Bauru, domingo, 25 de março de 2012 - Página 4
GERAL
Pais ausentes deixam filhos ‘órfãos’
Apesar da presença física dentro de casa, a vida moderna faz com que eles abandonem a responsabilidade de educar
Fotos/Éder Azevedo
Adilson Camargo
A morte do pai, da mãe
ou dos dois ao mesmo tempo desestrutura qualquer família. Por mais que outras
pessoas tentem, não conseguem preencher o vazio que
ficou, especialmente, na
cabeça e no coração dos filhos. No entanto, essa perda
não ocorre apenas quando
não há mais a presença física dos pais. Filhos podem
estar “órfãos” mesmo com
os pais vivos. São crianças,
adolescentes e jovens que,
apesar de terem os pais por
perto, não sentem a presença deles no dia a dia.
São filhos que recebem
comida, bebida, remédios,
roupas, brinquedos, mas não
têm, talvez, o principal para
sua formação: a presença de
um adulto que cuide dele e
dê bons exemplos. Ou seja,
essas mesmas crianças, adolescentes e jovens são criados, mas não educados. E as
consequências dessa ausência de educação e de bons
exemplos pipocam a todo
momento em diversos pon-
Wanussa Camilo com o filho Vitor, no colo, e Gabrielle em cena rara durante passeio
tos da cidade, do Estado, do
País e do mundo.
São filhos como “Carlinhos”, como é conhecido
um garoto de 13 anos, que
circulava pela rua Araújo
Leite no fim da tarde da última quinta-feira acompanhado de um outro adolescente.
Eles caminhavam despreocupadamente quando foram
abordados pela reportagem.
“Carlinhos” contou que passa a maior parte do tempo na
rua, “circulando”. Quando
“dá vontade”, ele vai para
a escola de manhã. Quando
não, chama algum amigo
para soltar pipa, brincar de
bola ou para circular pela
cidade.
Segundo ele, a mãe trabalha o tempo todo. Quando não está limpando a casa
de outros, está limpando
a deles, lavando roupa ou
cuidando da comida. “Carlinhos” não soube dizer se o
pai está empregado no momento. Ele acha que sim,
pois o pai passa praticamente o tempo todo fora de
casa, inclusive nos fim de
semana.
Como o pai nunca está
em casa e a mãe não tem
tempo, “Carlinhos” diz que
conversa pouco com eles,
que passa mais tempo na escola ou na rua com os ami-
gos, com quem ele diz que
aprende “as coisas da vida”.
Ele tem uma irmã mais velha que ele, o que significa
que as brincadeiras são outras, os assuntos são outros
e os amigos também.
Apesar da ausência dos
pais no convívio e na educação, “Carlinhos” fala que não
sente falta, justamente porque
tem os amigos para suprir
essa carência. “Eu converso
com eles. A gente se entende.
Tudo o que a gente precisa
aprender, aprende na rua, na
convivência com os amigos”,
comenta.
Para a psicoterapeuta
Carmen Neme, a ausência
dos pais na educação dos fi- como a menina já é quase
lhos é motivo de preocupa- uma adolescente, ela não
ção, principalmente quando consegue acompanhar mais
o filho ainda é uma criança suas brincadeiras, que são
ou adolescente, que é quan- mais eletrônicas. Um de
do o caráter começa a ser seus passatempos preferimoldado pelos exemplos dos é ficar no computador,
que vêm da convivência comunicando-se pelo Orkut, MSN e Facebook.
com a família ou amigos.
Na avaliação dela, emPelo Facebook
bora a inserção no mercado
de trabalho tenha sido uma
Para a psicóloga Gretconquista importante para a
mulher, por outro lado dei- ta Rodrigues Souza, parte
dessa falta de
xou uma lacuna na
convivência
convivência com Psicóloga diz
os filhos. “Isso que a conversa que existe entre alguns pais
trouxe uma altera- franca, o olho
e filhos pode
ção na estrutura e no olho, é
ser explicada
no funcionamento
importante no também pordas famílias. Nem
a escola e nem a relacionamento que tem pais
que acham norsociedade estavam com o filho
mal essa falta
preparadas
para
de compartisuprir essa ausênlhamento do tempo com
cia”, opina.
Wanussa Camilo, 30 os filhos por não terem vianos, foi uma dessas mu- venciado isso quando eram
lheres que conquistaram crianças.
“Tem mães que ficam
seu espaço no mercado de
trabalho e agora tem pouco sabendo o que o filho pensa
tempo para ficar com os fi- pelo Facebook. Isso é muito
lhos. Com o caçula Vitor, de sério. Essa coisa do toque,
1 ano, no colo, ela passeava do olho no olho, da converpelos corredores do shop- sa franca, de um relacionaping na semana passada. mento real com o filho é imUma cena rara, segundo ela. portantíssimo”, afirma.
“A base de sustentação
“Não tenho costume de sair
para a vida é formada na
de casa”, revela.
Sempre que pode, Wa- infância. É isso que nos dá
nussa diz que procura brin- segurança, confiança, aucar com os filhos, princi- toestima, nos prepara para
palmente com o menino. tomar decisões e nos impõe
Ela também tem uma filha, limites”, justifica. (Leia
Gabrielle, de 10 anos, mas mais na página 5)
Intenso enquanto dure
Uma campanha publicitária que fez muito sucesso na TV nos anos 1980
já dizia que “não basta ser
pai, tem que participar”. Ela
mostrava o filho acordando
o pai para acompanhá-lo
numa partida de futebol.
Depois de permanecer um
tempo no banco, para desapontamento do pai, o menino é chamado pelo treinador. Ele entra em campo,
sob forte chuva, e em um
lance da partida sofre uma
entrada dura do adversário.
O pai entra em campo, passa uma pomada na perna do
Marly Godoy diz que mesmo com pouco tempo para ficar
com filhos, esses momentos têm que ser aproveitados
filho que, recuperado, faz o
gol da vitória e corre para
abraçar o pai.
A história é simples
e improvável, mas mesmo
assim emociona e dá bem a
dimensão de como a participação do pai é importante
e é reconhecida pelos filhos. Seguindo basicamente
esta lição, a psicoterapeuta
infantil e de família Marly
Rodrigues Bighetti Godoy
diz que não basta estar o
tempo todo com o filho, é
preciso interagir com ele.
De acordo com ela,
mesmo quando se tem pouco tempo para ficar com os
filhos, esses momentos podem ser bem aproveitados.
“É uma questão de usar
esse tempo com qualidade.
Mesmo quando os pais não
moram juntos é possível
transformar o pouco tempo
de convivência em algo especial, para se conhecerem
melhor. A criança vai se
sentir amparada. Ela vai saber que poderá contar com
o pai ou a mãe sempre que
precisar”, explica.
Marly diz que em al-
Terezinha Maffei aproveita o pouco tempo de folga para ficar com as filhas Ana Laura e Vanessa
guns lares as pessoas convivem debaixo do mesmo
teto, mas pouco se falam e,
assim, não estabelecem uma
relação de afeto. É como se
fossem estranhos vivendo
dentro de um mesmo espaço. “Quando falo de intensidade no relacionamento
não me refiro ao tempo que
se está junto, mas de como
esse tempo é usado.”
Terezinha Maffei, 40
anos, operadora de caixa,
tem pouco tempo para estar
com os filhos, mas quando
pode, procura não desperdiçar. Na semana passada,
durante um dia de folga, ela
passeava com as filhas Ana
Laura, 10 anos, e Vanessa,
20 anos, no Bauru Shopping.
Por causa da profissão,
ela conta que dificilmente
passeia com as filhas, pois
trabalha nos fins de semana.
A tarefa cabe mais ao pai,
que deixou o emprego em
um supermercado e agora
tem tempo para passear aos
sábados e domingo, especialmente com a filha mais
nova.
Ana Laura conta que
costumam ir ao zoológico, horto florestal, cinema,
restaurantes entre outros
locais. A mãe diz que usa o
tempo livre para cuidar da
casa. Com isso, sobra pouco para os passeios, embora reconheça a importância
dessa convivência com os
filhos como forma de se
aproximar deles e viver momentos descontraídos. (AC)
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