A MEDIAÇÃO ENTRE O ALUNO E OS CLÁSSICOS
UNIVERSAIS
Elisangela Fátima Nogueira Godêncio (USP/FACEQ)*
Resumo:
O trabalho aqui apresentado pretende verificar como é possível desenvolver com educandos
leituras significativas se valendo dos textos clássicos. Para isso propõem-se ao professor de
Língua Portuguesa uma reflexão sobre procedimentos didáticos diversificados para o
desenvolvimento da competência leitora com a finalidade de despertar nos educandos o prazer
e o encantamento pela leitura. Sendo assim, em princípio será feita uma abordagem referente
aos gêneros discursivos de Bakhtin; a seguir destacaremos a importância de trabalhar com
textos clássicos em sala de aula e, para finalizar, falaremos sobre estratégias de leitura.
Palavras-Chave:
Leitura, textos clássicos, competência leitora.
Abstract:
The work presented here aims to see how you can develop with students taking advantage of
significant reading classical texts. To propose this to the Portuguese Teacher's a reflection on
teaching diverse procedures for the development of competence reader in order to foster in
students the pleasure and delight in reading. Thus, in principle, be made an approach
regarding the genres of Bakhtin, then highlight the importance of working with classic texts in
the classroom and, finally, talk about reading strategies.
Key words:
Reading classical texts, reader expertise.
*
Doutoranda em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP); Professora de Literatura
da Faculdade Eça de Queirós (FACEQ).
1
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
Introdução
O estudo aqui apresentado analisará como podemos nos apropriar de textos clássicos
para desenvolver um trabalho em sala de aula. Para tanto, é necessário ressaltar que
proporcionar ao aluno condições para que se crie estratégia de leitura é fundamental para
despertar o gosto pela leitura e o interesse por textos que, aparentemente, não os reportem a
época em que estão inseridos, mas trazem em seu corpo uma temática atual.
Trata-se de uma proposta que atende à necessidade de estudo acerca do gênero textual,
propiciando a interação entre texto e leitor, e ao trabalho com os textos clássicos em sala de
aula, utilizados como mote para despertar no educando o prazer pela leitura.
Há pretensão de se reportar aos gêneros discursivos de Bakhtin, pois esses se mostram
como formas de enunciados produzidos historicamente, encontrando-se disponíveis na
cultura, tais como: notícia, reportagem, conto (literário, popular, maravilhoso, de fadas, de
aventura...), romance, dentre outros. Esses gêneros são de importante valia para o
desenvolvimento da compreensão leitora, pois possibilita a identificação da intencionalidade
que cada tipo de texto traz em si.
Importante ainda ressaltar que o enfoque dado estará direcionado ao trabalho com os
textos clássicos, pois pelo tipo de discurso que esses textos abarcam, o literário, é possível
construir uma proposta de leitura que não valorize tanto os fragmentos e adaptações e traga a
tona os textos originais.
Gêneros e interação texto/leitor
Para dar uma melhor fundamentação a esse estudo é necessário que se faça uma breve
explanação acerca dos gêneros discursivos de Bakhtin. Antes de tudo, o gênero não pode ser
concebido senão como um conceito plural: reporta-se às formações combinatórias da
linguagem em suas dimensões verbal e extraverbal. Os gêneros também articulam formas
discursivas criadoras da linguagem, de visões de mundo e de sistema de valores configurados
por pontos de vista determinados.
2
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
Embora Bakhtin tenha pressuposto que, exclusivamente, as ciências humanas podem
ser dialógicas, no processo de construção do conhecimento, hoje as ciências ditas duras não se
evidenciam mais como formas monológicas de conhecimento. Pesquisas atuais enfatizam que
também nessas áreas ditas exatas abandona-se a ideia de conhecimento apenas como a
descrição de um conjunto de fatos existentes à espera de uma explicação plausível. Cada vez
mais se pensa na construção do conhecimento como a matéria resultante da ação mutua entre
discursos que buscam prevalecer uns sobre os outros. A esses fatores atribui-se o conceito de
dialogismo que é concebido por Bakhtin “como o princípio constitutivo da linguagem e a
condição do sentido do discurso”. (BARROS, 1999: 2)
Em outras palavras, concebe-se o dialogismo como o espaço interacional entre o eu e
o tu ou entre o eu e o outro, no texto. Bakhtin ao fazer referências freqüentes ao “outro”
afirma que nenhuma palavra é nossa, mas traz em si a perspectiva de outra voz. O estudo das
relações dialógicas entre o eu e o tu compreende tanto o da interação verbal entre sujeitos,
propriamente dito, quanto o das relações de interpretação que se estabelece no texto. Nessa
perspectiva, o sujeito deixa de ser o centro da interlocução que passa a estar não mais no eu
nem no tu, mas no espaço criado entre ambos, o texto.
Pode-se definir texto como “ocorrência lingüística falada ou escrita, de qualquer
extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica ou formal”. (COSTA VAL, 1994:
3) O texto não significa exclusivamente por si mesmo. Seu sentido é construído não só pelo
produtor como também pelo recebedor. Isso nos mostra que durante a leitura, o leitor não
interage diretamente com o emissor, e sim por meio do texto.
Para que um texto seja considerado como unidade significativa e não apenas como
uma seqüência de frases, é importante conceituar a coerência, fator responsável pelo sentido
do texto. A coerência estabelece-se na interação e na interlocução (comunicação entre dois
usuários). É um princípio da interpretabilidade e compreensão do texto, mas para que ocorra a
total compreensão o leitor precisa deter os conhecimentos necessários à interpretação do
texto, pois aquele que produz o discurso não ignora essa participação e conta com ela.
Importante verificar que grande parte dos conhecimentos necessários à compreensão dos
textos não vem explícita, mas fica dependente da capacidade de pressuposição e inferência do
recebedor.
3
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
A compreensão de um texto é um processo que se realiza pela ativação do
conhecimento prévio, elemento base subjacente para estabelecimento da coerência. Divide-se
em três níveis: conhecimento lingüístico (abrange desde o conhecimento de como pronunciar
as palavras em português até o conhecimento sobre o uso da língua); conhecimento textual
(está relacionado à classificação do texto quanto à estrutura, por exemplo: texto narrativo,
expositivo, descritivo); conhecimento de mundo ou enciclopédico (representa tudo o que se
conhece e que está arquivado na memória). Assim, “a coerência do texto deriva de sua lógica
interna, resultante dos significados que sua rede de conceitos e relações põe em jogo, mas
também da compatibilidade entre essa rede conceitual - o mundo textual - e o conhecimento
de mundo de quem processa o discurso”. (COSTA VAL, 1994: 6)
Desse modo, constata-se que o leitor atribui sentido ao que foi escrito por outro,
interagindo com o texto, o contexto e seus conhecimentos lingüísticos e culturais. A
compreensão leitora depende dos saberes que o leitor possui e esses interagem,
constantemente, com as “chaves” que o texto lhe proporciona, que são aquelas encarregadas
de ativa esses saberes. Além disso, “quanto mais os esquemas de um leitor se aproximam
daqueles que o autor de um texto lhe propõe, mais facilmente esse leitor compreenderá”.
(GALDOLFI, 2005: 9) Em se tratando de alunos do Ensino Fundamental e Médio, ao
estabelecerem contato com os clássicos, provavelmente, precisarão ser mediados pelo
professor para que ocorra a compreensão desses textos. Dificilmente, os saberes que esse
leitor possui serão suficientes para que esse texto produza algum significado.
A maneira como nos apropriamos do universo, das informações que nos cercam e os
incorporamos ao nosso repertório cognitivo (representando, descrevendo, avaliando por meio
da linguagem) faz parte da função da nossa própria condição humana. Entretanto, esse
processo de apropriação é moldado pela interação dialógica com o mundo. Embora os
mecanismos do pensamento possam ser concebidos como universais, os conteúdos são
socialmente construídos e, portanto, são histórica e culturalmente determinados. Nesses
termos vale dizer que o conhecimento humano é construído através de gêneros – linguagem
usada em contextos recorrentes da experiência humana, socialmente compartilhados.
Percebe-se porém que os gêneros discursivos se pretendem múltiplos, pois as
possibilidades da atividade humana são infindáveis. Por isso, em toda atividade humana (o
4
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
jornalismo, a ciência, a literatura, a vida humana, etc.) existe uma quantidade significativa de
gêneros que se modifica na medida em que a atividade dessa esfera se desenvolve. Por
exemplo, na literatura há um número considerável de gêneros discursivos, são eles: conto,
romance, novela, poesia, crônica, dentre outros. Desse modo, “os gêneros discursivos, por
mobilizarem diferentes esferas da enunciação representam unidades abertas da cultura. São
depositários de formas particulares de ver o mundo de épocas históricas”. (BRAIT, 2005:
147)
Para que o professor possa proporcionar ao seu aluno uma leitura crítica do mundo,
das coisas, dos textos, é necessário que ele procure conhecer profundamente teorias que o
permitam trabalhar de forma adequada com os gêneros.
Entretanto, professores precisam adotar uma concepção de gênero e a partir dela
delinear meios de como introduzi-lo adequadamente em sala de aula. Definições de gêneros
que os concebem como ação social e como manifestação do discurso, nas mais diversas
práticas sociais do homem, são as que melhor proporcionariam uma análise mais completa no
que diz respeito à relação texto, discurso, contexto e estrutura social.
A relação dos gêneros com suas respectivas situações comunicativas são de extrema
importância para o contexto de ensino, principalmente, porque envolve um contexto
específico, no qual se verifica uma dada situação concretizada por indivíduos que constitui e
representa o discurso. Sendo assim, o gênero constitui-se em uma ferramenta de aquisição de
conhecimento discursivo para professores e alunos em sala de aula.
Para Bakhtin, três elementos configuram um gênero discursivo: conteúdo temático,
estilo e construção composicional. O conteúdo temático diz respeito à abordagem dos objetos
(temas) que passam pelo processo de valoração de uma determinada esfera em determinado
tempo e contexto (dito de outro modo, é o que pode tornar-se dizível por meio dos gêneros);
estilo está relacionado à seleção dos recursos léxicos, fraseológicos e gramaticais utilizados
para compor o gênero (é derivado da posição enunciativa do locutor, entre outros elementos);
e a construção composicional concerne às formas de composição e acabamento dos
enunciados, ou seja, ao arranjo esquemático em que o conteúdo temático se assenta e aos
modos discursivos de organização textual (narração, descrição, etc.).
5
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
Numa interpretação da reflexão bakhtiniana, verifica-se que a noção de gênero
discursivo reporta ao funcionamento da língua em práticas comunicativas reais e concretas,
construídas por sujeitos que interagem nas esferas das relações humanas e da comunicação.
Assim, as intenções comunicativas e as necessidades sócio-interlocutivas dos sujeitos
produtores de enunciados (locutor e destinatário caracterizados historicamente) são parte das
condições de produção dos enunciados ou dos gêneros discursivos. Estes, pois, são
determinados socialmente e são peculiares às esferas de relações da sociedade ou esferas do
uso da língua (pública ou privada) nas quais surgiram.
Cada esfera do uso da língua potencializa seus próprios gêneros, torna-os permanentes
para organizar seus discursos. Desse modo, a variedade dos gêneros é infinita porque “cada
esfera da atividade humana comporta um repertório de gênero do discurso que vai
diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais
complexa”. (BAKHTIN, 1992: 279)
O gênero discursivo sempre se dirige a um interlocutor (aquele que recebe a
mensagem) que não se limita a compreender o locutor (emissor). Cada gênero discursivo, em
cada uma das esferas de uso da linguagem, tem uma concepção padrão do seu destinatário.
Esse destinatário sempre adota uma atitude responsiva ativa que é possível graças à totalidade
acabada do gênero. Essa totalidade acabada do enunciado do discurso é determinada por três
fatores: “o tratamento exaustivo do objeto do sentido; o intuito de querer-dizer do locutor; as
formas típicas de estruturação do gênero do acabamento”. (BAKHTIN, 1992: 299)
Os gêneros acabados podem ser divididos em dois grandes conjuntos: gêneros
primários e secundários. Os primários originam-se de circunstâncias de comunicação
espontânea em instâncias privadas, e os gêneros secundários provêm de circunstâncias de
comunicação cultural em situações discursivas construídas em instâncias públicas, como os
gêneros jornalísticos. Esses gêneros espontâneos ou formais marcam a língua escrita em cada
época de seu desenvolvimento e propiciam que ela penetre na vida e na língua do mesmo
modo.
A noção de gênero discursivo se mostra relevante quando se consideram as diversas
classes de textos que se encontram em seu interior. Independente das limitações que toda
tipologia traz consigo e da multiplicidade de classificações o importante, para o receptor, é
6
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
detectar que o conhecimento do gênero acaba gerando uma expectativa a respeito do que se
pode encontrar em uma poesia ou em uma fábula, por exemplo, ou em qualquer outro gênero.
Sob essa perspectiva o conhecimento do gênero proporciona a compreensão de um
texto em toda a sua complexidade, pois um gênero não se resume, única e exclusivamente, a
um modelo formal, a uma tipologia textual, mas também a uma estrutura comunicativa que
apresenta uma intencionalidade. Tomemos como exemplo uma receita, essa carrega em seu
interior uma intencionalidade basicamente informativa, pois esse texto oferece ao leitor
informações de como preparar um determinado prato.
Sendo assim, o reconhecimento do gênero discursivo oferece ao leitor indicações
acerca de como ler e, sobretudo, é fundamental para orientar como um texto deve ser
interrogado para que possa, primeiramente, compreender o texto lido partindo, em seguida,
para a reflexão.
Portanto, o ensino de gêneros seria, pois, uma forma concreta de dar poder de atuação
aos educadores e, por decorrência, aos seus educandos. Isto porque a maestria textual requer a
intervenção ativa de formadores e o desenvolvimento de uma didática específica.
Clássicos: para ler e reler
Construir uma proposta de leitura na escola utilizando os textos clássicos não é uma
tarefa fácil, pois requer várias reflexões sobre um tipo de discurso, o literário. Nota-se, por
outro lado, que a escola costuma considerar os clássicos da literatura como textos sagrados e
por causa disso as análises que se seguem acerca desses textos, na maioria dos casos, não
atingem um ingresso pleno na problemática do texto, atendo-se a sua superficialidade.
Por esse motivo, observa-se que, nos últimos tempos, tem havido uma tendência
crescente a não ler textos autênticos e completos. Na maioria das vezes, não se faz menção de
que a versão original de “O patinho feio” foi escrita por Andersen, por exemplo. Os textos
autênticos ficam representados, hoje, pelos fragmentos e pelas adaptações, fazendo com que
os originais fiquem esquecidos.
Para que a escola se converta a um cenário de leitura de textos literários, é necessário
que o professor deixe um pouco de lado as adaptações e fragmentos e retorne, sem receios,
7
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
aos textos originais. Desse modo, o educador poderá adquirir o que podemos chamar de
“consciência literária”.
Quando lidos desde cedo, os clássicos, passam a fazer parte indissolúvel da bagagem
cultural e afetiva que seu leitor incorporou pela vida afora. Interessante seria se a primeira
leitura fosse um mergulho nos textos originais, mas temos que considerar que o entendimento
desses textos depende da maturidade do leitor. Ainda assim, crê-se que se deve tentar
promover a oportunidade do primeiro encontro na esperança de que possa ser sedutor,
atraente, tentador e que possa resultar na construção de uma lembrança (mesmo vaga) que
fique por toda a vida. Portanto, “O professor não deve se privar nem privar seus alunos deste
prazer: o prazer do texto como uma totalidade, o prazer do ler um texto e ler, com ele, um
mundo”. (GALDOLFI, 2005: 34) Se o leitor travar conhecimento com um bom número de
narrativas clássicas desde cedo, esses eventuais encontros com nossos mestres da Língua
Portuguesa terão probabilidade de acontecer quase que naturalmente no final da adolescência.
Muito se comenta sobre o prazer que a leitura proporciona, mas essa noção, às vezes,
se confunde um pouco. Evidente que se atribui à leitura o fator divertimento e entretenimento,
mas esse não é o fator principal. A leitura dos bons livros de literatura traz também ao leitor o
contentamento de descobrir em um personagem alguns elementos em que ele se reconhece,
por exemplo. A leitura, também, nos carrega para outros mundos e, paralelamente, nos
propicia uma intensa vivência enriquecedora que é garantia de uma leitura prazerosa.
A busca pelo prazer em realizar a leitura instala-se numa troca interativa, entre leitor e
texto, num jogo sedutor. Trata-se, porém, de um jogo a dois, pois “Quando lemos um clássico,
ele também nos lê, vai nos revelando nosso próprio sentido, o significado do que
vivemos.” (MACHADO, 2002: 22) Observa-se também que a literatura não é um mero jogo
com a forma, mas, além da inevitável relação com o conteúdo, uma vez que ambos são
inseparáveis, há uma significativa relação com o contexto, com reflexões éticas e com
algumas considerações filosóficas sobre o mundo. Em outras palavras, se a escola não
considerar esse tipo de leitura como primordial, estará perdendo de vista essas reflexões.
Ainda vala ressaltar que, retornar uma vez ou outra aos textos literários, já que disso
depende a sua compreensão, é absolutamente necessário, pois “um clássico é um livro que
nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. (MACHADO, 2002: 23) Deve-se
8
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
aprender a degustar a leitura e a releitura de um clássico com novos olhares, pois, neste caso,
o que se transforma são os olhos com os quais esses textos são lidos e não o mundo.
Estratégias de Leitura
No momento de ensinar a ler e a compreender, é necessário reconhecer que o texto não
basta para estabelecimento da compreensão. É fundamental que o professor programe, antes
da leitura, estratégias didáticas que permitam ativar os esquemas relevantes para entender esse
texto. Isso deve ocorrer não apenas superficialmente, mas, principalmente, propiciando ao
aluno a oportunidade de ampliar e desenvolver a informação prévia.
Podemos considerar estratégias, de um modo geral, como suspeitas inteligentes,
embora arriscadas, sobre o caminho mais adequado que devemos seguir. A mentalidade
estratégica é caracterizada pela flexibilidade, para se encontrar soluções, e pela capacidade de
analisar e representar os problemas. Nesse primeiro momento, estamos nos remetendo a
qualquer estratégia utilizada para desenvolver uma ação. Quando se trata de estratégias de
compreensão leitora não pode ser diferente, pois ao ensinar essas estratégias “entre os alunos
deve predominar a construção e o uso de procedimentos de tipo geral, que possam ser
transferidos sem maiores dificuldades para situações de leitura múltiplas e variadas.” (SOLÉ,
1998: 70)
Uma proposta interessante para a leitura na escola deve despertar, no aluno, uma
intensa reflexão sobre o que implica ler e, ainda, uma relação amigável entre texto e leitor.
Mas, para isso, é importante que o professor tenha ciência de que os alunos, como todo leitor,
têm seus objetivos próprios ao ler e são esses objetivos que serão aflorados primordialmente.
Mas isso não basta. Para o leitor poder compreender o texto em sua plenitude, o texto em si
deve se fazer compreender e o leitor deve possuir conhecimentos adequados, ou seja,
estratégias, para elaborar uma interpretação sobre ele.
Para melhor explicar, daremos um exemplo. Quando fazemos a leitura de um texto e
essa leitura flui, sem encontrarmos dificuldades para entender o que ali está escrito, nada
acontece. No entanto, quando nos deparamos com algum obstáculo, palavras ou frases mal
entendidas, logo paramos a leitura e prestamos atenção no problema surgido, o que significa
9
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
prestar-lhe uma atenção especial realizando algumas ações para que esse problema seja
solucionado (reler o parágrafo, procurar algumas palavras no dicionário, dentre outras). Ao
tomar essa atitude estamos realizando estratégias, caracterizada pela ânsia / necessidade de
aprender ou de resolver dúvidas de forma planejada. Sendo assim, “consideramos as
estratégias de compreensão leitora como um tipo particular de procedimento de ordem
elevada”. (SOLÉ, 1998: 72)
A importância de ensinar estratégias de leitura na escola está focada na formação de
leitores autônomos, ou seja, capazes de aprender a partir dos textos. Isso quer dizer que esse
leitor será capaz não somente de estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte de seu
acervo pessoal, como também de questionar seu conhecimento e modificá-lo, permitindo
transferir o que foi aprendido para outros contextos diferentes.
No caso da narrativa, para despertar a curiosidade do aluno, a situação de leitura deve
ser planejada, organizada, contextualizada de modo que todos se sintam envolvidos. Um texto
deve oferecer ao educando certos desafios. Assim, parece mais adequado utilizar textos
clássicos, originais, que, geralmente são desconhecidos para o aluno, embora sua temática ou
conteúdo devam ser mais ou menos familiares ao leitor.
Trabalhar com os textos clássicos em sala de aula é um grande desafio, pois para isso o
professor precisa apresentar aos alunos as estratégias adequadas para a compreensão do texto,
procedimentos que detalham e prescrevem o que deve constituir o curso de uma ação, nesse
caso a leitura.
Por esse motivo, as principais atividades cognitivas que deverão ser ativadas, mediante
as estratégias, para poder compreender o que se lê, são as seguintes: “Compreender os
propósitos implícitos e explícitos da leitura equivaleria a responder às perguntas: que tenho
que ler? Por que/para que tenho que ler?; ativar e aportar à leitura os conhecimentos prévios
relevantes para o conteúdo em questão. Que sei sobre o conteúdo do texto? Que outras coisas
sei que podem me ajudar: sobre o autor, o gênero, o tipo do texto...?” (SOLÉ, 1998: 73)
Também, é importante destacar outras atividades cognitivas tais como: “avaliar a consistência
interna do conteúdo expressado pelo texto e sua compatibilidade com o conhecimento prévio
e com o ‘sentido comum’; comprovar continuamente se a compreensão ocorre mediante a
10
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
revisão e recapitulação periódica e a auto-interrogação; elaborar e provar inferências de
diversos tipos, como interpretação, hipóteses, previsões e conclusões.” (SOLÉ, 1998: 73)
Organizar desse modo à exposição do ensino de estratégias de leitura não prejudica o
fato de sustentar a ideia de um leitor ativo, que constrói seus próprios significados e que é
capaz de utilizá-los de forma competente e autônoma. Por outro lado, o fato de estudar deste
modo às múltiplas estratégias permite enfatizar a idéia de que o ensino da leitura pode e deve
ocorrer em três etapas: antes, durante e depois da leitura. Portanto, restringir a atuação do
professor a uma dessas fases seria adotar uma visão limitada.
No caso dos clássicos, os aspectos a serem observados depois da leitura deverão
basear-se, a priori, na decodificação do texto: expressões que causam ambigüidades, aspectos
que não tenham ficado claros e questões relacionadas ao vocabulário. Isso mostra que fazer
um estudo do texto original, e não da sua adaptação, propõe outras complexidades que podem
ser trabalhadas com uma releitura do texto. Importante ressaltar que essa releitura precisa ser
orientada pelo professor, por meio de atividades destinadas a atingir uma representação
coerente e significativa, com o intuito de deter-se em certos aspectos estruturais que
favoreçam a compreensão.
Discussões teóricas e pesquisas empíricas revelam que ao professor não é suficiente
deter, gerenciar e colocar a disposição dos alunos os conhecimentos socialmente construídos.
É preciso escolher meios de ensino adequados e motivadores, garantindo o posicionamento
ativo do aluno na apropriação de conhecimentos, resultantes de uma interpretação para dar
significado aos conteúdos escolares. Para isso necessário se faz utilizar estratégias de leitura
que desperte o prazer pela leitura, propiciando a interação texto/leitor.
Sendo assim, reunir a teoria dos gêneros e o trabalho com os textos clássicos em sala
de aula, utilizando estratégias de compreensão leitora, pode viabilizar uma maneira eficiente
de ensinar e aprender, mas, para isso, é necessário um processo gradativo de aprimoramento
teórico e prático de professores interessados em mudar e, principalmente, formar cidadãos e
não simplesmente sujeitos passivos diante das mais variadas práticas sociais.
11
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, Michael. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2ª ed. – Campinas, SP:
Editora UNICAMP, 2005.
BARROS, Diana Luz Pessoa de e FIORIN, José Luiz. Dialogismo, Polifonia,
Intertextualidade em torno de Bakhtin. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1999, 2. ed..
COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e Textualidade. São Paulo: Contexto, 1994.
12
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
GALDOLFI, Giselda. Compreensão leitora: a compreensão das narrativas literárias.
Tradução e adaptação de Rosana Correa Pereira El-Kadri, Maria Salete Toledo de Uzeda
Moreira. – São Paulo: Moderna, 2005.
_______________. Compreensão leitora: o desenvolvimento da compreensão leitora.
Tradução e adaptação de Rosana Correa Pereira El-Kadri, Maria Salete Toledo de Uzeda
Moreira. – São Paulo: Moderna, 2005.
KOCH, I. V. e TRAVAGLIA, L. C. A Coerência Textual. São Paulo: Contexto, 1991.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. – Rio de
Janeiro: Objetiva, 2002.
MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: A prática de Fichamentos, Resumos,
Resenhas. 4. ed. São Paulo: Editora Atlas S. A, 2000.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Tradução Cláudia Schilling – 6. ed. – Porto Alegre:
ArtMed, 1998.
13
Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISNN 2179-9636, Ano 1, numero 2,
junho de 2011. www.faceq.edu.br/regs
Download

A mediação entre o aluno e os clássicos universais