ISSN 1659-2697
ANO 3 | 2007 | N°4
ALTO PERFIL
ENTREVISTA EXCLUSIVA
Abel Mamani, primeiro Ministro da Água na América Latina
CULTURA
Educação holística e sustentável
LEGISLAÇÃO
Primeiro convênio regional pela água
AMBIENTE
Quem protege, ganha
A ÁGUA NOS
TRATADOS DE LIVRE COMÉRCIO
Ano 3 | 2007 | Nº4
CONSELHO EDITORIAL
Maureen Ballestero/Presidente Pro tempore da
Comissão Interparlamentar de Ambiente e
Desenvolvimento (CICAD), do Sistema de Integração
da América Central (SICA)
Claudio Osorio Urzúa, Assessor Regional em
Redução de Desastres, Iniciativa Água e
Saneamento UNICEF TACRO
Roberto Salas/Diretor Geral da Amanco
María Luisa Torregrosa/Professora pesquisadora
da Faculdade Latino-americana de Ciências
Sociais (FLACSO), México
DIRETORA GERAL / Yazmín Trejos
EDITORA CHEFE / Nidia Burgos
JORNALISTA / Myriam Blanco
EDITOR TÉCNICO / Richard Kohler
COLABORADORES
Jorge Cabrera Hidalgo
Gian Carlo Delgado
Alejandro Vargas Johanson
Kattia Rodríguez Guevara
Ana Beatriz Fernández
DESENHO Toni Pereira / Aretha Studio
www.aretha.com.br
FOTO DA CAPA / Imagem cortesia de © Google Earth
ENCARREGADO DE ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO:
Luis Alonso Ramírez
EDIÇÃO GERAL:
Comunicação Corporativa S.A.
FALE CONOSCO: [email protected]
Uma publicação promovida
pela Amanco
2 AQUA VITAE
CONTEÚDO
PERSPECTIVA
04
CULTURA
06
CASOS
09
OPINIÃO
10
LEGISLAÇÃO
15
SITES INTERESSANTES
18
CURTAS DO MUNDO
23
SAÚDE
31
CALENDÁRIO
38
24
28
Legislação própria fortalece
posição diante de tratados
11
AMBIENTE
19
ALTO PERFIL ENTREVISTA EXCLUSIVA
24
TLC e a água na região
34
AVANÇOS TECNOLÓGICOS
Quem protege, ganha
O pagamento por Serviços Ambientais (PSA), Programa que toma impulso na região, muda o conceito de proteção
ambiental, da penalização ao prêmio. Diversos países já estão promovendo este tipo de práticas, que procuram
oferecer um benefício econômico àqueles que se preocuparem com o cuidado do ambiente. Conheça os
diferentes sistemas que já estão em prática.
Abel Mamani, primeiro Ministro da Água na América Latina
Este representante popular, que foi líder nas revoltas de Cochabamba e El Alto, contra a privatização dos serviços
de água na Bolívia, é há mais de um ano, o Ministro da Água desse país, onde a partir de sua posição pretende
consolidar em âmbito internacional a água como um direito humano.
Os Tratados de Livre Comércio geram temores sobre a questão da água, entre os moradores dos países da região.
A principal preocupação é que empresas estrangeiras e privadas possam apropriar-se do recurso e superexplorar as
fontes internas. Entretanto, a experiência demonstra que os TLC não são necessariamente os que promovem esta
prática, mas que na verdade isto depende mais das políticas internas e da legislação dos diferentes países.
Água reciclada, economia para o futuro
Uma vez que a água é um recurso finito e que se prevê que no futuro haverá escassez deste líquido, a reciclagem
é uma das técnicas que se impõem para sua reutilização. Em alguns países, como o Brasil, foram obtidos
importantes avanços nesta prática.
AQUA VITAE 3
PERSPECTIVA
Mais além
dos tratados de
livre comércio
P
aíses como o México, que há mais de 13 anos
implementou um Tratado de Livre Comércio (TLC)
com os Estados Unidos e o Canadá, e outros
como Peru, Colômbia ou as nações da América
Central, que se encontram na iminência de
implementar outro acordo com os Estados
Unidos, experimentaram o temor de alguns
grupos de seus habitantes quanto à possibilidade
da água vir a se transformar em um grande
negócio, mais que em um bem social.
Tal como mostramos na edição anterior, o
importante parece ser manter sempre um
enfoque multissetorial para cumprir as
expectativas dos usuários e outros
públicos interessados.
Além disso, uma boa regulamentação interna é
sempre garantia para a população, de que
receberá o serviço nas condições de quantidade e
qualidade prevista pela Organização das Nações
Unidas, entre seus Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio.
Com ou sem os TLC, os países da região devem
dar um passo além e zelar para que seus
cidadãos contem com o recurso necessário para
suas necessidades. Estes acordos comerciais são
apenas o ponto de partida para que a questão da
água seja colocada na mesa de discussão, no
entanto a gestão do recurso hídrico deveria ser
analisada a partir de uma perspectiva integral
e sustentável.
Sejam os acordos comerciais um desafio ou uma
oportunidade para a gestão do recurso hídrico, a
questão da água deve ser fortalecida em cada
país e como região, tal e qual ocorre na América
Central, onde busca-se a assinatura - por parte
4 AQUA VITAE
de todos os Presidentes dos países que fazem
parte dela - do Convênio Centro-americano da
Água, o primeiro a estabelecer no bloco as bases
para o manejo da água, assunto ao qual nos
referimos na seção Legislação.
O recurso hídrico deve ser analisado,
principalmente, pensando nas futuras gerações, e
portanto iniciativas como os programas de
pagamento por serviços ambientais (PSA), que já
são feitos com sucesso em diversos países da
região, demonstram que é melhor premiar a
preservação do que proibir ações que muitos
nem sequer contam com recursos para controlar.
Este assunto, que tratamos na seção Ambiente,
proporcionará algumas idéias que podem
favorecer a proteção do ambiente e da água nos
países da América Latina.
Nesta mesma ordem, a irrigação constitui-se
numa atividade fundamental para a agricultura,
mas também em uma responsabilidade para o
produtor agrícola que deve receber assessoria
sobre os diferentes mecanismos de irrigação que
economizem água, ao mesmo tempo que
melhorem sua produtividade e cuidado do solo,
em um setor no qual , conforme sabemos, o
desperdício é quase o dobro do necessário.
Outros assuntos de relevância que tratamos nesta
nova edição de Aqua Vitae são a higiene
necessária para evitar enfermidades, resultado da
falta ou do mau uso da água, assim como
mecanismos para desinfetar o líquido antes de
ser consumido na própria casa.
Com estes e outros assuntos novamente
pretendemos colaborar com a elaboração de ações
que dizem respeito a todos os setores, em benefício
de uma maior cobertura e qualidade da água.
ROBERTO SALAS
Diretor Geral, AMANCO
CULTURA
A educação nas escolas, como esta no Peru, pode proporcionar uma mudança cultural em direção a práticas saudáveis com a água / AFP.
ÁGUA E HIGIENE:
Ensino a partir de uma perspectiva sustentável e holística
DIVERSAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS, ESTADOS E SOCIEDADE CIVIL INCLUÍRAM EM
SUAS PRIORIDADES A EDUCAÇÃO E A SENSIBILIZAÇÃO
Por Ana Beatriz Fernández
6 AQUA VITAE
Existe um ditado popular que diz popular que diz: "Bendita
seja a água, por ser saudável e ser barata", entretanto a cada
ano mais de cinco milhões de pessoas morrem como
conseqüência de doenças relacionadas com a água, segundo
dados de 2004 da Organização Mundial da Saúde. Deste
número, 90% são crianças menores de cinco anos,
principalmente nascidas em países em desenvolvimento.
Claro está que a educação e a sensibilização da população
sobre a importância de práticas e hábitos de asseio são
críticas para que melhorem radicalmente os indicadores de
saúde dos países em desenvolvimento.
Devido ao flagelo que estes números trágicos representam
para a humanidade, entre outros igualmente alarmantes, é
que nos últimos anos diversas organizações internacionais,
estados e diversas sociedades civis colocaram na mira o
problema da gestão da água partindo de uma perspectiva
sustentável e holística, que inclui também o ensino de hábitos
de higiene.
Na América Latina, a porcentagem da população urbana com
acesso a um abastecimento de água e saneamento é
comparativamente melhor do que na África e na Ásia, e
levemente menor do que na Europa; entretanto, em outros
indicadores sua eficiência diminui (Ver quadro: "Cobertura de
água potável em países da América Latina"). Estes dados
alentadores perdem força quando se considera, por exemplo,
que embora a região conte com 30% dos recursos hídricos
do mundo, a contaminação da água devido às águas residuais domésticas torna difícil o acesso à água potável em
algumas cidades.
Desde a Organização das Nações Unidas e diversos governos,
passando por entidades financeiras supranacionais, até o
setor privado e as comunidades organizadas, diferentes
setores iniciaram uma série de estratégias e ações para
concretizar um desenvolvimento integral de um dos recursos
mais valorizados e fundamentais para a vida, a água.
Mas em princípio, deve-se fornecer a água potável como um
serviço acessível para todas as pessoas.
O relatório "A água, uma responsabilidade compartilhada"
vai mais além de sua exortação para a tomada de decisões
políticas e o avanço efetivo na gestão integrada do recurso
hídrico, trazendo à baila assuntos como a corrupção e a falta
O acesso com qualidade a este elemento vital é um direito
de investimentos no setor. "A insuficiência de água se deve,
básico das pessoas. É o que emana do artigo 25 da
principalmente, a um abastecimento ineficaz e não a um
Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e
déficit do recurso.
proclamada
pela
Tal insuficiência se
Resolução
da
...42% das pessoas no mundo não têm acesso a um
deve, muitas vezes,
Assembléia
Geral
banheiro, situação por exemplo, que exibe as verdadeiras
a uma má gestão, à
217 A (iii) de 10 de
condições de higiene em quase metade das casas do planeta.
corrupção, à falta
dezembro de 1948
de instituições adeda ONU: "Todas as
quadas, à inércia burocrática e à falta de investimentos, tanto
pessoas têm direito a um nível de vida adequado que lhes
em capacitação humana, como em infra-estruturas físicas”.
assegure, assim com a sua família, a saúde e o bem estar, e
em especial a alimentação, o vestuário, a moradia, a
Da mesma forma, o documento enfatiza a importância da
assistência médica e os serviços sociais necessários".
educação sobre o tema: "A escassez de água e o aumento da
contaminação são desafios de origem tanto social como
Água e saúde é um binômio inquestionável. Desde o simples
ato cotidiano de defecar em uma privada ou beber um
refrescante copo d'água, até gozar de saúde, há um trajeto
COBERTURA DE ÁGUA POTÁVEL EM PAÍSES DA AMÉRICA LATINA
no qual uma grande quantidade de ações ocorrem e são
País
Urbana 2002
Rural 2002
definitivas para viver uma vida com dignidade.
O Relatório sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos
no Mundo "A Água, uma responsabilidade compartilhada"
das Nações Unidas para o ano de 2006, o expressa em sua
análise: "O estado da saúde humana está estreitamente
vinculado a uma série de condições relacionadas com a água:
potabilidade, saneamento adequado, redução da carga de
doenças relacionadas com a água e existência de
ecossistemas de água doce saudáveis".
Cultura da higiene
Nesta questão do acesso à água e de viver de forma saudável,
a cultura da higiene intervém como elemento crucial. Mas
não é uma responsabilidade apenas das pessoas que utilizam
o líquido para preparar alimentos ou para tomar um banho,
é uma responsabilidade compartilhada entre diversos atores, cujo compromisso com o desenvolvimento sustentável
do recurso hídrico para benefício dos seres humanos deve
ser inadiável.
72%
México
97%
Costa Rica
100%
92%
El Salvador
91%
68%
Guatemala
99%
92%
Honduras
Nicarágua
99%
93%
82%
65%
Panamá
79%
89%
Argentina
97%
n.d.
Bolívia
95%
68%
Brasil
96%
58%
Chile
100%
59%
Colômbia
Equador
99%
92%
71%
77%
Guiana
n.d.
n.d.
Paraguai
Peru
100%
87%
62%
66%
Suriname
98%
n.d.
Uruguai
98%
n.d.
Venezuela
85%
70%
Fonte: UNDP 2005 em: Documento "Américas", IV Fórum Mundial da Água
AQUA VITAE 7
política, que podem ser
modificando a demanda e o
mediante a educação,
sensibilização e através da
políticas hídricas.”
enfrentados
uso da água,
uma maior
reforma das
Água, saneamento e higiene
Sem um marco regulatório adequado seria
impossível que os países comprometidos
com os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio 2005-2015 das Nações Unidas
cumpram a meta 10 do objetivo 7 de
"reduzir à metade, para o ano de 2015, a
porcentagem de pessoas sem acesso
sustentável à água potável e ao
saneamento básico".
Ao abrigo desta proposta internacional, a
Força Tarefa sobre a Água e o Saneamento, equipe consultiva independente
do Projeto do Milênio da ONU, definiu o
trio de palavras abastecimento de água,
saneamento e higiene como a pedra
angular da saúde pública e do bem-estar
social e econômico.
Outro marco relacionado com os atuais
esforços pela gestão integral da água é a
realização do IV Fórum Mundial da Água,
celebrado em março de 2006 no México.
Em seu apartado "Água e saneamento
para todos", também foi analisado e
discutido o tema de saneamento e higiene.
8 AQUA VITAE
Neste marco, um dos relatórios finais
chamou a atenção sobre o fato de que
estes dois eixos "desaparecem durante as
fases de planejamento, formulação de
políticas, orçamento e implementação,
enquanto que a maior parte do esforço e
dos recursos são alocados para o
abastecimento".
Além disso, o documento foi claro na
afirmação de que os dois conceitos
"precisam movimentar-se para a frente e
para o centro", uma vez que são elementos para um desenvolvimento com
dignidade.
Conforme evidenciado, existe uma realidade que não é colocada sobre a mesa:
42% das pessoas no mundo não têm
acesso a um banheiro, situação por
exemplo, que exibe as verdadeiras
condições de higiene em quase metade
das casas do planeta.
Trazer a público esta realidade e debatê-la
é de grande importância, pois segundo
alerta o documento "Água e Saneamento
para todos" resultante do IV Fórum Mundial da Água, a principal causa da
transmissão de doenças relacionadas com
a água é o ciclo fecal-oral.
Por isso, o relatório conclui que é de
grande importância o adequado forneci-
mento de água e saneamento, em conjunto com comportamentos higiênicos (especialmente lavagem das mãos, manejo e
armazenamento seguro de água e a
adequada eliminação de fezes).
Para romper o ciclo fecal-oral, é urgente a
adoção de práticas saudáveis (mudança
cultural) e o uso de tecnologias que contenham e saneiem a matéria fecal (Ver
exemplos nas seções Casos e Saúde)
Os países devem enfrentar o desafio de
melhorar o serviço de saneamento, com
estratégias diferentes das que foram
empregadas para expandir o acesso ao
fornecimento de água.
Estas ações devem ser dirigidas não apenas
à construção de condições adequadas,
mas também a entender o quê motiva as
pessoas a atuar de determinadas maneiras.
A sensibilização, a educação, a mobilização, a informação e o marketing social
dirigidos às famílias, comunidades escolas
e autoridades públicas, podem proporcionar uma mudança cultural com a qual
as sociedades em desenvolvimento poderão verdadeiramente avançar.
O Ecoclub da Bolívia desenvolveu projetos
de tecnologias apropriadas em água
potável e saneamento. Cortesia de Ecoclub
da Bolívia. Projeto Adolescente Água e
Juventude de Santa Cruz
CASOS
Aliança para a promoção de água segura
e higiene na América Latina
Em outubro de 2005, em um workshop realizado em Quito
Equador, profissionais das áreas de pesquisa, educação,
engenharia e ciências, promotores, representantes de
instituições internacionais, entidades do governo e do setor
privado da América Latina e de diferentes partes do mundo,
formaram a Aliança Latina para a promoção da água segura e
higiene e assumiram o compromisso de promover esta iniciativa
nos países da região. Durante 2006, muitas instituições se
uniram a este projeto.
A Aliança apresenta uma alternativa estratégica para ajudar, de
maneira rápida, a proporcionar o acesso à água segura para as
famílias que nos próximos cinco a 10 anos, não terão um
serviço de água potável.
Muitas famílias da América Latina neste momento consomem
água contaminada com microorganismos patogênicos, o que
as torna mais vulneráveis a contrair doenças como as diarréias
e outras, especialmente as crianças e os adultos mais velhos.
Como resposta, a Aliança propõe criar nas famílias uma barreira
de prevenção contra as diarréias, até que sejam construídos os
sistemas de água potável, mediante o acesso à água segura,
através do uso de tecnologias de tratamento da água em casa
(TAC), de baixo custo e de fácil replicação como: ferveção,
cloração caseira, SODIS, PUR, Filtron, filtros cerâmicos e outros,
mas complementada com o ensino de hábitos de higiene
saudáveis, com o foco na mudança de comportamentos.
Na Aliança foram dados passos importantes durante o ano de
2006, como a formação dos Grupos de Trabalho da Aliança
(GTA) na Guatemala, em Honduras, El Salvador, Nicarágua,
Equador, Bolívia e Peru, dos quais participam ONGs,
cooperação internacional, governos, centros de pesquisas e
educação superior.
"No que diz respeito à água para consumo humano, não é
garantia suficiente que a família tenha acesso à água segura, se
ela não tem hábitos adequados para sua correta manipulação
no interior da casa, pois corre o risco de voltar a se contaminar
antes de seu consumo. Daí a importância de ensinar às famílias
práticas de higiene sobre o manuseio adequado da água
desinfetada dentro da casa", comentou Marcelo Encalada,
coordenador da Aliança LAtina de água segura e higiene.
[email protected]
www.fundacionsodis.org
Ecoclubes na Bolívia
Os Ecoclubes são grupos de crianças e jovens que desenvolvem
ações ambientais, concentrando suas ações particularmente na
questão de educação sanitária e ambiental.
No marco da cooperação técnica da OPS/OMS na Bolívia, são
promovidas ações de assistência técnica para que, em
coordenação com as instituições do setor (Ministério da Saúde
e Esportes, Ministério da Água, Ministério de Educação entre
outros), agências de cooperação internacional, ONGs e as
comunidades, sejam incorporados elementos relacionados com
a higiene e a educação sanitária, em busca da sustentabilidade
de ações e impacto em termos de mudanças de comportamento nos projetos de água e saneamento.
Neste sentido, foram desenvolvidos na Bolívia projetos na área
de implementação de tecnologias apropriadas em água potável
e saneamento, para melhorar elementos essenciais em
comunidades rurais e de periferia urbana, desde a infraestrutura sanitária até elementos de formação e capacitação
para conseguir uma adequada apropriação das tecnologias e
melhoria de sua moradia, ambiente e, portanto, de condições
de saúde que repercutem positivamente na qualidade de vida
das populações beneficiadas.
Atualmente, está sendo promovido e consolidado o movimento
de Ecoclubes. Além disso, está sendo coordenado com o Ministério
da Saúde e Esportes, Ministério da Água e outras instituições
relacionadas com o assunto, campanhas educativas para o correto
manejo da água, seu uso racional e as condutas apropriadas que
permitam à sociedade em geral valorizar o recurso.
"A educação deve orientar ações não apenas comunitárias,
como também institucionais, para alcançar mudanças de
atitude, mudanças na maneira de pensar para abordar as
problemáticas ambientais, e particularmente na questão da
água de uma maneira diferente, na qual o recurso água seja
considerado também de maneira integral, desde a proteção das
fontes até a entrega em nível domiciliar ou através de um
açude, e se possa atuar em ações de consciência em cada um
de nós para que reajamos, vejamos e sintamos, que se não
cuidarmos de outros fatores de risco que afetam este recurso,
simplesmente em pouco tempo não disporemos dele de uma
maneira segura", afirmou Henry Hernández Venencia,
consultor em Saúde Ambiental OPS/OMS Bolívia.
[email protected]
AQUA VITAE 9
OPINIÃO
GIAN CARLO DELGADO
[email protected]
Doutor em Ciências Ambientais pela Universidade Autônoma de Barcelona.
Pesquisador do programa "O Mundo no Século XXI" do Centro de
Pesquisas em Ciências e Humanidades da Universidade
Nacional Autônoma do México (UNAM).
Água, segurança nacional e TLC
O
acesso, a gestão e o usufruto da água são questões cada
vez mais importantes, posto que a localização e a
qualidade do líquido estão mudando, em parte devido
ao aquecimento global e aos fenômenos meteorológicos
vinculados, mas também devido ao exponencial
desperdício e contaminação do recurso.
Conseqüentemente, as zonas de reservas de água,
sobretudo de boa qualidade, são identificadas como
geoestratégicas, vinculadas à segurança nacional e
portanto como objeto de potenciais conflitos e guerras.
O dilema é tal que em fevereiro de 2004 vazou para o
jornal The Guardian um relatório do conselheiro do
Pentágono, Andrew Marshall, no qual ele advertia sobre
a falta de água potável em curto prazo, e perante a qual
os Estados Unidos deveriam se preparar para estar em
condições de "apropriar-se" do líquido, "onde quer que
estivesse" e quando "fosse necessário".
Como se revisa em “Água e Segurança Nacional”
(Arena. México, 2005), as implicações que poderia
acarretar para o México um aprofundamento da crise
hídrica nos Estados Unidos que os levasse a reformular a
geopolítica hídrica regional, seja por meio da
mencionada postura de apropriação ou outras, como o
eventual papel do Tratado de Livre Comércio de América
do Norte (TLCAN), são altamente complexas e delicadas.
Como expõe a Agência Stratford (Estados Unidos): "...a
débâcle fronteiriça pela água pode levar ao
descarrilamento das relações comerciais diplomáticas,
prejudicar o TLCAN e provocar confrontações entre os
governos locais e os residentes da zona fronteiriça".
Chama a atenção que em tal contexto no qual se propõe
usar o TLCAN como instrumento de pressão-coação, os
Estados Unidos exacerbem as históricas disputas
binacionais em matéria de água, tanto no que diz
respeito ao calendário de pagamentos de cotas de água
no Bravo (Ata 307), como em torno da atual necessidade
de negociar a água subterrânea binacional. O assunto é
delicado pois se fala, nos Estados Unidos, de uma
suposta dívida de água mexicana que, não sendo paga
nos prazos exigidos, seria substituída por um valor
monetário. Uma sugestão que chama a atenção, pois a
dívida em água não gera mais água, mas uma dívida de
água em dinheiro, sujeita a juros, e que depois possa ser
reconvertida em água, é algo totalmente diferente.
Some-se ao que acabamos de mencionar a crescente
privatização dos serviços públicos urbanos, industriais e
agrícolas da água, particularmente impulsionados desde
o marco do TLCAN por potentes programas do Banco
Mundial que resultaram no benefício das grandes
empresas, principalmente estrangeiras (e.g. Bechtel,
Suez, etc). Isto deve ser visto como um processo de
apropriação e desnacionalização de fato de um recurso
estratégico para o país e seu povo, que além disso,
atenta contra o direito humano a um mínimo
garantido do líquido.
Tal tendência, que é mantida no atual governo do
México, deve ser revertida. Um claro sinal de advertência
é o caso da perda da soberania alimentar em produtos
básicos como o milho. Possível a partir da liberalização
desmedida do campo mexicano (mas não dos Estados
Unidos), já fez sentir seus desestabilizantes efeitos
sociais com o inusitado aumento no preço da tortilla. No
caso da água, o que está em jogo, mais do que o
aspecto socioeconômico, é inclusive a paz social.
A alternativa encontra-se então em uma noção da água
como assunto de segurança nacional mexicana,
entendida como parte de uma dimensão básica da
soberania nacional mexicana e, conseqüentemente,
como uma noção subsumida no contexto constitucional
que deve ser regulada pelo legislativo. Trata-se de uma
aproximação que deve responder ao interesse público
nacional do México, mantendo o estado de direito, a paz
social e a integridade territorial; mas também garantindo
a discussão pública aberta sobre a gestão e usufruto do
líquido, impulsionando o desenvolvimento de
mecanismos e tecnologias alternativas aptas para o país,
e fomentando uma nova cultura eco-social da água.
Aqua Vitae não emite opinião sobre os critérios expressados nesta secção,
mas estamos abertos a diferentes perspectivas em torno do manejo do recurso hídrico.
10 AQUA VITAE
AMBIENTE
Propriedade participante do projeto de pagamento por serviços ambientais no norte da Costa Rica.
Cortesia de Gilmar Navarrete Ch. / FONAFIFO
QUEM PROTEGE, GANHA
Em um mundo onde tradicionalmente os Estados castigavam
com penalizações econômicas os detratores do ambiente por suas
práticas irresponsáveis, atualmente a filosofia adotada cada vez
com maior força é a de premiar, seja com dinheiro ou com
regalias em espécie, aqueles que desejam voluntariamente
proteger os recursos hídricos e florestais do planeta.
Por Kattia Rodríguez Guevara
Não é segredo para ninguém que a
espécie mais evoluída do planeta, o ser
humano, é a que paradoxalmente o
encaminha para sua destruição: quatro
bilhões de árvores desaparecem por dia
no planeta e 60 hectares de floresta
tropical são destruídas por minuto.
Esta perda dizima a existência de milhares
de espécies de animais, árvores e plantas,
favorece a erosão, danifica as bacias
hidrográficas, provoca danos a longo prazo
nos ecossistemas e nos lençóis aqüíferos.
Paralelamente a este esbanjamento global dos recursos florestais e hídricos,
soma-se o uso irracional do recurso disponível. Assim, por exemplo, no caso da
água, enquanto que para manter um
nível de vida aceitável são necessários de
20 a 50 litros por dia por pessoa (para
bebida, comida e higiene), nas grandes
cidades são consumidos aproximadamente 250 litros de água por dia/pessoa,
segundo dados extraídos de um relatório
da Fundação Cidade, da Argentina, publicados em seu site da internet.
Dada a persistência destas práticas e
segundo o principio de "quem conta-mina,
paga" (em particular sobre a questão da
autuação por vazamento de agroquímicos e
derrames sobre mantos aqüíferos e sistemas
pluviais), no passado, os governos optaram
por fazer uso de instrumentos econômicos,
na forma de impostos, para destiná-los à
prevenção da contaminação e recuperação
dos ecossistemas. Entretanto, desde a
década passada, surgiu um novo enfoque
de atenção ao problema, talvez como
parte do salto qualitativo na compreensão
sobre a urgência de reverter o quanto
antes os erros do passado.
Prêmio à proteção
O novo enfoque trata de fixar a atenção e
as ações na geração de "externalidades
ambientais positivas" ou seja, de uma
série de benefícios indiretos para aqueles
que optem por cuidar dos recursos
naturais. O pagamento por serviços
ambientais (PSA) é um mecanismo que se
enquadra nesta nova filosofia. Consiste
na transferência de recursos financeiros
dos beneficiários de certos serviços
ambientais, para aqueles que oferecem
estes serviços, ou que são fiduciários dos
recursos ambientais.
Os PSA são incentivos econômicos que
assumem diversas formas, seja como
subsídios, programas agro-ambientais ou
benefícios em espécie, e sustentam-se na
idéia de que "quem protege o ambiente,
ganha". Os premiados são os atores que
se beneficiam dos serviços ambientais
gerados e também os usuários e
comunidades que oferecem um serviço
que incide diretamente no melhoramento
do ambiente. Estes últimos recebem a
compensação econômica pelo esforço e o
AQUA VITAE 11
Proximidades da Catarata del Ángel, no caminho para Vara Blanca, Heredia, Costa Rica, área protegida. Cortesia de Gilmar Navarrete Ch., FONAFIFO
custo de manter e proteger os recursos
florestais e hídricos. Um dos principais
efeitos desta sinergia é que ambas as partes
interiorizam os benefícios: são conscientes
de sua contribuição com o projeto de
recuperação ambiental, sustentam-se e
fazem parte da razão de ser da outra.
O conceito de pagamentos por
serviços ambientais (PSA) recebeu muita
atenção como ferramenta inovadora para
financiar
investimento
em
manejo
sustentável de terras. Quase todos os
esquemas de PSA que são executados na
América Latina são relativamente novos,
pois a maioria não tem mais de cinco anos
de existência, enquanto que outros
aparecem apenas como projetos pilotos.
Entretanto, segundo Stefano Pagliola, do Departamento Ambiental do
Banco Mundial, esta entidade já havia
conseguido inventariar até 2002, mais de
300 iniciativas na região.
Como foi exposto durante o IV
Fórum Mundial da Água, a América Latina
tem mais programas deste tipo que qualquer outra região, como no caso do México,
com a iniciativa mais abrangente de PSA;
Costa Rica e seu programa mais
antigo e fornecedor de experiências e
modelos para outros países, e El Salvador,
12 AQUA VITAE
com a primeira proposta desenhada e focalizada nos mercados locais.
No entanto, como observou
Carlos Manuel Rodríguez, ex-ministro de
Ambiente e Energia da Costa Rica e atual
vice-presidente regional e diretor regional de
Conservação Internacional para México e
América Central, "é muito difícil estabelecer
uma comparação da gestão dos países
sobre a questão do PSA, uma vez que suas
particularidades têm uma estrita relação
com o avanço de cada caso com relação à
institucionalidade em matéria ambiental.
O que se pode assegurar é que já
é presenciado um nível de consciência
política e de ações concretas em favor do
desenho e implementação de soluções,
especialmente com relação a programas
para a proteção do recurso hídrico, sem
dúvida uma das necessidades mais
prementes em escala regional".
Em nível de América Latina, os 10
anos de experiência da Costa Rica em
esquemas de PSA por biodiversidade e
captura de carbono, proporcionaram a este
país o título de pioneiro no assunto.
"Desde décadas atrás, a Costa
Rica investiu na construção da institucionalidade necessária em matéria ambiental, o que lhe permite hoje desenvolver
múltiplos projetos. Da mesma forma, atuou
com rapidez diante da urgência de investir
no manejo de bacias, dados os problemas
detectados na disponibilidade e contaminação da água. Este conhecimento lhe
permitiu capitalizar sua experiência", destacou Rodríguez.
Os PSA contam com diversos
esquemas que oferecem uma contribuição
econômica diferente, de acordo com a
atividade de proteção que é realizada. (Ver
quadro: Todos Ganham)
Amplo mercado
Assim, abre-se aos olhos de muitos uma oferta de mercados ambientais
ainda inexplorada. No momento, talvez os
mercados mais dinâmicos na questão do
PSA sejam os relacionados com a proteção
de bacias hidrográficas e a captura de
carbono. Por exemplo, Jaime Quispe Poma,
coordenador do Programa de Monitoração
de Carbono da Fundação Amigos da
Natureza (FAN) da Bolívia, destacou que seu
país "tem um grande potencial para desenvolver estas iniciativas sobre bacias
hidrográficas, principalmente pelos benefícios na questão da água e a erosão dos
solos; atualmente propõe-se formular um
PSA na bacia do rio Piraí, uma das fontes de realizadas estratégias locais para a pro- cos dentro do esquema de PSA, em nível
água mais importantes que irriga o depar- jeção de espécies ameaçadas como o latino-americano, é o pagamento por
jaguar, veado de cauda branca, tucano serviços de seqüestro ou captura de
tamento de Santa Cruz de la Sierra".
Por outro lado, Carlos Manuel esmeralda, o urso negro e o hocofaisán carbono (CO2) nas áreas florestais, dentro
Rodríguez, observa que "na realidade não (Crax rubra). Esta iniciativa busca preser- da lógica de depuração do ambiente,
existe um tipo de esquema de PSA que var também a vida de 131 espécies de produto do efeito estufa e do aquedeva ser mais estimulado do que outro, mamíferos, 363 de aves, 72 de répteis, 23 cimento global que afeta o planeta.
Graças à fotossíntese, as áreas
ou que tenha mais oportunidades de ser de anfíbios, 700 de borboletas e 2.308 de
desenvolvido na região. Sendo todos eles plantas. Apoiados pela Comissão Nacio- florestais captam uma importante quantivitais, o critério fundamental para desen- nal Florestal do México (Conafor), o pro- dade de carbono dissolvido no ar sob a
volver os esquemas na América Latina é a jeto estará em andamento pelos próximos forma de dióxido de carbono, e o depopreocupação e o compromisso de cinco anos, conforme explicou em uma sitam em seus tecidos; como um produto
alcançar as condições políticas que permi- das sessões de trabalho durante o IV adicional liberam oxigênio nas atmosfera.
Ao realizar este processo, os bosques se
tam a construção de capacidades nas Fórum Mundial da Água, em 2006.
Por outro lado, o PSA por pre- transformam em reguladores da qualidainstâncias institucionais para convertê-los
servação da beleza cênica está associado de do ar, limpando o CO2 acumulado na
em realidade".
Paralelamente, Juan de Dios ao valor estético ou cultural de sítios atmosfera, produto dos agentes contaminantes
Benavides Solorio, do Programa de específicos que reúnem ambos os industriais e da queima de florestas.
O PSA por captura de carbono
Serviços Ambientais do Instituto Nacional componentes: preservação do meio ambide Pesquisas Florestais, Agrícolas e Pecu- ente e do patrimônio cultural, como por tem duas modalidades: a absorção ativa
árias (INIFAP) do México, destacou que é exemplo, lugares de patrimônio natural, por meio de reflorestamento ou a sunecessário "assegurar-se de que os arrecifes de coral, santuários culturais ou bstituição de emissões por meio da
serviços ambientais não são um projeto formas de vida tradicional. Em que pese conservação da cobertura florestal. Jaime
passageiro, de curto prazo. Para tanto, os a dificuldade de selecioná-los e avaliá-los Quispe Poma, da FAN na Bolívia, infororganismos internacionais devem ter por seu componente cultural, com o mou que seu país "executa o projeto de
representações mais amplas nos países avanço na consciência sobre o patrimônio carbono chamado Projeto de Ação
Climática Noel Kempff
latino-americanos e
Mercado, iniciado em
ajudar na busca de
"...na realidade não existe um tipo de esquema de PSA que
1997, que recebeu
alianças não apenas
deva ser mais estimulado do que outro, ou que tenha mais
uma boa acolhida e já
com os governos,
oportunidades de ser desenvolvido na região. Sendo todos
conseguiu a certifimas também com a
cação de créditos em
empresa
privada,
eles vitais, o critério fundamental para desenvolver os
2006, com uma porenvolvendo-a de uesquemas na América Latina é a preocupação e o
centagem de sucesso
ma maneira ativa, incompromisso de alcançar as condições políticas que permitam
de 90%". Por sua vez,
clusive do ponto de
a construção de capacidades nas instâncias institucionais para
a Costa Rica também
vista mercadológico,
convertê-los em realidade".
lidera este esquema
por meio da exposide PSA. No ano de
ção publicitária sobre
sua participação nos projetos municipais cultural e o incremento da industria tu- 2000, graças a um convênio de cooperística, atualmente estão surgindo novas ração financeira entre o governo costaou nacionais de serviços ambientais".
iniciativas que permitem vislumbrar um rriquenho e o alemão, com o apoio do
banco KfW Bankengruppe, foi iniciado o
atraente mercado.
Comércio verde
Na região de Mazunte e Venta- Programa Florestal Huetar Norte, cujo obA proteção da biodiversidade nilla na costa de Oaxaca e Selva del Mari- jetivo é de contribuir para melhorar o
também é uma fonte para os esquemas nero na Reserva da Biosfera de Los Tuxtlas equilíbrio líquido das emissões de gases
de PSA, com o objetivo de proteger a vida em Veracruz, México, foram erguidos do efeito estufa, por meio da fixação de
de certas espécies e ecossistemas com um modelos hoteleiros alternativos, uma CO2. Para 2004 o Fonafifo, entidade
valor particular, assim como de certos empresa produtora de cosméticos natu- governamental encarregada da gestão do
habitats e recursos genéticos, entre rais, duas empresas de processamento projeto, conseguiu formalizar 702 conoutros. Entende-se por biodiversidade "a (chocolate orgânico e creme de cacau) e tratos de PSA com uma área de cobertura
variabilidade de organismos vivos de sobretudo uma Rede de Cooperativas de 75.604 hectares (102% da meta) na
qualquer fonte, incluídos os ecossistemas para o Desenvolvimento Sustentável da zona de influência do programa.
Atualmente, a Costa Rica tem na
terrestres, marinhos e aquáticos, e os Costa de Oaxaca, que reúne 10 coopecomplexos ecológicos dos quais fazem rativas com a finalidade de formar uma mira sete projetos de absorção de CO2
parte; compreende a diversidade dentro frente comum pela conservação ambie- através de atividades de florestamento e
de cada espécie, entre as espécies e dos ntal da região, segundo relatório da orga- reflorestamento relacionados com as
ecossistemas" (Art. 2, Convênio sobre a nização ambientalista PRISMA (www. principais áreas de conservação do país.
prisma.org.sv), no marco do Projeto "PSA Alguns já se encontram em etapa de
Diversidade Biológica).
negociação e outros, na qualidade de prénas Américas".
projetos, no entanto, todos eles foram
Um caso é o projeto de
planejados para períodos renováveis de
Conservação da Biodiversidade na Reser- À caça de dióxido de carbono
20 anos, o que revela a intenção de
va de Sierra Gorda em Querétaro, no
Um dos mercados mais dinâmi- permanência destas ações. Segundo o
México, onde, entre outros serviços, são
AQUA VITAE 13
Fonafifo, os PSA, em combinação com
outras ações do governo costarriquenho,
favoreceram a redução da taxa de
desflorestamento, a recuperação da
cobertura florestal e terras degradadas, a
promoção de exportações não tradicionais e a contribuição para o cumprimento das metas ambientais globais.
O futuro dos PSA
Ao revisar a literatura técnica e
governamental pode-se concluir que muitos são os autores que insistem que o
pagamento por serviços ambientais (PSA)
é um assunto que permanecerá na mesa
de discussão internacional.
Do ponto de vista do componente de apoio internacional, Jaime Quispe da FAN da Bolívia explicou que, para
que uma maior quantidade de estados e
organizações privadas se somem ao
pagamento de serviços ambientais, "os
organismos internacionais devem fortalecer sua coordenação com as instituições
que trabalham os PSA, por exemplo,
formando em conjunto redes institucionais que favoreçam o conhecimento e a
difusão entre si dos diferentes projetos e
TODOS GANHAM
O Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) favorece a proteção da natureza, mas também
beneficia aqueles que protegem o ambiente. Na Costa Rica, país líder neste programa na
região, o programa reúne quatro esquemas:
- Pagamento por serviços ambientais em bacias hidrográficas ou recursos hídricos.
- Pagamento por ações florestais para o seqüestro ou a captura de carbono (CO2).
- Pagamento por esforços de conservação de ecossistemas e diversidade biológica.
- Pagamento por ações para preservar ou recuperar a beleza da paisagem, quer
seja para fins turísticos ou científicos.
MONTANTE A PAGAR
O montante máximo a ser pago definido para 2006, conforme Decreto do Governo da
República da Costa Rica é de:
-$ 64 por hectare por ano por proteção de floresta (desembolsados em um
período de cinco anos e prorrogável por um período similar).
-$ 816 por hectare de reflorestamento (desembolsados em um prazo de 10 anos).
-$ 41 por hectare por ano por recuperação de áreas por regeneração natural em
pastos e estábulos (em contratos de cinco anos prorrogáveis por cinco anos).
-$ 1.30 por árvore em reflorestamento integrado a sistemas agro-florestais
(desembolsados em um prazo de três anos).
Fonte: Site da Internet do Fundo Nacional de Financiamento Florestal (Fonafifo).
A Costa Rica tem programa mais antigo de pagamentos ambientais, como
o desta propriedade em Talamanca. Cortesia de Gilmar Navarrete Ch., FONAFIFO
14 AQUA VITAE
além disso, ajudando na difusão dessas iniciativas ambientais através dos meios de comunicação coletiva, para compartilhar com a
população não apenas os projetos bem
sucedidos, mas também aqueles que necessitam mais apoio de todos".
Da mesma forma, "é urgente que os
organismos internacionais assumam a tarefa
de realizar estudos de base relativos às
avaliações econômicas dos bens e serviços
ambientais, de maneira a esclarecer os processos políticos necessários para a tomada de
decisões que favoreçam as capacidades técnicas e institucionais para operar corretamente
os programas", destacou Carlos Manuel Rodríguez,
ex-ministro do Ambiente da Costa Rica.
Em relação a este componente das
capacidades institucionais necessárias nos
países latino-americanos, Juan de Dios Benavides Solorio, do Programa de Serviços Ambientais do Instituto Nacional de Pesquisas
Florestais, Agrícolas e Pecuárias (INIFAP) do
México, enfatizou que "embora os serviços
ambientais tenham sucesso como programas
em nível nacional ou federal (como no caso
mexicano), estes devem transcender a outros
níveis: os governos estaduais e/ou municipais,
através de um trabalho de difusão, através do
qual eles também compreendam os benefícios
decorrentes da proteção e da sustentabilidade
dos recursos naturais através dos PSA."
LEGISLAÇÃO
Primeiro convênio
pela Água
A América Central tomou a iniciativa de
estabelecer o primeiro convênio sobre
água na região latino-americana, com a
finalidade de preservar o recurso, mediante uma gestão eficiente do mesmo.
POR JORGE CABRERA HIDALGO
ADVOGADO ESPECIALISTA EM TEMAS AMBIENTAIS
Prevê-se que o Convênio
Centro-americano da Água
seja analisado em uma Cúpula
de Chefes de estado e do
Governo do Sistema de
Integração Centro-americano
(SICA). A última foi realizada
em Belize, em junho passado, e
dela participou o Ministro
deste país, Said Musa / AFP
O
s Presidentes das Comissões de Ambiente
e Recursos Naturais das Assembléias
Legislativas dos países Centro-americanos,
no marco das prioridades da Comissão
Interparlamentar Centro-americana de
Ambiente e Desenvolvimento (CICAD), conscientes da
transcendência que tem uma gestão eficiente e
eqüitativa da água, assim como a Conservação e o
manejo adequado deste recurso essencial para a vida,
os ecossistemas e o desenvolvimento socioeconômico
de nossas sociedades levando em consideração que é
necessário responder ao direito humano da presente e
das futuras gerações de ter acesso à água em
qualidade e quantidade suficientes, para poder satisfazer as necessidades básicas dos habitantes da região
e fomentar o desenvolvimento sustentável dos países
do istmo, apresentaram, em agosto de 2006, uma
proposta de Convênio, para tratar com as autoridades
de seus respectivos países que este acordo seja assinado pelos Presidentes Centro-americanos.
O objetivo principal deste Convênio é estabelecer
diretrizes gerais, princípios orientadores e mecanismos
regionais de cooperação para a proteção, utilização
ótima e racional da água.
Outro dos propósitos da proposta da CICAD é garantir
uma melhor qualidade de vida dos centro-americanos,
tanto para a presente como para as futuras gerações,
levando em consideração que se faz necessário
propiciar uma melhor gestão e uma cultura para a
proteção e o bom uso da água. Para tanto é preciso
fomentar a participação cidadã, a educação, a criação
de mecanismos e instrumentos econômicos que
assegurem o financiamento dos investimentos, das
ações para sua proteção, a adoção de melhores prá-
AQUA VITAE 15
ticas para o bom uso da água e a sensibilização dos diferentes setores da população com a finalidade de assumir
maior responsabilidade, em todos os níveis organizativos da sociedade e dos Estados da região.
gração Centro-americano (SICA), buscando também estabelecer mecanismos
institucionalizados de coordenação entre
as diferentes secretarias que têm relação
com a conservação e manejo deste
recurso vital.
Também é buscado reconhecer que a
cooperação regional deve constituir-se em
um instrumento fundamental para
avançar na solução dos problemas do
recurso hídrico e que o papel, que com
relação às políticas e coordenação
interinstitucional para a proteção e o
manejo da água, correspondem ao
Conselho de Ministros de Ambiente e
Recursos Naturais (CCAD) como entidades controladoras em questões de
ambiente e recursos naturais e que as
ações que sejam adotadas, considerado o
caráter intersetorial da água, devem estar
enquadradas dentro do Sistema de Inte-
Outro dos aspectos que este Convênio
reconhece, são os compromissos internacionais e regionais assumidos pelos
países da região, para a proteção e gestão
integrada dos recursos hídricos e a existência de uma série de compromissos dos
países centro-americanos, plasmada na
Aliança para o Desenvolvimento Sustentável (Alides).
Esta última organização instrui a : "Priorizar a formulação de políticas e legislação sobre manejo e conservação dos
recursos hídricos, que incluam entre outras coisas, o ordenamento jurídico e ins-
titucional, mecanismos de coordenação
entre as diferentes autoridades encarregadas do manejo e administração deste
recurso, tanto para consumo humano,
como para irrigação e geração de eletricidade; instruindo nossas autoridades
correspondentes a implementação deste
compromisso, assim como a atualização dos
estudos sobre bacias da América Central, a
fim de preparar projetos para seu aproveitamento e manejo sustentável".
Fundamentada neste mandato, a proposta de Convênio Centro-americano da
Água da CICAD prioriza e busca modernizar a formulação de políticas, estratégias, os marcos institucionais e a
legislação, que procure uma melhora do
manejo e a proteção da água em nível
regional e nacional; fortalecendo os
mecanismos de coordenação entre as
diferentes autoridades encarregadas da
PRINCÍPIOS PARA UMA NOVA CULTURA CENTRO-AMERICANA DA ÁGUA
1.A água em todas as suas formas é um bem de domínio público
e seu acesso é um direito humano fundamental e inalienável.
2. A água é um patrimônio das comunidades, dos povos e da
humanidade, principio constitutivo da vida em nosso planeta.
3. O Estado deverá zelar, por meio de suas instituições, pela
proteção do recurso hídrico, seu bom uso e acesso adequado
para o consumo humano, sua gestão, e deve permanecer no
âmbito público, com participação da sociedade civil e as
comunidades, seguindo o princípio de subsídios, com eqüidade
e sem fins lucrativos. É obrigação de todas as instituições públicas
locais, nacionais e internacionais garantir estas condições, desde
o planejamento até o controle final do processo, tendo claro que
os custos da gestão da água devem de ser cobertos pelos
próprios usuários.
4. Os Estados centro-americanos garantirão a proteção e o uso
sustentável dos recursos naturais e em particular da água, como
um compromisso entre gerações, e de solidariedade entre a
presente e as futuras gerações.
5. A gestão do recurso hídrico deverá ser realizada atendendo a
realidade própria e cultural dos povos centro-americanos,
especialmente a cultura tradicional da proteção e uso sustentável
da água dos povos indígenas.
6. A bacia hidrográfica deve ser constituída como a unidade
básica de gestão pública dos recursos hídricos, fator de
identidade e união comunitária, onde se efetive a participação
cidadã e dos povos.
7. A proteção da água implica recuperar a saúde dos ecossistemas
desde as fontes de captação até o tratamento das águas residuais.
16 AQUA VITAE
8. O aproveitamento e a gestão da água devem ser inspirados
em um planejamento baseado na participação dos usuários,
dos planejadores e dos responsáveis pelas decisões em
todos os níveis.
9. Reconhecer, facilitar e apoiar o papel que a mulher
desempenha no abastecimento, na gestão e na proteção
da água.
10. A água tem um valor econômico em seus diversos usos
aos quais se destina (industrial, agrícola, turístico, recreativo,
de geração de energia, etc.), razão pela qual em condições
de escassez e depois de satisfazer o consumo humano e os
requisitos ambientais, será destinada àqueles usos de maior
valor, buscando a eficiência econômica. Os métodos de
alocação serão aqueles que a sociedade de cada país aceitar.
11. O que contamina a água, seja entidade pública ou privada,
deve assumir os custos do tratamento dos resíduos e/ou a
descontaminação dos corpos de água.
12. O papel das áreas protegidas é fundamental em zonas de
captação de aqüíferos e na estabilização do regime
hidrológico, e por esta razão os Estados devem buscar seu
fortalecimento e os recursos necessários para garantir sua
sustentabilidade.
13 .A redução da vulnerabilidade (seca e inundações) por
meio de um melhor manejo dos recursos naturais e o manejo
integral das bacias hidrográficas, deve ser uma prioridade dos
países, já que estes eventos incidem diretamente sobre o
crescimento das economias, na segurança alimentar e no nível
de pobreza dos centro-americanos.
Rio Plátano, em Mosquitia, Honduras. Stefano Torrione / AFP
gestão e administração da água em seus
diferentes usos: consumo humano,
irrigação, indústria, hidroeletricidade,
transporte e navegação, pesca, recreação,
turismo, uso pela biodiversidade, e
outros. Da mesma forma, instrui as
autoridades nacionais correspondentes,
ao cumprimento deste compromisso,
assim como à agilização de mecanismos
de coordenação entre os governos, para a
gestão integrada das bacias internacionais compartilhadas entre os países
Centro-americanos e seus vizinhos, desenvolvendo ações conjuntas entre os
países que compartilham estas bacias
para seu aproveitamento e manejo sustentável, com a devida participação das
populações e autoridades locais envolvidas, propiciando a formação de gru-
pos de trabalho a nível de comunidades
municipais para o desenvolvimento de
agendas compartilhadas para a gestão
integrada das bacias compartilhadas.
O Convênio Centro-americano da Água
adota os princípios universais enunciados
pelas Nações Unidas, os fóruns mundiais
e conferências internacionais sobre a
água e o meio ambiente (ver quadro:
"Princípios para uma nova cultura centroamericana da água").
Um antigo chefe indígena pele-vermelha,
com sua sabedoria, recorda dimensões
esquecidas por esta apressada civilização
em relação à água: "A água cristalina que
corre pelos rios e riachos não é apenas
água, mas também representa o sangue
de nossos antepassados. Se vendermos as
terras, vocês devem recordar que a água
é sagrada, e ao mesmo tempo devem
ensinar a seus filhos que cada reflexo
fantasmagórico nas claras águas dos
lagos conta as histórias e memórias da
vida de nossa gente.
O murmúrio da água é a voz do pai de
meu pai. Os rios são nossos irmãos e
saciam nossa sede; são portadores de
nossas canoas e alimentam nossos filhos.
Se vendermos nossas terras, vocês devem
recordar e ensinar a seus filhos que os rios
são nossos irmãos e também os seus, e
portanto devem tratá-los com a mesma
doçura com que se trata um irmão".
AQUA VITAE 17
SITES INTERESSANTES
www. worldwatch.org
http://hdr.undp.org/hdr2006
http://hispagua.cedex.es/
O Instituto Worldwatch, com sede nos Estados
Unidos, acaba de publicar o relatório.
"Mais além da escassez: Poder, pobreza
e a crise mundial da água" é o título do
Relatório sobre Desenvolvimento Humano de 2006, do Programa das Nações
Trata-se do portal do Sistema Espanhol de
Informação sobre a Água, dos Ministérios
de Meio Ambiente e de Fomento. Inclui
notícias, uma completa agenda com os
congressos sobre recursos hídricos e um
capítulo de novidades com suplementos
de temática variada como, por exemplo,
enfermidades relacionadas com a água e
seu consumo, um observatório da seca e
monografias sobre resíduos contaminantes. Também conta com uma seção
sobre legislação.
"Estado do Mundo 2007: Nosso futuro
urbano", no qual é feita uma radiografia
sobre e crescente urbanismo mundial e
suas conseqüências para a humanidade.
De acordo com o estudo, dos 6.500
milhões de habitantes que existem agora
no planeta, um terço vive em subúrbios
onde não estão asseguradas as necessidades básicas como água potável,
saneamento e casas de materiais duráveis.
www.worldbank.org/html/fpd/
water/rural.html
O Banco Mundial inclui uma seção em seu
portal, na qual informa sobre seu Programa de Água e Saneamento. Nela se
podem consultar publicações, recursos,
temas importantes relacionados com a
água e o saneamento, além de contar
com outros links.
18 AQUA VITAE
Unidas para o Desenvolvimento (PNDU).
Nele, entre outros aspectos, avalia-se que
o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio no acesso a água
e saneamento, terá um custo adicional total
de cerca de US$10 bilhões anuais, soma que
representa menos do que os gastos
militares realizados em cinco dias e menos
da metade do que os países desenvolvidos
gastam por ano em água mineral.
http://levis.sggw.waw.pl/wethydro/
www.crid.or.cr/crid/CD_AGUA
O Centro de Excelência para a Hidrologia
dos Manguezais (Wethydro) busca alcançar
os objetivos de proteção da natureza incluindo as influências antropogênicas (por
exemplo, a agricultura extensiva) e seu
impacto na gestão dos recursos hídricos (em
mangues e bacias) e definir as condições de
sustentabilidade para as zonas de mangues.
Este site da internet inclui também informações sobre projetos, seminários, cursos e conferências.
Site da internet do Centro Regional de
Informação sobre Desastres América
Latina e o Caribe (CRID), que contém uma
seção sobre recursos de informação de
água e desastres. Além de contar com
outros links, inclui um índice temático com
subitens sobre qualidade da água,
prevenção de desastres em sistemas de
água, consumo de água, inundações,
secas, saúde, impacto dos desastres em
sistemas de água, contactos e outros links.
ALTO PERFIL
Entrevista exclusiva
com Abel Mamani
MINISTRO DE ÁGUA
DA BOLÍVIA
NA BOLÍVIA EXISTE A "CONSCIÊNCIA SOCIAL" DE
QUE A ÁGUA É UM DIREITO HUMANO, ASSEGURA
SEU MINISTRO DA ÁGUA, ABEL MAMANI. O ANTES
COMBATIVO LÍDER SINDICAL ASSUMIU A DIFÍCIL TAREFA
DE UNIFICAR AS POLÍTICAS HÍDRICAS DE SEU PAÍS E
LEVAR A FILOSOFIA DA ÁGUA PÚBLICA PELO MUNDO.
Por Nidia Burgos Q. e Myriam Blanco
"A luta dos povos pela recuperação de seus recursos é uma realidade". Cortesia Ministério da Água
Como nasceu a idéia de criar um Ministério
da Água em seu país?
O Governo da Bolívia, no marco de sua
política voltada à recuperação dos recursos naturais e à proteção dos setores sociais menos favorecidos da população, incluiu na lei Estrutura Organizacional do Poder Executivo (LOPE) o Ministério da Água.
Um dos mandatos do Ministério é "formular e executar uma política integral e sustentável dos recursos hídricos para garantir o direito
humano de acesso à água de toda a população e
preservar o meio ambiente respeitando a diversidade cultural".
Constitui-se no primeiro do gênero no
continente, e pretende encarar importantes
transformações no setor, na perspectiva de promover e coordenar a elaboração de um ordenamento jurídico que desenvolva mudanças
legais tendentes a priorizar o investimento em
serviços de água que beneficiem as populações
mais vulneráveis.
Neste sentido, promover o acesso à
água como um direito humano e a transfor-
mação das políticas que promovem a privatização da água são as principais tarefas do
Ministério, no marco de um manejo integral e
sustentável dos recursos hídricos e dos serviços
associados, para garantir o acesso à água de
toda a população.
Como foi a transição de ser um dirigente
popular a fazer parte do gabinete de um
Governo?
Lutar pelo que é justo e por meu país
foram os maiores estímulos para o desenvolvimento de minha trajetória como dirigente ao
longo da minha vida. Independentemente do lugar
e/ou do trabalho que desempenhe, este ideal
prevaleceu, junto com o apoio da minha família.
Um dos principais desafios como
dirigente da Federação de Juntas Vicinais de El
Alto (FEJUVE) foi a luta contra a privatização dos
serviços de água potável e esgoto, para benefício
da população com menos recursos.
Sendo um governo de mudança, nosso
companheiro Evo Morais convocou pessoas
comprometidas com o projeto e me honrou ao
AQUA VITAE 19
me convidar para me encarregar do Ministério da Água, uma instituição nova
para o contexto boliviano.
Tenho um desafio muito grande
porque implica levar adiante a política
hídrica em todo o meu país.
Quais você considera as principais
funções que um Ministério da Água
deve cumprir?
Nossa missão é "satisfazer as
necessidades que a população tem de
água em quantidade e qualidade suficientes, tanto para seu consumo como
para suas atividades produtivas, respeitando o meio ambiente, a biodiversidade, as formas naturais de organização
dos povos e das comunidades indígenas
e camponesas; implantando uma gestão
integral que melhore a disponibilidade,
o acesso eqüitativo, solidário, universal e
de qualidade aos recursos hídricos e aos
serviços associados a eles no país".
Segundo a nova visão de uma
Bolívia digna, soberana e democrática
para o contexto "viver bem", o conceito
e a visão sobre a água e sua gestão se
fundamenta na possibilidade de recuperar a capacidade de uma relação respeitosa e amável com a natureza e na sociedade, donde a água deve ser um
fator de racionamento em harmonia
e integração.
A gestão hídrica boliviana busca respeitar as formas naturais
de organização dos povos e das comunidades indígenas e
camponesas. Cortesia Ministério da Água
20 AQUA VITAE
PERFIL
Um líder comunitário.
Inaugurou um Ministério que
sem dúvida irá surpreender o
continente. E antes de chegar
ao Gabinete do presidente
Evo Morales, o boliviano Abel
Mamani, Ministro da Água,
encabeçou a Federação de
Juntas Vicinais da cidade de El
Alto, uma das mais populosas
da Bolívia. Foi seu líder em
janeiro de 2005, quando um
protesto popular contra a filial
boliviana da empresa
francesa Suez obrigou o
Presidente de turno a cancelar
a concessão outorgada à
empresa por 40 anos. Ela
havia sido acusada de
descumprir seus
compromissos de
investimento em El Alto.
Mamani ainda não completou
40 anos. Antes de ter carteira
ministerial, dedicou-se à
carpintaria. Não completou
seus estudos universitários de
Odontologia. Hoje tem
o poder de decisão
sobre a água.
Quais você considera que tenham
sido as principais conquistas de seu
Ministério um ano depois de
sua criação?
A criação do Ministério da Água e a relevância da temática do recurso hídrico causaram expectativa e disposição para cooperar, tanto por parte
de organismos internacionais como da
sociedade civil e organizações sociais.
Em seu primeiro ano enfrentou desafios
importantes. Trabalhamos na construção
de uma nova visão da água: como fator
de unidade e integração, seu acesso como direito humano, no marco de uma gestão
integral dos recursos hídricos considerando a
bacia como um espaço de vida.
Além disso, estão sendo estabelecidas as bases para a gestão integral
de recursos hídricos priorizando o consumo humano, a alimentação (refiro-me
à irrigação), as necessidades da flora e
da fauna e outros usos.
O início das atividades do
Conselho Interinstitucional da Água
(CONIAG) - cujo propósito é a elaboração da Política Nacional de Recursos Hídricos e o anteprojeto da Lei Marco da
Água - está sendo encarado como missão prioritária.
Que outros projetos vocês têm em
andamento, relacionados a serviços básicos?
Foi concluída a auditoria técnica do contrato de concessão de Águas
de llimani S.A., que determinou que não
cumpriu plenamente o contrato, e foi
iniciada uma série de negociações entre
a empresa e representantes do Governo,
tendo como resultado a conclusão de
suas operações em dezembro de 2006.
Tudo isto de comum acordo, sem chegar
a arbitragens internacionais e sem colocar em risco o serviço de água potável
nas cidades da Paz e El Alto.
Por outro lado, foi formada
uma Comissão Interinstitucional, com a
participação de prefeituras, Governo e
sociedade civil, que está trabalhando,
sem colocar em risco o abastecimento
de água potável, na construção do modelo de empresa para as cidades de La
Paz e El Alto. Os princípios da nova empresa pública são eficiência e sustentabilidade; eqüidade e solidariedade; participação e controle social e transparência da gestão.
Outro avanço, através do Viceministério de Bacias e Recursos Hídricos
foi obtido com o Plano Nacional de
Bacias, no qual são priorizados 12
projetos: dois para Cochabamba, dois
em Potosí, dois em Chuquisaca, um em
Santa Cruz, três para La Paz e dois em
Oruro. Quanto a irrigação, no ano
passado foram aprovados regulamentos
para sua promoção e apoio.
Que projeções tem o Ministério para
cumprir com os Objetivos de desenvolvimento do Milênio (ODM), na
questão da água?
Sabemos que o país comprometeu-se, junto a outras 189 nações do
mundo, a reduzir a extrema pobreza
pela metade, até o ano 2015; nós não
esquecemos disso, e acreditamos firmemente que uma forma de combater a
pobreza é dando acesso de água e saneamento básico à nossa gente.
Pretendemos conseguir um aumento substancial no acesso aos serviços de água potável, esgoto sanitário e
saneamento básico em geral, no marco
de uma gestão integral dos recursos hídricos com enfoque nas bacias. Estão
sendo providenciados recursos para poder cumprir com os investimentos que o
setor necessita.
Você foi um dos promotores, em
âmbito internacional, para que a
água seja considerada um direito, e
de controle público. Que conquistas
você destacaria, e que expectativas
você tem com relação a esta luta?
No IV Fórum Mundial da Água,
como Ministro da Água da Bolívia, expus
perante o Plenário o conteúdo do documento "Declaração Complementar no
Marco do IV Fórum Mundial aa Água",
que foi assinado por Bolívia, Cuba, Uruguai e Venezuela. Nele é estabelecido
que o acesso à água, em qualidade,
quantidade e eqüidade é um direito humano fundamental e que os Estados
devem torná-lo efetivo em seus países.
Também foi manifestada a
preocupação pelos impactos negativos
que os instrumentos internacionais possam ter sobre os recursos hídricos, como
os tratados comerciais; além de reafirmar o direito soberano de cada país para
regular os usos e serviços da água, faz
um apelo para que sejam cumpridos os
compromissos assumidos para assegurar
o acesso à água e pedir a inclusão do
Fórum Mundial da Água no marco do
sistema multilateral.
Estamos trabalhando para que
todos os governos do mundo aceitem e
Uma forma de combater a pobreza é dando acesso à água e saneamento básico
à nossa gente", defende Mamani. Cortesia Ministério da Água
reconheçam a água como um direito
humano. Foi apresentada a proposta
boliviana de "Direitos Humanos e Acesso à Água" ao Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Em quais outros campos vocês estão
trabalhando para promover a água
como direito humano fundamental?
Foi proposta a criação da
Agência das Nações Unidas para a Água,
além de uma Comissão da Água que
seja formada pelos países do norte e sul
do hemisfério, com o propósito de dar
continuidade e seguimento às determinações que forem assumidas nesta Primeira Assembléia Mundial de Cidadãos
e Parlamentares pela Água.
Estamos trabalhando no projeto
de resolução "Água como direito humano fundamental", que foi discutido no
XXXVII Período Ordinário da Assembléia
Geral da Organização dos Estados Americanos, em junho deste ano, sobre a
base da proposta boliviana realizada em
2006. Em agosto de 2006 foi assinada a
IX Ata da Comissão Mista Hispano Boliviana de Cooperação, na qual a delegação boliviana mostra a importância da
gestão da água dentro das linhas estratégicas de seu governo.
Além disso, uma das atividades
mencionadas neste acordo é a participação da Bolívia na Expo Zaragoza 2008,
na Espanha, que tem por objetivo trabalhar sobre a base de que a água é um
elemento imprescindível para a vida; e
como objetivo e finalidade, o desenvolvimento humano desde o compromisso
ético da sustentabilidade.
O Governo boliviano se propôs, desde o início de sua gestão, nacionalizar as empresas que controlam
recursos naturais. Em que processo
se encontram com relação à água?
O impacto das medidas de
privatização sobre o patrimônio social e
público do país e sobre os direitos de
gestão das comunidades camponesas,
indígenas e originais, obrigou a população a defender seus direitos sobre as
fontes de água que usava tradicionalmente, com mobilizações, greves cívicas
e outros enfrentamentos contra o governo da época. O principal conflito
ocorreu em Cochabamba com a chamada "guerra da água" em 2000, No final
de 2004 uma nova crise ocorreu nas cidades de El Alto e La Paz para concluir o
contrato com Águas do Ilimani S.A.
O Ministério da Água enfrentou
importantes transformações no setor, na
perspectiva de promover e coordenar a
AQUA VITAE 21
elaboração de uma base jurídica que
ofereça maior segurança às comunidades indígenas e camponesas, sobre
fontes de água, e desenvolva mudanças
legais para priorizar o investimento em
serviços de água. Terminar com a privatização dos serviços da água potável tornou-se realidade com a finalidade da
operação de Águas do Illimani.
Em que etapa se encontra a criação
de uma empresa pública que controle os serviços de água? (depois da
saída de Águas de Illimani)
A Comissão Interinstitucional,
com a participação de Prefeituras, Governo e sociedade civil, está trabalhando
na constrição do novo modelo da Empresa Pública Social da Água e Saneamento (EPSAS).
Existe quem considere necessária a
participação privada no manejo dos
serviços de água, devido aos altos investimentos necessários. Onde a empresa estatal prevê obter os recursos?
Segundo a nova concepção, os
serviços devem garantir o abastecimento
à população com níveis tarifários razoáveis que permitam recuperar os custos,
evitando sobrecarregar os usuários e ao
mesmo tempo buscando qualidade,
transparência, solidariedade e participação social no planejamento e na tomada de
decisões estratégicas, entre outros objetivos.
Com relação à nova Constituição de seu país, como vai a reforma para que a água seja considerada
um direito humano e seja administrada por empresas públicas?
As propostas de reforma da
Constituição, discutidas na comissão 14
de Recursos Hídricos e Energia da Assembléia Constituinte, declaram a água
como direito humano fundamental. E
não é de espantar, porque na Bolívia
existe a consciência social de que a água
é um direito humano, e este compromisso
evidencia-se em usos e costumes das comunidades camponesas, indígenas e comuns.
Na Bolívia existe uma relação
estreita da sociedade com a água que
pode ser considerada como uma permanente busca de harmonia. Em um contexto cultural, a água é também um ser
vivo e parte da natureza, provedor de vida, harmonia e base do ser humano e
de sua vida, portanto, não pode ser apropriado, nem se pode impedir alguém
22 AQUA VITAE
O Ministro Abel Mamani, o segudo a partir da esquerda, entre o Gerente da EPSAS (Empresa Pública Social de Água e
Saneamento) e um Sub Prefeito de El Alto, inauguram obras de esgoto. Cortesia Ministério da Água.
de ter acesso a ela. A água também é
uma expressão de flexibilidade e reciprocidade, permite a articulação da
natureza com as sociedades humanas.
Em quê etapa se encontra a aprovação da nova Lei Geral da Água?
Está na fase inicial; estamos
concluindo a política hídrica nacional,
que será a base da nova Lei da Água.
Qual você acredita que será o futuro
da iniciativa que pretende criar uma
instância, similar à OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo), para a comercialização da
água em nível mundial?
A preocupação mundial sobre a
disponibilidade da água marcou os fóruns e encontros internacionais. A água
transformou-se em um elemento cada
vez mais limitado, vulnerável e fonte de
conflitos, ao quê se somam os efeitos da
mudança climática, situação que piora
devido ao manejo irracional que o ser
humano faz dos recursos naturais. Por
exemplo, este ano as inundações afetaram grande parte do leste boliviano.
No modelo neoliberal e colonial
sobre a gestão da água eram priorizadas
as políticas e normas que estimulam sua
visão como um recurso com valor econômico e sujeito à apropriação.
Existem muitas normativas internacionais que reconhecem a importância da água. Da mesma forma, a
consciência de que a água é um direito
fundamental, a cada dia ganha mais
importância em nível mundial, e a luta
dos povos pela recuperação de seus
recursos naturais, entre eles a água, é
uma realidade. Neste contexto não
haverá resultados positivos para uma
instância de comercialização da água.
CURTAS DO MUNDO
Argentina, Amitech Argentina, Krah América Latina, Nicoll
Eterplast S.A., Petroplast, Saint Gobain (Canalização Argentina),
Steel Plastic, Tigre Argentina e Tuboloc. Todas elas se
comprometem a adotar e fomentar práticas efetivas para
combater o suborno, a corrupção e todo comportamento de
concorrência desleal.
Fonte: Amanco Argentina.
Reunião do Protocolo sobre
Água e Saúde
Bert Metz (direita), co-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança
Climática (IPCC, em inglês), Orgunlade Davidson (centro) e Rajendra Pachauri,
presidente do IPCC, em Bangkok, Tailândia, em maio último. Saeed Khan / AFP.
Aquecimento global conseqüência
da atividade humana
O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre
Mudança Climática, publicado em fevereiro último, confirma
que o aquecimento global é conseqüência da atividade
humana. O Relatório, elaborado por 2.500 cientistas de mais
de 130 países, indica que as concentrações de dióxido de
carbono, metano e óxido nitroso na atmosfera aumentaram de
maneira notável desde 1750.
Por esta razão, a temperatura atual - indica o painel é o dobro daquela registrada no século XVIII e, continuando
dessa maneira, irá aumentando 0,2 graus em cada uma das
duas próximas décadas. As altas temperaturas provocarão
aumento do nível do mar que poderia oscilar entre 28 e 58
centímetros no final do século atual, dependendo "do
crescimento econômico, das novas tecnologias e das políticas
que sejam adotadas".
Fonte: Portal da ONU
A primeira reunião do Protocolo sobre Água e Saúde
foi realizada em janeiro de 2007, em Genebra, Suíça. Nela foi
definido seu programa de trabalho para o período de 2007 a
2009. A proposta para os próximos dois anos inclui temas como
a criação de um mecanismo que permita facilitar a preparação
de projetos de ajuda internacional e a coordenação entre
doadores e países beneficiários.
Outros assuntos que enfoca são a água como direito
humano e o acesso seguro à água potável; o abastecimento de
água e o saneamento ou as estratégias de adaptação às
mudanças climáticas.
O Protocolo é legalmente vinculante ao Convênio
sobre a Projeção e Utilização dos Cursos de Água Transfronteriços e dos Lagos Internacionais (Convênio da Água) da
Comissão Econômica das Nações Unidas para Europa (CEPE),
que entrou em vigor em agosto de 2005.
O Protocolo sobre Água e Saúde é um instrumento
internacional para proteger a saúde e o bem estar humano por
meio da melhora da gestão dos recursos hídricos, prevenindo,
controlando e reduzindo as doenças relacionadas com a água.
Fonte: Portal de Água da UNESCO.
Turistas tiram fotos diante da Casa Rosada, sede do governo, em Buenos
Aires, enquanto caem flocos de neve, em julho passado, quando as
temperaturas chegaram a -2 grados centígrados, um recorde nos
últimos 30 anos. Juan Mabromata /AFP.
Pela transparência
As autoridades da cidade de Rosario, na Argentina,
uniram-se no início deste ano ao "Acordo Setorial de
Transparência" assinado em dezembro de 2006 por empresas
privadas dedicadas ao desenvolvimento de tubulações para
infra-estrutura de água potável e deságües.
Rosario e a ONG Poder Cidadão, junto com empresas
fabricantes de tubulações, assinaram um acordo pelo qual se
comprometeram a "gerar um cenário transparente", no
processo de licitação pública municipal para a contratação do
serviço de obras que utilizam estes materiais.
O município de Rosario transforma-se no primeiro
governo local que reconhece a existência do "Acordo Setorial
de Transparência". Ele foi firmado pelas empresas Amanco
AQUA VITAE 23
ÁGUA NOS TLC:
Na América Latina não parecem existir
antecedentes de que os acordos de livre
comércio tenham fomentado a participação
privada na prestação de serviços de água e
saneamento, no entanto as dúvidas
persistem na região.
Por Alejandro Vargas Johansson
O uso recreativo da água é excessivo nas épocas mais quentes. Pascal Pavani / AFP.
24 AQUA VITAE
O
s Tratados de Livre Comércio (TLC) que Peru e Colômbia negociaram com outras nações não parecem colocar
particularmente em dúvida o acesso à água como um direito fundamental das pessoas. Confirmam isto aqueles que representaram estes governos sul-americanos nas negociações.
No entanto, algumas organizações da sociedade civil
interpretam que os capítulos de investimentos dos acordos
comerciais aceleram ainda mais a entrada de capital
estrangeiro no setor de administração e distribuição da
água. Para elas, os TLC ampliam as atuais possibilidades de
extrair o recurso hídrico com fins comerciais.
Por outro lado, setores empresariais que já participam do
negócio da administração do recurso hídrico mediante empresas de capital municipal ou privado, sustentam que os
tratados comerciais são uma oportunidade adicional para
atrair mais investimentos estrangeiros.
No Peru existem algumas empresas pequenas de capital público que estão buscando a participação de sócios, devido a
crises financeiras internas e não à vigência dos TLC, conforme indica o Centro Peruano de Estudos Sociais (Cepes).
Embora Peru e Colômbia tenham trajetórias na negociação
e colocação em andamento de acordos comerciais com diferentes países, o tratado com os Estados Unidos parece ser o
que mais acirrou os ânimos de grupos ambientalistas e acadêmicos. A argumentação consiste em que se trata de uma
negociação assimétrica entre um país em via de desenvolvimento e outro desenvolvido.
O Congresso do Peru já ratificou o TLC com os Estados
Unidos. A Colômbia o assinou e também está pendente de
sua ratificação legislativa, trâmite que também não ocorreu
no congresso norte-americano para ambos os tratados.
No entanto, consideram que a chegada de capitais a este
setor não seria mais significativo do que o já existente, pois
a possibilidade legal está aberta desde antes do apogeu dos
tratados comerciais.
Hernando José Gómez, ex-chefe colombiano da negociação
do Tratado de Livre Comércio com Estados Unidos, afirmou
que "na verdade nós não negociamos nada sobre a água
em particular, nem o TLC se refere a nenhum direito fundamental em particular pois estes não são negociáveis em um TLC".
Na prática, os processos de participação de fora no setor de
administração de recursos hídricos foram decisão interna
dos países, paralela ou mesmo anterior à negociação de alguns desses acordos.
Mas existe quem pense diferente. Segundo grupos da sociedade civil, a água participa de maneira indireta. Semelhante situação seria estimulada pelos interesses comerciais
presentes ou futuros de algumas multinacionais.
Na Colômbia, por exemplo, desde meados dos anos
noventa existe legislação em nível de Constituição Política e
leis específicas que estimula a vinculação de operadores
especializados na prestação de serviços de aquedutos.
"O TLC por si só cria as condições para que o direito
fundamental de acesso à água e portanto à vida, não seja
realmente exercido", avaliou Rafael Colmenares, dire-tor
executivo da EcoFondo, uma instituição não go-
Por sua vez, a constituição peruana já inclui muitos dos
princípios dos TLC, e por isso os investidores estrangeiros
contam com a possibilidade de entrar no setor, independente da vigência ou não de um acordo específico com determinado país.
REDES DO RECURSO HÍDRICO
Os múltiplos usos da água geram uma classificação
que inclui diversos dos assuntos que aparecem nos
tratados de livre comércio:
Capital estrangeiro
Tal e como ocorre em Honduras, no Brasil, no Equador e na
Argentina, onde já existem experiências em participação de
capital privado local ou estrangeiro na administração do
recurso hídrico, o mesmo ocorre no Peru e na Colômbia.
Bens
Água engarrafada
X
Exportação de água
X
Serviços Investimentos
X
X
X
Serviço de água potável
X
X
Por exemplo, desde meados da década passada, a empresa
espanhola Águas de Barcelona investe no aqueduto da cidade turística colombiana de Cartagena, de maneira conjunta
com o município.
Serviços de meio ambiente
X
X
Uso hidrelétrico
Uso em mineração
X
X
X
X
Uso na indústria petroleira
X
X
Além disso, existem outras 150 pequenas empresas que
prestam serviços em menor escala mediante contratos com
governos municipais, conforme destacou o colombiano Luis
Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) em seu artigo "Mitos e realidades da
água", publicado no site deste organismo na Internet.
Uso turístico
X
X
Uso agrícola
X
X
Transporte fluvial
X
X
Direitos de água
X
Fonte: The International Development Research Center. Canadá. Em A
água nos países andinos e os acordos de livre comércio.
AQUA VITAE 25
vernamental que agrupa 130 associações ambientalistas. Atualmente na
Colômbia lidera a campanha "Água:
um bem público".
Dúvidas e realidade
A participação do capital privado ou estrangeiro em alguns serviços de administração da água começou antes dos TLC.
Daí que partidários e detratores reconhecem que os acordos comerciais não
são os impulsionadores diretos da participação estrangeira no setor.
Na Colômbia, existem empresas estrangeiras nos aquedutos de Cartagena e
Barranquilla. Existem outras municipais
como é o caso de Empresas Públicas de
Medellín (EEPPM). Sua posição durante
as rodadas de negociação do TLC com
os Estados Unidos foi manter fora do
acordo comercial todas as empresas
prestadoras destes serviços públicos.
Francisco Piedrahita, gerente de Águas
de EEPPM, explicou que depois de conseguir ajustes no compromisso ambiental
Uma fonte pública para saciar a sede
durante o passeio. Francois Guillot /AFP
26 AQUA VITAE
dos eventuais investidores estrangeiros,
a administração de águas foi incluída no
TLC com os Estados Unidos. Piedrahita
avaliou que a chegada dos investimentos estrangeiros a este setor não irá
além da existente, pois esta possibilidade legal está vigente na Colômbia desde
os anos noventa.
Explicou que os investidores estrangeiros
estariam interessados na administração
de aquedutos de cidades grandes, conforme a tendência na América Latina.
"A vinculação a este setor não é desencadeada a partir dos TLC mas sim pela
abertura do setor à concorrência", destacou o gerente de águas de EEPPM.
Na Colômbia também existem empresários nacionais que têm experiência na
administração de sistemas de aquedutos
de comunidades pequenas, como por
exemplo: Conhydra que serve a uma
dezena de municípios com uma população de 42.000 pessoas.
"Se adicionalmente uma empresa
estrangeira está disposta a competir na
Colômbia, sozinha ou com um aliado
estratégico, seria a combinação perfeita.
Nós estamos dispostos a ouvir propostas", afirmou Amed Montoya, assessor
de negócios do Grupo Empresarial Conhydra S.A. diante das possibilidades de
investimentos dos TLC no setor hídrico.
Embora não seja possível atribuir apenas
aos tratados comerciais o processo privatizador de alguns serviços relacionados
com o líquido, os críticos dos tratados
sustentam que são mecanismos que iriam acelerar este rumo que eles consideram inconveniente.
Segundo Guillermo Rebosio, do Centro
Peruano de Estudos Sociais (CEPES), a
participação estrangeira no setor hídrico
no Peru está congelada, não porque a lei
o impeça, mas porque a população ainda se ressente dos elevados custos que
enfrentaram com as privatizações das
telecomunicações e da energia.
Para este estudioso da questão da água,
o governo seria incapaz de controlar os
protestos populares diante de uma
ABERTURA PARA PRIVATIZAR
Desde há mais de uma década, a
máxima lei peruana abre a
possibilidade de permitir a participação
privada nos serviços hídricos mediante
a norma que indica o seguinte:
"Os recursos naturais, renováveis e não
renováveis, são patrimônio da Nação.
O Estado é soberano em seu aproveitamento. Por lei orgânica, são fixadas
as condições de sua utilização e de sua
outorga a particulares. A concessão
outorga a seu titular um direito real,
sujeito a tal norma legal".
Artigo 66 da Constituição peruana.
No Peru, desde 1993, a Constituição
consagra o tratamento igualitário para
os estrangeiros em relação aos
nacionais, e a possibilidade de recorrer a
arbitragens fora das fronteiras nacionais.
Inclusive, outorga um "direito real" ao
titular de uma concessão sobre um recurso natural, afirmou Guillermo Rebosio do CEPES.
"A importância das empresas de mineração e do setor agro-exportador dentro
da economia peruana poderia acelerar a
gestão privada sobre alguns recursos
hídricos por parte destas mesmas empresas. Para estes setores produtivos seria mais ágil contar com 'água própria'
sem nenhuma regulação intermediária",
avaliou o porta-voz do Centro Peruano
de Estudos Sociais.
O investigador disse que pelo menos três
pequenas empresas de saneamento estão em processo de privatização em
dife-rentes partes do Peru, situação que
não responde aos TLC mas às crises financeiras
próprias do sistema de administração.
tentativa de passar à iniciativa privada,
inclusive de origem nacional, a maioria
daqueles serviços relacionados com o
fornecimento de água.
Balanço sobre investimentos
Em cidades colombianas como Barranquilla e Cartagena, os números do Ban-
co Interamericano de Desenvolvimento
(BID) sobre cobertura de água potável
parecem alentadores, a partir da presença estrangeira no setor.
Indicam que 10 anos atrás até um milhão de pessoas não tinham água ou
enfrentavam racionamentos. Atualmente
a cobertura chega à quase totalidade da
população (98%), o que é atribuído em
parte à participação privada no setor.
Em Lima, os obstáculos como o repúdio
social, a existência de poucos operadores e a ausência de fundos de financiamento locais não permitiram a culminação do processo de participação privada no
setor, indicam estas mesmas fontes.
Paulina Beato, consultora do BID, destaca em seu relatório técnico "Participação do setor privado nos sistemas de
água potável e saneamento: vantagens,
riscos e obstáculos" que a presença de
capital privado na administração de
recursos hídricos tem potencial para
gerar bem-estar.
No entanto, não são acordos de livre
comércio que, na prática, conseguiram
que a participação privada aumente no
setor de água, segundo asseguram as
fontes consultadas.
"Com o TLC não há um compromisso de
privatizar a água nem os serviços conexos, mas caso ocorra uma privatização, o
espírito do capítulo de investimentos do
tratado não permitiria voltar atrás. Seria
um assunto irreversível", afirmou Rebosio.
Esta idéia ecoa na mente de alguns legisladores sul-americanos que retomaram a inquietude das organizações
sociais com a finalidade de formar um
bloco regional que busque a explícita
exclusão do assunto da água dos acordos comerciais e das normativas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Origem do capital
No processo de participação privada no
aqueduto de Cartagena, inicialmente
interessaram-se apenas três empresas de
países europeus com os quais a
Colômbia não tem TLC.
Para Rafael Colmenares, da EcoFondo,
esta realidade não é argumento para
desacreditar a oposição que eles lideram
em contra os tratados comerciais.
"Independentemente da nacionalidade,
poderiam ser colombianas, estaríamos
contra a privatização", afirmou.
OS INVESTIMENTOS NO TRATADO
Dentro dos pontos críticos - segundo os grupos ambientalistas que incluem os
capítulos de investimentos dos tratados comerciais, destacam:
a) Cobre todas as formas possíveis de ativos que um investidor possui ou
controla de maneira direta ou indireta no país.
b) Inclui também a expectativa de lucro do investidor e a aceitação do risco.
c) Busca regras de garantia diante de riscos não comerciais.
d) Os Estados podem adotar, manter ou executar medidas para assegurar que
os investimentos se mantenham em concordância com as sensibilidades ambientais.
e) Amplia o tratamento nacional aos investimentos norte-americanos.
f) Proíbe os requisitos de desempenho.
g) Outorga tratamento justo e eqüitativo para a proteção de investimentos.
h) São ampliados os investimentos existentes ou futuros.
Fonte: Centro Peruano de Estudos Sociais (Cepes). Lima, Peru.
AQUA VITAE 27
LEGISLAÇÃO PRÓPRIA
FORTALECE POSIÇÃO
DIANTE DE TRATADOS
Treze anos de implementação do Tratado de Livre Comércio de México
com Estados Unidos e Canadá demonstram a importância de que cada
país conte com uma a legislação própria sobre relações comerciais
Por Alejandro Vargas Johansson
Estados Unidos e México compartilham praticamente a metade da bacia do Rio Grande,
na imagem em sua passagem pelo cânion Santa Elena. Stefano Torrione / AFP.
28 AQUA VITAE
O
México já completou 13 anos de vigência de um
acordo de livre comércio no qual a água participa
como um dos temas comuns com os Estados
Unidos e o Canadá.
Durante este período, alguns investidores
estrangeiros apoiaram-se no tratado para
contestar regulações ambientais, incluída a
proteção de águas. Por exemplo, no município
mexicano de San Luis Potosí foi paga uma
indenização
milionária à empresa norte-americana Metalclad,
por ter perdido uma ação movida contra esta
empresa por contaminação de solos.
No entanto, não são relatadas limitações diretas
do acesso da população mexicana ao recurso
hídrico em benefício de investidores estrangeiros
como conseqüência da vigência deste TLC.
Alguns estudos sugerem que com a eliminação de
taxas sobre os agro-químicos norte-americanos,
os agricultores mexicanos aumentaram seu uso e
portanto, aumentaram o risco de contaminação
de seus aqüíferos.
Em Sonora, aumentou a dependência do aqüífero,
pois com as transformações produtivas devido à
abertura comercial, os pequenos produtores
deram lugar aos grandes agricultores orientados
dedicados à culturas para exportação. Aumentou
o uso de herbicidas e fertilizantes, concluiu Cyrus
Reed, diretor do Centro de Texas para o Estudo de
Políticas.
Do aqüífero de Sonora a água é extraída a uma
profundidade de 135 metros enquanto que 40
anos atrás ela era encontrada aos 11 metros,
conforme relatório do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento. A extração das
águas subterrâneas representa um risco para
aquelas sociedades, como o México, que se
abriram ao investimento privado.
Por quê?
Segundo Reed, a correção das leis do mercado
não se aplica para o negócio da água porque
existe um desconhecimento sobre a quantidade
de líquido existente e sobre o impacto de futuras
mudanças climáticas. No caso da água, existe uma
imperfeição do conhecimento sobre os sistemas
hidrológicos, indicou este especialista em sua
apresentação: "Livre Comércio, Águas e Manejo
de Bacias".
Embora existam serviços com participação
privada, relacionados com a água mexicana, este
TLC é apenas um ingrediente da engrenagem
mundial que favorece esta tendência. O
investimento que majoritariamente foi destinado
ao setor hídrico é de origem européia e não
norte-americana. Entretanto, o Estado mexicano
continua liderando a maior parte da
administração e distribuição dos serviços de água
potável.
Este acordo comercial também gerou um
fortalecimento institucional em torno da
cooperação, em que água participa em boa parte
do interesse das três nações (México-Estados
Unidos-Canadá), tal como ocorre na Comissão
para a Cooperação Ambiental da América do
Norte, cuja secretaria está temporalmente nas
mãos de um mexicano.
Acesso desigual
Fontes governamentais mexicanas, como a
Comissão Nacional de Água (Conágua) relatam
avanços relacionados à cobertura e à eficiência no
manejo da água, enquanto que vozes da
sociedade civil e da academia, apontam falhas do
país com relação à infra-estrutura, conservação do
recurso, financiamento e democratização do
acesso.
Quase nove de cada dez mexicanos contam com
água potável, um número que tem aumentado
nos últimos anos. No entanto, estima-se que cerca
de um terço das populações indígenas mexicanas
carecem de água. (Ver quadro: "A água no
México").
Durante os 13 anos de vigência do tratado,
evidenciou-se o fortalecimento dos grupos civis
em torno da defesa do recurso hídrico, sob o
argumento de que o acesso à água não é um
bem, mas sim um direito humano.
Associações de camponeses, mulheres, indígenas,
profissionais, estudantes universitários, entre
outros grupos sociais, aliaram-se para influenciar
as pessoas tomadoras de decisões públicas. Entre
eles, o Exército de Mulheres Zapatistas em
Defesa da Água.
A sociedade civil defende que seja incorporado o
direito ao acesso à água dentro da constituição
política, tal como ocorreu no Uruguai. Por ora, o
AQUA VITAE 29
A ÁGUA NO MEXICO
89% da população conta com água potável
79% com esgoto
70% dos habitantes da área rural têm água potável
40% da água bombeada ao sistema de distribuição da Cidade
do México é perdida devido a canalizações quebradas ou a
vendas ilegais do líquido
80% da água é consumida na produção agrícola mexicana
40% da água usada para a agricultura vem de aqüífero
100 de 653 aqüíferos estão sendo superexplorados
Fontes: Conagua, 2005 e PNUD, 2006.
Da mesma forma, o México abriu sua economia não apenas
a seus vizinhos do norte, mas também atravessou o Atlântico
para negociar outro acordo com a União Européia, cujas empresas dedicadas à distribuição e tratamento de água lideram este setor em nível mundial. O mercado mexicano não é
a exceção (Ver quadro: "Fluxos europeus").
A proximidade geográfica e o interesse mútuo pelas águas
superficiais entre norte-americanos e mexicanos transcendem a vigência do TLC, uma vez que ambas as nações
mantêm vigente o pacto de limites e águas desde 1944, com
a finalidade de regular o manejo fronteiriço das bacias
hidrográficas compartilhadas.
Na cidade mexicana de Sonora aumentou a dependência do aqüífero. Na imagem,
a mina de cobre de Cananea, em Sonora, México. Notimex / José Luis Salmerón.
A distribuição deste recurso hídrico foi
motivo de polêmica entre os países,
devido às persistentes secas. Nos últimos
anos, o México manteve uma dívida
sobre a quantidade de água que devia
entregar a seu vizinho do norte. Ambas
as nações compartilham praticamente a
metade da bacia do Rio Grande.
Em 2003, os dois países puseram em
marcha um programa conjunto que é
conhecido como Fronteira 2012, que
aspira a melhorar os índices de desenvolvimento nesta região fronteiriça que
vai desde o Golfo do México até o Oceano Pacífico, ao longo de 3.100 quilômetros.
As redes de organização cidadã
transcendem as fronteiras mexicanas,
uma vez que formam blocos
internacionais em torno da defesa do
acesso ao líquido. A celebração em 2006
do IV Fórum Mundial da Água no México, estimulou ainda mais a participação
da sociedade civil. Nele foi revisada a
importância da água como um pré-requisito para o crescimento e o desenvolvimento dos povos, entre muitos outros
temas relativos ao recurso hídrico.
"Apenas os mexicanos de nascimento ou por naturalização e as sociedades
mexicanas têm o direito de adquirir o domínio das terras, águas e seus acessos
ou de obter concessões de exploração de minas ou águas."
(Artigo 27 da Constituição que a seguir faculta o Congresso da União para promulgar leis sobre o uso e
aproveitamento das águas de jurisdição federal, e sobre a regulação do investimento estrangeiro)
O México assinou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais onde garante como um direito o
acesso ao líquido para uso pessoal e doméstico. Depois de 13
anos de vigência do tratado, tanto o marco institucional como legal que regulam a água, continuam a se modificar. Foi
criado o Programa para a Modernização dos Organismos
Fornecedores de Água, uma instância promovida pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) para favorecer a
participação do setor privado. Há propostas para elevar o alcance da Comissão Nacional da Água (Conágua). Erguem-se
vozes para criar a Secretaria da Água. Grupos industriais
também destacaram a urgência de eliminar a falta de critério na
outorga de concessões por meio de reformas regulamentares.
Mais além do TLC
Estas características que fluem em torno da água, em nível
de mercado, governo e sociedade civil coincidem no México
não apenas com a vigência do tratado comercial da América
do Norte, a partir de 1994. No ano seguinte, fortaleceu-se a
discussão de normas internacionais de comércio enquadradas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
30 AQUA VITAE
FLUXOS EUROPEUS
As empresas estrangeiras que têm investimento
em algum setor da água no México são:
Empresa
Origen del capital
Ondeo
França
Suez
França
Desarrollos Hidráulicos
Argentina
Azurix
França
Aquamex, S.A. de C.V
Eisenmann S.A. de C.V
Alemanha
Alemanha
Luwa México S.A. de C.V.A
Alemanha
Tecnología intercontinental S.A. de C.V. (Ticsa)
Alemanha
Uhde Jacobs México, S.A. de C.V.
Alemanha
Veolia environnement
França
Anglian water
Reino Unido
Kelda Group
Severn trent water
Reino Unido
Reino Unido
Aguas de Barcelona
Espanha
Fonte: Rede Mexicana de Ação Frente ao Livre Comércio e Iniciativa de Copenhague para América Central e México.
Em: O impacto social e meio-ambiental dos investimentos europeus no México e na Europa no Setor Hidráulico e Energético.
SAÚDE
O sistema de
desinfecção da
Fundação SODIS
América Latina,
elimina 99,99% de
coliformes fecais da
água. Cortesia da
Fundação SODIS.
Desinfecção da água num instante
POR NIDIA BURGOS Q.
A CADA ANO 2.2 MILHÕES DE PESSOAS MORREM NO MUNDO POR CAUSA DA DIARRÉIA, UMA
DAS 25 DOENÇAS ASSOCIADAS À ÁGUA, SEGUNDO A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE
(OMS). ISTO REPRESENTA 4% DA MORTALIDADE TOTAL DO MUNDO E 5% DAS INCAPACIDADES.
A ÁGUA CONTAMINADA É UMA DAS PRINCIPAIS CAUSAS DESTA ENFERMIDADE.
Diante desta situação, diferentes organizações e o setor
privado criaram diferentes produtos e mecanismos para desinfetar,
purificar ou tornar o líquido potável.
É possível que o IV Fórum Mundial da Água, realizado em março do ano passado
no México, tenha servido para que os
representantes de muitos países tomassem consciência de que o caminho é
longo e o tempo curto para alcançar os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM) relacionados com água e saneamento, conforme opinião de Rubén
Avendaño, especialista sênior em Infraestrutura, do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
Se acrescentarmos a isso, o fato de que a
Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE)
prevê para 2025, que o uso da água irá
aumentar em cerca de 30% nos países
em desenvolvimento e em cerca de 10%
nos países desenvolvidos, a situação
poderia ficar ainda mais complicada.
Esta organização calcula também que a
população que vive em áreas onde há
pouca água dobre de tamanho entre
AQUA VITAE 31
1999 e 2025, e que para 2030 dois terços
dos habitantes do mundo poderiam
experimentar uma falta de água de
moderada a alta. Diante destes dados
potenciais, a OCDE considera que o
principal desafio dos países será o
financiamento para substituir a já desgastada e danificada infra-estrutura.
Nesta tarefa, e para criar nova infraestrutura, encontra-se uma grande
quantidade de organizações internacionais e locais, com maiores ou menores
conquistas, mas no curto prazo a pergunta permanece: como evitar que milhões de pessoas continuem morrendo por
falta de água ou por líquido contaminado?
Mudança de hábitos
De acordo com informação da Organização Panamericana da Saúde (OPS)
publicada no site "Mitigação de desastres
em sistemas de água potável e esgoto
s a n i t á r i o " ( w w w. d i s a s t e r- i n f o . n e t
/watermitigation), algumas das doenças
propagadas pela água são a febre tifóide,
amebíase, hepatite, diarréias virais e outras. Mas a falta de água também pode ser
fonte de doenças, como a sarna, a parasitose
intestinal e a pediculose, entre outras.
Para evitar muitas destas doenças existem
diversos produtos e mecanismos para
desinfetar, purificar ou tornar potável a
água (ver quadro: Novos costumes). Já
foram oferecidos a comunidades de
baixos recursos, diversos produtos que
podem ser adquiridos a preços muito baixos e que se mostraram muito eficientes
na prevenção de doenças.
Um destes métodos é SODIS, da Fundação do mesmo nome, e que utiliza uma
tecnologia simples, fácil de implementar
e de baixo custo para desinfetar a água
em nível doméstico.
De acordo com Marcelo Encalada, diretor
executivo da Fundação SODIS América
Latina, este sistema elimina 99.99% dos
coliformes fecais da água, principais
causadores de diarréias e outras doenças
relacionadas com a água. (Ver ilustração:
Sistema SODIS)
Este sistema já é utilizado com sucesso em
países como Bolívia, Peru, Equador, Honduras,
Nicarágua, Guatemala e El Salvador, assim como
no Brasil desde o ano retrasado. Da mesma
forma, foram recebidas solicitações de assessoria
da Colômbia, República Dominicana e Venezuela.
32 AQUA VITAE
O PuR, purificador de água da companhia Procter & Gamble (P&G) é um sistema
de potabilização da água de baixo custo para uso doméstico. Cortesia de P&G
PuR Purificador de água
Eficácia na remoção de bactérias
Bacteria
Bacteria
Postratam.
E. Coli
2,0x10 (a 8)
ND
10 bacterias fecais comuns
9,2x10 (a 9)
ND
Salmonella tiphy
1,6x10 (a 8)
ND
Vibrio Chlorae
1,2x10 (a 8)
ND
Shigella sonnei
Klebsiella terrígena
2,2x10(a 8)
2,8x10 (a 8)
ND
ND
Campylobacter jejuni
2,0x10 (a 8)
ND
Fonte: P&G. / ND: Não detectável
O sistema SODIS para a
desinfecção da água não
requer um grande investimento, uma vez que é
feito a partir de garrafas
limpas. O processo de desinfecção é o seguinte:
1
limpar bem as garrafas
3
expor as garrafas ao sol
4
deixar em repouso por um
período de um dia de sol pleno e
céu limpo, ou pelo menos seis
horas (em dias nublados as
garrafas devem ficar expostas
durante um dia mais)
2
encher as garrafas de
plástico transparente
5
a água pode ser consumida
AVANÇOS TECNOLÓGICOS
Apesar de existir uma série de opções para tornar potável,
desinfetar ou purificar a água, é difícil para a população mudar
de hábitos com relação ao consumo e tratamento deste líquido
vital. Entretanto, podem ser encontradas diversas possibilidades
para este fim, que na maioria dos casos são de baixo custo,
como as seguintes:
• SODIS: consiste em encher garrafas de plástico transparente
com água clara e expô-las ao sol. Por meio deste processo, a
sinergia da temperatura e a radiação UV do sol, desinfetam a
água em um período de um dia de pleno sol ou céu aberto (ou
pelo menos 6 horas), depois do quê a água está apta para o
consumo. Fundação SODIS.
• PuR Purificador de água: é apresentado em um envelope que
é misturado com 10 litros de água e agitado, e em poucos
minutos a sujeira e outros contaminantes separam-se da água,
que é passada através de um filtro de pano limpo, e deixada em
repouso por 20 minutos, após os quais já pode ser consumida
ou armazenada. Este produto purifica a água através de um
processo combinado de desinfecção com hipoclorito de cálcio
e floculação com sulfato de ferro. Procter & Gamble.
• SAG (Solução de Água Segura): é apresentada em uma garrafa
que contém uma solução diluída de hipoclorito de sódio (cloro),
que desinfeta a água desativando os patógenos microbiais que
produzem a diarréia. PSI.
• Silverdyn (prata coloidal a 0.36%): é um produto para ser
utilizado com água de abastecimento público e funciona para
purificar água, verduras e legumes. Aplica-se uma gota do
produto para cada dois litros de água, e deixa-se repousar por
30 minutos. Se a água é de qualidade duvidosa, são
A grande limitação deste método e de
muitos outros é que é difícil para as
famílias mudar seus hábitos de consumo
de água crua, sem nenhum tratamento
para desinfetá-la.
acrescentadas três gotas para cada litro de água e deixa-se
repousar por 45 minutos. Laboratórios Silverdyn, México.
• Sistema de tratamento da água in situ Sanilec: é um processo
eletrolítico para a geração de soluções de hipoclorito de sódio
no local, por meio da decomposição ou eletrólise de uma
solução de salmoura.
• Cloração doméstica: é o procedimento para desinfetar a água,
utilizando o cloro ou alguns de seus derivados, como os
hipocloritos de cálcio ou de sódio.
• Filtro lento de areia: a filtração é um processo físico de
purificação que consiste em passar a água a ser tratada através
de camadas de material poroso, com a finalidade de reter
bactérias e partículas suspensas no líquido.
• Clarificação com compostos naturais: um deles é o de
sementes de pêssegos e favas, que devem ser secas e depois
moídas separadamente. A seguir são colocados 0.5 gramas de
qualquer desses produtos para cada litro de água, mistura-se
em movimentos circulares, deixa-se a água em repouso por
duas horas e depois utiliza-se a parte superior da água.
• Clarificação com compostos químicos: pode ser utilizado a
pedra ume, ou sulfato de alumínio. A pedra ume apresentase na forma de cristais de cor branca que são acrescentados
à água turva e depois retirados; aguarda-se que as partículas
se sedimentem e a água da parte superior do recipiente
possa ser utilizada.
Fontes: Fundação SODIS, P&G, PSI e site da internet
http://www.disasterinfo.net/watermitigation/e/publicaciones/Tecapropiadas/1Abastecimiento
consiste em um sistema de potabilização da
água de baixo custo para uso doméstico.
Soluções instantâneas
Este produto vem sendo elaborado há
três anos, informou Ángela Vanegas, gerente de Desenvolvimento Sustentável,
Relações Externas, América Latina desta
empresa. A tecnologia foi desenvolvida
pela empresa, em colaboração com o
Centro para o Controle e Prevenção de
Doenças (CDC) dos Estados Unidos. O
produto é capaz de tratar água severamente contaminada, uma vez que seus
ingredientes se baseiam nos mesmos
sistemas de tratamento de água utilizados
em plantas de tratamento municipais.
Além dos diferentes métodos para desinfetar a água, promovidos por diversas
organizações, existem também produtos
como o PuR, purificador de água, da
empresa Procter & Gamble (P&G), que
Este é um dos produtos utilizados pela
Aliança pela Água Potável Segura que integra
P&G com a USAID, a Universidade John Hopkins,
a organização Population Services International
(PSI) e o CARE, entre outras.
"Nos aspectos técnicos, a assessoria é
mínima, devido à tecnologia SODIS ser
fácil de utilizar. No entanto, conseguir
que as famílias utilizem o SODIS ou outro
método de desinfecção em casa (ferveção, cloração caseira e outros) implica
que seja introduzido em seus hábitos
(...)", afirma Encalada.
De acordo com quatro estudos realizados
pela CDC, o PuR reduz as doenças diarréicas em 50%, sendo particularmente
eficaz para crianças.
De acordo com informação fornecida por
Vanegas, através de seus aliados, também
forneceram este produto para mais de 30
milhões de litros de água durante o
último ano para ajudar em situações de
desastres em nível global.
De acordo com dados publicados pela PSI
em um comunicado, este tipo de
produto, em 2005, evitou aproximadamente 12 milhões de episódios de diarréia
e a morte de 36.000 crianças.
AQUA VITAE 33
AVANÇOS TECNOLÓGICOS
A água usada em casa é
reutilizada para trabalhos de
repopulação de rios e açudes.
Frederick Florin / AFP
ÁGUA RECICLADA,
ECONOMIA PARA
O FUTURO
As estatísticas indicam que para 2025, 80% da população mundial terá
graves problemas de escassez de água. Até 2 bilhões de indivíduos
poderão chegar a carecer de água para beber, donde a necessidade de
tomar medidas hoje. Uma delas é a economia através da
reutilização da água de uso urbano.
Por Myriam Blanco
Sem dúvida, o país pioneiro na reutilização de águas
foi Estados Unidos. No entanto, o resto do mundo continua
no caminho de não desperdiçar a água que já teve uma primeira utilização, para voltar a usá-la em sanitários, limpeza de
ruas ou em irrigação de jardins urbanos, assim como na agricultura ou na indústria. Dois países de grande peso econômico e com maior população na América Latina, como Brasil e
México, continuam este exemplo e prosseguem colocando em
andamento e pesquisando a reutilização da água em edificações.
Segundo avaliação da Organização Pan-americana da
Saúde (OPS) sobre serviços de água potável e saneamento, a
América Latina e o Caribe têm aproximadamente 480 milhões
de habitantes. Destes, 130 milhões (27%) carecem de conexões domiciliares de água potável, 255 milhões (53%) não
34 AQUA VITAE
têm conexões de esgoto sanitário, e apenas 86 milhões (18%)
contam com sistemas de saneamento em bom estado. Todo
isto acarreta que, a cada ano, a América Latina despeje mais
de 100 milhões de metros cúbicos de águas residuais aos
corpos de água, uma boa oportunidade para apostar na
reciclagem da água.
Embora a reutilização de águas tratadas ainda não se
tenha transformado em uma prática comum em nível mundial,
é preciso recordar que a Califórnia, nos Estados Unidos, foi o
primeiro estado deste país a colocar em funcionamento seu
sistema de regeneração e reutilização planejada da água, em
1912. Atualmente, são 17 os estados que seguem seus passos.
Esta referência internacional na reutilização dos recursos hídricos é acompanhada na classificação por Flórida e Arizona.
Brasil em fase inicial
Na América Latina, na Universidade de Brasília, há
mais de uma década são realizadas pesquisas sobre a reutilização da água. As metas são ambiciosas: o objetivo é economizar até 60% do consumo urbano de recursos hídricos. A água
que previamente tenha sido utilizada no banho ou na cozinha
é reciclada para ser utilizada em lagoas de piscicultura (repopulação de rios e tanques com peixes e crustáceos), entre
outros usos.
Com a reutilização de água é possível diminuir a
pressão sobre os mananciais e reduzir a contaminação do
meio ambiente, destacam especialistas como Claudio Itaborahy. Uma pequena cidade de 140 000 habitantes situada na
região metropolitana de São Paulo, São Caetano do Sul, já se
destaca no aproveitamento de água reciclada que se destina à
irrigação de jardins e lavagem de ruas e edifícios.
Entre as competências da Agência Nacional de Águas
(ANA) de Brasil, encontra-se a que diz respeito à reutilização
dos recursos hídricos, destaca Itaborahy, representante da Instituição. Adverte que por ora as boas práticas estão "em fase
inicial de implementação" e é necessário adaptar muitas delas
às condições brasileiras. Técnicos da ANA participam dos grupos de reutilização do Conselho Nacional de Recursos Hídricos
(CNRH) para definir as diretrizes, os critérios e os parâmetros
neste capítulo.
"Países como o Brasil - assegura Itaborahy, devem
incentivar a prática da reutilização para garantir o acesso à
água, principalmente em partes de seu território com menor
oferta, e também para evitar que onde os recursos hídricos
são abundantes a água apresente uma qualidade degradada".
Acrescenta que nas cidades mais populosas donde existem
áreas agrícolas, a água reutilizada de origem doméstica, pode
ser uma fonte importante para a produção agrícola de
alimentação ou de agro-energia.
Engenheiros hidráulicos avaliaram que cada habitante da área metropolitana de São Paulo consome cerca de 180
litros de água por dia, quando seria suficiente uma centena.
De acordo com a regulamentação brasileira, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos estabelece as modalidades de reutilização com base em seus fins urbanos, agrícolas, florestais,
ambientais, industriais e na piscicultura.
Reutilização diária
Como explica Claudio Itaborahy, depois de seu uso
doméstico, a água pode ser reutilizada com tratamento ou
mesmo sem ele. Nas residências particulares é mais comum a
reutilização da água em banheiros, pias, lavadoras de roupa
ou sanitários. Enquanto que nos condomínios localizados em
áreas mais distantes de redes de esgoto, a água pode ser tratada mediante a instalação de sistemas de filtros e desinfecção depois de seu tratamento biológico.
O especialista brasileiro lembra que sempre que for
possível, a água reciclada deve ser destinada a usos não potáveis, por exemplo sanitários, limpeza de parques ou irrigação
de jardins.
Itaborahy destaca o fato de que apesar de o Brasil
ainda se encontrar em fase de regular a reutilização de água,
já existem experiências em andamento em algumas cidades. A
este respeito, acrescenta que a Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), de forma experimental, abastece com água reciclada algumas empresas da região
metropolitana. Além disso, a Sabesp também está interessada
na reutilização de água para fins agrícolas, embora continue
pendente da respectiva regulamentação.
Custo da reciclagem
É muito caro o processo de reutilização da água?
"Depende de vários fatores", responde Claudio Itaborahy; por
exemplo, o uso ao qual vai ser destinada, ou a quantidade e
qualidade da água reutilizada que será submetida a tratamento. Os custos deste processo não constituem um impedimento
para levar a cabo a prática da reciclagem; inclusive em alguns
casos, pode haver "um retorno econômico" para a empresa
que se disponha a produzir água reutilizada para sua
comercialização, explica.
Segundo informação da Companhia de Saneamento
Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), fornecida pela ANA, a
água reutilizada tem um valor de $0,17 por metro cúbico (mil
litros) para as comunidades da região de São Paulo, para os
quais o preço é reduzido, devido à sua função pública, enquanto que para indústrias e particulares o preço é de $0,30
por metro cúbico.
Os produtos que são utilizados para o tratamento da
água reciclada normalmente não diferem daqueles utilizados
nos sistemas convencionais e, certamente, afirma o especialista da ANA, "um dos benefícios da reutilização é evitar o lançamento de grandes efluentes tratados em rios, lagos, lagoas
e no mar", auxiliando assim na proteção do meio ambiente.
A Agência Nacional de Águas brasileira publicou o
estudo Conservação e reuso da água em edificações, obra na
qual, entre outros aspectos, destaca a necessidade de acompanhar os avanços na reutilização da água com a reeducação
dos comportamentos dos usuários. Por exemplo, estabelecendo-se metas de economia por usuário ou por equipamentos, e
impulsionando a instalação de novos equipamentos. Também
é considerado positivo estabelecer programas de incentivos,
ainda em estudo, como aqueles destinados aos consumidores
que detectem vazamentos dentro de seu edifício.
México urbano
No continente americano, o México se destaca por
seguir nesta aposta ambiental, sobretudo nas regiões áridas e
semiáridas do centro e do norte do país. Para a Comissão
Nacional da Água (Conágua) deste país, a reutilização do
líquido é parte fundamental de sua política hídrica, por um
lado, porque é um bem cuja disponibilidade é limitada, e por
outro lado, porque o saneamento passa a ser indispensável
quando muitas vezes é preciso enfrentar também a
degradação das fontes de fornecimento.
No México, país em que mais de 70% da população
vive em zonas urbanas, no Distrito Federal calcula-se que 67%
da água é destinada ao uso doméstico. Estudos indicaram que
a demanda da agricultura e da indústria pode absorver a água
regenerada dos resíduos municipais. Realmente, foi constatado que o emprego de águas reutilizadas de origem doméstica fornece aos cultivos matérias orgânicas ou nitrogênio, que
lhes são favoráveis.
Na região metropolitana do Vale do México, com uma
população próxima dos 20 milhões de habitantes e onde existe
água subterrânea em abundância, foi calculado que são necessários aproximadamente 35 metros cúbicos de água por segundo para cobrir a demanda de água potável. Uma vez
AQUA VITAE 35
ORIGEM ANCESTRAL
Os primeiros habitantes a reutilizar o
recurso hídrico foram os da Ilha de Creta, na
época Minoica. Nesta cultura pré-helenística
da idade de bronze, já se interessaram em
voltar a usar as águas residuais.
A princípio, até meados do século XIX,
não era aplicado nenhum tratamento às
águas residuais, e elas eram vertidas
diretamente nas propriedades agrícolas
de granjas situadas, por exemplo, na
Alemanha ou na Grã Bretanha. Esta
prática chegou a provocar
problemas de saúde pública.
graves
No século seguinte foi dado o grande salto
com relação ao avanço sanitário, e antes de
1950, por exemplo, já se usava o cloro. Ao
mesmo tempo, na Inglaterra já funcionavam
os primeiros processos biológicos para
depurar as águas residuais e, na Califórnia,
já se começava a regular o uso de águas
residuais na agricultura.
Mas foi sem dúvida a partir dos anos 60 que
a regeneração, a reciclagem e a reutilização
das águas residuais adquire maior
importância diante da crescente pressão
demográfica e dos efeitos e prospecções
com relação à mudança climática mundial.
A regeneração permite também enfrentar
problemas como o da contaminação e, ao
mesmo tempo diminui a necessidade de
explorar as fontes convencionais e esgotáveis para o fornecimento de água.
DIAGRAMA SISTEMA DE REUTILIZAÇÃO DE ÁGUA NA CALIFÓRNIA
Em quê é utilizada a água
reciclada na Califórnia?
Multiplicado por três
As agências de água da Califórnia reciclam atualmente cerca de 617 milhões de metros
cúbicos de águas residuais por ano, quase três vezes mais do que em 1970.
Fonte: Departamento de Recursos Hídricos do Estado da Califórnia.
Recarga de
aqüíferos
14%
Outros usos*
19%
Diagrama processo de reutilização de água de uso doméstico
Irrigação
agrícola 46%
Residência particular
Água de uso doméstico
Irrigação de
jardins 21%
banheiros/pias/
lavadoras/sanitários
é reutilizada em
Condomínios em áreas afastadas
*Reutilização industrial, lagos recreativos, etc.
Água de uso
doméstico
Fonte: Departamento de Recursos Hídricos do Estado
da Califórnia. California Water Plan.
é tratada por meio de
filtros e desinfecção
é destinada a usos
não potáveis
sanitários / limpeza de
parques/irrigação de jardins
Tipos de processos de tratamento da água reciclada
Tratamento primário
Tratamento secundário
Tratamento terciário
Recomenda-se não utilizá-la neste nível
Irrigação superficial de hortas e vinhedos
Irrigação de áreas verdes e campos de golfe
Irrigação de cultivos não comestíveis
Tanque para irrigação de áreas verdes
36 AQUA VITAE
Lavagem de veículos
Recarga de água subterrânea para
aqüíferos não potáveis*
Irrigação de cultivos comestíveis
Pântanos, hábitat selvagem,
aumento de corrente de rios
Fontes de água decorativas
Processos de refrigeração industrial*
*Recomenda-se tratamento em áreas específicas.
Caixas de descarga
Reutilização potável indireta: recarga de aqüíferos e
aumento de reservas de água superficiais*
Fonte: Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, em inglês)
A reintrodução de salmões está sendo feita com águas reutilizadas. Mustafa Ozer / AFP
utilizadas, são vertidas no sistema de esgoto e calcula-se que
90% dessas águas residuais não são tratadas. Elas são utilizadas para irrigar cultivos no Valle do Mezquital. Cerca de
10% das águas residuais são regeneradas e destinadas a projetos locais de recarga de água subterrânea e à irrigação da
paisagem urbana.
Na Cidade do México, para fornecer a água regenerada aos consumidores é utilizada uma rede de distribuição
com 838 quilômetros de comprimento, que foi surgindo conforme a demanda. Também conta com registros onde são
abastecidos os caminhões-pipa. A reutilização de águas regeneradas destina-se principalmente à irrigação de parques e
jardins, em estradas e para encher lagos recreativos, como o
de Chapultepec ou os canais de Xochimilco. Além disso, são
utilizadas em processos industriais de resfriamento e de limpeza, na lavagem de automóveis, de ônibus, dos trens do
metrô e na recarga artificial dos mantos aqüíferos.
Sem dúvida alguma, o caminho está aberto. As pesquisas e os
recursos destinados ao aperfeiçoamento dos mecanismos de
reutilização de água não se detêm, são o futuro que já chegou
para economizar o precioso bem que se esgota.
AQUA VITAE 37
CALENDÁRIO 2007
OUTUBRO
NOVEMBRO
9 a12
11 a 15
6ª CONFERÊNCIA ESPECIALIZADA DA AIA SOBRE
RECUPERAÇÃO E REUTILIZAÇÃO DE ÁGUAS RESIDUAIS
PARA A SUSTENTABILIDADE
Local: Amberes, Bélgica
Site: www.iarh.org.ar/actividad.php?id=309
Organização: Associação Internacional da Água (AIA)
2º CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE TRATAMENTO
DE ÁGUAS RESIDUAIS EM PEQUENAS COLETIVIDADES
(SMALLWAT07)
Lugar: Sevilha, Espanha
Site: http://www.iucn.org/places/medoffice/
documentos/2007/events/smallwat07_es.pdf
Organização: Centro de Novas Tecnologias da Água
(CENTA), Espanha; Programa Mundial de Avaliação dos
Recursos Hídricos das Nações Unidas (WWAP);
Ministério do Meio Ambiente da Espanha; Agência
Andaluz da Água, Espanha; Agência Espanhola de
Cooperação Internacional (AECI)
16 a19
2º SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE TECNOLOGIA
DA INTRUSÃO DE ÁGUA DO MAR EM
AQÜÍFEROS COSTEIROS
Local: Almería, Espahha
Site: http://www.ual.es/GruposInv/RecHid/otros/
primera_circular.pdf
Organização: Subaqua Club, Instituto Espanhol Geológico
e Mineiro, Grupo RHyGA, UNESCO.
16 a 19
3º FÓRUM INTERNACIONAL DO RIO AMARELO SOBRE A
GESTÃO SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS E A
PRESERVAÇÃO DE ECOSSISTEMAS DE DELTAS
Lugar: Cidade de Dongying, Província de Shandong, China
Site: http://www.unesco.org/water/water_events/
Detailed/1475.shtml
Organização: Comissão de Conservação do Río
Amarillo (YRCC), China
28 a 2
6º SIMPÓSIO BIENAL INTERNACIONAL EM
RECUPERAÇÃO DE AQÜÍFEROS
Lugar: Phoenix, Arizona, Estados Unidos
Site: www.ismar2007.org
Organização: Sociedade Hidrológica do Arizona
28 a 2
CONFERENCIA MUNDIAL DE LAGOS TAAL 2007
Lugar: Jaipur, Rajastão, Índia
Sitie: http://www.taal2007.org/
Organização: Ministério de Meio Ambiente e Florestal,
Comitê Internacional de Lagos.
12 a 15
43º CONFERÊNCIA ANUAL DA AWRA SOBRE
RECURSOS HÍDRICOS
Lugar: Alburquerque, Nuevo México, Estados Unidos
Site: http://www.awra.org/meetings/
New_Mexico2007/index.html
Organização: Associação Americana de Recursos
Hídricos (AWRA), Estados Unidos
12 a 16
CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE SANEAMENTO
Lugar: Cali, Colombia
Site: http://www.latinosan2007.net
Organização: Instituto CINARA-Universidad del Valle
DEZEMBRO
4a7
5º SIMPÓSIO INTERNACIONAL EM SISTEMAS
HIDRÁULICOS MEIO-AMBIENTAIS
Lugar: Tempe, Arizona, Estados Unidos
Site: http://www.iahr.net/iseh/home/index.asp
Organização: Universidade Estatal do Arizona,
Universidade do Arizona, Associação de Engenharia
e Pesquisa Hidráulica.
12 a 13
A ÁGUA, UMA RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
Lugar: Zaragoza, Espanha
Site: http://www.expozaragoza2008.es
Organização: Programa Mundial de Avaliação dos
Recursos Hídricos (WWAP) e Expo Zaragoza.
38 AQUA VITAE
2008: Ano do
saneamento
Água, um direito humano
A ONU DECLAROU 2008 COMO O ANO
INTERNACIONAL DO SANEAMENTO.
ESTIMA-SE QUE 1.6 MILHÕES DE RESIDENTES URBANOS MORREM A CADA
ANO DEVIDO À FALTA DE ÁGUA
POTÁVEL E SANEAMENTO.
Fonte: ONU
Mortalidade infantil
por diarréia
A cada ano morrem 1,8 milhões de crianças devido a diarréia, o poderia ser evitado
com a acesso à água limpa e um sanitário.
443 milhões de dias escolares são perdidos
devido a doenças relacionadas com a água.
Cerca do 50% da população total dos
países em desenvolvimento padece em um
momento dado algum problema de saúde
devido à falta de água e saneamento.
1% DO ORÇAMENTO MILITAR PARA A
DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E OS SERVIÇOS
SANITÁRIOS, FOI RECLAMADO NO FÓRUM
INTERNACIONAL SOBRE O DIREITO À ÁGUA EM
NOVEMBRO DE 2006, EM MARSELHA, FRANÇA.
Fonte: www.derechoalagua.org
A civilização não dura porque aos homens só
interessam os resultados da mesma: os anestésicos, os automóveis, o rádio. Mas nada do que a
civilização dá é fruto natural de uma árvore
endêmica. Tudo é resultado de um esforço. Uma
civilização só se mantém se muitos oferecem sua
colaboração ao esforço. Se todos preferirem
gozar o fruto, a civilização naufraga.
José Ortega y Gasset
Pode haver algo mais ridículo que a pretensão de
que um homem tenha direito a me matar porque
habita do outro lado da água e seu príncipe tem
uma discórdia com o meu, mesmo que eu
não a tenha com ele?
Blaise Pascal
Fonte: Água e Saneamento
Sonhos
de Água
Francisco Alarcón
Venezuela
Eu adormeci
numa curva de um rio,
procurava por todos lados
pirilampos acesos.
O ruído provocado
pelo correr da água
me fazia sonhar
e despertava meus brios
porque se a água corre,
e corre sem se deter
vivemos em um mundo sombrio,
porque os sonhos com a água
produzem frio,
porque os sonhos
da alma, da noite
movem desvarios,
acaso são sonhos
diferentes de quem se deita em um rio
e de quem se apóia em um canto do esquecimento.
Sonhas que te impedem
ou sonhas e te libertas,
talvez na vida sonhes
e apenas vivas.
AQUA VITAE 39
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A ÁGUA NOS TRATADOS DE LIVRE COMÉRCIO