetiva-se,
portanto, apresentar o relatório técnico com os resultados dessa
investigação.
Metodologia
A pesquisa, realizada em 2011, iniciou-se com a identificação,
no Brasil, de unidades de internação feminina que ofereciam acesso a
preservativos, ações educativas em sexualidade e visita íntima. De um
total de 40 unidades, a maioria declarou distribuir preservativos (30) e
oferecer ações educativas em sexualidade (20), havendo apenas uma
(01) permitindo visita íntima para adolescentes-jovens mulheres. Em
1
Vale a pena ressaltar, para reflexão, que nesses incisos não se fala sobre direitos
sexuais e direitos reprodutivos.
2
A ECOS - Comunicação em Sexualidade é uma ONG que atua desde 1989 com os
temas sexualidade, saúde sexual e reprodutiva, direitos sexuais e direitos
reprodutivos. Saiba mais: <www.ecos.org.br>.
117
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parceria com organizações não governamentais que atuam na defesa
dos direitos das crianças, adolescentes e jovens3, foram selecionadas e
visitadas 13 unidades femininas de internação/internação provisória4.
Foram realizadas entrevistas com 33 garotas, 82 profissionais do
sistema socioeducativo e 21 operadores/as do direito, utilizando
roteiros semiestruturados com questões sobre acesso a serviços de
saúde (incluso pré-natal e pós-parto), métodos contraceptivos,
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis/HIV/Aids, visita
íntima, atividades educativas em sexualidade e relações homoafetivas.
Nas citações, as pessoas que foram entrevistadas serão identificadas
apenas como adolescentes ou profissionais, omitindo inclusive a
unidade da federação. Esse é um recurso utilizado para preservar o
anonimato das/os participantes.
Com relação às garotas, as entrevistas contemplaram suas
diversidades de raça/etnia, de orientação sexual e de identidade de
gênero, a partir de sua autoidentificação. Todas aquelas que se
encontravam grávidas ou com bebê nas unidades visitadas foram
incluídas na pesquisa. Houve conversas informais com jovens de
unidades masculinas na Bahia, em Pernambuco e Rio Grande do Sul.
3
As instituições que apoiaram a realização da pesquisa foram: CEDECA Zumbi de
Palmares, em Alagoas; Plataforma Dhesca, Rede Feminista de Saúde e MUSA, na
Bahia; Instituto Brasileiro de Inovações pró-Sociedade Saudável Centro-Oeste –
IBISS/CO, em Mato Grosso do Sul; Instituto Universidade Popular – UNIPOP, no
Pará; Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC, em
Pernambuco; e Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Grupo de Assessoria Jurídica para Adolescentes
Selecionados pelo Sistema Penal Juvenil (G10) e Comitê Latino-Americano e do
Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM Brasil, no Rio Grande do
Sul.
4
Unidade e Varas: Bahia - Comunidade de Atendimento Socioeducativo – CASE
Salvador, 2ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, Câmara Municipal de
Salvador; Pará - Centro Socioeducativo Feminino em Ananindeua – CESEF, 2ª Vara
da Infância e Juventude da Comarca de Belém, Promotoria da Infância e Juventude
de Belém, Ordem dos Advogados do Brasil de Belém; Rio Grande do Sul - Centro
de Atendimento Socioeducativo Feminino – CASEF, Centro de Atendimento
Socioeducativo POA I, masculino, 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude de
Porto Alegre; Alagoas - Núcleo Estadual de Atendimento Socioeducativo – NEAS,
Unidade de Internação – Extensão – UIME, Unidade de Internação Feminina – UIF,
Vara da Infância e Juventude de Alagoas; Pernambuco - Fundação de Atendimento
Socioeducativo – FUNASE, Centro de Atendimento Socioeducativo Santa Luzia –
CASE SANTA LUZIA, Centro de Internação Provisória Santa Luzia – CENIP
SANTA LUZIA, Vara Regional da Infância e Juventude da 1ª Circunscrição de
Recife; Mato Grosso do Sul - Unidade Educacional de Internação Estrela do
Amanhã – UNEI, Vara da Infância e Juventude de Campo Grande; São Paulo Fundação Casa Unidade Feminina de Internação Provisória e Internação Chiquinha
Gonzaga, Internato Parada de Taipas, Unidade de Semiliberdade Azaleia, CASA
Guarulhos III, Guarulhos, Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de
Cerqueira César I e II.
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Ao final das visitas, em cada estado e sempre que possível,
eram realizados encontros com juízes/as e promotores/as, responsáveis
pela execução das medidas socioeducativas, ocasião em que se
entregavam relatórios sobre o que se viu e ouviu na(s) unidade(s)
visitada(s), com destaque para as situações de desrespeito/violação
dos direitos sexuais e direitos reprodutivos das/os adolescentes/jovens,
ao mesmo tempo em que eram solicitadas providências.
Resultados
Ventura (2011, p. 310), elenca dimensões sociais e individuais
dos direitos sexuais e reprodutivos que servirão de referência na
exposição dos resultados da pesquisa: (i) o direito à informação,
educação, aquisição de competências e demais meios e métodos para
as pessoas tomarem decisões sobre sua vida sexual e reprodutiva, (ii)o
direito à igualdade, a não ser discriminado e à diferença, e (iii) o
direito à privacidade e à intimidade.
Informações gerais sobre as garotas em conflito com a lei
A idade das garotas entrevistadas variava entre 14 e 225. Das
33 garotas ouvidas, 25 cumpriam medida socioeducativa de internação
e 01 de semiliberdade, a maioria delas cumprindo medida pela
primeira vez; outras 07 estavam na internação provisória.
Quanto ao ato infracional cometido, prevaleceu o “tráfico de
drogas ou associação com o tráfico”, seguido de homicídio, latrocínio,
roubo e sequestro. As garotas que receberam sentença por
envolvimento com o comércio ilegal de drogas alegaram que o faziam
para ter acesso a bens de consumo e a itens para a própria
sobrevivência e/ou da família. Duas dessas garotas declararam que o
envolvimento com o comércio de drogas se deu por iniciativa própria.
Eu trabalhei antes, aí comecei a traficar e minha
mãe achava que eu saía pra trabalhar (...). Por
semana eu tirava 2 mil reais, não guardava,
comprava roupa, gastava com bebida, saía, não
dava nada pras minhas irmãs, só dava uns
presentinhos pro meu sobrinho (Adolescente).
Tanto profissionais das equipes técnicas quanto operadoras/es
de direito referiram crescimento do envolvimento de adolescentes com
o tráfico de drogas nos últimos anos. Um/a dos/as profissionais fez
5
A garota com 22 anoshavia acabado de completá-los.
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uma ressalva importante quanto ao envolvimento das garotas com o
“tráfico”:
A gente deve por entre aspas porque há situações
bem diferentes, umas estão com 70 kg de crack e
juiz libera, outras estão ao lado de quem está
traficando e é internada, então não se pode
generalizar, o tráfico tem que ser visto com mais
cuidado senão ela vai carregar um peso que não é
de fato dela (Profissional).
A maioria das garotas não havia completado o ensino
fundamental, nenhuma havia terminado o ensino médio. Algumas
trabalharam como garçonete, babá, empregada doméstica, agricultora,
ajudante de construção civil, atividades de baixa remuneração que
exigem pouca qualificação. Outras já haviam trabalhado para o
comércio sexual.
Quanto à sexualidade, saúde reprodutiva e orientação sexual,
02 declararam que ainda não haviam tido relação sexual. As demais já
eram sexualmente ativas antes de ingressarem no sistema
socioeducativo; 05 garotas se declararam lésbicas, 03 bissexuais, uma
delas aparentava ser transexual, pois se apresentava com nome social
masculino e adotava identidade de gênero masculina.
Três estavam grávidas, 08 tinham pelo menos 01 filho/a, 02
haviam entrado grávidas no sistema socioeducativo, tiveram seus
bebês e viviam com eles na unidade.
Sete garotas disseram que viviam com seus maridos antes de
entrarem no sistema; o tempo da relação com o marido variou de 08
meses a 05 anos. Uma das garotas vivia com a namorada.
O comentário de um/a juiz/a confirmou a realidade que parece
ter mudado pouco ao longo dos anos quando se trata de garotas/os que
cumprem medida socioeducativa:
Com relação ao perfil, eu não vejo grande
mudança, continuam sendo os meninos pobres.
Continuam sendo aqueles com fragilidade de apoio
em geral, muitos meninos continuam fora da
escola, então às vezes o menino é até matriculado
por conta dos programas de bolsa e tal, mas eles
não frequentam aquela escola. A escola não está
acessível a este adolescente, acessível que eu falo é
assim, com recursos suficientes pra ser atrativa
para os adolescentes. Especialmente os meninos
que têm envolvimento com drogas, esse não é o
aluno que é ‘bem querido’ ou bem recebido na
escola. Eu não vejo mudança não, os meninos
continuam analfabetos na grande maioria das vezes
(Profissional).
120
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Direito à informação de saúde e à assistência ginecológica
O Art. 60 da Lei 12.594 de 2012, na diretriz IV, faz referência
à “disponibilização de ações de atenção à saúde sexual e reprodutiva e
à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis” como uma das
diretrizes da atenção integral à saúde do adolescente no Sistema de
Atendimento Socioeducativo. O mesmo artigo, diretriz VI, trata da
“capacitação das equipes de saúde e dos profissionais das entidades de
atendimento, bem como daqueles que atuam nas unidades de saúde de
referência voltadas às especificidades de saúde dessa população e de
suas famílias”.
Diante da pouca especificidade no enunciado da diretriz IV do
artigo 60, recorre-se à Portaria nº 340, de 14 de julho de 2004. Ao
regulamentar as ações de Saúde, essa Portaria identifica ações de
assistência à saúde sexual e saúde reprodutiva, especificando que
aquelas direcionadas a adolescentes de ambos os sexos devem a)
desenvolver práticas educativas que abordem o planejamento familiar,
a gravidez na adolescência, a paternidade/maternidade responsável, a
contracepção, e as Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST e
Aids; b) distribuir preservativos; e c) orientar quanto aos direitos
sexuais e reprodutivos.
Em algumas unidades socioeducativas há ambulatórios para
atendimento básico, noutras a sala para atendimento de saúde virou
almoxarifado. Em todos os locais muitas das necessidades de saúde
são encaminhadas para a rede pública, ficando na fila para
atendimento que nem sempre se concretiza. Algumas garotas
contaram que se sentem humilhadas quando chegam algemadas,
revelando sua condição institucional, para um atendimento na rede
pública de saúde, e são tratadas de forma preconceituosa por
alguns/mas profissionais.
A atenção à saúde reprodutiva (assistência ginecológica,
gravidez, pré-natal, parto, pós-parto e aborto) varia de unidade para
unidade. Há unidades em que, ao chegar, a garota passa por uma
triagem da qual fazem parte consulta ginecológica, teste para
gravidez, anti-HIV, sífilis, hepatites. Em somente uma das unidades
visitadas foi relatado que na triagem investigam sobre casos/situações
de abuso e violência sexual.
Nos casos de garotas grávidas cujos bebês nascem no período
de cumprimento da sentença, em alguns estados há um movimento
para liberar a garota antes do nascimento do bebê, pois há um
entendimento, também entre juízes/as, de que a unidade não tem
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estrutura para manter as adolescentes com seus bebês. Em outros, as
unidades socioeducativas adaptam algum espaço para abrigar as
garotas e seus bebês, às vezes de modo precário. Em uma das
unidades visitadas, a partir da 32ª semana de gestação as adolescentes
são transferidas para a Casa das Mães e, depois do parto, os bebês
permanecem com elas.
Ainda sobre as questões de saúde reprodutiva, algumas garotas
mencionaram atraso ou até mesmo ausência de menstruação depois
que passaram a viver na unidade de internação: “Tá atrasada, acho que
devido ao estresse”(Adolescente).
Sobre o abortamento, pouco foi dito. “Esse é um assunto que
não costuma chegar.”, afirmou um/a dos/as profissionais
entrevistados/as. As respostas à pergunta se “é oferecida a
possibilidade de um aborto legal, caso a garota chegue à unidade
grávida devido à violência sexual” foram sempre evasivas.
As atividades mais frequentes de educação em saúde sexual e
reprodutiva são em formato de palestras ministradas por profissionais
da área da saúde. A regularidade desses eventos varia muito de local
para local, em alguns a frequência das palestras está associada a
situações vivenciadas na unidade, por exemplo, na “época do auge da
epidemia de gripe H1N1, época da dengue, quando há casos de
menina com alguma doença mais séria, tipo HIV”. Segundo um/a
médico/a, nestas palestras são tiradas as dúvidas que as garotas
trazem, até porque “A maioria não tem noção mesmo de higiene,
como fazer higiene após a evacuação. A gente ensina como é a
vagina”. Ao ser indagada sobre com quem conversa a respeito de
sexualidade na unidade, uma garota, há um ano na internação,
respondeu: “com ninguém”. Quanto à frequência com que participava
de atividades relacionadas à educação sexual, sexualidade, a garota
disse:
De vez em quando vem grupo de agente de saúde,
as tias conversando com a gente ficam dizendo que
precisa se prevenir (Adolescente).
Quanto às ações de prevenção das doenças sexualmente
transmitidas, das hepatites virais e da infecção pelo HIV para
adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação, a
distribuição de preservativos como medida de proteção específica para
a prevenção desses eventos é nomeada somente na Portaria
Interministerial nº 1.426 e na Portaria nº 340, ambas de 14 de julho de
2004, e é omitida na lei do SINASE.
122
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De acordo com os relatos, apenas numa das unidades visitadas
a distribuição de preservativos ocorre como uma prática regular, ainda
assim restrita aos garotos com direito à visita íntima. Nas demais, não
há essa regularidade, independentemente da existência ou não da
visita íntima, ainda que todo o corpo profissional a que se teve acesso
reconheça que adolescentes-jovensnas unidades socioeducativas
estejam entre as populações mais vulneráveis ao HIV e outras DST, e
concorde com a provável existência de relacionamentos afetivosexuais entre os garotos e entre as garotas.
Um/a profissional da saúde que trabalha em unidades
masculinas e femininas contou que há relações sexuais entre os
garotos, há casos de HIV e não há distribuição de preservativos dentro
das unidades. Essa atitude revela omissão e negligência diante do
exercício da sexualidade praticado clandestinamente por adolescentes
e jovens sob a tutela do Estado. Completando sua fala, o/a profissional
disse: “Agora, dentro, tu compra uma briga funcional se tu
disponibiliza camisinhas nos dormitórios coletivos”(Profissional).
Quanto à distribuição de preservativos para garotas, algumas
unidades referiram entregar somente quando elas saem da unidade.
Um/a enfermeiro/a disse que:
A unidade tem [preservativos], só que como ela (a
garota) não recebe visita íntima, então ela não
precisa ficar com a camisinha. Tem aqui as
camisinhas, os comprimidos e tal, mas como ela
não tem visita íntima, não tem a necessidade de ela
usar. Então a gente faz só a conscientização
mesmo em relação ao material elas não têm
(Profissional).
Direito à igualdade, a não ser discriminada e à diferença –
Homoafetividade
O estudo encontrou diversas situações relativas ao tema da não
discriminação por orientação sexual homoafetiva, referida no Art. 35,
inciso VIII, da Lei 12.594/2012 (BRASIL, 2012).
Sobre os conflitos associados ao ciúme nas relações
homoafetivas, as garotas comentaram que acontecem, mas
relativizaram esses casos: “Tem brigas por outras coisas, não é tanto
por isso, é muito raro” (Adolescente).
No geral, as equipes técnicas das unidades disseram que as
relações homoafetivas nesses estabelecimentos são tratadas com
“muito respeito”. Segundo uma das equipes, as garotas respeitam as
restrições impostas quanto às manifestações homoafetivas - não se
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beijarem, não se abraçarem, etc.- durante o dia, nos locais de
circulação.
No entanto, há falas de garotas que indicam não se
tratar apenas de “respeitar funcionários”, mas também de as relações
homoafetivas serem vigiadas, controladas, proibidas:
Eu busco ser discreta, não quero ficar mais tempo
aqui dentro (Adolescente).
Vigiam muito na aula, no curso, o que estão
conversando (Adolescente).
Tem menina que vai orar e o funcionário separa as
meninas, controlando as garotas só de estar de mão
dada (Adolescente).
As situações que envolvem comportamentos homoafetivos,
supostos ou reais, têm provocado reações das mais variadas, desde
inabilidade para lidar com a situação, como “tem pessoas que tapam
os olhos a isso e isso é muito difícil de ser trabalhado” (Profissional),
a medidas severas de punição por conta das regras vigentes, “em
especial as que dizem respeito às relações homoafetivas” (idem),
sendo proibido qualquer tipo de contato físico, incluso qualquer
manifestação de carinho, que pode ser interpretada como manifestação
homoafetiva:
Não pode ter contato físico, não pode andar de
mãos dadas, não pode beijar(Adolescente).
Nessa situação, recebemos advertência, assinamos
um papel que ganha mais três meses de casa
(Adolescente).
Manifestações de carinho, de amizade, fazem parte de um
processo de (re)socialização, ainda mais em se tratando de
adolescentes – em plena fase de transformações corporais, hormonais
e vivenciando processo de conhecimentos, afirmações –, com
trajetórias de carências e abandono, muitas vezes sem referências de
carinho, afeto, apoio familiar, o que, por si só constituem condições
favoráveis a ocorrência de manifestações afetivas, independentemente
da orientação sexual.
Em todas as unidades socioeducativas visitadas foram
encontradas resistências quanto a relacionamentos homoafetivos entre
garotas e dificuldades em lidar com essas manifestações, mas houve
falas de que essa questão vai muito além do estabelecimento de regras
disciplinares,
Tem que se discutir essa questão da
homossexualidade, como lidar com isso, como vai
ser inserido no programa, como é que a regra vai
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ser estabelecida, em que parâmetros ela vai ser
estabelecida (Profissional).
Nós nos preocupamos enquanto judiciário e a
unidade também se preocupou, não exclusivamente
no sentido de que haja uma repressão à conduta,
mas como saber lidar com isso. Se as regras são
consideradas rígidas, e algumas efetivamente são,
essa é uma discussão que tem sido feita do Juizado
com a própria unidade (Profissional).
Profissionais das equipes técnicas, juízes/as e promotores/as
concordam que ainda não se dispõem de estratégias e diretrizes que
orientem o “como fazer”diante de situações de homoafetividade nas
unidades socioeducativas. A pesquisa identificou algumas iniciativas
no sentido de lidar melhor com essas situações, para respeitar os
ditames legais estabelecidos no SINASE, de um lado, e de outro o
enfrentamento de seus próprios preconceitos diante das recentes
conquistas no campo dos direitos das pessoas LGBT. Em um dos
estados, diante do preconceito por parte de funcionários/as, decidiu-se
começar a “debater, trabalhar a questão”trazendo pessoas da área dos
direitos humanos LGBT para dialogar com a equipe técnica.
Direito à intimidade – a visita íntima na política pública6
No Brasil, a política pública que trata da visita íntima foi
sancionada pela Lei no. 12.594, que entrou em vigor no final de abril
de 2012. Nessa lei, o artigo que trata exclusivamente do direito à visita
íntima e os critérios de elegibilidade a ela é o Art. 68, pelo qual “É
assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em
união estável o direito à visita íntima”, havendo obrigatoriedade de o
visitante ser identificado e registrado pela direção do programa de
atendimento, que emitirá documento de identificação, pessoal e
intransferível, específico para a realização da visita íntima (BRASIL,
2012).
Antes mesmo da aprovação da lei, houve gestoras/es que
instituíram a visita íntima, por exemplo, nos estados de Alagoas e
Pernambuco. Em Alagoas, a visita íntima estava liberada no sistema
socioeducativo desde 2004, e foi contemplada na Portaria Nº. 14/11,
de 22 de Julho de 2011, da 1ª Vara da Infância e da Juventude de
Alagoas.7
6
Entende-se que a “política pública” corresponde a ações, programas, serviços
públicos e demais dispositivos de efetivação de direitos fundamentais.
7
Portaria Nº14/11,de (22 de Julho de 2011) regulamenta o direito à visita íntima,
assegurando-o para maiores de 15 anos, desde que, em qualquer hipótese, manifeste
tal intenção perante a gerência da respectiva unidade, considerando situações tais
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É de se destacar que, desde 2004, em Alagoas, somente uma
garota teve acesso ao exercício desse direito. E, nas outras unidades
visitadas, quando se perguntou o motivo de as garotas não exercerem
esse direito, surgiram afirmações como esta, de um/a profissional:
As meninas não recebem, assim... Elas têm
direitos, o que ocorre é que normalmente o
companheiro abandona, por isso que elas não têm a
visita. Nos últimos 07 anos, nós só tivemos um
caso de menina que recebeu visita íntima na
unidade. Normalmente, o companheiro que ela
tinha lá fora a abandona. Quando tem companheiro
fixo elas são abandonadas (Profissional).
Na ocasião da pesquisa, a visita íntima era permitida, em
Pernambuco, mas somente em unidades masculinas. Segundo um/a
gestor/a desse estado, os encontros se faziam nos alojamentos, e não
em locais destinados especificamente às visitas íntimas, eram bem
planejados, todos os garotos respeitavam os combinados e funcionava
muito bem. Conforme relatos de profissionais nesse estado, a visita
íntima traz aspectos que repercutem até mesmo na própria ocupação
do espaço, gerando novos sentidos em relação aos cuidados consigo
mesmo, com o outro, com o ambiente:
Na sexta-feira eles estão parecendo todos donas de
casa: vassoura, balde, tudo, limpam, lavam lençol,
lavam tudo que tiver pra deixar tudo bem arrumado
e perfumado. Eles fazem faxina no alojamento,
eles limpam tudo, eles preparam a casa e se
preparam para receber a companheira. É curioso,
mas é muito interessante (Profissional).
Os meninos que não recebem visita íntima têm um
comportamento mais agressivo. A visita facilita o
trabalho socioeducativo, o dia da visita é um dia
esperado (Profissional).
Sobre o direito à visita íntima, as falas das garotas de todas as
unidades visitadas eram semelhantes a estas:
Ninguém na unidade feminina recebe visita de
namorado ou marido (Adolescente).
Bem que eu gostaria de ter direito à visita íntima,
eu queria muito ter visita íntima, mas assim, né, eu
não entendo porque não tem (Adolescente).
Nas entrevistas, era comum se justificar a não implementação
da visita íntima acessando mais regularmente discursos sobre
problemas no “espaço físico” das unidades, em lugar de fatores
socioculturais.
como: comprovação de vida marital ou com relacionamento sólido, autorização de
familiares ou responsáveis.
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Resistências de alguns profissionais ao direito à visita íntima,
mesmo estando esta contemplada numa política pública, apareceram
através de relatos enfáticos, alguns com visões conservadoras –
mesmo preconceituosas – da sexualidade na adolescência: “A menina
está cumprindo medida porque é bandida, é vagabunda. Aí, a gente vai
ter que ficar ouvindo gemidos?”(Profissional).
Enunciados como este são úteis para fornecer pontos para
reflexões sobre como e que itinerários percorrer em direção ao
respeito aos direitos humanos, particularmente no que se refere ao
exercício da sexualidade na adolescência.
Discussão
Os resultados da pesquisa permitem discutir a questão dos
direitos sexuais e direitos reprodutivos de mulheres adolescentes e
jovens em situação de privação de liberdade em torno de alguns
aspectos enunciados nas falas das pessoas entrevistadas, tais comoo
significadoe escopo dos DSDR, as limitações do espaço físico e dos
recursos humanos e as relações homoafetivas.
Nas entrevistas, foicomum subentender os direitos
reprodutivos e direitos sexuais ao campo da chamada “saúde maternoinfantil” e das DST/Aids e hepatites virais, à semelhança do que
ocorre noutros setores, por exemplo, o da Saúde. A pesquisa constatou
que, no atendimento às necessidades relacionadas à saúde sexual e
saúde reprodutiva de adolescentes e jovens em conflito com a lei, é
dada prioridade ao direito à assistência ginecológica em comparação
ao direito à privacidade e intimidade e ao direito à diversidade sexual,
sugerindo que o primeiro é considerado mais importante que os
demais. Essa situação não é exclusiva ao sistema nacional de
atendimento socioeducativo. Mas é preocupante observar a
intensidade com que a reprodução das relações de gênero dominantes
no Brasil se manifesta nas unidades femininas de internação e de
internação provisória que integram esse sistema.
O espaço físico emergiu como imperativo para a realização ou
não da visita íntima, nos discursos de juízes/as, promotoras/es e
profissionais das unidades. Esse argumento se sobrepôs aos demais e
foi assinalado em todas as unidades visitadas, especialmente nas
femininas, onde a suposta inviabilidade de um local especificamente
destinado às visitas íntimas foi referido como fator impeditivo das
mesmas. Vale lembrar que nos estados de Alagoas e Pernambuco a
questão do espaço não se tornou impeditivo para a visita íntima nas
unidades masculinas, uma vez que os próprios garotos e as
companheiras que os visitam preferiram que os encontros
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acontecessem nos alojamentos e não em local específico. Essas falas
sobre a indisponibilidade de espaço para visitas íntimas nas unidades
femininas são indicativas de discriminação de gênero e de não
reconhecimento da sexualidade das adolescentes, nem mesmo das
casadas e em união estável, como referido na política pública
instaurada com a lei do SINASE.
As limitações em termos de recursos humanos transpareceram
nas falas do conjunto de profissionais entrevistados, em particular ao
referirem que as unidades não possuem uma política de como abordar
a homoafetividade. Entretanto, a própria omissão é, em si, uma
política que, aliás, pode repercutir no tempo de permanência de
adolescentes e jovens na unidade. Profissionais participantes do
estudo afirmavam respeitar a orientação homoafetiva, mas
reconheciam a dificuldade de lidar com situações conflituosas cuja
emergência atribuem à homossexualidade e sustentavam a
necessidade de “trabalhar” as garotas e de qualificar o quadro
profissional das unidades.
As entrevistas trouxeram uma demanda supostamente baixa
para a visita íntima nas unidades femininas. A esse respeito, perguntase que ações estariam sendo conduzidas de modo socialmente
articulado, nas reflexões e práticas em torno do atendimento
socioeducativo, para se reverter a assimetria de gênero nas relações
entre mulheres e homens.O fato de que as mulheres tendem a
continuar visitando seus parceiros em situação de privação de
liberdade, o mesmo não acontecendo na situação inversa, é uma
questão que merece estudo mais aprofundado, seja entre mulheres
adultas ou adolescentes-jovens. A demanda supostamente baixa para a
visita íntima nas unidades femininas sugere a baixa prioridade dada
aos direitos reprodutivos e sexuais como direitos humanos das
mulheres adolescentes-jovens em conflito com a lei.
É fato que direitos reprodutivos e direitos sexuais pertencem a
uma geração mais jovem de direitos, no entanto, nem por isso menos
relevante. Muitos fenômenos que ganharam visibilidade recente – a
violência contra a mulher, a homofobia, a mortalidade e a morbidade
por aborto inseguro, a expansão do HIV entre as mulheresadolescentes
-, estão associados a fatores diversos, sociais e culturais, entre os quais
se encontra a violação dos direitos sexuais e direitos reprodutivos.
Apesar de estar na pauta dos debates nas Ciências Sociais, o
tema dos direitos sexuais e direitos reprodutivos de mulheres
adolescentes-jovensinternadas em unidades socioeducativas continua
ainda pouco desenvolvido na doutrina jurídica. Essa constatação
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indica a necessidade de pensar os direitos sexuais e os direitos
reprodutivos desse grupona perspectiva das políticas públicas
comprometidascom a efetividade dos seus direitos humanos, quais
sejam, seus direitos fundamentais, econômicos, sociais, culturais e
ambientais.
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SEGURO NA FEBEM-SP: UM OLHAR PARA AS