P&D em Engenharia de Produção, Itajubá, v. 11, n. 2, p. 113-121, 2013
Implantação da inovação em serviços financeiros
com produtos e processos altamente dependentes
de tecnologia da informação
Implementation of innovation in financial services
industries which have products and process with high
dependence of information technology
Marcela Cristina Pereira¹
RESUMO: Este artigo foi desenvolvido com o intuito de discutir a implantação de projetos inovadores no
setor de serviços financeiros, que é um setor altamente dependente de tecnologia da informação - porém
não tem esse fator considerado como um diferencial competitivo devido à homogeneidade existente
entre os competidores, tem um ambiente com uma forte regulação e presta serviços críticos, uma vez
que, pode afetar toda a economia de um país. O artigo discute inicialmente os problemas ao inovar no
setor de serviços como um todo, por causa da heterogeneidade desse setor, a falta de prototipação, o
contato direto com os clientes, a intangibilidade do produto, entre outros fatores. Ao longo do projeto, o
estudo foca no setor financeiro, suas características e como elas influenciam em todo o processo de
implantação da inovação. Durante a discussão, é sugerida uma possível solução para as causas de alguns
dos problemas apresentados. Para ilustrar melhor o assunto apresentado foi utilizado um estudo de caso
que tem como objetivo demonstrar como o envolvimento e entendimento do cliente desde o início do
projeto pode ser um diferencial durante a concepção e implantação do novo processo e/ou produto
altamente dependentes de tecnologia da informação na área de serviços financeiros.
Palavras-chave: Inovação, Problemas ao inovar, Envolvimento do cliente.
ABSTRACT: This article was developed with the purpose to discuss about innovation project
implementation within financial service industry, which is has a high dependence of information
technology, in a regulated environment and critic service, because, this sector can affect in the economy
of the country. This paper were developed with the intention for discuss about the implementation of
innovations projects in the financial services industries, which is a sector with high dependence of
information technology – but this factor being not considered as a competitive differential because it is
very common between the competitors, has an environment with a strong regulation and makes critical
services, because this kind of service can affect the country´s economy. The article discuss in the beginning,
problems about to innovate in service industry as a whole, because some characteristic of this sector, like
heterogeneity of this sector, lack of prototyping, contacting to customers all the time, the intangibility of
the products and others subjects. In this project, the study describes about the financial services industries
and suggests a solution which can be possible for some problems described. For better understanding
about the discussion, this paper shows a case study about how the customer envelopment can be
fundamental during the conception and implementation of the new process and/or product with high
dependence of information technology in the financial services industries.
Keywords: Innovation, Problems of innovates, Customer envelopment.
1.
INTRODUÇÃO
Com um mundo globalizado e altamente competitivo, as empresas - nem que seja por um curto intervalo de
tempo - buscam se destacar de suas concorrentes para conquistar novos consumidores, aumentar sua
participação no mercado ou apenas se manterem vivas. Essa diferenciação acontece muitas vezes através da
implantação de inovações. Porém, conceber e implantar processos e produtos inovadores não é uma tarefa fácil,
considerando que a inovação requer atenção em determinados fatores decisivos para que seus objetivos sejam
alcançados.
1
Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuro - Cadastro
[email protected]
Implantação da inovação em serviços financeiros...
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Durante o processo de inovação, muitas empresas quebram. Existem vários fatores para que isso aconteça e entre
eles podem estar o mau planejamento, incluindo a falta de alinhamento entre a inovação e a estratégia da
empresa, a ausência do escopo da inovação, a atenção dada ao cliente (CHRISTENSEN, 2001), ou simplesmente a
limitação da inovação a departamentos específicos como P&D e TI (KOTLER e TRÍAS DE BES, 2011).
Os serviços são de grande importância para a economia brasileira. Somente em 2010, o setor de serviços
representou 68,5% do PIB brasileiro (IBGE, 2011). Esse setor vem sendo muito discutido uma vez que possui
características bem diferentes do setor industrial. Podem ser traçadas diferenças entre os dois setores com o
objetivo de entender melhor essa tênue divisão. Como características dos serviços podem ser citadas
intangibilidade, simultaneidade entre produção e consumo, impossibilidade de estocagem e contato direto com
o cliente (VERMEULEN, 2001 apud de JONG et al., 2003).
Porém, de acordo com Cook (1999 apud de JONG et al., 2003), nenhuma definição é capaz de descrever toda
diversidade e complexidade do setor de serviço. Por isso, a inovação pode variar de acordo com a especificidade
de cada ramo dentro desse setor, de acordo com as características do produto, criticidade, mercado consumidor
entre outras.
No setor de serviços, a inovação é de natureza imaterial e de difícil proteção por ser facilmente copiada e não
existirem patentes (SUNDBO, 1997), além de haver um forte inter-relacionamento entre o desenvolvimento de
novos processos e produtos, sendo que uma modificação em determinado processo pode gerar novos produtos.
(MANUAL DE OSLO, 2002). Além do mais, o setor de serviço é apoiado principalmente pelo fator humano uma vez
que o conhecimento dos funcionários é fundamental para o sucesso do seu planejamento e execução (SABÓIA
GUALBERTO, 2010).
Todavia, independentemente do tipo de empresa onde a inovação aconteça, ela deve estar alinhada com a
estratégia da organização (SUNDBO, 1997). Para muitos, a restrição para novas ideias pode inibir a inovação, mas
inovar sem um arcabouço pode ser custoso, absurdo e frustrante visto que o resultado final corre o risco de nunca
ser utilizado pela organização (KOTLER e TRÍAS DE BES, 2011) ou, ao esquecer os processos atuais para conceber
o futuro, pode-se chegar a uma solução que atenda à empresa internamente, mas que dificulte e muitas vezes
impossibilite os processos dos seus clientes (HELFAT e TAYLOR, 2009).
O artigo pretende discutir a inovação no setor de serviços financeiros. A empresa estudada tem como
particularidade a alta dependência dos seus clientes aos seus sistemas informatizados, ou seja, qualquer
desenvolvimento ou alteração executada afeta diretamente os processos e sistemas informatizados dos seus
clientes e consequentemente pode modificar suas estratégias ou até mesmo cadeia de valor. Para o estudo em
questão, o artigo foi dividido em capítulos que apresentam as seguintes discussões: problemas que o setor de
serviços encontra para inovar; as características da inovação no setor de serviços financeiros; possíveis soluções
para um dos problemas apresentados no capítulo anterior; estudo de caso contextualizando todos os conceitos
citados e ilustrando os capítulos anteriores e a conclusão de toda discussão realizada.
O artigo tem como objetivo refletir a importância e o inter-relacionamento de vários fatores para que a inovação
aconteça dentro da empresa.
2.
PROBLEMAS PARA INOVAR
Segundo Govindajaran e Trimble (2011), as empresas não foram concebidas para inovar e sim para serem
máquinas de desempenho, visando sempre o maior lucro com o menor custo. E diferentemente das operações,
projetos de inovação, inicialmente, são incertos e podem ter resultados imprevisíveis.
Além do mais, muitas empresas têm a ideia errônea de que a inovação deve ser uma mudança radical nos
processos e/ou produtos da organização cujo resultado deslumbrará os clientes e redefinirá completamente a
estrutura do mercado (KOTLER e TRÍAS DE BES, 2011).
Com o objetivo de encantar o cliente, pode acontecer que a empresa esqueça de definir um arcabouço para sua
inovação. Para muitos, a definição de um escopo é um limitador no momento de inovar e a inovação deve
transcorrer livremente. Porém, qualquer novo projeto dentro da empresa deve estar dentro de determinadas
fronteiras para que o produto final não seja inconsistente com estratégia organizacional.
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Acreditando que a concepção da ideia é a parte mais importante do processo de inovação e que, para que possa
fluir, não deve haver limitadores, as empresas de serviços acabam não formalizando seus processos de inovação.
(de JONG et al., 2003). A ausência de um processo formal de inovação pode acarretar:







Maior duração para desenvolvimento do projeto e consequentemente maior custo,
Atribuição imprecisa de responsabilidades,
Não formação de uma equipe dedicada ao projeto,
Falta de um processo de comunicação entre diferentes áreas participantes do mesmo projeto,
Falta de objetivos claros e precisos relacionados à estratégia organizacional,
Falta de controle e
Falta de planejamento para a implantação do novo processo e produto, o que pode afetar diretamente os
seus clientes e mercados.
Além do mais, inovação no setor de serviço pode ocorrer por meio de alterações conjuntas, em maior ou menor
grau dos produtos já existentes dentro de uma organização. É possível que as mudanças ocorram
simultaneamente em processos e produtos (de JONG et al., 2003, p. 22), sendo que nesse setor a distinção entre
processo e produto pode ser nebulosa (MANUAL DE OSLO, 2000).
Um novo serviço pode ser a combinação de serviços já existentes; por isso, ao inovar, muitas vezes, a empresa
está alterando um produto ou processo que ainda dá lucro (GOVINDAJARAN e TRIMBLE, 2011), o que pode ser
bastante contraditório uma vez que está trocando o certo por algo novo cuja eficiência é imprevisível. Além de a
concepção e planejamento da implantação da mudança ocorrerem simultaneamente com a execução dos
processos e produtos que serão obsoletados, geralmente os recursos humanos utilizados no projeto são os
mesmos utilizados nas operações diárias. Isso tem como consequência os seguintes aspectos:



A dificuldade de mudar hábitos de trabalho e quebrar regras para pensar no novo,
A falta de disponibilidade do recurso em executar os processos diários e focar no projeto de inovação e
O não desenvolvimento da capacidade necessária – conhecimento, relacionamento dentro da empresa, entre
outros fatores chaves – para a execução das novas atividades.
De acordo com Christensen (2001), a implantação da inovação pode exigir conhecimentos diferentes daquele que
a empresa tem. Esses conhecimentos, além de novas tecnologias e processos, também envolvem capacidades
técnicas e características comportamentais dos recursos humanos, que, se não forem bem planejados e
desenvolvidos, podem impossibilitar a implantação do novo processo ou produto.
De acordo com de JONG et al. (2003), no setor de serviços, o fator humano é determinante para a execução das
atividades operacionais diárias assim como para o sucesso de uma iniciativa de inovação uma vez que os
funcionários ficam em contato direto com os clientes da organização, conhecendo-os bem. Porém, a falta de
comunicação clara e de alinhamento dos conceitos sobre o produto ou processo esperado da iniciativa da
inovação faz com que os funcionários não saibam o que deve ser entregue ao cliente final.
Somam-se a isso a impossibilidade de prototipação de um serviço antes de lançar ao mercado e a característica
definida por de JONG et al. (2003), na qual a implantação de um novo processo ou produto no setor de serviços é
vista como um ambiente controlado, de erros e acertos. A falta de capacitação dos funcionários pode ocasionar
grande impacto na imagem da organização uma vez que os clientes acreditarão que a empresa não definiu bem o
que será desenvolvido e entregue, ou que, se o resultado da inovação não está alinhado dentro da empresa, não
é seguro gastar dinheiro e recursos para a implantação do projeto.
Devido ao contato tão direto com o cliente, que é uma das características do serviço, qualquer mudança
perceptível ao mercado durante o processo de implantação pode ser considerada como um mau planejamento e
ocasionar uma não aceitação do projeto que está sendo desenvolvido pela empresa. Além do mais, existe a
necessidade de a organização conhecer a perspectiva e esforço de adequação do seu cliente em relação ao que
está sendo proposto. Por isso, o não envolvimento dos clientes desde as fases iniciais do processo da inovação
pode ser decisivo para o fracasso do projeto.
3.
INOVAÇÃO EM EMPRESAS DE SERVIÇOS FINANCEIROS
Por causa da grande diversidade no setor de serviços, muitas vezes, é necessário limitar o tipo de serviço que será
estudado porque as diferenças relacionadas a produtos oferecidos, tecnologias empregadas, recursos envolvidos,
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mercado competidor, poder de negociação dos clientes e outros fatores são fundamentais para definir as
especificidades do processo de inovação dentro da empresa.
Entre os serviços mais importantes, críticos e inovadores, pode ser citado o setor financeiro, que é composto por
instituições que tem como responsabilidade a captação, intermediação e aplicação dos recursos financeiros na
economia (BARBIERI e SIMDBO, 2009). A importância desse setor está atrelada ao crescimento e fortalecimento
do país uma vez que direciona os recursos a projetos produtivos, viabilizando assim novos investimentos na
economia, fortalecendo as empresas e aumentando o número de empregos (POMBO CORRÊA, 2005).
Uma das características dos serviços financeiros é a alta dependência da tecnologia da informação e da
telecomunicação. Esses elementos são chaves para o desempenho sem falhas de produtos e processos,
atendendo assim às expectativas dos seus clientes, que estão relacionadas a conveniência, velocidade,
simplicidade e baixo custo. Mas, segundo Roxo da Fonseca (2004) tanto tecnologia da informação como
telecomunicação não são consideradas diferenciais competitivos, já que se tornaram commodities, ou seja, são
utilizadas no mesmo nível pelos competidores.
No Brasil, o setor financeiro (SFN) é altamente regulamentado, seja pela União através de leis federais, seja pelos
órgãos normativos por meio de normas expedidas e supervisores cujo papel é regulamentar, fiscalizar e controlar
as atividades do SFN (BARBIERI e SIMANTOB, 2009). O SFN apresenta a seguinte estrutura, conforme quadro 1,
determinada pela lei n 4.596 de 31.12.1964.
Operadores
Entidades
Supervisoras
Órgãos Normativos
Quadro 1 – Órgão reguladores no setor financeiro
Conselho Monetário Nacional (CMN)
Banco Central do
Brasil (BACEN)
Comissão de Valores
Mobiliários (CVM)
Instituições
financeiras
captadoras de
depósito à vista
Bolsa de mercadorias
e futuros
Demais instituições
financeiras
Bolsa de valores
Outros intermediários financeiros e
administradores de recursos de terceiros
Conselho Nacional de Seguros Privados
(CNSP)
Superintendência de
Seguros Privados
(Susep)
IRB - Brasil
Resseguros
Conselho de Gestão
de Previdência
Complementar
(CGPC)
Secretaria de
Previdência
Complementar
(SPC)
Sociedades Seguradoras
Sociedades de Capitalização
Entidades abertas de previdência
complementar
Fonte: BACEN (2008) apud BARBIERI e SIMANTOB (2009, p. 39)
Entidades fechadas
de previdência
complementar
(fundos de pensão)
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A regulação nesse setor tem como objetivo garantir o nível de segurança financeira. Por isso, para inovar, as
empresas do SFN devem atender às exigências do ambiente regulamentado e submeter seus projetos inovadores,
tanto de processo quanto de produto, para a aprovação desses órgãos.
Devido à alta informatização dos processos financeiros, Roxo da Fonseca (2004) cita a dificuldade de inovar por
causa da grande quantidade de sistemas legados existentes. Também deve ser considerada toda a preocupação
que a empresa deve ter para integrar esses sistemas com o menor impacto possível dentro da própria organização
quanto para os seus clientes.
Além do mais, a inovação no setor financeiro tem de considerar a utilização de tecnologias de ponta que sejam
confiáveis, robustas, resilientes e com o melhor custo-benefício (ROXO DA FONSECA, 2004) e, ao mesmo tempo,
ágeis por causa de toda mudança tecnológica atual. As inovações não podem ter, como resultados intermediários
ou finais, erros graves porque o processo de implantação, conforme citado por de JONG et al. (2003, p. 28), é
desenvolvido diretamente com os clientes.
Segundo o relatório da McKinsey Quartely (2007), a inovação no setor financeiro é um desafio maior que em
outros setores de serviços, principalmente por causa da pressão da realização dessa inovação em curto prazo. Por
outro lado, nesse setor, não é possível testar o serviço completamente antes de colocá-lo no mercado. Para
inovações que envolvem processos e sistemas informatizados, a percepção do cliente é coletada durante o
processo de certificação com o mercado (de JONG et al., 2003), o que pode ser um problema uma vez que os
clientes podem não aceitar o que foi definido ou o novo processo/produto pode não ser coerente com o que
existe atualmente, fazendo com que a transição seja traumática para todos envolvidos.
4.
A IMPLANTAÇÃO DA INOVAÇÃO
Com o intuito de diminuir o impacto do resultado da inovação sobre o mercado financeiro e clientes, é
aconselhável que a empresa determine o nível da inovação que será implantada. Os níveis da inovação podem ser
divididos, conforme quadro 2.
Quadro 2 – Níveis da Inovação
Nível da Inovação
Conceito
1 Modelo de Negócio
Mudança em como a empresa gera valor - requer uma reestruturação importante
na empresa ou criação de uma nova rede de negócio
2 Processo
Mudança na logística ou nas vendas ou nas operações
3 Mercado
Mudança visando um novo público consumidor, atendendo novas necessidades
ou estando presente em novas situações de compras e consumo
4 Produto e Serviço
Mudanças tecnológicas, novos modelos ou linhas expandidas direcionadas para
os mesmos consumidores, necessidades e situações
Fonte: KOTLER e TRÍAS DE BES (2011, p. 45)
Definindo o nível da inovação, a empresa pode determinar, de maneira menos aberta, porém ainda como palpite,
os seguintes pontos:




Grau de risco,
Valores de investimento,
Consequência do projeto de inovação para a organização e para o mercado, e
Níveis de responsabilidade na execução do projeto.
Através do mapeamento dos pontos relacionados acima, a empresa pode conhecer quais são os possíveis
impactos que o resultado do projeto inovador trará ao mercado e com isso apresentar aos seus clientes de
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maneira que eles entendam os benefícios, assumam juntamente com a organização os possíveis riscos e absorvam
as alterações que deverão ser executadas.
Porém, pode ser necessário envolver o cliente desde a concepção da ideia. É aconselhável entender como os
clientes realizam seus processos atuais e utilizam os produtos da empresa e não apenas ouvir o que eles dizem
através de pesquisas (CHRISTENSEN, 2001). É fundamental desenvolver produtos e processos que sejam de
necessidade do mercado (de JONG et al., 2003).
Mas, a empresa não pode ter apenas a percepção do cliente uma vez que processos e produtos que parecem ser
inúteis atualmente para o mercado podem suprir necessidades futuras, ou seja, nem sempre será possível que os
clientes conduzam à empresa a inovação porque eles podem não saber do que irão precisar (CHRISTENSEN, 2001).
Contudo, ter a percepção do cliente e monitorar suas reações é fundamental para que aconteça o aprendizado
dentro do projeto de inovação e que as decisões sejam tomadas no momento correto visto que, segundo
Govindajaran e Trimble (2011), as iniciativas de inovação são imprevisíveis e os projetos de inovação são
constituídos inicialmente de palpites. Neste contexto, também deve ser levado em consideração que a inovação
não é um processo linear, podendo haver retrocessos no projeto de inovação (MANUAL DE OSLO, 2000).
Por isso, o objetivo da inovação é diferente do objetivo das operações diárias. Enquanto as operações diárias têm
foco em resultado, a inovação deve ter foco em aprendizado para que os palpites se transformem em previsões
mais confiáveis. (GOVINDAJARAN e TRIMBLE, 2011). Mais importante que o plano inicial do projeto de inovação é
a rapidez no aprendizado que uma organização tem e como esse aprendizado se reflete nas decisões futuras do
projeto. Todavia, de acordo com Christensen (2011), é aconselhável que a empresa busque a menor ocorrência
possível de erros para não perder a credibilidade com todo o mercado.
Por isso, durante a certificação ou durante o processo de comunicação com o mercado, é importante que a
empresa escute e entenda as dificuldades dos seus clientes, garantindo assim o aprendizado do projeto de
inovação e tomando as decisões apropriadas em tempo hábil e pelas responsabilidades corretas.
5.
ESTUDO DE CASO
Para ilustrar os pontos discutidos durante todo o artigo, será apresentado um estudo de caso. O estudo de caso
é um método de pesquisa de natureza empírica que investiga um fenômeno geralmente contemporâneo, dentro
de um contexto real, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto em que ele se insere não são claramente
definidas (YIN, 2001). O estudo de caso, que será apresentada, foi concebido através de observações do projeto
de inovação que está sendo implantado na organização e que afeta seus clientes e todo o mercado financeiro.
O estudo de caso é de uma empresa do setor financeiro que tem como objetivo administrar mercados organizados
de títulos, valores mobiliários e contratos de derivativos, além de ser contraparte central das negociações
realizadas no seu ambiente. A empresa é uma das maiores do ramo no mundo e líder na América Latina. No ano
de 2011, possuía 1527 funcionários.
Atualmente, a empresa passa pelo desenvolvimento e implantação de vários projetos (15 projetos que serão
integrados no final) que têm como objetivo a integração de processos existentes em uma nova plataforma
unificada, extremamente segura e robusta, com uma maior velocidade e capacidade de processamento das
informações e cálculos em tempo real. Como resultado final, a empresa busca também, a simplificação e
padronização dos processos essenciais do backoffice e a inovação em importantes serviços prestados através da
aplicação de novas tecnologias e conceitos que serão empregados.
O estudo de caso discutirá um projeto entre os quinze que estão sendo desenvolvidos. O projeto estudado
pretende unificar os cadastrados de participantes, clientes e contas dentro da organização, que hoje é realizado
em seis sistemas diferentes. Para que a unificação dos sistemas aconteça, é necessário unificar os processos e
conceitos que envolvem esses cadastros. Alterar processos e conceitos do cadastro envolve e afeta muitos
processos internos e todos os clientes da organização.
O projeto de unificação de cadastro não é recente; algumas modificações tiveram de ser executadas nos sistemas
legados para que pudessem começar o entendimento dos processos e planejamento de requisitos do novo
sistema informatizado. Porém, para esse estudo, utilizaremos como data inicial a definição dos requisitos do
sistema, que começou em meados de 2010. Junta-se a isso o conceito empregado no qual se buscou desenvolver
um sistema “altamente” configurável, ou seja, os objetos e regras de negócios não são fixos no código para que,
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durante a transição do modelo antigo para o modelo novo – quando os quinze projetos estiverem integrados –, o
sistema seja facilmente alterado, sendo adaptado ao processo ainda em definição, sem uma grande dependência
da área de tecnologia da informação.
A apresentação inicial dos novos processos e sistema unificado de cadastro aconteceu em outubro de 2011, com
uma previsão de implantação completa para novembro de 2012. A apresentação foi feita com mais de um ano de
antecedência visando o planejamento que os clientes deveriam fazer em seus sistemas para adequá-los ao novo
modelo que estava sendo desenvolvido. Ou seja, os clientes da organização deveriam incluir as modificações nos
seus respectivos orçamentos de 2012.
Para haver o menor impacto possível para os clientes, elegeu-se o sistema legado de cadastro com o maior uso
pelo mercado e, sempre que possível, foram mantidos os conceitos e processos deste sistema. Porém, algumas
especificidades dos outros sistemas foram utilizadas e também foram definidos conceitos totalmente novos que
afetavam todo o mercado e seus modelos de negócio. Todos esses conceitos foram apresentados em 2011 e um
plano foi traçado para que o mercado adequasse seus cadastrados ao modelo proposto, antes do processo de
migração de dados para a nova plataforma. Vale ressaltar que essas modificações exigiam recursos dos clientes
para que fossem executadas.
Durante o processo de adequação de cadastro pelo mercado, um dos modelos propostos, que não existia nos
legados, não foi aceito pelos clientes apesar de ter sido apresentado a eles no ano anterior. Provavelmente, essa
não aceitação ocorreu quando os clientes perceberam que o novo conceito apresentado afetava, e muito, a sua
cadeia de valor, sendo que, em alguns casos, acabaria com o modelo de negócios utilizado por determinadas
organizações.
A empresa teve de rever o novo conceito e adaptá-lo às necessidades do mercado. Outro conceito foi
desenvolvido, com base no sistema legado de maior uso pelo mercado. Apesar da mudança de conceito, os
clientes ainda tiveram de trabalhar suas bases de dados para migração das informações para a nova plataforma,
porém, nesse momento, concordavam e entendiam as alterações necessárias. Como consequência, o novo
conceito desenvolvido alterou muito a estrutura desse sistema especificamente e dos outros sistemas – dentro
dos quinze projetos - que consumiriam as informações, provocando assim vários atrasos e replanejamentos devido
às novas atividades incorporadas no projeto.
Durante o desenvolvimento das modificações solicitadas, o projeto foi integrado ao grupo de discussões entre a
empresa, clientes e órgãos reguladores. Esse grupo foi constituído com objetivo de possibilitar o envolvimento do
mercado nas discussões, deliberações e tratamento das questões relativas aos novos processos e sistemas
resultantes da integração dos quinze projetos. No processo de comunicação e participação do mercado, foi
definido que aconteceriam reuniões de três horas a cada quinze dias. Essas reuniões envolveriam todos os
membros do grupo e teriam como pauta assuntos levantados pelos clientes. Como resultado, esse grupo
publicaria abertamente todos os boletins das reuniões realizadas.
Além do mais, com o objetivo de preparar melhor os clientes, a empresa desenvolveu um documento com a
avaliação das alterações do modelo de negócio proposto, mostrando de maneira detalhada quais seriam as
principais mudanças, os principais impactos e principais benefícios na implantação do projeto. Esse documento
não ficou estático, sendo atualizado e divulgado ao mercado toda vez que alguma alteração aconteceu. A empresa
também executou workshops e conferências com os clientes para que as dúvidas relacionadas ao processo de
transição pudessem ser resolvidas.
Em paralelo a tudo isso, visitas aos clientes foram realizadas com objetivo de entender as dificuldades pontuais de
cada um e propor soluções. Durante essas visitas, a empresa teve de abrir concessões e fazer alterações pontuais
no projeto visando o menor impacto nos processos e sistemas dos seus clientes. Todas as concessões executadas
causaram impacto para o projeto; algumas foram absorvidas sem nenhum atraso de datas, porém outras não.
Inicialmente, o projeto tinha a data de implantação para novembro de 2012. Com todo o aprendizado, mudança
de estratégia, modelos e adaptação dos clientes, a nova data foi proposta para junho de 2013. Essa data será
cumprida, caso todo o modelo definido seja aprovado pelos órgãos reguladores.
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6.
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CONCLUSÃO
O conceito de inovação é muito amplo. Independentemente do setor – serviços ou manufatura –, as empresas
enfrentam muitos problemas que algumas vezes são idênticos, como é o caso da falta de um arcabouço para
inovar ou o não alinhamento da estratégia da organização com o objetivo do projeto de inovação.
Porém, devido às características do serviço, existem problemas específicos da inovação, como a barreira quase
imperceptível entre produto e processo. Além do mais, com a existência de uma grande heterogeneidade de
serviços, é difícil definir características, problemas e impactos da inovação no setor como um todo, sendo
necessário muitas vezes delimitar o escopo do serviço que está sendo discutido.
O impacto do projeto de inovação diretamente no cliente é uma característica do setor, porém, ao falar do setor
financeiro, esse ponto torna-se altamente crítico uma vez que esse setor é totalmente dependente da tecnologia
da informação e qualquer mudança no processo ou tecnologia pode afetar estruturalmente um cliente específico
ou todo o mercado.
Além do mais, mudanças tecnológicas nos serviços financeiros não são visualizadas como diferencial competitivo,
ou seja, não são percebidas pelo cliente. Logo, se a empresa cometer algum erro grave durante o processo de
inovação, poderá perder toda credibilidade com o mercado, sendo difícil conseguir a recuperação da sua imagem.
Ao longo do artigo, discutiu-se a importância da participação do cliente na concepção da ideia do projeto inovador
e de sua implantação. Manter parcerias com os clientes nos processos de inovação que os afetam pode ser
fundamental para o sucesso do resultado alcançado. Apesar de o estudo não ser conclusivo, acredita-se que a
empresa terá maior aprendizado e menor impacto se, além de ouvir seus clientes, também for capaz de entender
seus processos, e fazer análises sobre necessidades futuras, tomando suas decisões nos momentos corretos.
Acredita-se que esse estudo possa ser aprofundado levando em consideração também a capacidade da
organização – recursos humanos, processos, conhecimentos – para que o contato com o cliente seja feito de
maneira mais assertiva e que melhores dados possam ser extraídos.
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http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/1235/1/2010_S%C3%ADlviaSab%C3%B3iaGualberto.pdf. Acesso em:
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