CPV O cursinho que mais aprova na FGV
50 %
Resolução FGV Direito
das vagas da
GV D ireito
ficaram para os alunos do
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Artes Visuais e Literatura
ARTES VISUAIS E LITERATURA
Os textos a seguir, ambos extraídos de clássicos da Literatura Internacional, são a base para a Questão A de Artes Visuais e
Literatura; leia-os atentamente e responda aos subitens, a e b, propostos
Texto 1
“As pequenas maçãs vermelhas rolavam como que eletrizadas pelo chão e batiam umas nas outras. Uma maçã
atirada sem força raspou as costas de Gregor mas escorregou sem causar danos. Uma que logo se seguiu, pelo contrário,
literalmente penetrou nas costas dele; Gregor quis continuar se arrastando, como se a dor surpreendente e inacreditável
pudesse passar com a mudança de lugar; mas ele se sentia como se estivesse pregado no chão e esticou o corpo numa
total confusão de todos os sentidos. Com o último olhar ainda viu a porta do seu quarto ser escancarada e a mãe se
precipitar de combinação à frente da irmã que gritava; pois a irmã a tinha aliviado das roupas para permitir que ela
respirasse com liberdade enquanto estava desacordada; viu-a correr ao encontro do pai e no caminho caírem ao chão,
uma a uma, as saias desapertadas; e viu quando ela, tropeçando nas saias, chegou até o lugar onde o pai estava e,
abraçando-o, em completa união com ele — mas nesse momento a vista de Gregor já falhava —, pediu com as mãos na
nuca do pai, que ele poupasse a vida de Gregor.”
Kafka, Franz. A metamorfose.
Tradução de Modesto Carone, São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 58.
Texto 2
“Estes cegos, se não lhes acudirmos, não tardarão a transformar-se em animais, pior ainda, em animais cegos. Não
o disse a voz desconhecida, aquela que falou dos quadros e das imagens do mundo, está a dizê-lo, por outras palavras,
noite alta, a mulher do médico, deitada ao lado do seu marido, cobertas as cabeças com a mesma manta, Há que dar
remédio a este horror, não aguento, não posso continuar a fingir que não vejo, Pensa nas consequências, o mais certo
é que depois tentem fazer de ti uma escrava, um pau-mandado, terás de atender a todos e a tudo, exigir-te-ão que os
alimentes, que os laves, que os deites e os levantes, que os leves daqui para ali, que os assoes e lhes seques as lágrimas,
gritarão por ti quando estiveres a dormir, insultar-te-ão se tardares, E tu, como queres tu que continue a olhar para estas
misérias, tê-las permanentemente diante dos olhos, e não mexer um dedo para ajudar, O que fazes já é muito, Que faço eu,
se a minha maior preocupação é evitar que alguém se aperceba de que vejo, Alguns irão odiar-te por veres, não creias
que a cegueira nos tornou melhores, Também não nos tornou piores (...) tu não sabes o que é ver dois cegos a lutarem,
Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira, Isto é diferente, Farás o que melhor te parecer, mas não te
esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente cegos, sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso
e pitoresco dos ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos...”
Saramago, José. Ensaio sobre a cegueira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995, pp. 134-135.
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Questão A
O caráter expressionista da novela A Metamorfose, de Franz Kafka, parece prenunciar a alegórica percepção contemporânea
de José Saramago contida em Ensaio sobre a Cegueira. Os dois trechos selecionados “flagram” instantes bastante
significativos, reveladores, das narrativas de que fazem parte; a partir deles, desenvolva os subitens a seguir:
a) Identifique os procedimentos alegóricos presentes nos respectivos trechos e estabeleça, por meio da análise de seus
elementos constitutivos, as semelhanças e diferenças que guardam entre si. (1)
Resolução do CPV:
No texto de Franz Kafka, A Metamorfose, a alegoria da transformação do ser humano em inseto é ilustrativa da
passagem radical de Gregor Samza da condição de produtivo e bem visto no âmbito familiar à de parasita, um verdadeiro
estorvo a ser eliminado e isolado do convívio social. Do mesmo modo, a tranformação está presente em Ensaio sobre
a Cegueira, alegorizada, todavia, pela cegueira branca, a qual ilustra a passagem das personagens consideradas produtivas
perante a sociedade e o Estado à condição de ameaça social, sendo tratadas como animais e loucas.
A idéia de transformação e degradação do ser no mundo macro (Ensaio sobre a Cegueira) e microsocial (A Metamorfose) surge
como característica semelhante às alegorias presentes nas duas obras. Além disso, subjaz a ambas a crítica à perspectiva segundo
a qual os indivíduos são valorizados e julgados a partir do que eles podem ou não produzir socialmente.
O que as diferencia, no entanto, é justamente o âmbito de abrangência que, em A Metamorfose, refere-se à desagregação do ser
(alienado pelo trabalho) e à tragicidade familiar, enquanto, em Ensaio sobre a Cegueira, há a mesma desagregação e alienação
(devido ao excesso de razão e de pragmatismo dos indivíduos), mas refletida no pano de fundo social.
b) Que elementos de crítica social podem ser depreendidos do binômio visão/cegueira presente nos fragmentos destacados?
Justifique sua resposta. (2)
Resolução do CPV:
Em ambos os contextos, a cegueira vincula-se à alegoria da alienação e da dissolução de sentido das relações humanas (potencializadas pelo
excesso de razão) que se torna impossível no âmbito da intolerância com as diferenças. A racionalidade exacerbada impede que a condição
humana de tais personagens seja considerada por seus semelhantes, como se verifica nos excertos de A Metamorfose e de Ensaio sobre a
Cegueira, respectivamente:
"Uma maçã atirada sem força raspou as costas de Gregor (...). Uma que logo se seguiu, pelo contrário, literalmente penetrou nas costas dele;"
"...não te esqueças daquilo que nós somos aqui, cegos, simplesmente, sem retóricas nem comiserações, o mundo caridoso e pitoresco dos
ceguinhos acabou, agora é o reino duro, cruel e implacável dos cegos...".
Em contrapartida, a visão comparece como alegoria do compromisso coletivo e humano com a reconstrução de um sentido para as relações
humanas e para a existência dos indivíduos. A "cegueira" do pai de Gregor Samza em A Metamorfose, e a cegueira branca do médico em Ensaio
sobre a Cegueira apontariam para o âmbito da dissolução e da intransigência, enquanto a visão de Grete Samza e da mulher do médico apontaria
para o clichê da mulher como elemento de fraternização, tolerância e reconstrução das relações humanas e do significado de existência.
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Questão B
Os cinco minutos iniciais do filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, foram descritos pelo jornal inglês “The
Guardian” como uma das melhores cenas de perseguição da história do cinema. Nela, vemos a preparação de um
churrasco, com samba, cerveja e uma galinha sendo morta enquanto outra tenta fugir do mesmo destino; após escapar,
ela é perseguida sob a mira dos revólveres do personagem Zé Pequeno e de seu exército de crianças da favela. Podemos
observar nessa curta passagem vários dos elementos estéticos — inclusive os lingüísticos — que serão utilizados pelo
diretor no decorrer do filme, seja na montagem, na fotografia, no som ou no roteiro. Identifique pelo menos quatro
desses elementos e descreva, em um texto dissertativo, de não mais do que 15 linhas, como se apresentam na obra. (3)
Resolução do CPV:
Na passagem de Cidade de Deus a que o enunciado se refere, podem ser verificados os seguintes recursos estéticos:
Uso de flashbacks — a cena inicial motiva o narrador - Buscapé - a retomar a história da favela e a de alguns personagens emblemáticos da Cidade
de Deus. Os flashbacks, ao longo da narrativa, constituem-se como elementos coesivos;
Recurso da câmera na mão — aproxima a narrativa da estética do documentário. A característica documental é retomada, ao final, quando são
intercaladas ao filme cenas do Jornal Nacional que fazem referência ao tiroteio ocorrido na Cidade de Deus;
Uso de filtros coloridos — cada época da história é delimitada por cores distintas:
— na primeira, há o predomínio de tons terrosos;
— na segunda, há um excesso de cor, que denota a psicodelia dos anos 70 e,
— na terceira, de que faz parte o trecho mencionado, destacam-se cores frias, com tons de azul e cinza, que marcam o fato de que a Cidade de Deus
já havia sido arquitetonicamente desfigurada e que a relação entre os traficantes e a comunidade caracterizava-se como opressora;
Adoção de perspectiva realista — por meio desse recurso, transmite-se ao espectador a sensação de verossimilhança que, ao longo do filme,
é corroborada pelo fato de a narrativa ser conduzida a partir da perspectiva de Buscapé - personagem que não compartilha das práticas de violência
que caracterizam o morro e, por isso, permite que haja identificação por parte do público de classe média que assiste ao filme;
Adoção da perspectiva de alguns personagens — no trecho a que o enunciado faz referência é possível perceber, por meio de um recurso de
filmagem, que a câmera assume a perspectiva da galinha que é perseguida por Zé Pequeno e seu bando. Esse recurso também é empregado, por
exemplo, no momento em que Zé Pequeno e Bené decidem tomar todas as "bocas": a câmera focaliza o rosto dos dois a partir da perspectiva das
vítimas (de baixo para cima).
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Questão C
Observe, com atenção, a reprodução da obra da página seguinte.
Trata-se de “Bicho”, da artista mineira Lygia Clark. Ela reflete um
momento importante na história da arte brasileira, que é a defesa
da participação do observador na obra de arte; ao mesmo tempo,
contém em sua forma elementos que dialogam com a tradição da
arte, em particular, da arte concreta. A obra foi realizada em alumínio,
visando a permitir sua reprodução em escala industrial.
Considerando os elementos presentes na obra e as informações
ora trazidas, responda, em um texto dissertativo, de não mais do
que 15 linhas:
a) Quais movimentos culturais e sociais fizeram parte desse
período?
b) Que elementos da obra evidenciam o diálogo mencionado
nesta Questão?
c) Como a participação do observador pode ocorrer nessa obra?
d) Em que medida o uso do material reflete o contexto brasileiro
no fim dos anos 50 e início dos 60? (4)
Resolução do CPV:
Do período artístico em que se insere a obra de Lygia Clark, meados do século XX, fazem parte o Concretismo e o Neoconcretismo, perspectivas
experimentais e construtivistas de arte, ligadas ao contexto do desenvolvimentismo industrial do período JK.
Primeiramente, o Concretismo exacerbando a racionalidade da produção artística, inserindo o objeto e a produção da arte no mundo da produção
industrial, conferindo à arte uma dimensão política e social objetivas, restringindo a presença da subjetividade e da significação das formas;
associando recursos angariados da música, da literatura, da arquitetura e das artes plásticas para exacerbar a importância do trabalho formal em
detrimento do sentido e de uma metafísica do próprio fazer e do objeto artísticos.
Posteriormente, todavia, uma discordância a respeito da radicalização do racionalismo e do objetivismo do Concretismo original levou o movimento
a uma dissidência. O grupo de Concretistas do Rio de Janeiro, de que fez parte Lygia Clark, sugere então o Neoconcretismo, imbuído da crença da
necessidade de uma significação extra-forma para a arte, de uma espécie de metafísica que extrapolasse o elemento estritamente materialista dos
Concretos originais.
Lygia Clark leva essa necessidade ao limite, incorporando o público observador na produção da forma e do sentido de sua arte, sobretudo aquela
que caminha nos interstícios entre a arquitetura e a arte plástica. Como ocorre em Bicho, objeto composto por placas de metal geometrizadas,
ligadas entre si por dobradiças, e que se apresenta ao público observador como escultura e arquitetura móvel, como forma inacabada, como forma
manipulável, como experiência sensorial e como processo de construção de que o observador se torna co-responsável pela forma e sentido
definitivos.
Tal conceito de arte construtivista, como produção participativa, como processo inacabado e cooperativo, como processo industrial de conjunção
de ações, em que se supervaloriza a produção muito mais que o objeto final, porque esse depende da interação entre o artista, o processo de
construção e o espectador-agente, coaduna-se inteiramente com o momento de redemocratização e desenvolvimentismo industrial por que passava
o Brasil no período J.K, inspirado no lema "cinqüenta anos em cinco".
COMENTÁRIO DA PROVA
A prova de Artes Visuais e Literatura da EDESP da FGV 2009 não ofereceu grandes dificuldades aos candidatos, embora tenha exigido conhecimentos
específicos sobre as obras tratadas. A solicitação da análise de Ensaio sobre a Cegueira, em comparação com A Metamorfose, era prevista,
sobretudo em função das críticas sociais subjacentes a ambas. Com relação ao filme Cidade de Deus, manteve-se a mesma característica das provas
anteriores, exigindo-se do candidato mais que o simples conhecimento acerca do enredo — a Banca da FGV solicitou que os vestibulandos
analisassem os elementos estéticos constituintes da estética do filme. A obra Bicho, de Lygia Clark, foi tema de uma questão bem formulada e que
possibilita avaliar os conhecimentos do candidato não só em relação à obra propriamente dita, mas como ela se insere no contexto histórico-social
em que foi produzida. Em síntese, foi uma prova bem elaborada que, certamente, selecionará os alunos mais bem preparados.
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