COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA Saberes e vivências em teorias e pesquisa na América Latina CONSELHO EDITORIAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Maria de Fátima Agra (Ciências da Saúde) Jan Edson Rodrigues Leite (Lingüística, Letras e Artes) Maria Regina V. Barbosa (Ciências Biológicas) Valdiney Veloso Gouveia (Ciências Humanas) José Humberto Vilar da Silva (Ciências Agrárias) Gustavo Henrique de Araújo Freire (Ciências Sociais e Aplicadas) Ricardo de Sousa Rosa (Interdisciplinar) João Marcos Bezerra do Ó (Ciências Exatas e da Terra) Celso Augusto G. Santos (Ciências Agrárias) Virgínia Sá Barreto Juciano de Sousa Lacerda Organizadores COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA Saberes e vivências em teorias e pesquisa na América Latina Editora da UFPB João Pessoa 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA Reitor RÔMULO SOARES POLARI Vice-reitora MARIA YARA CAMPOS MATOS EDITORA UNIVERSITÁRIA Diretor JOSÉ LUIZ DA SILVA Vice-diretor JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO Supervisor de editoração ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR Direitos desta edição reservados à: EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB Caixa Postal 5081 – Cidade Universitária – João Pessoa – Paraíba – Brasil CEP 58.051-970 Impresso no Brasil Printed in Brazil Foi feito o depósito legal SUMÁRIO PRÓLOGO ............................................................................................................... 9 INTRODUÇÃO .....................................................................................................15 Premissas conformadoras de culturas cientíϐicas para a formação de investigadoras(es) em comunicação no contexto latino-americano de inícios do século XXI ..................................................................................23 A. Efendy Maldonado G. La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes en los procesos de aprendizaje ....................................................................45 Ana Alejandrina Reyes La educomunicación en Ecuador: experiências y projecciones ........69 Alberto Pereira Valarezo Andragogía y educación popular: un diálogo inminente ....................89 Julio C. Valdez ¿Nos vemos como ciudadanos? Trabajo con barrios Belisario Quevedo, zona centro norte de Quito. ..................................................... 111 Ivanova Nieto Nasputh Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa 119 Nísia Martins do Rosário Coletivos culturais e espaço público midiatizado: delineamentos para investigar as conϐigurações dos usos, apropriações e produções de mídias em grupos étnicos ..................................................................... 139 Jiani Adriana Bonin Historias de vida: un recorrido por lo transdisciplinario................ 165 Alí León Itinerário da fotocartograϐia sociocultural ........................................... 189 Itamar de Morais Nobre Vânia de Vasconcelos Gico Redes sociotécnicas: hibridismos e multiplicidade de agências na pesquisa da Ciberculturta .......................................................................... 215 Theophilos Riϔiotis Jean Segata Maria Elisa Máximo Fernanda Guimarães Cruz Modelos Teóricos da Comunicação no Contexto da Convergência Digital ................................................................................................................ 241 Juciano de Sousa Lacerda Helena Velcic Maziviero Tatiana dos Santos Pais Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña: aportes metodológicos para su estudio a partir del análisis comparado y el estudio de caso ................................................................ 259 Daniela Inés Monje Televisão e cidadania de comunicação: uma experiência de iniciação cientíϐica em análise de comunidades periféricas nos gêneros telejornal e telenovela ................................................................................. 289 Virgínia Sá Barreto Glaucio Pereira de Souza Nayara Klécia Oliveira Leite Raissa Lima Onofre Identidade, histórias de vida e memória: um exercício de comunicação audiovisual............................................................................ 317 Maria Angela Pavan Maria do Socorro Furtado Veloso Seguridad, violencia y medios. La construcción de un abordaje metodológico desde la perspectiva de comunicación y ciudadanía... 333 Susana M. Morales La Nueva Televisión del Sur: por uma reϐlexão teórica, metodológica e epistemológica do comunicacional ...................................................... 363 Tabita Strassburger SOBRE OS AUTORES ...................................................................................... 383 PRÓLOGO A Rede AMLAT: ‘Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina’ é um projeto de construção de nexos; espaços de encontro; produção acadêmica compartilhada; projetos de investigação problematizados em comum e fortalecimento dos processos de formação e pesquisa em universidades do Brasil, Venezuela, Equador e Argentina. A partir de 2009 a Rede AMLAT iniciou suas atividades com apoio do CNPq (Edital Prosul), e das universidades UNISINOS, UFSC, UFPB, UFRN, IELUSC do Brasil; Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez (UNESR-CEPAP), Venezuela; Universidad Central del Ecuador (UCE-FACSO) y Universidad Nacional de Córdoba (UCE-CEA), Argentina. O trabalho cooperativo em 2009 e 2010 tornou possível a publicação de dois livros; o primeiro “Metodologias transformadoras/Tejiendo la red en comunicación, educación, ciudadanía e integración en América Latina”, editado na Venezuela; o segundo “La investigación de la comunicación en América Latina”, editado no Equador. Esses livros apresentam textos teórico-metodológicos re lexivos, compreensivos e críticos produzidos por pesquisadoras e pesquisadores das oito universidades participantes, que problematizam os eixos temáticos da Rede AMLAT a partir das trajetórias, concepções e culturas acadêmicas dos grupos de investigação, centros, institutos e coletivos participantes. As vertentes transmetodológica, compreensiva, hermenêutica, de estudos culturais, semiológica, econômica-política, cepalina, sociológico-jurídica, tecnológica digital, educomunicacional e complexa tem dialogado e se 9 Prológo confrontado de modo intenso e crítico, gerando re lexões desa iadoras para o trabalho investigativo e educativo nas nossas universidades. Em termos epistemológicos, a linha articuladora do projeto trabalha numa perspectiva de aprofundamento, ampliação e colaboração entre metodologias críticas, na orientação do fortalecimento do campo acadêmico e cientí ico em comunicação, procurando estabelecer cenários e dimensões de Encontros Produtivos que possibilitem a aproximação, re lexão, debate, reconstrução, compartilhamento e conhecimento das realidades investigativas, educativas e socioculturais dos coletivos participantes e de seus contextos sociopolíticos de ação. Esse fortalecimento do campo cientí ico da comunicação é realizado em profunda sintonia com os campos cientí icos nas ciências sociais, ciências da educação e ciências da linguagem. O projeto se situa, assim, numa perspectiva transdisciplinar de enriquecimento e integração concreta em ambientes de con luência estruturados em Encontros Metodológicos e Seminários de Socialização realizados semestralmente. Na dimensão socioistórica da América Latina o projeto Rede AMLAT trabalha uma re lexão teórica investigativa crítica, que busca re letir e compreender os processos sociopolíticos contemporâneos na região, e no mundo, na perspectiva de produzir conhecimento estratégico ao serviço das transformações socioculturais, educativas, investigativas e políticas que o subcontinente urge para sua transformação qualitativa em proveito da maioria dos seus habitantes. As metodologias transformadoras, tanto nas suas lógicas e con iguração interna quanto nos seus vínculos com os mundos sociais que investiga, são pensadas na ótica de uma con luência estratégica que permita formular projetos transmetodológicos complexos, nutridos pelas metodologias críticas (enriquecedoras do conhecimento e transformadoras do mundo) que as ciências e as sabedorias tem gerado nos últimos milênios. Essa opção epistemológica de ine-se numa con iguração aberta de integração e reformulação, mediante uma diversidade lógica realista, que inclui na sua prática teórica a retomada de sabedorias 10 Prológo latinoamericanas para trabalhá-las nos processos de constituição, construção e aperfeiçoamento de campos cientí icos na Nossa América. Por uma parte, propõe a produção de competências investigativas, trabalhando lógicas formais (em geral mal ensinadas e praticadas, copiadas mecanicamente e consideradas únicas e totalizantes); trabalha também lógicas intuitivas, lógicas para-consistentes e arranjos de pluralidade lógica que tornem possível pensar a investigação em comunicação em profundo vínculo com os desa ios políticos, intelectuais, culturais e sociais de transformação que nossas sociedades e instituições precisam com urgência para quali icar a vida, a educação e a ciência. O trabalho colaborativo na Rede AMLAT, nestes quatro semestres, tem mostrado a necessidade de redesenhar e operacionalizar as estratégicas de reformulação educativa na América Latina, situando a investigação como eixo articulador dos processos de ensino/aprendizagem. Se bem, tem melhorado significativamente nos níveis de produção de pesquisas sua presença e impacto são muito limitados no conjunto das formações sociais latinoamericanas. Por outro lado, constatamos que os afazeres de investigação teórica e empírica em comunicação continuam sendo uma exceção na América Latina, dado a profundo caráter instrumental e utilitarista da área. Nessa mesma realidade, constatase que o poder burocrático (em versões administrativas, políticas, corporativas, associativas e institucionais) exerce uma ação sistemática para obstaculizar a atividade investigativa e de produção de conhecimento. Nesse contexto geral, adverso à luta políticacientifica pela constituição de campos de conhecimento fortes e democráticos na América Latina, comprova-se a organização de redes de cooperação acadêmica científica, como a AMLAT, contribuem para a integração, transformação, promoção, realização e amadurecimento de estratégias de investigação comunicacional transformadoras. O caráter sociocultural revolucionário do mundo científico (muito além das ilusões positivistas) configura-se na profunda desestabilização 11 Prológo que gera nas instituições tecno-burocráticas mediante a confluência entre sabedorias múltiplas (étnicas, políticas, regionais, classistas, de gênero e espiritualidades) e os conhecimentos sistemáticos produzidos, em especial, nos últimos séculos. Os processos educativos universitários na área da comunicação apresentam signi icativas de iciências no aspecto formativo cientí ico; é assim que, em nível de graduação, A Ciência não é uma referência suscitadora, inventiva, libertadora, formadora, promotora de projetos de vida; tampouco é um desa io de trabalho, ou uma pretensão de aperfeiçoamento intelectual, nem é reconhecida como necessária e fortalecedora de múltiplas competências operativas; para a grande maioria de estudantes a Ciência é uma realidade distante produzida em outras áreas das universidades. Em boa parte, suas perspectivas e ilusões estão limitadas ao sucesso pro issional nos sistemas midiáticos, ou nas instituições que trabalham rituais de comunicação. A pesquisa sistemática, a re lexão e produção teórica e a investigação empírica são aspectos estranhos e distantes de suas vidas e de suas pretensões educativas. É nesses contextos que a Rede AMLAT vem atuando, promovendo reformulações de concepção, de metodologias (ensino e pesquisa) e de processos formativos para superar importantes deficiências que os formatos acadêmicos atuais estabelecem. Nossas experiências formando investigadores mostram que é possível transformar culturas acadêmicas burocratizadas em realidades inventivas e produtivas de conhecimentos. Para isso é imprescindível relacionar as dimensões éticas/políticas e científicas, questionando profundamente o status acadêmico conservador de promoção de mediocridades, oportunismos e reducionismos mecanicistas sobre o trabalho intelectual. América Latina apresentou-se nestes primeiros anos do século XXI dinâmica e renovadora, desmontando as ilusões neoliberais que provocaram graves efeitos de empobrecimento, corrupção e violência sistemática naturalizada. A mudança de estratégias nos 12 Prológo planos econômicos, terminando com o festim do capital especulativo internacional, permitiu um melhoramento signi icativo das condições de produção e de trabalho de milhões de latinoamericanos que saíram da miséria e da pobreza; é assim que as políticas sociais nos quatro países em que atua a Rede AMLAT bene iciaram aos mais necessitados. Por outro lado, as reformas jurídicas e políticas, tanto nas Constituições quanto nas leis setoriais, em especial as leis de meios, abrem possibilidades de con iguração de culturas comunicacionais mais democráticas e enriquecedoras, estabelecendo marcos regulatórios democráticos de participação para os movimentos sociocomunicacionais e todos os setores interessados e competentes para produzir comunicação pública. Os processos ainda são iniciais e estão impregnados pelas marcas do autoritarismo, instrumentalismo, conservadorismo, utilitarismo, mercantilismo, funcionalismo, mecanicismo e privilégios de classe existentes. Não obstante esses fatores que atravessam o trabalho da maioria dos setores que participam nos processos de mudança comunicativa, a força da necessidade da transformação permite gerar processos instigantes de renovação e alteridade registrados em nossas pesquisas e trabalhos formativos. Este terceiro livro da Rede AMLAT concretiza uma parte signi icativa do trabalho intelectual produtivo dos grupos, centros, faculdades e investigadores; apresentando o resultado de um signi icativo esforço editorial de apoio dos núcleos da rede no Nordeste brasileiro, tanto na Paraíba, em João Pessoa, quanto no Rio Grande do Norte, em Natal, em fraternal cooperação com o núcleo de Rio Grande do Sul. Agradecemos em especial o trabalho de organização editorial, gestão de recursos de apoio, revisão cientí ica de textos e inter-relação comunicativa com os autores de Virgínia Sá Barreto e Juciano de Sousa Lacerda com quem construímos em fraterno e esforçado trabalho este projeto editorial. Obrigado às companheiras autoras e aos colegas autores que atenderam com cuidado e oportunidade nossas demandas, possibilitando a estruturação do presente livro. 13 Prológo Para nossos leitores um abraço investigativo e comunicativo, que estes pensamentos e experiências de trabalho sejam suscitadores de alternativas intelectuais e vitais, que desestabilizem vossas rotinas acadêmicas e reforcem a vontade de conhecer e transformar. A. Efendy Maldonado G. 14 INTRODUÇÃO Esta coletânea resulta de esforços acadêmicos dos grupos de investigação, centros, institutos e coletivos participantes das diversas universidades que conformam a Rede AMLAT em produzir mais um livro da Rede que possa contribuir para repensar os seus eixos temáticos Comunicação, Educação e Cidadania com epistemologias, teorias e metodologias transformadoras. Nasce das produções de cada instituição integrante em con luência com as contribuições de todos os participantes, dando forma ao projeto de integração de pesquisadores da América Latina para o qual a Rede foi constituída. Essa sistemática de produção da Rede vem possibilitando produções que respeitam as diversidades culturais e idiossincráticas dos pesquisadores ao tempo que cultua o crescimento acadêmico e humano dos participantes com a permeabilidade dos diversos olhares e lógicas. Sem desconsiderar a processualidade como tônica das produções da Rede, este livro re lete mais especi icamente duas vivências acadêmicas realizadas na Universidade Federal da Paraíba, em maio de 2010. Primeiro, um debate denso e fraterno entre os representantes de cada instituição que integra a Rede, o “III Encontro de Metodologias Transformadoras”. E, em segundo lugar, um seminário aberto ao público intitulado “III Seminário Latino Americano de Metodologias Transformadoras em Comunicação, Educação e Cidadania”. Neste, houve a participação especial de pesquisadores que não integram a Rede, mas fazem parte de ambas as universidades que compõem o Núcleo Nordeste 15 Virgínia Sá Barreto, Juciano de Sousa Lacerda da Rede AMLAT constituído pela Universidade Federal da Paraíba e Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em respeito à sistemática de produção da Rede AMLAT, a obra está organizada em quatro partes nas quais as re lexões recaem em um ou dois desses eixos. As questões metodológicas enquanto caminhos de construção de pesquisas articuladas à vida atravessam todos os textos, como a dimensão que une os participantes em uma produção comum, que vincula o “eu” e o “outro” como uma ação de reciprocidade entre participantes. A primeira parte é dedicada às articulações teóricas e metodológicas entre comunicação e educação. Em “Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de investigadoras(es) em comunicação no contexto latino-americano de inícios do século XXI”, Alberto Efendy Maldonado apresenta um conjunto de re lexões epistemológicas numa perspectiva que apresenta a “teoria do conhecimento” como uma dimensão que atravessa o conjunto das estruturas, culturas e afazeres do ensino e da pesquisa. O texto destaca a necessidade de estruturação de condições de produção de conhecimento, em termos cientí icos, a partir de orientações estratégicas construídas como resultado dos saberes metodológicos, produzidos em distintos campos, articulando os argumentos na perspectiva transmetodológica latino-americana. O autor formula uma crítica epistemológica ao senso comum acadêmico contemporâneo hegemonizado por modelos instrumentais, funcionais e mecanicistas positivistas. Por im, considera que, na conjuntura latino-americana atual, é crucial a de inição de projetos, investigações experimentais e pesquisas teóricas que aprofundem, ampliem, estruturem e socializem uma noção de cidadania cientíϔica. Para fugir dos instrumentalismos e modelos mecanicistas, Ana Alejandrina Reyes apresenta no texto “La metáfora: una via para el cultivo del conocimiento y los saberes en los procesos de aprendizaje” uma re lexão articulada com sua experiência de vida como educadora, focada no prazer de educar e no prazer de aprender. Esse prazer se 16 Introdução desdobra no prazer de investigar, de problematizar situações vinculadas com a própria vida, numa abordagem temática que vincula cultura e comunicação, enquanto aportes signi icativos, em torno da metáfora nos processos de aprendizagem. Alberto Pereira Valarezo, no texto “La educomunicación en Ecuador: experiências y projecciones” faz uma síntese dos principais marcos da educomunicação no continente latino-americano e situa nesse quadro a experiência do Equador, desde as práticas da interface comunicação e educação, principalmente a partir do cinema, até os processos de institucionalização como área de produção de conhecimentos nas principais universidades equatorianas. O desa io passa a ser o desenvolvimento de uma proposta educomunicacional que, de fato, incida nas políticas do Estado. Na América Latina, as lógicas verticais de ensino-aprendizagem institucionalizadas no político-pedagógico atual reproduzem, na maoria das vezes, o individualismo, o tecnicismo e a competição, além de descontextualizar os alunos de seus ambientes vitais. No texto “Andragogía y educación popular: um diálogo inminente”, Júlio C. Valdez articula a Andragogia – educação entre adultos – com a educação popular como perspectiva possível para contribuir, de forma complexa, com a transformação das práticas de ensino formal voltada para comunidades. As universidades latino-americanas têm muito a aprender quando se abrem ao diálogo com experiências nascidas nos movimentos sociais e nas comunidades. No texto “¿Nos vemos como ciudadanos? Trabajo con barrios Belisario Quevedo, zona centro norte de Quito”, de Ivanova Nieto Nasputh, percebemos que a construção de saberes e conhecimentos sobre cidadania ganham uma via de mão dupla, na medida em que as universidades apoiam sistematicamente ações inseridas na vida das comunidades, que se constituem como espaço dialógico de construção de saberes que retroalimentam a formação de alunos comprometidos com perspectivas transformadoras e, ao mesmo tempo, saberes ancestrais. 17 Virgínia Sá Barreto, Juciano de Sousa Lacerda A segunda parte do livro concentra-se em re lexões epistemológicas sobre a dimensão da metodologia enquanto o caminho do fazer pesquisa em comunicação de modo a transformar a realidade social. É nesse âmbito que se inscreve o texto “Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa”, de Nísia Martins do Rosário. Nele, a autora discute fundamentalmente sobre três questões: o conceito de metodologia e a noção de “transformadoras”, mas especi icamente sobre o que pensa a respeito a Rede AMLAT. Segundo, aborda as relações entre experiência de fazer ciência e metodologia na inter-relação com os autores eleitos para o seu debate. Por último, re lete como uma metodologia transformadora pode “transformar a pesquisa”. Logo, trata-se de um texto que ilumina uma questão que é inerente aos intercâmbios cientí icos e humanos na dimensão rede de conhecimentos e experiências da AMLAT. O segundo texto “Coletivos culturais e espaço público midiatizado: delineamentos para investigar as con igurações dos usos, apropriações e produções de mídias em grupos étnicos”, de Jiani Adriana Bonin, situa-se no âmbito das pesquisas da autora desenvolvidas nos últimos anos sobre as relações entre “mídias, identidades e memórias étnicas” no espaço da recepção enquanto lugar privilegiado para compreender o processo da comunicação por inteiro. Discute, com o olhar voltado para a intimidade dessas relações, as lógicas midiáticas e aquelas con iguradas em outros lugares do mundo da vida desses sujeitos. Nesse processo, aborda com propriedade a respeito da questão identitária como forma geradora de coletivos culturais que se constituem a partir de formas associativas e de vínculos grupais. No contexto das transformações políticas, culturais e econômicas que vive a Venezuela, também são produzidas experiências importantes no âmbito educativo. No texto “Histórias de vida: um recorrido por lo transdisciplinário”, Ali Léón relata como um processo de educação baseado nas histórias de vida, como metodologia de pesquisa e fonte de conhecimentos, motivou uma equipe de docentes a constituir um processo de pesquisa permanente e renovador dos processos de aprendizagem voltados para crianças e adolescentes. 18 Introdução No último texto que integra a discussão sobre comunicação e metodologias transformadoras temos “Itinerário da fotocartogra ia sociocultural”, de Itamar de Morais e Vânia de Vasconcelos Gico. Nele, os autores inicialmente discursam a respeito do conceito de cartogra ia e seus usos nos campos das Ciências Humanas, a exemplo do seu uso como estratégia metodológica de pesquisa para o entendimento da subjetividade, questão de interesse aos complexos estudos desenvolvidos no universo da Rede AMLAT. Com base nessas re lexões, os autores discutem conceitos e metodologias com o aporte do que eles chamam de fotocartogra ia sociocultural. Para tanto, basicamente, problematizam a relação da ação da fotogra ia com a cartogra ia, tomando a fotogra ia como mapa, pensando as possibilidades metodológicas de captura do referente projetado no plano fotográ ico. As relações entre comunicação, metodologia e cultura digital são debatidas na terceira parte da obra. Primeiramente, com o texto “Redes sociotécnicas: hibridismo e multiplicidade de agências na pesquisa da Cibercultura”, de Theophilos Ri iotis, Jean Segata, Maria Elisa Máximo e Fernanda Guimarães Cruz. As re lexões são vigorosas e desenvolvidas a partir de um pensamento crítico sobre ciência, tomando como base as grandes linhas e os fundamentos da abordagem sociotécnica da cibercultura. Nesse contexto, os autores tecem uma abordagem teórico-metodológica a respeito do lugar dos dispositivos técnicos nas interações sociais, articulando os estudos da cibercultura aos das redes sociais. Completa essa terceira parte da obra o texto “Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital”, de Juciano de Sousa Lacerda e de seus orientandos Helena Velcic Maziviero e Tatiana dos Santos Pais. Os autores problematizam a necessidade de se repensar modelos teóricos de comunicação que extrapolem a perspectiva da linearidade de modo a poder abordar a complexa temática das convergências digitais. Neste sentido, propõem como alternativa, com base em argumentos teóricos e metodológicos, a cibernética de circularidade em sua complexidade sistêmica. 19 Virgínia Sá Barreto, Juciano de Sousa Lacerda A quarta parte tem como temática as inter-relações entre comunicação audiovisual, metodologia e cidadania. No pirmeiro texto “Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña: aportes metodológicos para su estudio a partir del análisis comparado y el estudio de caso”, Daniela Monje re lete sobre as estratégias metodológicas que desenvolveu para sua tese de doutorado. A autora realiza uma análise comparativa das políticas sobre radio e televisão implementadas no período 1991-2007 pelos países que integram a união regional MERCOSUR. Trata-se de um texto pro ícuo para se repensar as políticas do audiovisual como forma de discutir a respeito dos procesos de democratização do acesso a informação/ comunicação como direito humano. O segundo artigo “Televisão e cidadania de comunicação: uma experiência de iniciação cientí ica em análise de comunidades periféricas nos gêneros telejornal e telenovela”, de Virgínia Sá Barreto e seus orientandos Glaucio Pereira de Souza, Nayara Klécia Oliveira Leite e Raissa Lima Onofre, relata com pontuações teóricas e metodológicas os resultados de pesquisa sobre as multiplicidades das con igurações, sentidos e pactos simbólicos de “comunidades periféricas” produzidos por emissoras de televisão comercial brasileiras, em telejornais e telenovelas, com base nas articulações entre as lógicas das culturas televisivas, da política, do poder e da comunicação para a cidadania. “Identidade, história de vida e memória: um exercício de comunicação audiovisual”, de Maria Angela Pavan e Maria do Socorro Furtado Veloso, remete ao projeto das autoras que visa captar histórias de vida na cidade do Natal e no estado do Rio Grande do Norte, de modo a propiciar aos alunos a vivência com as diferentes formas de entrevista intimista e humana enquanto exercício de pesquisa, extensão e ensino do audiovisual. Valoriza, com metodologias e teorias, as escolhas e os modos de produzir o audiovisual, como processos de elaboração, condução e edição. Susana M. Morales apresesenta no texto “Seguridad, violência y médios. La construcción de um abordaje metodológico desde la 20 Introdução perspectiva de comunicación y cidadania” apresenta uma revisão da articulação entre comunicação e cidadania, situada no questionamento das diferentes tradições e atualizações sobre o tema da cidadania. Tal movimento possibilita recuperar a tensão entra a dimensão jurídicainstitucional e a vinculada aos modos de aparição dos sujeitos no espaço público, ao mesmo tempo em que tanto os meios como a cidade são trabalhados como materialidades constitutivas do espaço público. Ao im de nossa viagem, somos contemplados pelo texto “La Nueva Televisión del Sur: por uma re lexão teórica, metodológica e epistemológica do comunicacional”, de Tabita Strassburger, como uma demonstração de que uma pesquisa de mestrado é um percurso de construção de saberes, conhecimentos e experiências, em que a construção do objeto/problema não se resume a um exercício retórico, mas de uma tentativa de pensar epistemologicamente o campo da comunicação, considerando as culturas de investigação e a necessidade de ponderar sobre os objetos das pesquisas, e os métodos mais produtivos para apreender suas especi icidades, seus contextos e movimentos constantes. Virgínia Sá Barreto Juciano de Sousa Lacerda Organizadores 21 Premissas conformadoras de culturas cientíϐicas para a formação de investigadoras(es) em comunicação no contexto latino-americano de inícios do século XXI A. Efendy Maldonado G. A construção de uma dimensão transformadora na produção de conhecimento Situar-se numa época de mudança (HOBSBAWM, 1995; IANNI, 2000; SANTOS B., 2005; MALDONADO, 2009a), como a atual, exige uma postura subversora dos padrões de trabalho e vida acadêmica formal, condicionados em alto grau pelas lógicas positivistas de quanti icação festiva (JAPIASSU, 1981; WALLERSTEIN, 1996). É crucial questionar o “número” formal como ente abstrato de “medição” produtiva, qualitativa e cientí ica. O número, num sentido problematizador de investigações, necessita expressar em perspectiva etnomatemática (D’AMBROSIO, 1994) um conjunto de sínteses suscitadoras de interpretação e reformulação sociocultural, transgressoras dos vícios da “ciência normal” que deixa de ser Ciência e se transforma em retórica pedagógica, sem os aprofundamentos epistemológicos imprescindíveis para constituirse em conhecimento; burocratização cientí ica sem compromisso ético, político e social com as sociedades e o mundo em que existe; sem o 23 A. Efendy Maldonado G. rigor do aprofundamento necessário, que aceita o desa io da construção metodológica e teórica em cada projeto e processo. É que a epistemologia, na concepção que construímos, é uma dimensão que atravessa o conjunto das estruturas, culturas e afazeres do ensino e da pesquisa (BACHELARD, 1981; JIAPIASSU, 1981; BOURDIEU, 2003; SANTOS, 2005). Ela transcende o mundo acadêmico e as áreas cientí icas e gera campos de efeitos concretos nas estratégias, nos programas, nos projetos e nos modelos de sociedade e de política que orienta e inspira (NORRIS, 2006). A concepção tradicional e formal de epistemologia, pensada só como “teoria do conhecimento” restrita a um logos “crítico formal” da produção de pensamento, mostrou-se limitada, insu iciente e conservadora na história da investigação e da vida contemporâneas. Numa concepção renovadora da epistemologia é inadequado separar o mundo cientíϔico dos outros mundos socioculturais. As imbricações são profundas e decisivas conforme mostra a pesquisa epistemológica transformadora (GORTARI, 1956; WITTGENSTEIN, 1988; JAPIASSU, 1981, WALLERSTEIN, 1996; SANTOS, 2005). Nesse tecido, a compreensão dinâmica de seus processos, que estabelecem inter-relações (nexos externos, vínculos internos) con luentes ou contraditórias em diversas perspectivas políticas, é decisiva para produzir teorizações e estratégias enriquecedoras do habitat cientí ico. O modelo formal de Karl Popper (1975) sobre o “conhecimento objetivo”, que o de ine em “três mundos” (empírico; subjetivo; cientí ico), contribui a problematizar algumas das distinções necessárias entre as dimensões investigativas; porém, simultaneamente, fragmenta as inter-relações entre a cultura, o social, o político, o educativo, o intersubjetivo e o campo cientí ico. Para superar os formalismos e os utilitarismos investigativos é suscitante a perspectiva transmetodológica, que argumenta a necessidade de produzir con igurações cientí icas multidimensionais (MALDONADO, 2009b) que liguem o mundo cientíϔico ao mundo da vida cotidiana (CERTEAU, 1994; MATTELART & MATTELART, 2004); que vinculem, também, a cultura cientíϔica de pesquisa às culturas populares, étnicas, regionais, milenares, autóctones, 24 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... locais e mundiais. As particularidades e especi icidades cientí icas estão atravessadas por lógicas, cosmologias, modelos, culturas, condições de produção e ideologias que marcam seus sentidos, objetivos e realizações. A transmetodologia nega, portanto, a suposta neutralidade do mundo e confronta-se, também, com as teorias cientí icas tradicionais, reconhecendo seu caráter histórico (MARX, 1977; THOMPSON, 1981, 1987, 1998; WILLIANS, 2007) e suas conseqüências econômicas e políticas, que estruturam sistemas, modelos e culturas de poder e hegemonia prejudiciais à vida e às sociedades; como a atual matriz da tecnociência produtivista, que é devastadora de ecossistemas e de um conjunto de realidades socioculturais consideradas como nãofuncionais às lógicas do lucro, sendo agredidas sistematicamente na sua constituição e existência. Outros mundos são possíveis de construção no campo cientí ico, e, para isso, a opção transdisciplinar (que desde o século passado inspirou e reformulou áreas, campos e disciplinas) precisa de compromissos concretos no desenho de planos, programas, currículos e projetos de investigação que fundamentem e redesenhem as concepções, metodologias, teorias, práticas e condições de produção do conhecimento, superando o conservantismo utilitarista contemporâneo. É só revisar a estrutura e os procedimentos de nossas agências de fomento, ministérios, fundações e instituições universitárias para constatar a força ilosó ica do positivismo dos séculos XVIII e XIX (FOUCAULT, 1991; MILLS, 1995¸ JAPIASSU, 1981; SANTOS, 2006; MALDONADO, 2008) nas atuais con igurações institucionais, tanto operativas quanto arquitetônicas. Nessas instituições, a área da Comunicação é de inida como ciência social aplicada; esta última palavra não é acidental, nem inocente, fragmenta os campos cientí icos entre “puros” e “aplicados”, concebe os processos, as teorias e as metodologias como enquadramentos ixos, delimitados por critérios classi icatórios inconsistentes do ponto de vista epistemológico, obstaculizando (BACHELARD, 1981) campos constituintes de produção cientí ica séria, sistemática e crítica em proveito do utilitarismo pragmático e lucrativo. 25 A. Efendy Maldonado G. Na área de conhecimento Comunicação, o instrumentalismo funcionalista tem um nível de hegemonia avassalador. Isso é explicitado na divisão de subáreas que são classi icadas pelos ministérios de acordo com as habilitações proϔissionalizantes (publicidade, relações públicas, jornalismo, Rádio e TV). Essa concepção está longe de expressar a riqueza dos processos comunicativos contemporâneos; e, ainda mais longe, de organizar uma estrutura de pesquisa inventiva, sistemática e transformadora. A força dos funcionários, dos burocratas do “conhecimento” continua sendo hegemônica, os prejuízos para a ciência e para a sociedade são expressivos. A lógica de acumulação de reconhecimentos burocráticos (“pontinhos”) estrutura um conjunto de perversidades que premia uma “medíocre ignorância” vazia de pesquisa, estudo e invenção (MILLS, 1995; JAPIASSU, 1981; CERTEAU, 1994; MATTELART & MATTELART, 2004) plena de reproduções sem transcendência (SARTRE, 1979), sem trabalho investigativo profundo e sistemático sobre os processos e sem caráter transformador. Abundam as revisões de literatura descritivas e super iciais; as paráfrases telegrá icas referentes às modas intelectuais dos centros de poder mundial; os prestígios delegados pela reprodução de citações dos hierarcas positivistas e, o que é pior, guetos intelectuais auto-su icientes, autistas, sem compromisso com as pessoas, a sociedade e a vida. Não obstante a vigência de sensos comuns acadêmicos distantes do fazer cientí ico comprometido com o conhecimento e a humanidade, a dialética histórica gera em nossos campos intelectuais e cientí icos ilhas de pensamento crítico, transformador, construtivo, desa iador, subversor e inventivo. É grati icante encontrar nos diversos grupos de pesquisa, programas, instituições, núcleos e redes amostras de produção epistemológica estratégica, de investigação comunicativa comprometida com as sociedades e a humanidade, como também produtoras de alternativas instigantes de saberes e culturas de conhecimento. Essa alteridade acadêmico-cientí ica mostra que é possível produzir outros mundos no contexto adverso de hegemonia da lógica do capital, de realidades burocráticas e de poderes oblíquos, 26 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... transversais e formais de controle do pensamento. O desa io estratégico, e cotidiano, é luir e reconstruir periodicamente problemáticas fortes e reconstrutoras da investigação transcendente, tanto nas linhas de pesquisa institucional, quanto nos grupos, núcleos, projetos, experiências e movimentos que assumem o epistemológico como fator suscitador de sua existência. Poder, cidadania e ciência É condição necessária para toda sociedade que pretenda estruturar um desenvolvimento humano avançado a construção de um campo cientí ico forte; sem ele, a possibilidade de pensarse, programar-se, reformular-se e con igurar-se como sociedade é extremamente reduzida. Em inícios do século XXI é possível a irmar que sem a estruturação de fortalezas de conhecimento (centros de pesquisa avançada; fundações de apoio; laboratórios; institutos tecnológicos; grupos de investigação; campos de experimentação; redes de colaboração entre sociedades e organizações cientí icas) não há possibilidades de liberdade, justiça, autonomia e democracia participativa. As comunidades ou as sociedades não podem ser livres tendo um autoconhecimento baixo (re lexividade organizada, forte, ampla e inspiradora). A transformação das sociedades reclama a participação dos diversos saberes e de condições para produzi-los para gerar liberdade e conhecimento. É necessário estruturar campos cientí icos fortes, especializados, multiversais, rigorosos, ativos, produtivos e renovadores. Os campos cientí icos são necessários, contudo não são su icientes. A história dos imperialismos e totalitarismo assim o demonstra; tem e tiveram campos cientí icos vigorosos, contudo não produziram formações sociais livres e criativas. Para isso é necessário instituir culturas cientí icas que coloquem a vida, as espécies e o bemestar coletivo como parâmetros de orientação estratégica. No caso latino-americano é imprescindível colocar na agenda estratégica urgente 27 A. Efendy Maldonado G. o campo cientí ico, como um direito e um componente crucial de emancipação política, cultural e econômica. Os modelos de organização cientí ica liberais, nazistas, fascistas, stalinistas, fundamentalistas e neoliberais mostraram sua dependência do positivismo, seu distanciamento de culturas transformadoras e liberadoras e sua subserviência aos poderes de turno. A necessidade de constituição de alternativas renovadoras para o campo cientíϔico passa pela transformação das estruturas burocráticas administrativas, atrasadas pelo menos dois séculos em relação com o mundo da vida sociocultural, produtiva e de colaboração inventiva contemporânea. Cabe situar, em primeiro lugar, a cultura colaborativa de produção coletiva do conhecimento como fator crucial de ruptura com a epistemologia formalista e conservadora. A invenção da Internet é o exemplo paradigmático disso; a rede de redes foi e é o resultado da colaboração livre, igualitária, dialética e suscitadora entre pensadores e técnicos orientados pela utopia de uma comunicação social transparente, livre e democrática. Foi assim como o trabalho colaborativo que concretizou a Internet mostrou um valor epistemológico delimitador de culturas, de épocas e de possibilidades transformadoras para a produção de conhecimento. Nos últimos quinze anos o trabalho colaborativo se desenvolveu de maneira múltipla, estruturando redes de produção de conhecimento ampliadas e, muitas delas, independentes e subversoras do poder institucional constituído como cultura oϔicial da ciência (CASTELLS, 2004, 2010; KAPLUN, 2005; SILVEIRA, 2009; PISCITELLI, 2009; FRAGOSO & MALDONADO, 2009; FUENTES, 2009; KLEINER, 2010; DARNTON, 2010). Nossa experiência de cooperação no contexto ibero-americano e latino-americano (2004-2010) mostra signi icativas possibilidades de transformação mediante trabalho colaborativo em equipes. Nesses processos se de ine como decisivo o eixo investigativo, que articula numa perspectiva transformadora todo o trabalho acadêmico e de pesquisa. Assim, em termos de valor e hierarquia epistemológica a investigação teria que ocupar o núcleo central do ensino, do aprendizado 28 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... sociocultural e do fazer cientí ico. Nessa perspectiva, a formação de pesquisadores, professores, pensadores, estrategistas e gestores sociais e interessados na produção de conhecimento estratégico requer da sustentação e aperfeiçoamento de lógicas e culturas investigativas. As equipes, grupos, núcleos, cursos, programas de aprendizagem e os movimentos sociocomunicacionais, que de inem e concebem a pesquisa como articuladora dos seus projetos, têm a possibilidade de constituir um poder gnosiológico diferencial, inventivo e construtivo, que outros conjuntos organizados não possuem. A qualidade da crítica, re lexão, observação metódica e capacidade reconstrutora dos movimentos socioculturais que situam, implementam e cultivam práticas e práxis teóricas de investigação potencializam fatores de mudança estratégica de modo forte e sistemático. Aceitar o desa io da pesquisa transformadora requer da con luência de vários métodos, lógicas, estratégias, modelos e matrizes de problematização do Real (GORTARI, 1956; BACHELARD, 1981; JAPIASSU, 1981; MALDONADO, 2008). Tanto na formação dos jovens de iniciação cientí ica, quanto nos níveis de pós-graduação e de maturidade em pesquisa apresenta-se a necessidade de produzir arranjos metodológicos e de construir argumentos teóricos singulares para cada nova investigação. Isso pressupõe uma formação orientada para a responsabilidade autoral, tanto em nível teórico quanto metódico e técnico; a linha transmetodológica delimita o campo da investigação a partir do princípio suscitador, heurístico, reconstrutor, produtivo, criativo e inventivo na dimensão metodológica. Tudo aquilo que seja feito como reprodução ou aplicação de fórmulas, modelos ou receitas é restrito ao exercício pedagógico formal, instrutivo, e está longe de uma con iguração cientí ica em termos de dimensão, pensamento, estratégia ou projeto. Em inter-relação com os argumentos anteriores, compreendese na concepção transmetodológica que a con luência/confrontação/ atravessamento/cooperação con iguradora dos métodos numa investigação concreta fortalece a compreensão de um conceito largo 29 A. Efendy Maldonado G. de cidadania, dado que na sua ampliação além do jurídico, político, liberal democrático (CORTINA, 2005; SANTOS, 2006) é possível, numa perspectiva política suscitadora, de compromisso com as classes populares e subalternas, propor uma noção de cidadania investigativa como parte relevante dos agires liberadores das pessoas, sem pensamento autônomo livre não há liberdade. Por conseguinte tudo aquilo que fortaleça as concepções e condições de produção cientí ica, em especial a formação de cientistas comprometidos de maneira sociopolítica e epistemológica, contribuirá a uma múltipla ruptura epistemológica que socialize os saberes no conjunto social e garanta formas de vida plenas para o ser humano. O transmetodológico de ine-se também pela miscigenação das sabedorias que promove, reconhecendo o valor dos conhecimentos milenares, das sabedorias culturais particulares, das alteridades civilizacionais, da diversidade ilosó ica e da riqueza coletiva de conhecimento produzida ao longo dos séculos em todos os recantos do planeta. Desse modo, apropria-se do disciplinar para subvertê-lo; investiga o renovador para amadurecê-lo; critica o conservador para superá-lo; problematiza todas as dimensões para aprender abrindo trilhas de conhecimento, cultura e vida. O conceito de cidadania, que foi abrangendo aspectos culturais, econômicos, regionais, espirituais, sexuais e comunicativos quebra a lógica do poder hegemônico, a irmando e rede inindo o direito, a política e os deveres educativos, investigativos e cientí icos. A urgência e necessidade de construção de uma dimensão cientí ica transformadora é um componente básico de cidadania contemporânea. O direito aos saberes profundos, amplos e sistemáticos, e a possibilidade de usufruir de ambientes e competências de pesquisa para uma vida produtiva plena constitui um aspecto relevante das lutas políticas presentes. A paciente impaciência da formação contínua de alteridades cientí icas, que se con iguram e pelas quais somos con igurados, é uma atividade inventiva essencial da cultura humana. O direito a 30 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... conhecer e estar informados sobre as culturas cientí icas e as diversas sabedorias produzidas no mundo; assim como, o acesso aos processos de construção, renovação e aperfeiçoamento do campo cientí ico são questões necessárias para a de inição de políticas públicas estratégicas para a superação das atuais limitações sistêmicas. A estruturação de uma dimensão cientí ica liberadora e socialmente comprometida precisa ser parte das estratégias de transformação sociocultural latino-americanas. Obstáculos epistemológicos do academicismo contemporâneo O crescimento do campo da comunicação de modo acelerado nas últimas décadas, tanto em termos da estruturação e reconhecimento de programas de pós-graduação estrito sensu quanto de cursos de formação pro issional universitária con irma a força da centralidade das mídias na sociedade brasileira contemporânea, que gera demandas pro issionais e de conhecimento para trabalhar suas problemáticas e necessidades operacionais. Paralelamente, mostra a força do campo simbólico comunicativo midiatizado que provoca fascínio, ou atração, em dezenas de milhares de jovens interessados em estudar e trabalhar em comunicação. Lamentavelmente a grande maioria dos cursos e universidades vai abordar esse desa io em parâmetros pedagógicos bancários, reduzindo a compreensão da dimensão comunicativa a esquemas instrumentais e funcionais, que facilitam a vida das instituições, dos professores e dos estudantes, gerando uma mediocridade generalizada que pouco tem a ver com um saber universitário de qualidade. A matriz estadunidense pragmática e instrumental rege os modelos de currículo e ensino, seduzindo pro issionais e estudantes num saber-fazer simples e “e iciente”. A contradição colocada pelas forças dos mercados e dos estados contemporâneos comprova uma perda de legitimação e reconhecimento dos cursos universitários em comunicação pelo reducionismo contínuo das propostas acadêmicas em vigência. O fato é que, com exceção dos poucos cursos de qualidade, os 31 A. Efendy Maldonado G. estudantes de comunicação têm signi icativas carências para escrever, produzir audiovisuais, desenhar estratégias comunicativas, elaborar textos radiofônicos e aproveitar as condições favoráveis da dimensão digital para estruturar meios de comunicação alternativos e produzir hipertextos digitais de qualidade estrutural e de conteúdo. Os estudantes de relações públicas não são estrategistas integrais de comunicação, icam na condição de auxiliares de protocolo e de agentes de apoio nas assessorias comunicativas institucionais. A maioria dos estudantes de publicidade ica no exercício de simples receitas de empirismo abstrato, que dogmatizando a noção de “mercado” pouco diz dos reais desa ios da construção empresarial na dimensão simbólica publicitária. No campo da pesquisa em comunicação constata-se uma in luência expressiva do saber instrumental (estrutural-funcionalista), que em novas versões atualiza os afazeres intelectuais conservadores na área. A tecnoϔilia mostra a pretensão renovada de redução das problemáticas sociocomunicativas à vulgarização de esquemas de engenharia de sistemas eletrônicos, ou a códigos de programação digital (MANOVICH, 2001; MATTELART, 2002; DERTOUZOS, 2000; IVOSKUS, 2008; PRIMO et al 2008). A força das con igurações digitais e sua penetração na vida cotidiana das pessoas e dos estudantes e mestres, permite que a especulação festiva tenha espaços de realização ampliados. Em outras perspectivas a matriz positivista, democrática liberal representativa, contínua exercendo um poder signi icativo nas estruturas acadêmicas, tanto na pesquisa quanto na organização das condições de produção. O resultado apresenta uma sub-área de comunicação fraca no conjunto das ciências sociais; marcada por pequenos grupos de poder conservador que reproduzem formas anacrônicas de exercício político, distantes de uma democracia participativa e transparente. Nesses conjuntos, a pesquisa rigorosa, sistemática, crítica, séria, comprometida com a realidade e as necessidades da formação social brasileira e latinoamericana é uma exceção. Os costumes de subserviência, imitação de formas e conteúdos “consagrados” pela referência aos centros de poder acadêmico internacional, independente de sua qualidade ou não, 32 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... reproduzindo procedimentos e métodos sem crítica, reformulação e adequação às realidades e problemas nossos é extensiva. O pragmatismo tem limitado as tendências especulativas, porém estas têm um espaço de realização expressivo quando se aliam ao empirismo abstrato, tratando os problemas de comunicação a partir de operadores semânticos, pseudo- ilosó icos, que as dotam de “charme” e voluptuosidade intelectual. É festiva e geradora de espetáculos performáticos ampliados a tendência ao academicismo acrítico, centrado numa retórica degradante da pesquisa teórica. Em períodos curtos, menos de dois anos de mestrado, os discípulos apreendem a “doutrina do sucesso”, citando e parafraseando os referenciais do poder, mostrando subserviência e capacidade de vínculos com a metrópole, adquirindo status de “produtividade competitiva”. Desse modo, estabelece-se a mediocridade generalizada, o distanciamento constante da pesquisa estratégica, ética e comprometida com a produção de conhecimento responsável com as sociedades que a sustenta. Nesse mesmo contexto, em confrontação epistemológica, política, investigativa com o conservantismo intelectual majoritário, estruturase um conjunto de pesquisa crítica que busca a transformação das atuais estruturas de poder burocrático (“coronelismo acadêmico”), a superação das culturas acadêmicas de subserviência neocolonial; a estruturação e con iguração de dimensões, institucionalizações, culturas e processos de fortalecimento das práticas teóricas, metodológicas, políticas, intelectuais e éticas de fazer investigativo profundo, sistemático e comprometido com a vida, as espécies, em especial a humana, e a transformação educativa e social. Esse tipo de pesquisa ocupa algumas zonas de fronteira nos desa ios do conhecimento; se bem sua presença é minoritária, sua força epistemológica e política são signi icativas. Está presente nas brechas, ao interior do poder, nas margens e nos núcleos da con iguração hegemônica. Desestabiliza os espíritos das intelectualidades vivas e sensíveis; mostra sua qualidade e transcendência na produção concreta de pesquisas, nos projetos e estruturações acadêmicas renovadoras (linhas de investigação, 33 A. Efendy Maldonado G. grupos, núcleos, programas, projetos, publicações). Tem ao seu favor a necessidade da ciência de produzir conhecimento; a força histórica dos processos de transformação contemporâneos; as culturas de emancipação, características das culturas latino-americanas. Como também, a pressão política que nega as estruturas burocráticas, próprias de épocas autoritárias; apóia-se, ao mesmo tempo, na urgência de superar o conservadorismo acadêmico, sem responsabilidades sociais, que se acomoda num diletantismo individualizante que existe no fazer intelectual subserviente e repetitivo. O senso comum acadêmico contemporâneo não consegue compreender, nem perceber, que a época é de mudança qualitativa acelerada, que independentemente de seus jogos de poder e acomodação as necessidades históricas demandam transformações. Os bons sensos, diversos e subversores, atuam em diferentes vertentes na busca de renovações, desestruturações, superações, rupturas e revoluções educativas e investigativas. As trilhas e opções transformadoras necessitam reconhecer, compreender e con luir criticamente com esse conjunto de possibilidades de conhecimento e ação. O trabalho cientí ico contemporâneo na América Latina, carente, limitado e pouco estruturado, demanda a construção de redes de cooperação que fortaleçam o pensamento crítico transformador. A recon iguração tecnológica digital pode atuar como fator interrelacional concreto de comunicação, informação e organização de redes. No desa io sobre o quê fazer no pensamento crítico atual, a constituição de redes de colaboração, investigação e produção apresenta-se como uma alternativa viável e promissora. A experiência da última década mostra que, se bem as culturas comunicativas digitais ainda apresentam distanciamentos e falta de a inidade para o trabalho cientí ico cotidiano digital em grupo, as possibilidades de gerar produção e cooperação coletiva internacional renovadora são amplas e tornam possível uma quali icação crítica fortalecedora da investigação estratégica por uma América Latina com campos cientí icos fortes, quali icados e em expansão. 34 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... A proliferação do modelo produtivista promove a cultura da produção de “artigos objetivos”, seguindo o modelo estadunidense de publicações técnicas “e icientes”. Esse tipo de sistematização apresentase muito adequado às formas de crescimento fácil e medíocre. As revisões de literatura e pesquisas da investigação realizadas sistematicamente em nossas investigações coletivas e individuais, no contexto do Núcleo de Epistemologia da USP (década de 1990) e no Grupo ProcessoComUnisinos (década de 2000), constatam a presença numerosa de “artigos” com fraca argumentação teórica; descrições simples; ausência de metodologia (só procedimentos), presença de receitas prontas aplicadas sem tensão na construção concreta dos problemas. Um treinamento funcional no “modelo de publicação produtivo” torna possível a produção de vários “artigos” por semestre, dada a pouca exigência na construção epistemológica (a mais das vezes inexistente), a frágil estruturação teórica e a esquemática de inição metódica. Para estudar isso é aconselhável visitar semanalmente os bancos de dados FAPESP, CAPES, USP e as plataformas internacionais como ScienceDirect, postas a disposição para as universidades brasileiras por intermédio da CAPES, como também os sites da INTERCOM e COMPÓS que são elucidativos das características que apresenta esse tipo de material. Na mesma linha de pesquisa, no contexto latino-americano, constatam-se esses problemas nos portais acadêmicos da ALAIC, FELAFACS e CCDOC/ ITESO, que são expressivos no contexto regional. A ruptura com o senso comum acadêmico contemporâneo implica num esforço titânico por superar a hegemonia estrutural funcionalista, de intensa e ampla penetração na área de comunicação. O desa io é profundo e multidimensional. Numa orientação transmetodológica considera-se necessário incorporar às problematizações teóricas aos projetos metodológicos e técnicos; e este conjunto às fundamentações cosmológicas, que expressem a força epistêmica das iloso ias da ciência e das outras iloso ias na realização concreta das investigações (BACHELARD, 1981; GORTARI, 1956; JAPIASSU, 1981; SANTOS, 2006; NORRIS, 2006; MILLS, 1995). Longe 35 A. Efendy Maldonado G. das especulações festivas, sem vinculo com o real/concreto histórico e sociopolítico, como também distante do empirismo tecnicista que considera à teoria um desperdício de energia mental, e adota teorias sem crítica, negando o trabalho indispensável de reconstrução teórica de toda pesquisa. É na realização particular de cada investigação que a teoria deve ser confrontada, compreendida, criticada e reformulada. E a teoria não pode icar em argumentações particulares, ou micro, ela necessita luir para estabelecer nexos como os problemas macro e as categorias ilosó icas. A ruptura com o senso comum teórico, seja copista aplicativo ou especulativo performático, é uma exigência para a práxis teórica contemporânea. Na dimensão metodológica a investigação em comunicação requer de uma rede inição signi icativa das concepções e práticas de realização das pesquisas. É comum comprovar que os desenhos, capítulos e propostas “metodológicas” não passam da enunciação de uma referência a determinada técnica ou método particular, propondo sua aplicação imediata sem problematizações su icientes sobre a pertinência de sua inserção, e sem reformulação de sua proposta investigativa. No campo metodológico comunicativo em muitas ocasiões a lógica tem sido esquecida, a concepção apagada, o exercício mecanizado. Um aspecto crucial do trabalho investigativo/transformador contemporâneo é a reconstituição do campo metodológico nas pesquisas, enriquecendo suas potencialidades de contribuição epistemológica concreta, dado seu caráter estratégico/tático de vínculo com os referenciais problematizados; como também, sua potencialidade re lexiva de reconstrução e reformulação de postulados, premissas, categorias, conceitos e hipóteses. O método, assumido com responsabilidade ética e rigor, demanda um esforço singular de re lexão e argumentação sobre o por que das inter-relações profundas entre realidades dinâmicas e pensamento estratégico. Ele precisa de um logos próprio, de um conjunto de raciocínios produzidos pelas investigadoras(es) em cada problemática, projeto e investigação; não pode ser adotado como um ente ixo, estabelecido de modo de initivo, 36 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... como uma estrutura intelectual acabada. O método é uma proposta a ser confrontada conceitual e praticamente, na dimensão teórica e na realização concreta da pesquisa. O método é reconstruído, atualizado, ampliado, enriquecido, refutado no trabalho investigativo; é parte relevante do conjunto de produções da investigação; sua redução a enunciado formal nega um componente indispensável da descoberta, criação, estruturação, con iguração, reformulação e produção de conhecimento (MARX, 1977; SARTRE, 1979; BACHELARD, 1981; CERTEAU, 1994; MILLS, 1995; GINZBURG, 2001; BOURDIEU, 2003; FURTADO, 2007). A mais simples técnica oferece oportunidades de re lexão, questionamento e reconstituição de possibilidades problemáticas, não é pertinente em termos de investigação estratégica reduzir a dimensão técnica a “instrumentos prontos”, feitos por outros para aplicações fáceis e mecânicas. A técnica está para ser debatida, confrontada com as teorias que a supõem, que a constituíram, que a desenharam (SARTRE, 1979). A técnica está para produzir tensão operativa, experimental, para mostrar suas limitações, virtudes e potencialidades de reformulação. Seu papel na operacionalização de conceitos, categorias, noções e hipóteses não deve ser vulgarizado, nem degradado a exercício repetitivo de ações sem problematização. O mundo dos raciocínios e das técnicas, na dimensão cientí ica, precisa luir em con luências (tecno)lógicas que permitam desestabilizações, enriquecimentos, rede inições experimentais, desenhos de estratégias recombinadas, crítica dos olhares formais, das observações repetitivas sem método vivo/crítico. O técnico demanda pensamento renovado que o fundamente, e o logos necessita de concretizações e recon igurações que testem sua pertinência, seu potencial, sua coerência, sua força explicativa, seus erros e limitações. O teórico desa iado pelo técnico constrói objetividades argumentativas que confrontam a realidade interpretando-a, rede inindo-a e redesenhando-a. Outros mundos são possíveis de fabricação e concepção a partir da práxis teórica/técnica/teórica. 37 A. Efendy Maldonado G. Articulações reϐlexivas e prospectivas de ação Nas argumentações deste texto mostramos a necessidade da crítica sistemática ao senso comum acadêmico no campo da comunicação, dadas suas perversões burocráticas, que reproduzem culturas políticas anacrônicas de baixa participação nas decisões estratégicas do fazer cientí ico; apresentamos também, o interesse tecnocrático organizado por impedir a con iguração de campos de liberdade investigativa, mantendo formatos produtivistas de poucas potencialidades qualitativas e de forte expressão conservadora. O reducionismo tecnicista foi exposto nas suas implicações castradoras do pensamento cientí ico e na conseqüente manutenção de modelos de mediocridade sistemática; na crítica dessa vertente se questionou as falácias que separam o mundo da técnica das dimensões teórica e epistemológica. Argumentou-se a favor da construção de uma dimensão metodológica forte, crítica, renovada em cada investigação; movimentada na sua inter-relação entre as dimensões do real, o subjetivo e o abstrato. Em termos socioculturais de cidadania investigativa, de cidadania cientíϔica, propôs-se a necessidade de trabalhar colaborativamente na estruturação de redes de cooperação e apoio acadêmico no contexto latino-americano na perspectiva de constituição de Nossa América Cientíϔica, que é considerada uma das condições centrais da emancipação política, social e econômica. Defendeu-se e trabalha-se pela estruturação de outros mundos acadêmicos, distantes das mediocridades burocráticas, das vaidades performáticas super iciais, da subserviência cultural neocolonial no campo intelectual e do autoritarismo democrático liberal. A irma-se a necessidade de cultivar opções transformadoras no campo cientí ico, para isso fundamenta-se a alternativa transmetodológica e transdisciplinar comprometida com os movimentos sociocomunicativos, culturais e políticos que trabalham pela construção de outras formas de vida. Pensa-se que o papel do trabalho intelectual e cientí ico nos processos de mudança contemporâneos é, e será, decisivo para que os projetos gerem experiências e recon igurações estratégicas 38 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... fortes. Constituindo campos cientí icos em con luência bené ica com os mundos culturais múltiplos, seus saberes, sua diversidade, e suas necessidades urgentes de digni icação, liberdade e fraternidade. Defende-se uma investigação cientí ica rigorosa, crítica, aberta, dialógica, ética e comprometida com a humanidade, em especial com as maiorias excluídas ou/e exploradas pelos fundamentalismos de mercado, de cultura da violência e do poder autoritário. Propõe-se uma experimentação responsável e sistemática, que aproveite as novas condições de produção de conhecimento vinculadas às realidades digitais e suas potencialidades comunicativas. Pensa-se e favor de múltiplas rupturas epistemológicas, em especial aquelas que superem a hegemonia intelectual do logocentrismo positivista dos centros de poder mundial. Advoga-se pela necessidade de construir projetos que permitam o conhecimento das iloso ias, argumentos, teorias, estratégias, metodologias e políticas que pensam a transformação da ordem cientí ica atual, atravessada pelos condicionamentos da tecnociência produtivista orientada à maximização dos lucros. Na conjuntura latino-americana atual, considera-se crucial a de inição de projetos, investigações experimentais e pesquisas teóricas que aprofundem, ampliem, estruturem e socializem uma noção de cidadania cientíϔica. É imprescindível para os processos de transformação cultural profunda a estruturação de instituições, cenários, redes, grupos e núcleos que se eduquem em culturas cientí icas renovadoras, e eduquem as novas gerações nas brilhantes potencialidades do trabalho intelectual que as culturas da investigação sociocomunicacional críticas oferecem. Propor arquiteturas de dimensão cientí ica nos nossos países é uma necessidade básica, estratégica, de mudança sociocultural. Pensase os processos de formação escolar vinculados aos compromissos de investigação sobre a realidade, aos contextos, às teorias, às possibilidades de reconstrução social e educativa. O eixo comunicação-educação ou educomunicativo precisa das valiosas contribuições, experimentações, reformulações e revoluções pedagógicas realizadas nas práticas de 39 A. Efendy Maldonado G. ensino e pesquisa para os diferentes níveis e áreas de conhecimento. As mudanças subterrâneas, alternativas e institucionais nas práticas teóricas, investigativas e escolares são um desa io cotidiano, que não pode ser prorrogado para o futuro. As ações de revolução cultural contra o pragmatismo funcionalista e a especulação retórica performática necessitam de estratégias e programação operativa semanal concreta. A luta por uma mudança nos processos de formação, educação e investigação, precisa orientar-se e inserir a dimensão epistemológica no conjunto dos afazeres e experimentos mentais. A igura aristotélica do locutor sábio que persuade e ensina aos discípulos deve dar passo ao trabalho coletivo heurístico de exploração, descoberta, construção, fundamentação, investigação e crítica. Outros mundos cientí icos e socioculturais são possíveis de construção na contemporaneidade. No campo cientí ico as experiências das redes de colaboração acadêmica, como o caso da AMLAT1, esclarecem e concretizam idéias de renovação, fortalecimento, ampliação, conhecimento e transformação subjetiva. Na diversidade, nos con litos, nas distinções, nas con luências, nos diálogos, na re lexão e debate cooperativos e de distanciamento constata-se a riqueza da produção colaborativa. São prolí icas as mudanças que vamos constituindo na nossa cotidianidade de pesquisa, atravessados pelo conjunto da AMLAT e em autonomia em relação a ela; como também na prática educativa e na confrontação com as lógicas conservadoras de “medição” de super icialidades, ou com os arranjos acadêmicos sem autenticidade, sem crítica, sem esforço construtivo e sem compromisso ético-social. Face a isso, o agir liberador e construtivo nos fortalece e multiplica em perspectiva transformadora. 2 Rede de cooperação cientí ica e acadêmica entre as universidades UNESRVenezuela; UCE-Equador; UNC-Argentina; UNISINOS-Brasil; UFPB-Brasil; UFRN-Brasil; UFSC-IELUSC-Brasil. Projeto PROSUL –CNPq 2009-2012. 40 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... Referências BACHELARD, G.. A epistemologia. Lisboa: Ed. 70, 1981. BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J.C.; PASSERON, J.C. El oϔicio de sociólogo. 4ª Edición Madrid: Siglo XXI, 2003. CASTELLS, M. A galáxia internet/Re lexões sobre internet, negócios e sociedade. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 2004. _____. A sociedade em rede/A era da informação: economia, sociedade e cultura Volume 1. 2ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994. CORTINA, A. Cidadãos do mundo: por uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2005. D’AMBROSIO, U. Ethnomathematics, the Nature of Mathematics and Mathematics Education Mathematics, Education and Philosophy: An International Perspective, ed. by Paul Ernest, The Falmer Press, London, 1994; Chapter 17, p. 230-242. DERTOUZOS, M. O que será: Como o novo mundo da informação transformará nossas vidas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: História da violência nas prisões. 9ª Edição Petrópolis/RJ: Vozes, 1991. FRAGOSO, S.; MALDONADO, A. E. (Orgs.). A Internet na América Latina. Porto Alegre: Sulina, 2009. FUENTES, R. Mediações acadêmicas e interfaces digitais para a circulação do conhecimento em ciências da comunicação. In: FRAGOSO, S.; MALDONADO, A.E. (orgs.) Internet na América Latina. Porto Alegre: Sulina, 2009, p.191-211. 41 A. Efendy Maldonado G. FURTADO, C. A economia latino-americana. 4ª Ed São Paulo: Companhia das Letras, 2007. GINZBURG, C. O queijo e os vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição, 2001. GORTARI, E. Dominio de la lógica; Estructura del conocimiento. In: _____. Introducción a la lógica dialéctica. México: Fondo de Cultura Económica, 1956, p. 11-43. HOBSBAWM, E. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. IANNI, O. Enigmas da modernidade mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. IVOSKUS, D. Vivir conectados: Sociedad, política y comunicación en la era digital. Buenos Aires: Norma, 2008. JAPIASSU, H. Questões epistemológicas. Rio de Janeiro: Imago, 1981. KLEINER, D. The Telekommunist Manifesto. Berlim: Institute of Network Cultures, 2010. MALDONADO, A. E. Transmetodología de la investigación teórica en Comunicación: Análisis de la vertiente Verón en América Latina. Quito: CIESPAL, 2009a. _____. La perspectiva transmetodológica en la coyuntura de cambios civilizatorios a inicios del siglo XXI. In: PADILLA, A.; MALDONADO, A. E. (orgs.) Metodologías transformadoras: Tejiendo la Red en Comunicación, Educación, Ciudadanía e Integración en América Latina”. Caracas: UNESRCEPAP, 2009b, p. 13-54. 42 Premissas conformadoras de culturas cientí icas para a formação de ... MALDONADO, A.E; BONIN, J.; ROSARIO, N. Perspectivas metodológicas em comunicação: desa ios na prática investigativa. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2008. MANOVICH, L. The language of new media. MIT Press, 2001. MARX, K. Contribuição para a crítica da economia política. Lisboa: Editorial Estampa, 1977. MATTELART, A.; MATTELART, M. Pensar as mídias. São Paulo: Edições Loyola; 2004. _____. História da sociedade da informação. São Paulo: Loyola, 2002. MILLS, C. W. La imaginación sociológica. Santiago/Chile: Fondo de Cultura Económica, 1995. NORRIS, C. Epistemologia, conceitos-chave em ϔilosoϔia. Porto Alegre: Artmed, 2006. PISCITELLI, A. Nativos digitais/Dieta cognitiva, inteligência colectiva y arquitecturas de la participación. Buenos Aires: Santillana, 2009. POPPER, K.R. Conhecimento objetivo. São Paulo: EDUSP, 1975. PRIMO, A.; OLIVEIRA, A.; NASCIMENTO, G.; RONSINI, V. (orgs.). Comunicação e interações. Porto Alegre: Sulina, 2008. SANTOS, B.S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política, V.4. Porto: Edições Afrontamento, 2006. _____. El milênio huérfano: ensayos para una nueva cultura política. Madrid: Editorial Trota, 2005. SARTRE, J. P. Crítica de la razón dialéctica (Libro 1). 3ª ed. Buenos Aires: Losada, 1979. THOMPSON, E. P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro, Zahar, 1881. 43 A. Efendy Maldonado G. _____. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, v3. _____. Costumes em comum/Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. WALLERSTEIN, I. et. al. Para abrir as ciências sociais. São Paulo: Cortez Editora, 1996, p. 13- 148. WILLIANS, R. Palavras-chave: um vocabulário de cultura e sociedade. São Paulo: Boitempo, 2007. Bibliograϐia Consultada HALLER, R. Wittgenstein e a iloso ia austríaca: Questões. São Paulo: EDUSP, 1990, p. 17-54. (sobrando nas referencias, pois não aparece no corpo do texto). KUHN, T. Estrutura das revoluções cientíϔicas. São Paulo: Perspectiva. 1987. (sobrando nas referencias, pois não aparece no corpo do texto). LOPES, M.M (org.). Epistemologia da Comunicação. São Paulo, Loyola, 2003. MALDONADO, A. América Latina y epistemológico y investigación de la 2010, p. 19-38. E. La investigación de la comunicación en las estrategias transmetodológicas para su avance socioeducativo. In: A. Pereira; E. Maldonado. La comunicación en América Latina. Quito: UCE-FACSO, _____. Práxis teórico/metodológica na pesquisa em comunicação: fundamentos, trilhas e saberes. In: A. E. Maldonado; J. Bonin; N. Rosário. Metodologias de pesquisa em comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 271-294. 44 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes en los procesos de aprendizaje Ana Alejandrina Reyes El camino es duro pero es el camino… Argimiro Gabaldón A muchos de nosotros y nosotras se nos ha repetido hasta el cansancio, que todo proceso educativo debe sufrirse para llevarlo a feliz término, de manera que se asocia la culminación efectiva de los procesos educativos con el sufrimiento. En diversas universidades venezolanas y latinoamericanas a los estudiantes se les trata de entronizar, el no disfrutar con placer, sus procesos de aprendizaje, de manera que si ellos y ellas sufren, cuando sean profesores harán sufrir a sus estudiantes. A partir de mi experiencia como participante de la línea de investigación pensamiento educativo para la liberación, como facilitadora en el centro de experimentación para el aprendizaje permanente (CEPAP) de la Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez (UNESR) y como participante del doctorado en educación mención mediación pedagógica ofrecido por la Universidad de la Salle de Costa Rica en convenio con la Universidad Latinoamericana y del Caribe ( ULAC) en Venezuela, he re lexionado sobre el placer de 45 Ana Alejandrina Reyes educar y el placer de aprender, particularmente he sentido un gozo y placer por el acto de investigar, re lexionar, escribir sobre una temática totalmente vinculada a mi acontecer, la metáfora una vía para el cultivo de los conocimientos y saberes en los procesos de aprendizaje. Realice mi tesis doctoral hilando poco a poco de manera integral y compleja mis re lexiones sobre áreas de conocimiento tales como: Identidades, Paradigmas emergentes; estructuré el relato en capítulos, en ellos se puede ver cómo van apareciendo personajes, referentes, el diálogo con los autores, situaciones particulares que permitieron abordar los principios fundamentales de los paradigmas emergentes y en especial la mediación pedagógica. Utilicé cómo elementos mediadores del trabajo: las fotogra ías, imágenes, relatos, preguntas generadoras, canciones, y a partir de ellas realice hallazgos y pude plantearme inquietudes sobre la temática. Utilicé una metodología cualitativa, donde aplique técnicas de observación participante, análisis documental, entrevistas que permitieron ir incorporando aportes al texto el cual estuvo planteado en primera persona, lo que permite identificar mas claramente la carga autobiográfica en el mismo, esto permitió a partir de mi historia y experiencia ir hilando la historia de otr@s, todo lo cual se conjugó de manera integral para nutrir el análisis sobre la ecopedagogía, la influencia sutil del lenguaje, la complejidad, el holomovimiento, la sincronicidad, la incertidumbre, la autoorganización, la autopoiesis, entre muchas otras categorías de suma importancia para la comprensión de los paradigmas emergentes y su relación con la temática abordada.. Paulatinamente pude ir introduciendo problematizaciones, planteamiento de incertidumbres que no necesariamente tienen respuesta en dicho trabajo doctoral, su abordaje sólo pretende dar pistas a futuro para continuar en ese viaje maravilloso que constituye la investigación. Una investigación vinculada con la realidad, en relación estrecha con espacios vitales donde se ha desarrollado una práctica educativa. 46 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... Es importante señalar que algunas citas de autores las incorporé como elemento gráfico de mediación, quise plantearlas de manera escritural, tal como lo refiere el poeta Ángel Rama, para fomentar la reflexión del lector. El abordaje de la temática vinculada a la cultura y la comunicación hace aportes signi icativos en cuanto a la generación de conocimientos en torno a la metáfora en los procesos de aprendizaje, por otro lado ubica a la canción, como referente estrechamente vinculado en una dimensión epistemológica que hasta ahora había sido tomada muy poco en cuenta para la mediación pedagógica y en especial en la re lexión crítica educativa. Esta investigación permitió el reconstruir a través de relatos la participación activa de una educadora/cantora, a través de su ser pueblo, en vínculo a una nueva mirada para la construcción de academia, de una Universidad multidiversa, lexible, no apegada a la fragmentación del conocimiento sino, que abre sus puertas al pensamiento educativo para la liberación y también a los movimientos sociales, con apertura a la transformación universitaria, siendo cónsona con los nuevos tiempos que recorre esa patria libre y soberana, cuna de libertadores, que es la República Bolivariana de Venezuela. El cultivo del conocimiento y los saberes en la trama de la vida Citando las palabras del profesor Jhonatán Alzuru (2004), profesor de la Universidad Central de Venezuela “(…) colocar una metáfora al titulo de un escrito se corresponde con una perspectiva, con una manera de mirar, con la forma cómo caracterizamos lo que consideramos relevante para el debate contemporáneo.” Al iniciar un escrito con una metáfora, ponemos de mani iesto una manera de ver el mundo, se pone de mani iesto lo que se “olfatea” como esencial, da muestra del horizonte del pensamiento que posee intencionalidad por expresar los cambios que ocurrieron y ocurren en el mundo, constituye 47 Ana Alejandrina Reyes una puerta abierta a comprender e interpretar los cambios producidos por el sistema. A partir del paradigma científico mecanicista se originó la gran metáfora que dominaría la producción de conocimientos en la época moderna, el cuerpo humano como una gran máquina, tal como lo señalo Descartes (1981) en el discurso del método considero al cuerpo humano como una máquina, mi mente compara a un hombre enfermo y un reloj mal construido con mi idea de un hombre sano y el reloj bien construido, entender de tal manera al cuerpo humano también era entender que se requería un cuerpo de conocimientos filosóficos, científicos, políticos para atender y dominar esa máquina; posteriormente, en la época contemporánea, donde priva la sociedad de la información y la tecnología, la metáfora que trató de imperar fue el cerebro humano como ordenador, mas sin embargo, observamos que las acciones de los seres humanos no sólo dependen de la racionalidad humana y que la conciencia e inteligencia creadora de los sujetos no son meros accidentes – epifenómenos - derivados de un desarrollo casual y aleatorio tal como lo refiere el paradigma newtoniano, sino que las diversas acciones humanas expresan emociones, sensibilidades, intuiciones, valores, actitudes, percepciones que dan cuenta que no se puede reducir el ser humano, a una máquina conducida por un ordenador. Tal como lo señala Capra (1998) la evolución biológica de la especie humana se detuvo hace unos cincuenta mil años, desde entonces, la, evolución no fue ya genética sino cultural y social, pero en éste desarrollo civilizatorio con la mirada puesta en el progreso, se acentuó la marcada diferencia entre conocimiento y saberes, se fomentó el desarrollo de lo racional e intelectual, como pensamiento lineal, establecido, que permitía medir la realidad pero no de manera integral sino de manera fragmentada, al consolidarse este conocimiento racional se le hizo frente al conocimiento intuitivo. “(…) el conocimiento intuitivo, por otra parte, se basa en la experiencia directa y no intelectual 48 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... de la realidad que surge durante un gesto expansivo de la conciencia; tiende a ser sintetizante y holístico”. (CAPRA, 1998, p. 41), por ello puede entenderse que durante la modernidad la subjetividad fue apartada deliberadamente del conocimiento cientí ico, por ser poderosamente peligrosa ya que ella no es un hecho individual aislado, sino que requiere que la persona que la expresa este inserta en una vasta red de interrelaciones socioculturales que han evolucionado a través del tiempo, que las hace poseedoras o generadoras de múltiples elementos de ajuste creativo civilizatorios. La ciencia requiere una de inición en el concepto, la metáfora sugiere, revela y esconde aquello mismo que describe. “Un saber que permite a cada uno el cuidado de develar, es decir, de comprender por sí mismo y para sí mismo lo que conviene descubrir. Un saber iniciativo de alguna manera” (MAFESSOLI, 1990, p. 26). El saber iniciativo al que se re iere Mafessoli, se obtiene a través de la experiencia y le saca provecho a la incertidumbre que se produce en el tránsito en la cotidianidad. El abordar la metáfora como vía para el cultivo de conocimientos y saberes lo veo como un proceso estrechamente vinculado a la transformación y ampliación de sentidos, por lo tanto vinculado al problema de la conciencia y el desarrollo de la creatividad. “La sabiduría puede problematizar al amor y a la poesía, pero el amor y la poesía pueden recíprocamente, problematizar a la sabiduría. El camino que visualizamos contendría en si mismo amor, poesía, cordura y comportaría esa mutua problematización” (MORIN, 1997, p. 16). La conciencia, está estrechamente relacionada con la subjetividad, los procesos culturales y en especial dentro de éstos la creatividad, entendiendo como tal, el valor intrínseco a todo proceso humano que implique intencionalidad, los procesos creativos suponen entonces, cambios, reorganizaciones, redefiniciones sobre el entorno para conseguir o precisar algo, de allí que un acto que incentive lo interpretativo –como lo es la 49 Ana Alejandrina Reyes elaboración metafórica – esta nutrido por profundos elementos culturales creativos y de aprendizaje elaborados, adquiridos, recreados a través del tiempo. Los griegos atribuyeron carácter divino a cierta especie de memoria, ella con su inspiración iluminaba aquellos pocos elegidos que encarnaban el papel de rememorar, ¿y quiénes eran estos elegidos? Los aedos o poetas cantores que bajo la forma de relatos cantados, almacenaban la suma de conocimientos que representan el origen y el horizonte común de sus coetáneos, a estas personas se les consideraba augures y depositarios del privilegio de conocer lo que ha sido, lo que es y lo que será. La metáfora como forma de aproximación es un acto, una decisión, de retornar al camino que fue abandonado por aquellas exageraciones de pretender introducir el pensamiento sobre el hombre, sobre su condición de humanidad por el camino de la ciencia o por la religiosidad desprendida de la mitología francesa donde pensar era pensar con un método y curiosamente cartesiano. (ALZURU, 2004, p. 28). Un recurso que utilizaban estos personajes para preservar, saberes y conocimientos era la metáfora. Rememorar supone un esfuerzo en busca de sentido, una reconstrucción de signi icado, de procesos mentales portadores de sentidos. En mi experiencia como cantora popular, y como investigadora de la cultura, he podido vivenciar y reflexionar cómo esa reconstrucción de sentidos, esas reconstrucciones de la historia a través de la poesía cantada se ve expresada a través de metáforas diversas; marinas, volátiles, irreverentes, cotidianas, de lucha, entre otras, tal como puede observarse en la canción Espada Danzarina donde algunas de esas metáforas incorporadas, presentes, dadoras de sentido pueden ser referencia de lo que he mencionado. 50 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... Espada danzarina Letra y música: Alejandrina Reyes Abrazando a tu amada, te veo en una plaza Plaza hecha de jirones, que te construyo Zobeyda Para que te visitaran, la luna y las estrellas, para que te visitaran la luna y las estrellas Tu nombre es tan común, Tu mano tan común Que entre miles caminando, te puedo llamar y tu acudirás Cansado tal vez, corriendo quizás, para abrazarme fuerte Y darme la savia del Ciprés, y la alegría, de la niñez Cuando no hay que responder, el significado, el significado de los héroes Y cubrir nuestros sueños con el alba, construyendo éste futuro en mucha calma, recorriendo con tu espada danzarina, que deambula por la América Latina Alerta, Alerta, Alerta. La espada de Bolívar, la espada de Bolívar por la América Latina La metáfora constituye un modo de unir términos de tal suerte que se haga posible que se despierte, en quien toma ese signo para sí, una actividad interpretativa, un trabajo de ampliación de los sentidos que puede ampliar la conciencia. Esto se puede observar en la canción expresada anteriormente, es decir la desacralización de un héroe, nuestro Simón Bolívar, al lado de su gran amor, Manuelita Sáez, quien fue una luchadora insigne mucho antes de conocer al Libertador, estos 51 Ana Alejandrina Reyes dos seres fueron expuestos al “escarnio público” por sus fervientes amores, ya que no les importaba la apariencia, ese amor lo podemos sentir en una plaza que puede ser cualquiera de las miles que ocupan los más recónditos lugares de la tierra; no en vano se dice que Simón Bolívar es uno de los héroes con más plazas y estatuas en el mundo. Las metáforas utilizadas en esta canción permiten reconstruir desde una visión humanista y creativa, parte de esa historia de l@s venezolan@s y constituye un medio para que a través de los sentidos se conmocione y problematice a los estudiantes y docentes sobre la historia y la memoria colectiva. La metáfora constituirá un vínculo a través del cual se interrelacionan situaciones, experiencias propias o de otros que cobran signi icación trascendental para el que se dispone a interpretarlas y entra en su mundo. Considero que éste vínculo, expresados en la metáfora se activa por medio de la percepción del ser, percepción que ha nutrido la memoria de much@s otr@s, que hace recobrar viejos y ancestrales instintos, que ha contribuido con la formación diversa, con el cambio de actitudes y complejas habilidades, en in tal cual lo señala Rupert Sheldrake (1990), todas esas formas y actitudes de los sujetos del pasado que in luirán y moldearán a los sujetos del futuro, es a lo que él denomina resonancia mór ica, cuyo soporte es la memoria colectiva, es decir la memoria como expresión colectiva del ser, la resonancia mór ica se basa en la similitud, más sintonizamos con un organismo del pasado cuanto más similares somos a él (RUPERT SHELDRAKE, 1990), es decir que la resonancia mór ica contribuye con el aprendizaje colectivo, es una fuente cultural para el intercambio, para el dialogo, para la producción y reproducción de conocimientos y saberes, para las ideas y actitudes las cuales podrán in luir en personas incluso estando distantes. Esto recuerda de alguna manera cuando pensamos en personas y luego éstas nos llaman por teléfono o se nos aparecen de manera repentina, o cuando pensamos o percibimos que ocurrirá una situación determinada y luego sucede y te ves involucrado (a) o se ven involucradas personas con las cuales mantenemos vínculos. 52 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... El pensar en la resonancia mór ica nos obliga necesariamente a abordar los paradigmas emergentes o nuevos paradigmas y nuestra in luencia directa como fuerza planetaria sobre ellos, como señala el pensamiento de Juan Rof Carballo (MARTÍNEZ, 2008) no se trata de una nueva conciencia ni de una conciencia más evolucionada, sino del empleo de todos los recursos que en el hombre y la mujer dormitan. De manera que el hablar de nuevos paradigmas parte de una visión distinta, autentica del mundo, del planeta, donde prevalezca el cambio de actitud, de valores, en torno a la salvación del mundo, del planeta y las fuerzas que lo conforman. Las crisis económicas, sociales, políticas, culturales, que rodean al planeta son expresión de una crisis civilizatoria, motivada por la ciencia mecanicista y fragmentadora en su afán de dominar la naturaleza a su explotación y exterminio. Estamos insertos, según mani iesta Frijof Capra (1998) en un proceso global caracterizado por la crisis de los individuos, gobiernos e instituciones sociales, nuestra madre tierra ha recibido ataques permanentes para afectar su armonía, pero afortunadamente, siempre el ecosistema planetario busca desarrollar sistemas de defensa ante dichos ataques, de manera de restablecerse continuamente, de manera tal, que las defensas que crea el ecosistema planetario guarda relación con el movimiento permanente del universo, sin embargo, esto no se puede considerar un hecho aislado, que se produce de manera tácita, esto sucederá en relación con el resto de los elementos, con elementos de conciencia de los sujetos sociales, donde se sucederán contradicciones, presiones, luchas. En el marco del desarrollo se produce una evolución cultural de las sociedades, éstas pasan por procesos cíclicos: génesis, crecimiento, ruptura, desintegración, para buscar de nuevo el equilibrio y la armonía, en dichas sociedades se requerirá de ajustes creativos que serán llevados a cabo por los sujetos sociales portadores de conciencia holística, sujetos portadores de una conciencia para la liberación quienes con su fuente de poder creativa llevarán adelante procesos de de transformación caracterizados por la autorregulación, procesos que tomaran en cuenta aspectos sociales, 53 Ana Alejandrina Reyes económicos, políticos, culturales, utilizando para ello entre los diversos recursos, el recurso del lenguaje: escrito, oral, kinestésico, sensorial, espiritual. Históricamente la metáfora ha servido como instrumento para ello, tanto en el ámbito cientí ico como en el de la sabiduría del pueblo, donde, como ya lo he expresado anteriormente, dichas metáforas constituyen un saber iniciático, es decir un saber cargado de experiencias vitales y que aprovecha la incertidumbre como un incentivo para el potencial creativo. “Las ideas no ocurren en el vacío sino que están vinculadas a un referente, el mundo de las personas, las cosas, los sentimientos” (DE LA TORRE, SATURNINO, 1985, p. 21). Hago metáforas sabiendo que son metáforas. Es mucho menos grave que hacer metáforas sin saberlo. Aún más, es sabido que la historia de las ciencias esta hecha de migración de conceptos, es decir, literalmente de metáforas. (MORIN, 1997, p. 52). En los procesos educativos tradicionales cuando surge una contradicción, frecuentemente, ésta constituye una señal de error, en los procesos educativos innovadores las contradicciones se convierten en problematizaciones, lo cual puede verse como un criterio epistemológico de la complejidad. Primero que nada, hay que reconocer, que cualquiera sea su cultura, el ser humano produce dos tipos de lenguajes a partir de su lengua: uno es el lenguaje racional, empírico, práctico, técnico; y el otro es el simbólico, mítico, mágico. El primero tiende a precisar, denotar, de inir, se apoya en la lógica e intenta objetivar aquello de lo que habla. El segundo utiliza, más bien, la connotación la analogía, la metáfora, es decir, el hálito de signi icaciones que rodea cada palabra, cada enunciado, y que intenta traducir la verdad de la subjetividad. (MORIN, 1997, p. 42). Tener sentido de la complejidad es tener sentido del carácter multidimensional de toda realidad. El poseer una conciencia de 54 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... complejidad hace comprender que no se puede escapar a la incertidumbre presente en toda búsqueda de comprensión de la realidad. La realidad como visión de un todo, se expresa en la historia de cada sujeto como expresión de una parte de esta realidad, si se revisa los procesos de socialización de dicho sujeto, vemos que las diferentes etapas de su vida están in luenciadas por inducciones familiares, contextuales, culturales, educativas, políticas, económicas, etc., de manera que los procesos de socialización re lejan un proceso complejo de vida, que incorpora, un cúmulo de saberes adquiridos a través de procesos históricos de ancestralidad de los sujetos y conocimientos expresados en el aprendizaje socialmente reconocido, especí icamente en el ámbito cientí ico los sujetos manejan conceptos que constituyen premisas para entender la realidad, y construir o reproducir conocimientos sobre ella. Los conceptos a través del tiempo viajan, se trasmiten, se corroboran o se refutan, pero también viajan clandestinamente para des-as ixiar a las disciplinas. La ciencia estaría totalmente trabada, si los conceptos no migraran clandestinamente, pero en muchas oportunidades los conceptos migran de manera transdisciplinaria, es decir se empiezan a utilizar términos, conceptos, constructos de un área disciplinar en otra y allí, se recrean y allí cobra fuerza el recurso de la metáfora para promover la interpretación y la producción de conocimientos, más sin embargo, esto no hace superar la fragmentación del conocimiento, pero permite activar y organizar una referencia clasi icadora y estimulante a la percepción del sujeto sociocultural que la percibe. De manera que el conocimiento se da como una relación dialógica, no prescrita previamente por un experto determinado, acá recuerdo las palabras de Antonio Gramsci, que pone de mani iesto que el saber orgánico, constituye un saber que sigue a la vida social y no que la precede. A la par de todo el cúmulo de conocimientos que nos ha proporcionado los avances de la ciencia, esa, la mecanicista, fragmentadora, se levanta una devastación civilizatoria, una crisis global 55 Ana Alejandrina Reyes de nuestra civilización, que tiene en jaque a la armonía planetaria, por ello diversas voces también han surgido para presentar alternativas, esperanzas, propuestas cientí icas, sabidurías ancestrales que gritan al unísono: quien dijo que todo esta perdido, yo vengo a ofrecer mi corazón, todas estas voces: Europeas, Norteamericanas, Africanas, Latinoamericanas, Hindúes, etc., expresan que sólo una transformación civilizatoria, en nuestra manera de pensar, vivir, convivir, sentir, percibir, de nuestros valores, de nuestra mentalidad, de nuestras actitudes, puede cambiar y/o restablecer la armonía del planeta. Entre los fundamentos de paradigma implica una transformación cultural profunda que lleva consigo una modi icación en la mentalidad moderna, occidental, en las formas cómo nos organizamos, plani icamos y reproducimos nuestra vida en el planeta. Edgar Morín mani iesta ante el conocimiento cientí ico fragmentado que sustenta nuestra conciencia moderna, la necesidad que surja un nuevo modelo de producción de conocimiento, caracterizado por la complementariedad de la racionalidad universal con la racionalidad singular o local (ciencia de lo general y ciencia de lo particular), donde la realidad sea tomada en cuenta como proceso dialéctico y dialógico (en palabras de Morín, como proceso del pensamiento dialógico permanente) es decir que el análisis de la historia debe estar presente en toda descripción y análisis de la realidad. El papel de las universidades cómo fomentadoras de la generación de conocimientos debe apoyarse más en las relaciones dialógicas de los sujetos que participan en ella, tomando en consideración sus procesos de autorregulación, de interdependencia en sus procesos vitales, debería tomar en cuenta los saberes ancestrales y no tomar como únicos y valederos los conocimientos europeos y/ foráneos solamente. Las universidades que se ubiquen dentro de la corriente del necesario cambio epocal caracterizado por promover la transformación, necesariamente deben ver y sentir la cultura y la comunicación como elementos vitales y trascendentales para los cambios civiliza torios, deben apoyarse en el diálogo como herramienta necesaria y permanente para la educación liberadora, la educación holística, todo lo 56 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... cual supone rechazar las prescripciones normativas institucionales, que promueven el individualismo y la competitividad. Todo esto hace propicio para que en los paradigmas emergentes ocupe un espacio particular la METAFORA como una vía para el cultivo del conocimientos, para incitar el dialogo, la re lexión permanente y la interpretación critica de la realidad. Una metáfora inserta en el proceso vital cotidiano del ser educativo (…) la metáfora es así mucho más que una simple alusión o indicación, que por otra parte sólo muestra que el hablante y el oyente, el autor y el lector, comparten una saber, una tradición, una formación cultural, etc. (JAFFÉ, 2004, p. 107). En in la metáfora vuelta palabra, musa, concepto, constructo, sabiduría, enseñanza, denuncia, problematización, conspiración, vuelta pueblo, pero también búsqueda perenne de la creatividad y creación transformadora esta esperándonos para que la llamemos, la provoquemos, en nuestras investigaciones, eso lo estamos haciendo desde las líneas de investigación de Postgrado en el Cepap, y especí icamente desde la línea de investigación pensamiento educativo para la liberación. Recientemente a través de un trabajo investigativo sobre la vida y obra socio cultural y educativa de un cultor del teatro popular venezolano, José Yorlando Conde Villamizar, logramos presentar ante la UNESR la postulación para que fuera acreedor de un doctorado honoris causa, hecho que se hizo realidad el día 21 de mayo de los corrientes y que constituyó un reconocimiento del caminar hacia ese ser academia pueblo con la cual todos soñamos. La cultura y dentro de ésta la canción incentiva y fomenta aprendizajes en las nuevas generaciones, se convierte en una crónica de los sucesos trascendentales de la humanidad, ¿cuántas canciones nos resumen en sus compases la historia de la humanidad? ¿Cuántas se han vuelto cátedra itinerante para la reϐlexión y comprensión humana? ¿Cuántas de ellas se transforman en coros solicitando auxilio por la armonía y preservación de la naturaleza? ¿Cuántas de ellas nos 57 Ana Alejandrina Reyes han enseñado y trasmitido valores fundamentales como lo son la solidaridad, el respeto, la honestidad, la lucha por la justicia social, el internacionalismo, etc.? Alrededor de la canción se va auto organizando una comunidad de aprendizaje, de músicos, cantores, poetas, público seguidor, que va aprendiendo haciéndolo, que favorece la capacidad de imaginar e inventar en todo aquel que toma contacto con esa comunidad de aprendizaje, genera la re lexión crítica de la realidad, fomenta el ver las contradicciones de la realidad, es decir ofrece elementos para saber ubicarse contextualmente en la realidad circundante y re lejarlo en lo que se escribe a partir del amor para la construcción de las palabras y todo lo que le acompaña: la pasión, los sentidos y sentimientos, pero no basta con querer decir a través del canto las cosas hay que saberlas decir, poseer un manejo verbal y expresivo que conmueva, tener el compromiso para asumir el rol de mediadores entre lo que ocurre en la realidad y la interpretación que requiere la ciudadanía para hacerse participe en la interpretación de la realidad. Todo lo anteriormente señalado me permite decir que los cantores y cantoras somos mediadores educativos a través del canto, por ello en esa nueva visión paradigmática de la educación para el siglo XXI es importante y trascendental la incorporación del canto dentro del curriculum, es necesario que en nuestros países visibilicemos el canto en relación al hecho educativo y no le mantengamos en un bajo per il, o como espacio auxiliar para que los docentes de aula puedan “ descansar” de los estudiantes a través de ponerlos a realizar actividades extracurriculares, a pesar de ello la historia se encarga permanentemente de mostrarnos la in luencia sutil del canto y la música en nuestras vidas, así la escuela formal no se dé cuenta de ello. El canto históricamente ha sido expresión de los pueblos sobre su ser y hacer, así la memoria individual y colectiva se va nutriendo de hechos, informaciones, visiones críticas de la realidad que in luyen considerablemente en los conceptos elaborados sobre lo que ocurre a 58 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... nuestro alrededor, de manera que el canto constituye una crónica de lo que ocurre a nivel de la experiencia en la cotidianidad de los sujetos. La canción como elemento propiciador y mediador de aprendizajes tiene incorporada (7) siete características fundamentales para la mediación pedagógica tal como lo señala Francisco Gutiérrez, las cuales me parecen de sumo interés incorporarlas como características para la educación del siglo XXI: 1. 2. 3. 4. 5. 6. Ser parte de la vida: la canción con su expresión de Multidiversidad forma parte del acontecer cotidiano del pueblo venezolano y los pueblos del mundo, en el caso venezolano, desde el momento en que nacemos escuchamos y sentimos, el canto, la melodía de arrullo de nuestro himno nacional, como originalmente era, como una canción de cuna Constituye una actividad que entra por los sentidos: la canción no sólo se lee, se escucha, se toca, sino que también se canta colectivamente, lo que genera un sentido de pertenencia hacia los hechos que cuenta la canción, se fomenta el emocionar de los que asisten y participan en la experiencia Debe ser percibida gozosamente: los participantes dan rienda suelta a sus recuerdos, al goce que le ofrece unir sus anécdotas a las de otros y otras lo que hace sentir un placer colectivo por lo que está pasando, por las re lexiones que van surgiendo. Debe despertar interés: Esta actividad genera mucha empatía, aún en personas aprensivas y que inicialmente no se muestran participativas, poco a poco se van incorporando a la misma. Debe gestar, crear y recrear relaciones con el contexto: El desarrollar una experiencia de aprendizaje a través del canto propicia el intercambio directo con cantores y cantoras, con estudiantes, con las comunidades, ayuda a la recreación de la memoria histórica, constituye un espacio. Debe dar cabida a implicaciones personales: Al ser educadores y educadoras, estudiantes, cantores y cantoras quienes 59 Ana Alejandrina Reyes 7. participamos en las experiencias de aprendizaje a través del canto, se propicia que nos sintamos implicados e implicadas en la actividad de mediación, a través de contar nuestras experiencias en relación con el momento histórico en el cual se ubica la canción o a las referencias que hace la misma. Debe ayudar a transformar la realidad: El fomentar la re lexión crítica, la problematización sobre temáticas concretas las cuales son centros o ejes temáticos de la canción, constituye una invitación a transformar la realidad o reconocer que es necesario cambiarla. A través de mi proceso vivencial he podido reconocer cómo en mis diferentes nichos vitales de aprendizaje: como mujer, como madre, hermana, como amiga, como cantora, como facilitadora del Método de Proyectos en el Centro de Experimentación para el Aprendizaje Permanente CEPAP1- UNESR, como facilitadora de procesos de aprendizaje a nivel cultural y socio comunitarios, etc., como parte del equipo coordinador de la línea de investigación pensamiento educativo para la liberación, se han ido incorporando de manera permanente metáforas que se han convertido en una vía, una herramienta, para la construcción y reconstrucción de conocimientos y saberes, ¿Pero estas metáforas realmente han contribuido con la construcción de conocimientos o han hecho otra cosa? Es importante señalar que en nuestro lenguaje coexisten metáforas de la liberación, emancipadoras y metáforas dominadoras, mecanicistas, fragmentadoras, re lejo del pensamiento lineal aprendido a lo largo de nuestra historia. Por ello al abrirnos a esta nueva forma de pensamiento iniciamos un proceso de nuevos aprendizajes expresados 1 El Cepap, constituye un programa académico universitario, con más de 30 años de fundado, adscrito a la Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez, de Venezuela, donde se aborda el proceso educativo de los participantes desde el Método de proyectos. 60 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... en las diversas formas del lenguaje: verbal, corporal, escrito, escritural2, visual, entre otros, los cuales se expresan en nuestros modos de hablar, actuar, escribir, re lexionar y comprender la realidad, en de initiva sentir y saborear la vida. En la nueva visión científica, desde el paradigma emergente se expresa una visión holística del mundo que lo ve como un todo integrado el ser humano es visto como una hebra de la trama de la vida, esta es la visión del ser desde la percepción ecológica profunda es decir, entra en juego de nuevo la metáfora que re significa ¿a qué nos remite la metáfora el ser humano como una hebra de la trama de la vida? necesariamente nos lleva hacia otra metáfora de carácter central de la Biopedagogía es LA RED, si todos y todas formamos parte de esta red, nuestra percepción científica de la realidad debería tomar en cuenta esa diversidad de tramas para aproximarse a la red. A través de toda nuestra existencia, recibimos innumerables mensajes vueltos conceptos, expresados en metáforas que rea irman, incorporan, expresan, re lejan visiones sobre la realidad, en el caso especial del hecho educativo, son innumerables los mensajes que hemos ido acumulando a través del tiempo, tanto en espacios cotidianos como en las instancias educativas donde hemos estado. A continuación señalaré algunos ejemplos de la visión de los hechos educativos referidos a través de dichos, a irmaciones que llevan implícitas metáforas que frecuentemente se escuchan desde dos dimensiones, desde la dimensión liberadora o desde la dimensión dominadora: 2 Ángel Rama, lingüista y semiótico, uruguayo, nos dice que lo escritural constituye los escritos no formales: petroglifos, graf iti, que a veces, puede incluso, tener incongruencias ortográ icas pero jamás se podrá decir que este mal escrito. 61 Ana Alejandrina Reyes Metáforas (dimensión liberadora) Metáforas (dimensión dominadora) Nadie educa a nadie, todos nos educamos en comunión” La educación es un arte, por ello la creatividad y la subjetividad se expresan como proceso dentro de ella. Lo que más valoras es lo que aprendiste en la Universidad de la vida “Hay que educarse para ser alguien en la vida” La letra entra con sangre La educación es una expresión de amor que nos debe producir placer Agua que no haz de beber déjala correr El hombre esta condenado a ser libre El único aprendizaje válido es que se obtiene en la Universidad como casa de los saberes y el conocimiento “Hay que moldear el carácter de los discípulos, la letra entra con sangre”. Loro viejo no aprende a hablar Árbol que nace torcido jamás su rama endereza Al analizar cada una de estas expresiones e imaginarnos a los sujetos que las expresan, surge un elemento de suma importancia a tomar en consideración en el hecho educativo, la intencionalidad política de la educación, al respecto Freire (1969, p. 38) pone de mani iesto lo siguiente: No hay práctica educativa neutra, ni práctica política por ella misma. De ahí que el educador se tenga que preguntar a favor de qué y de quién se halla al servicio; por consiguiente, contra qué y contra quién luchar en su posibilidad de lucha dentro del proceso de su práctica. Como puede observarse reproduciendo a través de la concepciones del mundo: a nivel y educativo, y si tenemos como permanentemente hemos estado palabra oral y escrita diversas económico, social, cultural, político profesión la docencia, en muchas 62 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... oportunidades nos hacemos eco de concepciones que quizá no hemos re lexionado lo su iciente, por ello es necesario que se utilice el poder de la palabra, la expresión corporal y las emociones de manera responsable en los diferentes contextos educativos donde nos desempeñamos, y de inamos en que dimensión nos ubicamos. En el cuadro anterior podemos observar una metáfora que frecuentemente observamos y escuchamos en nuestros espacios educativos la educación es un arte constituye un ejemplo de cómo la interpretación de lo que es la educación puede tener múltiples lecturas. La metáfora LA EDUCACION ES UN ARTE expresa entre otras cosas: La educación al igual que el arte es un hecho colectivo, “El ser humano es constitutivamente social. No existe lo humano fuera de los social.” (MATURANA, 1999, p. 33). Como arte la educación es expresión de subjetividades, de sentires y emociones, por tanto una de sus cualidades es conmover a los otros, conmover para poder entender o ayudar a entender luego, en in para poder comprender mejor la realidad. Toda comunidad existe como una red de procesos, actos, encuentros, conductas, emociones técnicas,… que con iguran un sistema de relaciones de convivencia que penetran en todos los aspectos del vivir de los niños y niñas que crecen en ella en el curso de transformarse en adultos en todas las dimensiones de su hacer y emocionar (...) (MATURANA,1999, p.11). Como arte la educación debe cultivarse con placer, con inspiración, creatividad y disciplina, esto implica necesariamente el cultivarle a través de la emoción y la razón, conociendo que será la primera la que sustenta la segunda tal como lo señala Sima Nisis, en su presentación al libro de Maturana transformación en la convivencia. 63 Ana Alejandrina Reyes Quise tomar esta metáfora de la educación como arte para poner en evidencia cómo las metáforas que frecuentemente escuchamos en nuestros espacios educativos y en la cotidianidad en general, pueden servir como elemento propiciador del análisis e interpretación de la realidad, a partir de ellas se crean y recrean conocimientos y saberes, por tanto ellas poseen un carácter fundamental para el proceso de la pedagogía del aprendizaje, es decir en el cómo ayudar a aprender, considero que la metáfora brinda una posibilidad extraordinaria con los estudiantes para fomentar la imaginación, para el reconocimiento de la construcción de conocimiento. En mi experiencia en diversos roles tales como: facilitadora, docente universitaria, trabajadora socio comunitaria, cantora, entre otras he tratado de ir incorporando el análisis de las canciones y la poesía para generar y propiciar la generación de conocimientos. Las canciones nos permiten a educadores y educadoras el realizar análisis partiendo de la emocionalidad que ellas proveen, en quien la canta y quien la escucha. No se puede crear un mundo a partir del lenguaje con el cual se ha destruido. El llamado es a reinventar las palabras en los procesos educativos y de investigación, ¿porqué tenemos que seguir hablando del sujeto y objeto en la investigación?, quien sujeta a quien, la idea de estar sujeto refiere a inmovilidad, a rigidez, más sin embargo, utilizamos este término así nos ubiquemos en un enfoque no apegado al mecanicismo ni a la fragmentación. Para el mejor ejercicio de la mediación debemos estar atentos a las palabras que utilizamos y en general al lenguaje que hemos aprendido a través de procesos de socialización diversos, esta de nuestra parte, contribuir cotidianamente con la transformación de la academia, la transformación universitaria a nivel investigativo, académico y de vinculación con las comunidades. 64 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... Referencias ALZURU, Jhonatan. La Metáfora. Caracas: Publicaciones de la Universidad Central de Venezuela, 2004. CAPRA, Fritjof. La trama de la vida.Barcelona: Edit. Anagrama, 1998. _____. El Punto Crucial. Argentina: Editorial Troquel, 1998. FREIRE, Paulo. La educación como práctica de la libertad. Argentina: Edit. Siglo XXI, 1969. JAFFÉ, Verónica. Metáforas y traducción o traducción como metáfora. Caracas: Fondo Editorial de humanidades y Educación - UCV, 2004. MAFFESOLI, Michel. El tiempo de las tribus. Barcelona: Icaria, 1990. MARTÍNEZ L., Francisco. Juan Rof Carballo y la medicina psicosomática. Madrid: Ediciones Díaz de Santos, 2008. MATURANA, Humberto. Transformación en la convivencia. Santiago de Chile: Dolmen ediciones, 1999. MORIN EDGAR. Amor, poesía y sabiduría. Colombia: Edit. Magisterio, 1997. DE LA TORRE, Saturnino. Cómo sistematizar la estimulación creativa. Madrid: Editorial Narcea, 1985. SHELDRAKE, Rupert. La Presencia del Pasado: Resonancia mórϔica y hábitos de la naturaleza. Barcelona: Kairós, 1990. Bibliograϐía Consultada ASSMANN, H. Metáforas novas para reencantar a Educação Epistemologia e Didática. 2ª edição. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1998. 65 Ana Alejandrina Reyes ASSMAN, HUGO. Placer y ternura en la educación. Hacia una sociedad aprendiente Madrid: Narcea, 2002. ASSMAN, H. Placer y ternura en la educación. Hacia una sociedad aprendiente. Madrid: Narcea, 2002. BOHM, D. La creatividad. Barcelona: Editorial Kairos, 2002. BRINGG Y PEAT. Las siete leyes del caos. México: Edit. Grijalbo, 1999. DESCARTES, René. Discurso del Método. Cuarta Parte. Traducción de G. Quintás. Madrid: Alfa Guara, 1981. GROF, C; STANISLAV GROF. La tormentosa búsqueda del ser. Barcelona: Los libros de la liebre de marzo, 1995. CAPRA, F. La Sabiduría Insólita. Málaga: Edit. Sirios: 2003. CASTILLO, Andres. El sonido de una huella. Caracas: Talleres de Grá icas Mateprint, 1999. DÍEZ ALVAREZ JAVIER. Los valores cognitivos de la interpretación y el estilo en la educación artística. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, S/F. GUTIÉRREZ, Francisco; CRUZ, Prado. Germinando Humanidad. (Pedagogía del Aprendizaje). Guatemala: Universidad de San Carlos de Guatemala. Instituto y Mejoramiento educativo, 1986. _____. Educación como praxis política. México: Siglo XXI, 1984. _____. Pedagogía de la comunicación en la educación popular. Venezuela: Edit. Laboratorio educativo, S/F. GUTIÉRREZ, Francisco; PRIETO CASTILLO, Daniel. Mediación pedagógica. Apuntes para una educación a distancia alternativa. Guatemala: Universidad de San Carlos de Guatemala. Instituto y Mejoramiento educativo, 1996. 66 La metáfora una via para el cultivo del conocimiento y los saberes... _____. La mediación pedagógica para la educación popular. RNTC/ Universidad San Carlos de Guatemala y Rafael Landivar. San José de Costa Rica, 1994. LAKOFF, George. Metáforas de la vida cotidiana. Berkeley, California: Universidad de Berkeley, 1992. LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. La Metáfora en Política. Carta abierta a Internet.Berkeley, California: Universidad de Berkeley, 1991. LOPEZ F. Cao. Razones para el arte: memoria, ausencia y búsqueda de identidad. Madrid: Edit. Complutense, 2008. MARTÍNEZ, Miguel. El paradigma emergente. Hacia una nueva teoría de la racionalidad cientí ica. México: Editorial Trillas, 1997. MATURANA, Humberto; VERDEN- ZOLLER, Gerda. Amor y juego. Fundamentos olvidados de lo humano desde el patriarcado a la democracia. Quinta edición. Colección experiencia humana. Santiago, Chile: Instituto de terapia cognitiva, 1997. MATURANA H, BERNHARD, R. Del ser al hacer. Los orígenes de la Biología del conocer. Santiago, Chile: Editor J C Sáez, 2004. MCLUHAN, M., POWERS, B. R. La aldea global. Barcelona: Gedisa, 1995. MORALES, LEONIDAS. Violeta parra: La última Canción. Santiago, Chile: Editorial Cuarto Propio, 2003. MORIN EDGAR. Los siete saberes necesarios para la educación del futuro. Paris: ONU, 1999. _____. La Cabeza Bien Puesta: repensar la reforma, reformar el pensamiento. Buenos Aires: Edit. Nueva Visión, 2002. _____. Educar en la era planetaria. Colección libertad. Barcelona: Editorial Gedisa, 2003. 67 Ana Alejandrina Reyes OSORIO JORGE. La elaboración metafórica en educación: la construcción del aprendizaje. Universidad de concepción. Chile: Atenea, 1998. PARENTE DIEGO. Literalidad, metáfora y cognición. Grupo Ratio. La Plata, Argentina: Universidad de la Plata, S/F. PAIVIO, A., A. Psychological processes in comprehension of metaphor en A. Ortony, Metaphor and thought. London: Cambridge University Press, 1979. TURKLE SHERRY. La vida en la pantalla. La construcción de la identidad en la era de Internet. Barcelona: Edit. Piados, 1995. WAGENSBERG, Jorge. Ideas sobre la complejidad del mundo. Barcelona: Edit. Fábula, 2003. 68 La educomunicación en Ecuador: experiências y projecciones Alberto Pereira Valarezo Contextualización Hablar de educomunicación es buscar un camino que nos conduzca al encuentro de dos ámbitos de los saberes y conocimientos humanos de siempre: comunicación y educación. Y, al mismo tiempo, nos lleva al compromiso de encontrar un objeto que logre fusionar dos fenómenos amplios y complejos. Por supuesto que este ambicioso intento no se resolverá en esta corta investigación. Nuestra propuesta es más humilde; pero puede coadyuvar a que este espectro conceptual y operativo abra otras opciones, a partir de experiencias concretas de un país pequeño pero interesante, como es el caso de Ecuador. En estos casos, si algo puede dar un sustento contextual para la mejor comprensión del tema que nos convoca, es la referencia de indicadores socioeducativos; en primer lugar con el país latinoamericano de mayor desarrollo: Brasil; para luego establecer una comparación con Gran Bretaña, caso paradigmático del primer mundo. Veamos, entonces, los indicadores: 69 Alberto Pereira Valarezo ECUADOR BRASIL Área: 256.370 km2 Población: 14 306 876 (2010) PIB: USD 45 800 000 (2008) Gasto en educación: 3.2% del PIB (2008) Gasto en ciencia y tecnología: 0,2% del PIB (2009) Tasa de escolarización primaria: 96% Usuarios de Internet: 12% de la población (2009) Analfabetismo: 7% Pedidos de patentes anuales: 900 Área: 8 514.215km2 Población: 190 000 000 (2009) PIB: USD 1 621 000 000 (2009) Gasto en educación: 4.4% del PIB (2007) Gasto en ciencia y tecnología: 1,3% del PIB (2009) Tasa de escolarización primaria: 95% Usuarios de Internet: 23% de la población (2007) Analfabetismo: 9% Pedidos de patentes anuales: 23 300 ECUADOR GRAN BRETANA Población: 14 306 876 (2010) PIB: USD 45 800 000 (2008) PIB per cápita: USD 4 151 (2008) Gasto en educación: 3.2% del PIB (2008) Gasto en ciencia y tecnología: 0,2% del PIB (2009) Sueldo promedio de un docente al ingresar: USD 330 Usuarios de Internet: 12% (2009) Analfabetismo: 7% Población: 61 612 300 hab (2009) PIB: USD trillones (2009) PIB per cápita: USD 36 523 (2008) Gasto en educación: 5,5% del PIB (2009) Gasto en ciencia y tecnología: 2,5% del PIB (2009) Sueldo promedio de un docente al ingresar: USD 3 800 Usuarios de Internet: 79,8% (2008) Analfabetismo: 1% De la comparación de los indicadores -de los dos cuadros- se puede colegir con facilidad la situación socioeducativa de Ecuador, y cómo ésta incide en el actual sistema educacional del desarrollo del país; al mismo tiempo que nos da la opción de poder vislumbrar alternativas educomunicacionales que coadyuven al anhelado “Buen Vivir” que reclama la nueva Constitución ecuatoriana, aprobada en referéndum por el pueblo en el 2008. En todo caso, aunque el gobierno 70 La educomunicación en Ecuador de Alianza País, liderado por el presidente Correa, en algo ha mejorado la situación económica de los docentes y la infraestructura educacional, lejos está todavía el mejoramiento sustancial del quehacer y proyección educativos; tarea a la cual nos debemos y le hemos apostado nuestros mejores esfuerzos. Apuntes históricos de la educomunicación Basados en la obra de Pablo Ramos “Tres décadas de educomunicación en América Latina. Los caminos desde el plan DENI”, difundida en un CD, en el año 2000, sintetizaremos lo que consideramos los principales hitos de la educomunicación en nuestro continente, como un ejercicio para comprender el valor de los procesos que, como se sabe, en educación conllevan una dinámica de largo aliento. En efecto – de acuerdo con la referencia antes señalada-, es en Ecuador donde por primera vez se logra sistematizar una metodología para leer críticamente medios de comunicación; de manera particular y concreta, lectura cinematográ ica. Esto ocurre en octubre de 1967 mediante el denominado Plan DENI, cuyo objetivo era educar a los niños en la lectura y la apreciación cinematográ icas. Su mentor e impulsador era un antropólogo cubano que laboraba como profesor en la Universidad Central del Ecuador, Luis Campos Martínez. Sembrada la semilla, en 1968 esta iniciativa se trasladará a Lima. Para 1970 se extenderá a Montevideo y Río de Janeiro, ciudad donde se la conocerá con el nombre de Cinema Educacao (CINEDUC). A República Dominicana llegará en 1974, con repercusiones continentales posteriores. El método, inicialmente, había ijado tres objetivos fundamentales: 1) Investigar la actitud del niño frente al cine. 2) Realizar una pedagogía que permita utilizar las imágenes visuales para una mejor educación del niño, acorde con las circunstancias de su tiempo. 3) Orientar a los niños en el aprendizaje del lenguaje ílmico. 71 Alberto Pereira Valarezo Este método, esencialmente ílmico, más adelante se irá nutriendo de otros componentes conceptuales, como es aquello que en los años sesenta se conoció con el nombre de Lenguaje Total (verbo-audio-visual). De acuerdo con el documento “CEFOCINE: Una experiencia de comunicación y educación ecuatoriana”, de Rafael Carriel Jordán, el Plan DENI, auspiciado por organizaciones de la Iglesia católica, por el año 1973 había logrado desarrollar un proyecto en comunas de Santo Domingo de los Colorados (hoy en la nueva provincia de los Tsáchilas), con la colaboración de antropólogos, periodistas y religiosas. Se lo catalogaba como una propuesta popular, que se puede sintetizar en el siguiente pronunciamiento, que destaca Carriel: “todo uso del Lenguaje Total y del Plan DENI que no sea popular, es decir, que no esté al servicio de los humildes, es bastardo”. Carriel también alude a otras experiencias, como la de Sor Lida Romero que, auxiliada por el libro del sacerdote José Luis Sánz “Cine sin secretos” buscaba difundir una metodología crítica en un establecimiento popular de Quito. Investigar cómo comprende el niño el hecho ílmico (lectura de imagen), cómo es in luenciado por lo cinematográ ico (lectura ideológica); desarrollar la percepción visual y auditiva, utilizando el cine como medio para despertar su sentido crítico y llevarlos hasta la producción cienematográ ica, fueron los ejes que sustentaron la labor del DENI-Ecuador hasta su declive, a mediados de la década de los 80. (CARRIEL, 2001, p. 2). En América Latina, conocida es la labor crítica y alternativa que Mario Kaplún supo desarrollar en la década de los setenta. De igual manera, para inales de esta década, las organizaciones católicas de la comunicación van encontrar en Pedro Gilberto Gomes, Atilio Hatrmann e Ismar de Oliveira Soares unos dignos representantes de un movimiento continental trascendente que apuntale lo que hoy estamos considerando como matrices de la educomunicación. Ya vendrá luego, en la década de los ochenta, esa fuerte arremetida contra los modelos funcionalistas y el 72 La educomunicación en Ecuador positivismo que cuestionará los medios y su omnipotencia para recatar al sujeto como un ente activo de los procesos comunicacionales… Ámbitos de la educomunicación en el ecuador Veamos, entonces, cómo esta fuerte corriente inicial de lectura crítica de los medios – del cine en particular- y, más adelante, de una visión sistémica educomunicacional, se logra anclar en el concierto de la realidad socio-educativa ecuatoriana. Al menos, cuatro ámbitos son bastante claros. Unos más exitosos que otros. Los enunciamos y demarcamos para, más adelante, conocerlos en sus referentes signi icativos: CINEMATECA. Fundada en 1966 como una instancia de extensión cultural de la Universidad Central del Ecuador –el más antiguo centro de formación universitaria del país- que cumplió una inspiradora labor en la década combativa de los setenta hasta 1981 en la Casona universitaria, bajo la dirección de Ulises Estrella –gran animador de la cinematogra ía ecuatoriana-. Con el mismo nombre –y con mayor apoyo institucional- la cinemateca va pasar funcionar, en 1982, en la Casa de la Cultura Ecuatoriana (CCE) hasta la presente fecha; con un total de cuarenta y cuatro años, bajo la misma dirección, y con sede en Quito. CEFOCINE. Se conoce con este nombre al Centro de Formación Cinematográ ica para Niños. Inicia su actividad en 1989, inicialmente vinculado a la Cinemateca de la CCE y auspiciado por la Iglesia católica. Su sede inicial ha sido Quito, pero se ha extendido a Guayaquil – la ciudad más populosa de Ecuador- hasta la fecha. UNIVERSIDAD POLITÉCNICA SALESIANA. La actividad de nuestro interés se concreta entre los años 1966 y 2002, en una Maestría en Docencia, con mención en Educomunicación, de la cual egresan como una centena de los primeros 73 Alberto Pereira Valarezo educomunicadores del país, en cuatro promociones, y cuya cubertura se extendió –desde Quito- a varias sedes como Guayaquil, Cuenca, Manta, Riobamba, Macas. UNIVERSIDAD CENTRAL DEL ECUADOR. Entre los años 2006 y 2008 se ejecuta una Maestría en Gestión de Educomunicación en la Facultad de Filoso ía y Ciencias de la Educación, con sede en Quito. Su proyección era replicarse en otras universidades estatales del país con el auspicio de la Asociación de Facultades Ecuatorianas de Filoso ía y Ciencias de la Educación; algo que no ha sucedido. Así podemos colegir, entonces, que los dos primeros ámbitos educomunicacionales de Ecuador han ijado su interés en la cinematogra ía, con especial énfasis y cobertura entre los niños y jóvenes, en el caso de CEFOCINE; al igual que la Cinemateca, cuyo interés fundamental se ha encontrado entre jóvenes y público en general, mediante cursos, seminarios, festivales de cine, talleres de formación y producción cinematográ ica, además de otras actividades como el acopio, archivo, recuperación, restauración y difusión de material audiovisual. Las dos universidades, en cambio, correrán a cargo de programas de posgrado que las inscribe en una formación académica sistémica, de las que nos vamos a ocupar con cierto detalle más adelante. Recogen estos cuatro ámbitos dos tendencias que, con cierta libertad académica, solemos denominar educación no formal y educación formal. Nos referimos, por supuesto, a las cumplidas por la Cinemateca y CEFOCINE, por una parte y, por otra, las dos universidades antes señaladas. Sin entrar en mayores detalles, bien podemos convencernos de que, la formación y el trabajo realizado por las dos primeras en mucho han contribuido para que hoy los ecuatorianos – que vivimos en Quito y Guayaquil, particularmente- tengamos un conocimiento, expectativas y mayor conciencia cinematográ icos. Basta revisar las largas y ricas actividades que a través de los años han programado y ejecutado estos dos importantes centros de formación educomunicacional. Sólo a manera de muestra y para inferir su transcendencia formativa y cobertura, 74 La educomunicación en Ecuador haremos constar algunos datos referenciales, a partir de los informes que constan en el CD-libro de Pablo Ramos (2000): La Cinemateca Nacional Ecuatoriana, según el informe de Cecibel Cadena, en 1966 se forma el Cineclub Universitario, cuyas actividades principales son el cine-debates, ciclos de cine experimental; festivales de cine correspondientes a Brasil, España, Francia, Japón, Polonia, etc. Su cobertura iba desde los estudiantes de colegios capitalinos, los universitarios de la Central y Católica hasta público de los barrios, sindicatos y federaciones. Se ofreció un seminario de expresión corporal como medio educativo, con la profesora argentina Regina Katz, dirigido a profesores y profesoras de jardines de infantes y primeros años de educación primaria. Hubo cursos de cine arte, con proyecciones semanales para socios del Cine Club Universitario. En 1970, se forma el Cine Club Estudiantil, dirigido a colegios de Quito, con la participación de unos cuatrocientos estudiantes. Se exhiben ilmes de Fellini, Richard Rush, I. Jei its. En 1971, en el Festival de la Federación de Estudiantes del Ecuador (FEUE) se proyectan y debaten ilmes como “El Acorazado Potemkim”, “La carga de la Brigada Ligera”, “El General de la Revere”. En 1973, tiene como propósito poner en discusión el cine silente, se edita la revista “Uno por un cine medios”, cuyo objetivo era “Orientar al público para que pueda interpretar correctamente el uso de los medios que son de tanta in luencia en todos los sectores sociales”. A inales de los años setenta y cinco habrá un seminario de arte cinematográ ico y de medios de comunicación que lo dictará el cineasta boliviano Mario Rolando Arrieta Abadía, en la ciudad de Guayaquil, con el auspicio del Centro Municipal de Cultura. En 1976 se destaca un seminario sobre cine y televisión efectuado para los estudiantes de la Universidad Católica de Quito. Se proyecta la película “El cielo para la Cunshi, Caraju”. Entre 1980 y 1982, la referencia más importante de la Cinemateca es el “Taller libre de cinematogra ía de la Facultad de Artes” de la Universidad Central del Ecuador; los lugares donde se realizaron estos encuentros dicen mucho de sus ambiciones: el Colegio de Artes, la Casa de los Siete Patios en el centro colonial de Quito, y el 75 Alberto Pereira Valarezo barrio popular de Luluncoto con la participación de cuarenta niños. Sus objetivos eran: “Hacer cine, difundir cine arte, contrarrestar la alienación cultural, elevar el nivel de conocimiento cinematográ ico, vinculación con otras organizaciones culturales” (Cadena: 4). En este mismo período se auspician los cine clubes “Ciudad de Quito”, “Infantil”, “Colegial”. En el año 1982, dos son los talleres que se desarrollan con gran éxito: “Taller de Investigaciones de la Comunicación (TIC)” y el “Taller de Cine Arte Infantil (TCAI). El objetivo del primero era “Estudiar los cambios de comportamiento infantil, bajo la in luencia de los programas del cine y la televisión comerciales y en el de la creación, por medio del taller de Cine Arte Infantil” (Cadena: 6). La actividad del segundo taller se realiza en diversos sectores: populares, medios, altos y migrados, y se señala que sus fundamentos pedagógicos y metodológicos “Parten de las expresiones del arte plástico y llegan a las manifestaciones propias del lenguaje de la imagen. Concluyen con la producción de audiovisuales y películas hechas por los niños. Es decir, planeamiento temático, elaboración de guión, dibujo y fotogra ía de las escenas que se seleccionaren, así como el montaje y edición inal” (Cadena: 7). Estos, entre muchas otras actividades desarrolladas por la Cinemateca en su etapa inicial, nos dan la dimensión de este ámbito educomunicacional. CEFOCINE. Para conocer su trayectoria y objetivos educacionales, a partir de los propios documentos de esta organización y el documento de Rafael Carriel, más arriba aludido, procuraremos caracterizar sus actividades, objetivos y concreciones, de manera sintética pero, a la vez, signi icativa: CEFOCINE es una organización con personalidad jurídica reconocida por el Ministerio de Educación. En su propuesta, integra la comunicación y la educación en una nueva práctica que busca aprovechar “en forma crítica y creativa el gusto y la fascinación que despiertan los medios masivos y las tecnologías de información”. Su trabajo consiste sobre todo en “gestar procesos educativos donde niños, niñas, adolescentes y jóvenes se reconozcan como 76 La educomunicación en Ecuador sujetos capaces de crear, participar y gestionar sus propios procesos de aprendizaje”. Su misión es “partir del otro… para generar procesos educativos y pedagógicos en niños, niñas, adolescentes y jóvenes y adultos”. Inicialmente, fundamentó su trabajo con los siguientes objetivos: Sensibilizar al niño frente a la imagen. Desmiti icar los medios a través de la alfabetización cinematográ ica. Difundir conocimientos esenciales sobre comunicación y lenguaje audiovisual a padres de familia y a docentes, entre otros. Para 1990, a iliado al Plan DENI, se plantea los siguientes objetivos: Diferenciar los contenidos de las imágenes en movimiento. Ejercitar la conciencia crítica en la lectura de las imágenes. Eliminar el misterio del cine mediante la elaboración de juegos cinéticos y ópticos (arqueología del cine). Posibilitar la participación del niño en la creación de sus propias imágenes en relatos, cuentos, historias, etc. Según CEFOCINE, los resultados que se han alcanzado con los niños los siguientes: Las actividades que se desarrollan son generadoras de expectativas, ejercitan el razonamiento, la creatividad y la imaginación. Los niños son notablemente críticos y re lexivos. Los niños inician el análisis de programas de televisión, así como la selección consciente de éstos. En muchos casos, son los niños los que seleccionan los programas y provocan temas de conversación sobre lo que han visto. 77 Alberto Pereira Valarezo Los niños dedican menos tiempo a la televisión y más tiempo al dibujo, a la pintura, a la lectura y al juego. Entre 1992 y 1994, CEFOCINE amplía su cobertura al público en general, a través de cursos de percepción cinematográ ica, y cine-foros, en la ciudad de Guayaquil. Como un logro importante de CEFOCINE, se destaca el proyecto “Pandillas: Una apuesta por la esperanza”, (…) cuyo objetivo era el de convertir a las pandillas en un grupo juvenil constructor de su propia vida y capaz de generar procesos de participación social. Inicialmente estaba previsto trabajar con población comprendida entre los 14 y 21 años; sin embargo comprendimos una propuesta de este tipo debería incorporar además a población infantil y adulta, especí icamente madreas de familia. La convocatoria resultó exitosa, pues 120 jóvenes, 80 niños y niñas, 40 madres, participaron en este proceso, el mismo que le permitió a la organización diversi icar sus acciones. (CARRIEL, 2001, p. 11). Entre los resultados alcanzados se anotan los siguientes: Los participantes se revalorizaron como personas, lo que permitió desarrollar su autoestima, el respeto hacia el otro y hacia el medio ambiente. Los jóvenes de pandillas diseñaron planes para fortalecer su identidad y ser relacionados como sujetos protagónicos y encontrar actividades alternativas a la violencia. Los participantes formularon y generaron proyectos de servicios y productivos, lo que les abre perspectivas nuevas y los alienta a continuar en el proceso e integrar a otras personas. Se ha logrado desarrollar en ellos un claro compromiso social con otros jóvenes y con la humanidad en general. Se están modi icando las formas tradicionales de organización. Existe un ambiente participativo para la toma de decisiones y los acuerdos consensuados. 78 La educomunicación en Ecuador Los grupos reconocieron la importancia de la labor comunitaria y los adultos valorizaron a los jóvenes, al darse cuenta de que éstos también desarrollaban labores de desarrollo comunitario. Las madres conformaron un grupo e incrementaron sus ingresos mediante actividades productivas. Los resultados alcanzados permitieron extender este proyecto a otros barrios, consolidar las acciones e incorporar un mayor número de actividades productivas. Esta segunda fase, según lo plani icado, debió culminar a mediados del 2001. Actualmente, mantiene las siguientes unidades: Proyectos (Pichincha, Santa Elena, Guayas, Manabí, Santo de los Domingo de los Tsáchilas, con diferentes auspicios en el período 2010-2011), Gestión de Comunicación, Producción Audiovisual. Maestría en docencia, con mención en educomunicación de la Universidad Politécnica Salesiana (UPS) De lo que conocemos, hasta el momento, ha sido el posgrado en educomunicación más exitoso de Ecuador, tanto por su cobertura como por los resultados, dada su incidencia investigativa y compromiso socioeducativo en diferentes ámbitos de su accionar y objetivos cumplidos; aspectos testimoniados, entre otros, por las tesis de grado, proyectos emprendidos e inserción social de sus profesionales. Este programa de cuarto nivel buscaba formar profesionales en los campos de interrelación pedagógica entre educación y comunicación, y de pensar la educación y la pedagogía desde una perspectiva comunicacional. Buscaba, además, convertirse en un proyecto social, político y cultural que reivindicara los valores de la justicia, la solidaridad, la democracia. Desde las diferentes asignaturas y prácticas, se procuraba comprometer a sus estudiantes para que, además de generar políticas democráticas de comunicación, fundamenten con amplitud su criticidad y ejecuten acciones renovadoras. 79 Alberto Pereira Valarezo Fundamentalmente, su iloso ía de trabajo se basó en el pensamiento de Ismar de Oliveira, cuyos postulados es preciso recordar: La educación para la recepción activa de los mensajes de los medios masivos La educación para la comprensión, evaluación y revisión de los procesos comunicacionales en los cuales las personas y los grupos están inmersos La capacitación para el uso bajo la perspectiva democrática y participativa de los lenguajes, recursos y medios de la comunicación en los espacios educativos La capacitación para el uso democrático y participativo de los recursos de la comunicación por personas o grupos de la sociedad civil. Todo esto con miras a lo siguiente: La promoción de alianzas en torno del trabajo de la educación para la comunicación La movilización social a partir de la recepción organizada La capacitación de un nuevo profesional –el gestor de procesos comunicacionales o educomunicacionales- para incidir en los programas de educación para la comunicación La formación de redes mundiales de proyectos de educación para la comunicación. De los propósitos antes enunciados, ignoramos si este último fue posible cumplirlo; los anteriores, en diferente medida, han tenido signi icación educomunicacional. De esta manera, y como se puede inferir del anuncio de la iloso ía y los propósitos, el per il de los profesionales de la educomunicación debía ser coherente con el per il de salida en el contexto ecuatoriano, cuyos enunciados transcribimos a continuación: Un profesional… 80 La educomunicación en Ecuador Con base su iciente de cultura y con una visión ilosó ica que le permita comprender los procesos de comunicación y educación en los que se halla inmerso Con conocimiento de las teorías, sistemas, lenguajes, técnicas y medios de comunicación individuales y sociales, sus implicaciones y posibilidades de uso en la docencia y en proyectos de comunicación, cultura y desarrollo Habilitado para la plani icación, desarrollo y evaluación de proyectos educativos de de comunicación. Con capacidad de asesorar a instituciones y organizaciones educativas de comunicación y cultura, en la implementación de programas, planes y proyectos de capacitación en educomunicación. Para ello, entonces, se estableció la siguiente malla curricular: Ciclo ÁREA COMUNICOLOGIA, CIENCIA Y CULTURA ÁREA EDUCACIÓN Y PEDAGOGÍA ÁREA LINGÜÍSTICA Y SEMIOLOGÍA ÁREA EDUCOMUNICACIÓN I Comunicología, Ciencia y Cultura Educación y Pedagogía Lingüística y Semiología Educomunicación II Lenguaje y Cultura Pensamiento Contemporáneo Introducción a la Comunicación Fundamentos de Educomunicación DIPLOMA III Recepción Activa de Mensajes Informática aplicada a la Educación Semiología aplicada a la Educomunicación Anrtopología aplicada a la Comunicación ESPECIALISTA V Desarrollo de la Inteligencia Productos audiovisuales aplicados a la Educación Análisis de Mensajes Diseño de proyectos de grado o tesis MASTER 81 TÍTULO Alberto Pereira Valarezo El programa en cifras: Por ser uno de los primeros programas de posgrado que se implementaban en el país en 1996, hubo una gran expectativa y demanda nacional; sin embargo, una vez que las actividades se comenzaron a desarrollar, en la modalidad semipresencial y en algunos cantones de las diferentes regiones continentales, el fervor fue bajando dadas las exigencias curriculares y, sobre todo, el compromiso social que el postulante debía asumir a lo largo de cuatro semestres, más la tesis para obtener su título. He aquí un resumen en cifras, correspondiente a la sede en Quito, que terminó por absorber a las demás sedes, en términos reales: PROGRAMA Maestría en Docencia con mención en Educomunicación VERSION PRIMERA (1996-2002) SEDE Quito No. de GRUPOS No. 4 242 TOTAL TOTAL EGRESAD. GRADUAD. 122 87 TOTAL RETIRAD. % DE DESERCION 120 49,59% Maestría en Gestión de Educomunicación de la Universidad Central del Ecuador (UCE) Planteó como objetivo general potenciar, en diferentes niveles de formación posgraduada - especialización y maestría-, las capacidades de reflexión, criticidad y la apropiación creativa de los lenguajes y códigos de las nuevas tecnologías y medios de comunicación, a profesionales en Educomunicación, de forma tal de que se conviertan en agentes mediadores en la formación de ciudadanos con pensamiento crítico en el ejercicio pleno de la ciudadanía (documento curricular del posgrado en Gestión de educomunicación de la UCE, p. 10). De entre los seis objetivos especí icos queremos destacar dos, al menos, como referentes signi icativos que, de haberse cumplido, habrían justi icado plenamente el desarrollo de este programa; estos son: “Promover la elaboración de diversas propuestas que desde un carácter 82 La educomunicación en Ecuador pluricultural y diferenciado de los pueblos latinoamericanos y a la luz de las nuevas tendencias tecnológicas mundiales tomen en cuenta el nuevo papel de la Educación-Comunicación para el desarrollo”; y “Vincular el aprendizaje educomunicacional al plan curricular institucional” (documento de la UCE, p. 11, 12). Estimamos que la lectora o lector atento, al constatar la malla curricular del posgrado, bien podrá inferir sus conclusiones respecto del carácter y proyección del programa. El documento curricular lo presenta de siguiente manera: MÓDULOS CRÉDITOS 1 Teorías y Estrategias de Aprendizaje en la Educación formal y no formal 2 La Educomunicación y las Nuevas Tecnologías de Información 3 3 3 Debate actual de la relación Educación-Comunicación 3 4 Las Nuevas Tecnologías de la Información 3 5 Investigación y procesos de Educación-Comunicación 3 6 Procesos de comunicación en la niñez, juventud y otros actores sociales. 7 La Problemática de la Educación y la Comunicación nacional y mundial. 8 Estrategias Metodológicas de Educación para la Comunicación 3 3 9 Participación ciudadana y comunicación 3 3 10 Estrategias de comunicación aplicadas a procesos de participación 11 Taller de Producción Multimedia 3 3 12 Taller de Producción Multimedia (II) 3 13 Procesos de Educomunicación 3 14 Plani icación de Procesos y Proyectos de Educomunicación 3 15 La Evaluación en la Educomunicación 3 16 Tutoría de la Investigación 4 SUBTOTAL 49 TESIS DE GRADO 13 TOTAL 62 83 Alberto Pereira Valarezo Cabe indicar que la administración académica –al igual que la mayoría de posgrados en Ecuador- se realizó de manera semipresencial, en jornadas de ocho horas que se cumplían cada tres semanas, los sábados y domingos, durante los veinticuatro meses en que se desarrolló (2006-2008). De los resultados del posgrado, de manera documentada, nos ha sido di ícil recabar información institucional para establecer su trascendencia; por ello, vamos a incluir información testimonial proporcionada por uno de los ex estudiantes del programa, lo que nos dará una idea, al menos, de cuál es el saldo de este posgrado. Sin entrar en mayores detalles, sabemos que fueron 26 los estudiantes que siguieron la maestría, de los cuales solamente faltarían tres por graduarse. El programa no se ha logrado replicar en ninguna de las otras universidades estatales como estaba previsto en la propuesta (Guaranda, Manta, Ibarra, Ambato, Riobamba). La planta docente se cubrió –en su mayoría- con profesores nacionales y tres internacionales. De los catorce módulos, el informante estima que nueve estuvieron bien y los cinco no respondieron al nivel y expectativas del posgrado. La mayor de iciencia de la cual se lamenta el mencionado ex alumno es el hecho de que no se cumplió con el per il ofrecido, pues hubo una ausencia casi total de re lexión sobre la comunicación, y el trabajo con multimedia fue casi nulo. Los módulos abordaron temáticas socioeducativas, pero carecieron de esa la interdisciplinariedad comunicación-educación ofrecida por el programa. No poseemos información sobre las investigaciones que debieron realizarse para la obtención del título. Un balance de las experiencias Considerado el contexto latinoamericano, estimamos que el balance –en términos generales- sobre las experiencias educomunicacionales de Ecuador resultan muy interesantes e, incluso, pioneras como es el caso concreto del Plan DENI que se inicia en Quito en 1967, y rápidamente se extiende y emula en varios países de nuestro 84 La educomunicación en Ecuador continente con el auspicio del Secretariado Latinoamericano de la O icina Católica Internacional de Cine (SAL/OCIC). No hay duda que, dadas las trayectorias de la Cinemateca y de CEFOCINE, tanto por el tiempo de vigencia como por sus alcances, proyectos, ejecutorias y coberturas, resultan ser lo más signi icativo de lo que hoy estamos llamando educomunicación. De allí que a nadie debe admirar cómo los niños de ayer y jóvenes y adultos de hoy, particularmente en las ciudad de Quito, se hayan interesado e incidido para que el cine tenga un expectante sitial en la oferta cultural y estética, y para que esta actividad haya comenzado a lorecer en producciones y festivales cada vez más signi icativos, a pesar dominio y capacidad económica del cine comercial norteamericano, que se exhibe en modernas y confortables salas de las principales ciudades del país, y también a través de los DVD, generalmente piratas. No es casual tampoco que el Estado haya tenido que atender, inalmente, demandas como la Ley del Cine, y contar con un Ministerio de Cultura que destine fondos para apoyar la producción audiovisual, entre otras realidades concretas. Indicador alentador –desde nuestro punto de vista- es, asimismo, el lorecimiento de la venta del cine pirata, entre cuya oferta se puede encontrar cine arte y alternativo de toda clase y época. Eso habla de un público que demanda y disfruta, también, de alternativas que se alejan del consumo que el mercado y la televisión abierta ofrecen todos los días. La educomunicación, en el ámbito escolar y sistémico –de lo que conocemos-, solamente ha podido concretarse en dos programas de posgrado en la ciudad de Quito. El de la Universidad Politécnica Salesiana (UPS) y el de la Facultad de Filoso ía, Letras y Ciencias de la Educación de la Universidad Central del Ecuador (UCE). La experiencia de la UPS ha resultado altamente positiva, pues fueron cuatro promociones –más o menos una centena de profesionales- que lograron culminar sus estudios, con tesis que, en la mayoría de los casos, han incidido en la comunidad en la cual se ubicó su objeto de estudio. Si bien muchos de los estudiantes de este posgrado eran docentes en diferentes centros de educación 85 Alberto Pereira Valarezo primaria, secundaria y universitaria, también fueron varios los médicos, arquitectos, ingenieros, sociólogos, psicólogos, publicistas, etc. los que lograron involucrarse de manera comprometida en la investigación educomunicacional de nuestro país. Inclusive en los casos de estudiantes que no lograron titularse o que asistieron a uno o dos semestres – especialmente mujeres de provincias- tuvieron un crecimiento social y personal digno de una educomunicación liberadora. De la experiencia de la Facultad de Filoso ía, Letras y Ciencias de la Educación de la UCE, no hay mucho que rescatar ciertamente; pero con iamos que nuevas propuestas logren, en el futuro inmediato, propósitos que coadyuven a mejorar la educación en el Ecuador. Proyecciones Considerada la experiencia de más de cuarenta años de la educomunicación en Ecuador, en los principales ámbitos y programas descritos en nuestra ponencia, estimamos que es la hora de ir pensando en políticas, programas y proyectos que recojan los aportes más signi icativos que potencien, concreten y proyecten una realidad educomunicacional que trascienda nacional e internacionalmente, mediante los preciosos recursos tecnológicos a los cuales podemos acceder ya con bastante facilidad. Es tiempo, entonces, que las universidades a través de las facultades de comunicación y educación comiencen a sistematizar sus experiencias, atender las demandas de la ciudadanía, y a encontrar espacios de diálogo que permitan diagnosticar, debatir y, sobre todo, ir contando con mecanismos académico-institucionales que den pasos irmes que posibiliten desarrollar una propuesta educomunicacional que, de veras, incida en las políticas de Estado, que se recojan e implementen a través de los Ministerios de Educación y de Cultura. Los esfuerzos aislados de las instituciones a las que hemos aludido en la presente ponencia, estimamos que, en gran medida, han cumplido con su cometido, en diferentes proposiciones y contextos, y deben ser 86 La educomunicación en Ecuador valorados y aprehendidos en sus metodologías, procesos y demás; mas, ello no es su iciente. Por eso es hora de una gran convocatoria nacional, de la cual debería hacerse cargo la Universidad Central del Ecuador a través de la Facultad de Comunicación Social, como prioridad institucional estratégica, dada su vinculación con la Red AMLAT, de la cual forman parte ocho universidades latinoamericanas de cuatro países del continente, interesadas en la educomunicación, como es el caso concreto de la Universidad Simón Rodríguez de Caracas, con la cual ya existen acercamientos con la UCE para asumir un posgrado binacional. Efectivamente, de esas iniciales conversaciones entre las dos Universidades, se estima que cinco deberían ser los ejes curriculares que fundamenten la propuesta curricular de una maestría: 1) Subjetividad y memoria, 2) Comunicación, cultura y Arte; 3) Semiolingüística; 4) Nuevas tecnologías y educación; y 5) Epistemología y metodologías. Otro hecho académico que avala la competencia educomunicacional de la FACSO es el haber considerado en su nuevo rediseño curricular (2008) del pregrado, Educomunicación, Arte y Cultura, como uno de los tres énfasis de salida de sus profesionales en Comunicación Social, además de Periodismo y Comunicación Organizacional. Es hora también de pensar en alianzas nacionales entre universidades e instituciones que tengan interés en emprender programas y proyectos educomunicaconales que coadyuven y bene icien el desarrollo y crecimiento de los ecuatorianos. Por ejemplo, resultaría muy interesante que pudiésemos tender puentes entre universidades como la Andina Simón Bolívar (UASB), la FLACSO – que atienden la demanda de posgrados solamente-, la Universidad Politécnica Salesiana (UPS), Universidades estatales de Guayaquil, de Cuenca, de Loja, al menos; pero también la Cinemateca Nacional, CEFOCINE, CIESPAL, para empezar una primera cruzada que impulse un gran proyecto ecuatoriano, en donde podamos visualizar la educomunicación como un encuentro feliz y productivo. 87 Alberto Pereira Valarezo Referencias CARRIEL, Rafael. Una experiencia de comunicación y Educación Ecuatoriana. En RAMOS, Pablo. Tres décadas de educomunicación en América Latina - Los caminos desde el Plan DENI, (CD-Rom), Organización Católica Latinoamericana y Caribeña (OCLACC). Quito, Ecuador: CEFOCINE, 2001. PEREIRA, Alberto. Semiolingüística y educomunicación. Ensayos, ponencias y biobibliogra ía. Quito: FEDUCOM, Ediciones cientí icas Agustín Álvarez Cía. Ltda., 2002. RAMOS, Pablo. Tres décadas de educomunicación en América Latina. Los caminos desde el Plan DENI. Organización Católica Latinoamericana y Caribeña (OCLACC), Quito, 2001. 1 CD-ROM. IVÁN, Rodrigo; CUCURELLA, Leonela (Orgs). Comunicación en el tercer milenio. Nuevos escenarios y tendencias. Quito: Abya-Yala: 2001. UNIVERSIDAD CENTRAL DEL ECUADOR. Maestría en Gestión de Educación-Comunicación. Documento institucional aprobado por el Consejo Universitario de la Universidad Central del Ecuador. Quito: UCE, 2005. CORTINA, Adela; MARTÍN BARBERO, Jesús; ALFARO, Rosa María. Comunicación, ciudadanía y valores: re-inventando conceptos y estrategias. Quito: OCLACC - UTPL, 2008. 88 Andragogía y educación popular: un diálogo inminente Julio C. Valdez A manera de presentación La Andragogía, educación entre adultos, es una propuesta al quehacer educativo contemporáneo, especialmente en América Latina. Propone alternativas de enfoque y método tanto al mundo educativo universitario como a los procesos formativos de los llamados movimientos sociales. La propuesta andragógica puede refrescar la universidad actual; sacudir un poco su estrati icación piramidal, su sistema de promoción individualista y competitiva; su forma fragmentaria de conocer; su esquema evaluativo, que da excesiva discrecionalidad al cuerpo docente. Apuntamos a una visión crítica de esa institución que logra mayor éxito en la medida que los estudiantes se desarraigan de sus contextos vitales y respiran una lógica de instrucciones y de obediencia irrestricta a la autoridad, y que muchas veces tiende a asumir esquemas de empresa privada, desde la búsqueda del máximo bene icio y el amor al lucro. Pero la Andragogía también puede aportar elementos relevantes a procesos formativos en escenarios sociales emergentes, vinculados con la organización y movilización popular. Hablamos de una educación que se genera en problemáticas concretas, y abunda en recursos formativos 89 Julio C. Valdez que usualmente no son registrados y, mucho menos, sistematizados. Además, los programas formativos especí icos emanados de instituciones o iciales, tales como ministerios y universidades, usualmente responden más a las racionalidades institucionales que a los requerimientos de las organizaciones comunitarias. En el presente trabajo referiremos en qué consiste la propuesta andragógica y qué aporta a la educación formal y comunitaria de hoy. Al ser un enfoque orientado a la educación entre adultos, de iniremos cómo concibe la Andragogía a la persona adulta y cómo caracteriza sus procesos de aprendizaje. Entendido que el mundo de la educación es tan complejo -lo que hace necesario el diálogo entre y corrientes y propuestas-, asumimos la necesidad de abrir un diálogo fructífero entre enfoques con otras propuestas, con el propósito de que se enriquezcan mutuamente, sin que ninguna de ellas pierda su espacio cognitivo propio. En este sentido, escogemos la educación popular, tradicionalmente vinculada con la educación fuera del sistema educativo formal. ¿Qué es la Andragogía? La palabra Andragogía que surge en Europa en 1833, empleada por Alexander Kapp, se recrea como disciplina en los Estados Unidos a inicios de los setenta del siglo pasado, en los planteamientos de Malcolm Knowless. Llega a América Latina en esa misma década, a través de Félix Adam, quien le imprime interesantes aportes. Mediante programas de postgrado, jornadas de investigación y diversas publicaciones, durante los años ochenta del siglo XX, la Andragogía logra expandirse por universidades y espacios comunitarios en buena parte del mundo. La Andragogía nos señala algunos planteamientos fundamentales: 1) Por haber diferencias fundamentales entre los modos de aprender de los niños y los adultos, las estrategias han de ser diferenciadas. El adulto aprende valorando y analizando experiencias propias 90 Andragogía y educación popular 2) 3) y ajenas, construyendo sus proyectos de vida, y enfocando los problemas que surgen del desempeño de sus roles sociales. Por ser el adulto un ser autodirigido y responsable de su propio proceso de aprendizaje, la educación debe ser necesariamente personalizada. Debe partir de los intereses personales y las búsquedas vitales. Y, aunque parezca contradictorio, esto sólo se logra cuando esas personas logran conformar comunidades de aprendizaje. En la educación entre adultos, se trata de abrir todos los espacios posibles de aprendizaje. No es el sistema institucional el protagonista, sino cada una de las personas que decide aprender. Independientemente de los roles formales, todos los involucrados en procesos formativos son aprendices permanentes. Este es un punto altamente revolucionario. Aportes de la Andragogía Según Knowless y Adam, la Andragogía es a la vez arte y ciencia (ADAM, 1977). Es estrategia formativa y campo del saber. Desde nuestra óptica, Knowless (1972) enfatiza el papel de la Andragogía como hecho tecnológico, mientras Adam, sin dejar de lado el hacer, aportó elementos relevantes para considerarla como ciencia. Además, la Andragogía ha contribuido a refundar una visión humanista de la educación. Los seres humanos - en ésta- somos multidimensionales, integrales, y requerimos de ambientes y oportunidades para crecer en todos los sentidos posibles. En cuanto a propuestas metodológicas, son innegables los aportes de la Andragogía a la educación entre adultos. Ha incidido en la adopción de prácticas más participativas como, por ejemplo, la dinámica de grupos, el empleo del contrato de aprendizaje, y ha fortalecido el uso del método de proyectos. También podemos decir que la Andragogía lleva en sí una postura transformadora. Supone que, por ser los adultos seres con tendencia a la autonomía, responsables de sí y de la convivencia con otros, con 91 Julio C. Valdez proyectos de vida en marcha, requieren para su formación ambientes lexibles, participativos, integrales. La apertura de estos espacios implica un ablandamiento de las estructuras educativas dominantes, caracterizadas por su rigidez tanto en los ámbitos formales como en los comunitarios. La Andragogía, pues, puede ser una brisa fresca en el endurecido sistema educativo existente. La Andragogía como estrategia y disciplina Desde nuestra perspectiva, la Andragogía constituye, a la vez: 1. 2. Un enfoque, en el sentido de proporcionar cierta óptica para mirar, nombrar y teorizar en torno al hecho educativo, y Una estrategia, en el sentido de presentar conceptos, principios y lineamientos para orientar la vivencia de los adultos en procesos de aprendizaje. Una disciplina -desde nuestra mirada- es una matriz viviente, palpitante, conformada desde el encuentro de diversos autores-actores, con distintos enfoques y aproximaciones convergentes, y también divergentes. Es el reto que señala Pereira (s/f): La Andragogía ha de integrar realidades disímiles entre diversos grupos y actores, en un universo de información que luya entre la identidad y la diferencia, entre la unidad y la pluralidad. Ello la pone frente a la creatividad y la transgresión de lo cotidiano, y a la búsqueda de armonización de los rasgos interdisciplinarios de los participantes. Lo anterior implica que la Andragogía está en proceso permanente de generación y crecimiento; pero también de revisión y de corrección. Su foco de estudio es la formación entre personas adultas, y todo lo que en ello está implicado. Sobre este ámbito nos ofrece un cuerpo sistemático de principios, conceptos y lineamientos estratégicos. La re lexión compartida, al interior de la disciplina andragógica, favorece también el diálogo interdisciplinario, la relación íntima con 92 Andragogía y educación popular otros campos del saber: psicología, historia, antropología y ergología, y también la biología, la sociología y la economía, entre otras (Adam, 1977). Este desarrollo humano, desde la mirada de Félix Adam (1977), está mediado por la educación del adulto en sus dimensiones biológica, histórico-antropológica, social, psicológica y ergológica. La Andragogía es un camino muy importante para abrir espacios educativos que favorezcan el crecimiento de los seres humanos para vivir más plenamente, que se abre al disfrute, a la vez que al trabajo creativo en bene icio de sus semejantes. Mas, si la Andragogía se enfoca en la educación del adulto, conviene delimitar bien qué se entiende como tal. ¿Quién es adulto? Knowless (1972) vincula al adulto con el ejercicio permanente de autoconcepción, en oposición a su realidad vital, lo cual le plantea retos que van direccionando su conducta. Es decir, el ser humano no es algo de inido, acabado, sino alguien que se concibe y se de ine a sí mismo en acciones que se confrontan con la realidad. Por su parte, Félix Adam (1977) también concibe al adulto como un ser en proceso de aprendizaje permanente, para potenciar su desarrollo pleno en diversas direcciones: 1. 2. 3. 4. 5. En los procesos isiológicos y morfológicos. En la comprensión y asunción de un rol histórico-cultural. En la de inición de su rol en lo económico, cívico y político. En lo cognitivo, emocional. En el plano de la acción, y el desarrollo de capacidades para accionar creativamente en el mundo del trabajo. En este movimiento, el adulto de inirá y decidirá conscientemente los pasos que seguirá, mediante la asunción del despliegue de su 93 Julio C. Valdez experiencia, para ser, principalmente, él mismo su propio regulador (ADAM, 1984b). El adulto construye saberes para orientarse en situaciones de incertidumbre. Es persona en proceso de humanización creciente que conlleva un despliegue de creatividad (LUDOJOSKI, 2008). En otras palabras, hablamos de un proceso de autoeducación, mediante el cual elegimos libre y responsablemente qué aprender y cómo hacerlo. De la mano con quienes enfocan la biogra ía humana como un medio de estudiar procesos sociales complejos (FERRAROTTI, 1983; BERTAUX, 1983), miramos al adulto como un ser con historia. Como ser humano, el adulto sintetiza y retraduce el movimiento de la totalidad social. Podría a irmarse temerariamente que la sociedad se expresa por las acciones de las personas, sin restar a estas su autonomía y sus ámbitos de libertad. La historia no trata sólo sobre el pasado y el presente, sino también sobre el futuro, por lo menos como reto, como posibilidad abierta (ZEMELMAN, 2002). Los procesos formativos entre adultos pueden articularse con esas proyecciones al futuro, o pueden modi icarlas. Tratar con el adulto es moverse entre historias comunitarias, locales, nacionales, regionales y mundiales, e historias personales de vida entrelazadas, que conforman tramas desde lo cotidiano. Desde estos enfoques de investigación, asumimos que los adultos, en tanto humanos, son seres en relación que construyen colectivamente sus espacios sociales. Con iguran la realidad desde sus actos de habla cotidianos (TAYLOR; BOGDAN, 1990), y se articulan bajo un sistema compartido de signi icados (RUSQUE, 1999). Ello les obliga a favorecer y maximizar las posibilidades de diálogo, acuerdos y negociaciones. En este sentido, los adultos son sujetos y autores (SANTOS FILHO, 1995). La Andragogía, por lo tanto, enfoca la constitución de relaciones de intercambio, reciprocidad y horizontalidad entre los seres humanos. No obstante, la formación que se da en la relación, en la conjunción de un sujeto colectivo, no menoscaba sino que enaltece el desarrollo personal. Desde las corrientes humanistas y existencialistas, podemos ver que el adulto tiende a la autonomía y al desarrollo de la conciencia del 94 Andragogía y educación popular nosotros, desde su modo de vida especí ico. Los sistemas educativos deben favorecer estas tendencias. Hablamos de experiencia, y ello equivale a proyecto (ADAM, 1977), como vía para comprender y superar una realidad mediante un conjunto sistemático de acciones compartidas. Esto implica que tanto los ines que se persiguen como las reglas de juego han de ser generadas y eventualmente modi icadas colectivamente. Expresado de otro modo, más que determinar que las personas desarrollen ciertas y determinadas competencias, se trata de propiciar ambientes para abordar visiones integrales de situaciones especí icas, alimentar los modos efectivos de razonamiento, y permitir la libre escogencia de las opciones que los adultos determinen, personal y colectivamente. Desde otro enfoque, el adulto es una persona socialmente productiva (se integra o busca integrarse al mundo del trabajo) y activamente recreativa. Sus procesos formativos han de tener en cuenta este sentido ergológico, mucho más allá de meros procesos de capacitación y adiestramiento, en búsqueda de la autorrealización y un sentido de existencia pleno, desde su medio laboral. Por otra parte, en el marco de la educación permanente, se propicia el disfrute como derecho y como modo de favorecer el desarrollo integral de las personas (ADAM, 1977). Un intento de síntesis En síntesis, los adultos, desde la Andragogía, son seres: 1. 2. Activos en el sentido pleno de la palabra; pero se trata de una actividad generada desde las relaciones mutuas. Los adultos actúan con autonomía en sus procesos de interpretar el mundo, en el reconocimiento, modulación y hasta control de sus emociones, y en la elección responsable de sus modos y ámbitos de acción. Con tendencia a la integración de grupos y alianzas sociales con la familia, comunidades, grupos de amigos, y aún con la sociedad 95 Julio C. Valdez 3. 4. 5. total (humanidad), como ente suprahumano. Ello implica el favorecimiento de la integración -no la reducción- de distintos niveles de conciencia: personal, grupal, comunitario, nacional, regional y mundial. En procesos evolutivos que despliegan todas sus dimensiones humanas: ísica, biológica, sociológica, cultural, social, ambiental, antropológica, histórica y económica. Que transforman permanentemente las realidades de las cuales son parte indisoluble. En este sentido, la sociedad es una trama multidimensional, contingente, resultante y condicionante de la diaria relación entre personas. Estas relaciones pueden ser de armonía y consenso; pero también de tensiones, desacuerdos y con lictos. De aquí la concepción de una necesaria tensión persona-sociedad, en la que se interpenetran permanentemente. Que constituyen síntesis sociales, que se reapropian y retraducen lo social, y son a la vez sujetos activos en su conservación o su transformación. ¿Cómo se mira el aprendizaje desde la Andragogía? La Andragogía, sin constituir aún una teoría del aprendizaje, cuenta con un conjunto sistemático de elementos relevantes. Estos pueden resumirse en dos ejes profundamente imbricados entre sí: un proceso de pleno desarrollo personal en un proceso mayor de creación de comunidades de aprendizaje. Como proceso de desarrollo personal, el aprendizaje tiene su centro en la experiencia. Esta se asume como acciones conscientes, proyectadas intencionalmente desde los intereses particulares hacia metas de crecimiento personal y desempeño social (ADAM, 1977). Las experiencias se van concatenando, y, mediante un análisis crítico permanente, se cargan de sentido, resigni icando el curso de los procesos vitales (ADAM; ÁLVAREZ, 1987). Así, cada quien es responsable de sus acciones, y de los efectos de éstas en los demás. 96 Andragogía y educación popular Hablamos de autodirección y autorregulación (PEREIRA GONZÁLEZ, 2005). Por lo tanto, el aprendizaje andragógico aporta conceptos, principios y ambientes adecuados para propiciar el autoconocimiento, la autodirección y el autocontrol (KNOWLES en ALCALÁ, 1998), mediante el planeamiento y desarrollo de actividades que estén de acuerdo con sus formas de sentir y de pensar (Knowless, 1972). La Andragogía, por tanto, no suprime ni minimiza la elaboración teórica, ni las re lexiones ilosó icas, sino que las internaliza en la corriente de la vida cotidiana y de la construcción de proyectos vitales. El conocimiento no sólo guarda consistencia interna, o pertinencia cientí ica, sino que es evaluado según sus aportes en la construcción de sentido desde lo cotidiano. Luego, la teoría, desde los procesos andragógicos, necesariamente tenderá a integrar diversas disciplinas (carácter inter y transdisciplinario). Así, la educación es el camino privilegiado para viabilizar el crecimiento pleno del ser humano, que ha de vivir siendo iel a sí mismo, en tanto realiza proyectos que incluyen a otros. El adulto, en el enfoque andragógico, es sujeto de su propia vida, y ello incluye los contenidos y los modos de aprendizaje (ADAM, 1977). Esto quiebra la tradicional relación docente/discente, y convierte la experiencia educativa en una permanente relación entre pares. Quien por razones institucionales tenga a su cargo un rol de educador, deberá desempeñarse como un mediador, como un creador de ambientes que favorezcan el crecimiento de las personas en lo cognoscitivo, psicológico, emocional y axiológico (GUTIÉRREZ; ROMÁN, 2005). En este sentido, se produce un cambio de polo magnético en el mundo educativo: no son los educandos los que han de adaptarse a las instituciones educativas, sino éstas las han de girar en torno a los intereses y necesidades de las personas. No obstante, la autonomía y la autorregulación, lejos de conducir a una propuesta de corte individualista, favorece el aprendizaje compartido, la construcción de comunidades de aprendizaje, cuyo tamaño debe favorecer la tendencia a buscar consensos. Podríamos intentar caracterizar el aprendizaje andragógico así: 97 Julio C. Valdez 1. 2. 3. 4. Las acciones interpersonales de formación no sólo propician en las personas movilizaciones y reorganizaciones internas (esquemas de pensamiento, patrones afectivos, procesos valorativos), sino también tienen incidencia directa en el entorno, e inevitablemente tienden a transformarlo. De aquí que los procesos de formación, aún en una forma que pueda parecer muy privada, no pueden ser individuales y excluyentes, sino que pasa ser un asunto social, compartido con otros. Los procesos de aprendizaje, en la Andragogía, son parte de los procesos de vida de las personas. Ello implica que han de partir de las necesidades e intereses vitales de los adultos, y han de tomar en cuenta los espacios, lugares, momentos y estilos, así como las diferencias personales y culturales, en la perspectiva de crear medios y condiciones para vivir esa vida con mayor plenitud. Lo anterior lleva a dar la mayor relevancia posible a la experiencia humana. La experiencia, como acción presente y pertinente, implica un reinterpretar, un reapropiarse de lo vivido. En síntesis, las pautas y las estrategias de formación han de corresponderse con la apertura permanente a la vida, en toda su complejidad e incertidumbre. La Andragogía tiene como uno de sus conceptos cardinales el autoaprendizaje. El ser humano adulto, en relación con los otros, es capaz de plantearse tanto sus objetivos de aprendizaje como los medios más convenientes para desarrollarlos. El autoaprendizaje implica el principio de autorregulación del ser humano, en el sentido de que éste es capaz de asumir sus responsabilidades hacia los demás, y para sí mismo, según sus propios valores y convicciones, por encima de las directrices y los condicionantes de estructuras externas. Los principios de libertad, respeto, autonomía y solidaridad, no son sólo ines de la formación andragógica, sino presencias vivas durante todo el proceso. Ellos estarán en el proceso de construcción colectiva de un ambiente de 98 Andragogía y educación popular 5. 6. 7. libertad, responsabilidad, democracia, afectividad positiva y transparencia, donde los grupos de adultos conciban sus propósitos y sus modos de desarrollar procesos compartidos y personales de aprendizaje. El ejercicio constante de la argumentación, la resolución de problemas, la toma de decisiones, los proyectos personales y compartidos, son modos especí icos del proceso andragógico. La experiencia andragógica requiere de la creación colectiva de un ambiente con dos cualidades fundamentales: una que permita la construcción compartida de normas claras y explícitas, donde cada cual se sienta bien y tenga claridad de las reglas de juego en que transcurrirá la experiencia de aprendizaje; otra cualidad es que se permita la libre expresión de afectos e ideas, en una re lexión permanente en torno a las historias personales y colectivas, con el in de favorecer la autonomía y la autoconciencia, de cara a la búsqueda del crecimiento humano en todos los sentidos posibles. La Andragogía favorece el conocimiento profundo de sí mismo, de las propias fortalezas, debilidades y potencialidades (autoconcepto) Desde esa exploración se va construyendo el proyecto de vida. Sólo es efectivo un proceso de construcción de aprendizajes, en la medida que las personas se conocen bien a sí mismas e intentan conocer a las demás. La Andragogía se centra en el aprendizaje, no en la enseñanza. Más que un proceso de “recorrer” una serie de pautas y unidades curriculares, la Andragogía tiende a lexibilizar los modos de llevar a cabo un proceso de formación, de generar situaciones que favorezcan al máximo el aprendizaje entre las personas. El sentido que tenga el aprendizaje para las personas es más importante que la acumulación de unidades crédito. Ello implica que la formación ha de ser un proceso permanentemente creativo, signi icativo y vital, y las instituciones educativas tienen que transformarse para que eso sea posible. 99 Julio C. Valdez Andragogía y educación popular Para iniciar el diálogo entre Andragogía y educación popular, conviene partir de una visión sustantiva de la sociedad en que vivimos. La visión predominante de la Andragogía, desde los años setenta del siglo pasado, seguía la de la llamada educación permanente, señalada por la Unesco (LENGRAND, 1973; GOGUELIN, 1973; HESBURG et al., 1975; FAURÉ, 1978). En esta visión, la sociedad se acelera y complejiza de modo creciente. Y la educación ha de ser el canal apropiado de preparación de las personas para absorber ese conocimiento. La sociedad es una especie de macroorganismo que vive para sí y se nutre a sí mismo, con aparente independencia del quehacer cotidiano de los seres humanos. Sólo se concibe un proceso único por el cual han de transitar todas las sociedades, sin importar su ubicación, su historia y sus peculiaridades culturales. Y la educación no tiene otro camino que seguir la pauta exigida por ese gigantesco ente, como un engranaje más del sistema. Según esta visión, los países más desarrollos cientí ica y tecnológicamente marcarán siempre la pauta. Los países de América Latina, por ejemplo, tienen que mimetizarse para hacerse semejantes a esas sociedades con mayor desarrollo. Así, la educación latinoamericana queda anclada a conocimientos generados desde ciertos centros de poder de los países más poderosos. Estos conocimientos que vienen en paquetes cientí ico-tecnológicos, ya diseñados desde esos espacios de poder, no son absorbidos linealmente por nuestras sociedades llamadas subdesarrolladas o periféricas, sino que ameritan que recon iguremos éstas para que tales conocimientos puedan ser aprehendidos. En otras palabras, a nuestras sociedades de menor desarrollo tecnocientí ico, sólo les corresponde transformarse en la medida que respondan a los patrones productivos y organizacionales de las sociedades con mayor nivel de desarrollo cientí ico-tecnológico. De esta forma, nuestra educación corre el riesgo de hacerse cada vez más enajenada y dependiente. Y, aún hoy, se escuchan a través de 100 Andragogía y educación popular los grandes medios de difusión los mensajes que señalan la necesidad de supeditar la actividad educativa principalmente a los procesos de globalización (como la conciben las naciones de mayor poder de industrialización). Sin embargo, hoy día podemos vislumbrar corrientes de pensamiento crítico sobre la con iguración de las sociedades contemporáneas. El proceso de globalización es una imposición de un modelo social, económico y cultural, impregnado de los patrones fundantes de la civilización occidental y el capitalismo galopante, por parte de las altas esferas del poder de Estados Unidos y Europa (FALS BORDA, 2007). Penetra en nuestras sociedades “periféricas” bajo la complicidad de gobernantes y agentes económicos locales, que asumen estas pautas de colonización a cambio de provechos particulares. Hay un juego de apariencias y trampas donde se predica la libre competencia entre todos, el mercado como regulador de la vida social; pero se oculta que sólo los países con mayor desarrollo pueden llevarla a cabo con mayores posibilidades de éxito. Se trata, en in, de un pensamiento único y de una política única (BORÓN, 2006). La visión crítica latinoamericana percibe que, bajo la aparente imposición mundial de la globalización, su modelo fundante ha empezado a hacer aguas (RAUBER, 2006). El crecimiento vibrante de los circuitos de pobreza, de inequidad -de lacerante exclusión- genera por doquier procesos de insatisfacción creciente y de decepción en los capitalismos llamados democráticos en América Latina (BORÓN, 2006). Además, esta situación apunta a la generación y articulación de luchas y procesos libertarios, como por ejemplo los foros sociales. Desde estos escenarios en despliegue creciente, conviene repensar la educación. Esta puede rediseñarse a partir de una agenda de justicia social que revierta la situación de explotación de los trabajadores. La educación popular, por ejemplo, intenta la construcción de una sociedad profundamente democrática, en la que todos los hombres y las mujeres participen directamente en la orientación de los cambios sociales y en la toma de decisiones. Esa búsqueda ha de conducir al logro compartido del 101 Julio C. Valdez máximo grado posible de desarrollo humano, y así puedan contribuir, en condiciones de igualdad, a la construcción de un mundo mejor, más solidario, más cooperativo, en una mejor y mayor armonía con la Naturaleza (COPPENS; VAN DE VELDE, 2005). Paulo Freire -según Mejía- insiste en mantener la capacidad de lucha contra toda forma de dominación, mediante la construcción, desde la educación, de acciones colectivas que apunten a la crítica de la ideología dominante. Se trata de apostar a la educación para la construcción de la sociedad en clave de liberación, construyendo nuevos escenarios signados por nuevas formas compartidas de poder. Marco Raúl Mejía se hace eco de las palabras de Freire, quien señala que la educación es una creación histórica que lleva, en sí, decisión, voluntad política, movilización, organización de cada grupo cultural con miras a ines comunes, que exige, por lo tanto, cierta práctica educativa coherente con esos objetivos. Que requiere de una nueva ética fundada en el respeto a los diferentes (MEJÍA, 1999). En este sentido, la educación popular es una propuesta alterna a la explotación económica, a la discriminación social, a la dependencia cultural y a la dominación política. Ha de ayudar a las personas en la identi icación y análisis de las causas y consecuencias estructurales e históricas de los fenómenos sociales, a partir de sus manifestaciones concretas. En otras palabras, mientras persistan desigualdades, la educación popular seguirá siendo necesaria, pues ella no termina con la liberación de los sectores oprimidos, sino que debe alcanzar también la liberación de los sectores opresores, que apuntan más generalmente a la superación de toda estructura injusta de sumisión-dominación, en sus manifestaciones sociales, económicas, culturales y políticas. (COPPENS; VAN DE VELDE, 2005). Lo anterior pasa por un trabajo intenso de transmutación de la conciencia personal y social, desde la percepción espontánea hasta la conciencia crítica. Ello habla de un compromiso histórico, desde el cual los seres humanos asumiremos el papel de sujetos en el proceso permanente de hacer y rehacer el mundo (FREIRE, 1979). 102 Andragogía y educación popular La educación popular es fuente de profundos debates, de estudio crítico, que la replantean permanente, y pre igura interesantes perspectivas. Por ejemplo, Alfonso Torres (2007) señala las siguientes: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. La educación popular ha de continuar y a inar la lectura crítica de la realidad, incorporando aportes de otros enfoques, disciplinas y quehaceres. Debe fortalecer no sólo su capacidad crítica, sino también la posibilidad de generar utopías cargadas de esperanza. Ha de retomar su papel en la generación de propuestas y esquemas teóricos en torno al hecho pedagógico mismo. La educación popular tiene como reto vincularse a los movimientos sociales y otros actores sociales, en la construcción de espacios cada vez más democráticos. Debe continuar haciéndose sentir en el mundo de la educación formal, con potencialidad transformadora. Ha de reactivar los espacios y procesos de formación de educadores populares comprometidos, militantes. Requiere contribuir en la lucha contra toda forma de discriminación, debido al género, a la proveniencia étnica, y cualesquiera otras. Debe incidir en las propuestas democráticas que fortalezcan un movimiento ciudadano, que incida en las políticas públicas y en la construcción del poder local. Incidir en las iniciativas de alfabetización y de educación de adultos en general. La Andragogía y la educación popular Desde los planteamientos anteriores, intentaremos algunas incorporaciones a la Andragogía. Una vez descrito el proyecto de la educación popular en el continente -y aún más allá-, nos abriremos a los aportes de la disciplina andragógica. 103 Julio C. Valdez Conviene señalar con énfasis que no se trata de fusionar ambas disciplinas en una sola cosa. Cada una de ellas tiene su propio espacio; lo que nos proponemos en las siguientes líneas es integrar dimensiones especí icas de las dos. La educación alternativa, popular, si bien se orienta a la liberación progresiva de los seres humanos y a la lucha contra la dominación, tiene que centrarse siempre en el desarrollo pleno de las personas en lo biológico, social, cultural, ambiental, antropológico, histórico y económico. No son orientaciones opuestas, sino absolutamente complementarias. En la medida que favorecemos nuestro pleno desarrollo tenemos necesariamente que incidir creativamente en las condiciones socioambientales que pudieran oprimirnos, y viceversa. Esto abarca no sólo el entorno inmediato, sino la sociedad como un conjunto mayor. Y, como síntesis sociales que somos, la lucha cotidiana por el desarrollo pleno/ liberación abrirá in initas lecturas para que otros se reapropien y retraduzcan sus propias realidades. Lo anterior implica también repensar la relación personasociedad. Es decir, no se trata de ijar la mirada sólo en uno de esos factores, sino en ambos a la vez, desde un enfoque más integral. La Andragogía, con la educación popular, abre la posibilidad de que practiquemos un conocimiento cada vez más profundo y completo de nosotros mismos, incluidas nuestras debilidades y fortalezas. Mas, ese “nosotros mismos” no es una habitación cerrada, una dimensión aparte, sino una síntesis, una integración especí ica de la sociedad total. Así, al entrar a lo más profundo del sí mismo, seguiremos encontrando también lo que nos rodea, y mirándonos los unos en los otros. Por ende, cada uno de nosotros, supuestos individuos, y la sociedad como un todo, constituimos una trama multidimensional más amplia y activa. Consecuentemente, desde la integración Andragogía/ educación popular, las acciones formativas contemplan una síntesis dinámica entre los procesos personales y los procesos colectivos. El orientar 104 Andragogía y educación popular nuestros proyectos de vida hacia procesos sociales de liberación y transformación social, hacia la creación de espacios compartidos de dignidad, justicia y equidad, va de la mano con procesos de autoobservación, de estudio de nuestras reorganizaciones internas, de reconocimiento, modulación y hasta control -que no represión- de nuestras emociones y la revisión permanente de nuestros esquemas de valoración. Así, el proceso de generación de aprendizajes, desde la Andragogía/ educación popular, es un ejercicio de libertad y autonomía, en el sentido pleno de las palabras. Mas, esa libertad autonómica no conduce al a ianzamiento de intereses y bene icios egocéntricos, particularizados, sino que se orienta a favorecer el crecimiento multidimensional de todas las personas posibles. Por tanto, hemos de vivir nuestras responsabilidades hacia los demás y hacia nosotros mismos, según nuestros propios valores y convicciones, por encima de las directrices y los condicionantes de estructuras externas. Nos referimos a la posibilidad de orientar nuestras acciones de aprendizaje, en una trama reticular en la que nos conectamos con todos los seres humanos posibles; a crear espacios de crecimiento, desarrollo, libertad, justicia y equidad. Hablamos de desarrollar proyectos de formación compartida, con la asunción de un espiral creciente que nos involucre a nosotros mismos, a nuestras familias, a grupos de amigos, a vecinos; a ciudades, a la nación entera y aún a la humanidad. Ello implica el favorecimiento de la integración -no la reducción- de distintos niveles de conciencia: personal, grupal, comunitario, nacional, regional y mundial. Por lo tanto, en la Andragogía/ educación popular, los principios de libertad, respeto, solidaridad, equidad, justicia, no son ines por lograr, sino espacios por construir a lo largo de los procesos de aprendizaje. Para hacer esto posible, se requiere que los seres humanos comprometidos en las experiencias formativas, puedan generar un espacio compartido que integre, al mismo tiempo, la libertad, el respeto mutuo, el disfrute y la expresión plena. 105 Julio C. Valdez Ahora bien, no se trata de un ambiente neutral, aséptico, para pasarla bien, sino un contexto para plantearse retos, para problematizar el mundo y problematizarnos nosotros. La argumentación, el cuestionamiento, el a inar la mirada para percibir cualquier situación de justicia y de opresión, la crítica profunda, son componente para la generación de proyectos personales/ colectivos destinados a transformar / transformándonos. La problematización y la crítica perenne, particularmente las que nos hacemos a nosotros mismos, constituyen modos de abrirnos a todas las lecturas posibles del mundo. No es sólo conocerlo con el empleo de los esquemas y procedimientos heredados de culturas dominantes, sino aprehenderlo desde una síntesis de mediaciones culturales en creación permanente. Así, además del aporte de ideas, conceptos, constructos y esquemas teóricos, hablamos de asumir otros modos de recrear el mundo, como la práctica artística, las metáforas, los saberes ancestrales. Ello implica la máxima apertura posible de nuestros sentidos, de nuestras constelaciones afectivas y de nuestros esquemas de pensamiento, para acceder a una comprensión cada vez más profunda y total del mundo. En síntesis, la Andragogía/ educación popular son concepciones prácticas de educación, que se hacen y se piensan desde la vida y para la vida. Han de ocurrir en nuestros espacios vitales, para abarcar todos nuestros momentos. Han de luir con nuestros intereses y desenvolvimientos vitales, atendiendo estilos y particularidades personales/ culturales. Se trata, en in, de abrir cauces a experiencias de libertad plena, convividas con otros, creando sentidos y propósitos compartidos, con la liberación de posibilidades de expresión y afectos. De este modo, surgen los ambientes apropiados para que los seres humanos generemos nuestras historias de vida, imbricadas profundamente con las de otros, de cara a la búsqueda del crecimiento humano en contextos de libertad, justicia y equidad. 106 Andragogía y educación popular Referencias ADAM, Félix. Andragogía. Ciencia de la Educación de Adultos. UNESR. Publicaciones de la Presidencia. Caracas: Autor, 1977. _____. Universidad y Educación de Adultos. Siete Visiones de la educación de adultos. México: CREFAL, 1984a. _____. La Teoría Sinérgica y el Aprendizaje Adulto. Revista de Andragogía N° 1. INSTIA. Caracas, Venezuela, 1984b. _____. Relación entre facilitador y participante en los procesos de aprendizaje: factores intervinientes. En Andragogía y Docencia Universitaria. Pp. 14-56. Caracas: FIDEA, 1987. ADAM, F.; ALVAREZ, A. Principios básicos de la Acreditación del Aprendizaje por Experiencia. En: Informe sobre el II Seminario Internacional y III Nacional de Acreditación del Aprendizaje por Experiencia. Caracas: Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez, 1987. BERTAUX, D. Los relatos de vida en el análisis social. En: Marinas M y Santamaría C. La Historia Oral: Métodos y Experiencias. Madrid: Edit. Debate, 1983. BORÓN, A. La izquierda Latinoamericana en el Umbral del Siglo XXI. En: En: Movimientos y Poderes de Izquierda en América Latina. Coord. Bernard Duterme. Caracas: Laboratorio Educativo, 2006. COPPENS, F.; VAN DE VELDE, H. Técnicas de Educación Popular. Programa de Especialización en Gestión de Desarrollo Comunitario. CURN / CICAP Estelí, Nicaragua, 2005. SANTOS FILHO, JC. Pesquisa quantitativa versus pesquisa qualitaiva: o desa io paradigmáico. En Santos Filho, JC y S. Sánchez Gamboa (Org.) Pesquisa educacional: quantidade-qualidades. Sao Paulo: Cortez, 1995. 107 Julio C. Valdez FALS BORDA, O. Hacia el Socialismo Raizal y otros escritos. Colombia: Ediciones Desde Abajo, 2007. FAURÉ, E. (Coordinador). 1978. Aprender a Ser. Madrid: Alianza Editorial, FERRAROTTI, F. Sobre la Autonomía del Método Biográ ico. En: Marinas M y Santamaría C. La Historia Oral: Métodos y Experiencias. Madrid: Edit. Debate, 1983. FREIRE, P. CONSCIENTIZAÇÃO. Teoria e Prática da Libertação. Uma Introdução ao Pensamento de Paulo Freire. Sao Paulo: Cortez y Moraes, 1979. GOGUELIN, P. Formación continua de adultos. Madrid: Edit. Narcea, 1973. GUTIÉRREZ, D.; E. ROMÁN. El Modelo de Hecho Educativo Integrativo como expresión de Andragogía. En: Revista venezolana de ciencias sociales. Diciembre año/volumen 9. Número 002, pp. 455-472. Cabimas, Venezuela: Universidad Nacional Experimental Rafael María Baralt, 2005. HESBURG, T.; Miller, P.; C. Wharton. Pautas para la Educación continua o permanente. Buenos Aires: Edit. Troquel, 1975. KNOWLESS, M. Andragogía, no Pedagogía. Temas de educación de Adultos. Año 1. N. 2. Caracas: Centro Regional de Educación de Adultos, 1972. KNOWLES, M.. Andragogía no Pedagogía. (s/f) En Alcalá, A. Propuesta de una deϔinición uniϔicadora de Andragogía. Monogra ías.com, 1998. LENGRAND, P. Introducción a Editorial Teide, 1973. la Educación Permanente. Barcelona: LUDOJOSKI, R. Andragogía o educación del adulto. 2008. Disponível em: <www.ciberdocencia.gob.pe.>. Acesso em: 7 jan. 2011. 108 Andragogía y educación popular MEJÍA, M. R. Paulo Freire reconstruye esperanza. Colombia: CINEP. Fe y Alegría, 1999. PEREIRA GONZÁLEZ, L. M. La Autorregulación como proceso complejo en el aprendizaje del individuo peninsular. En: Polis. Revista Académica Universidad Bolivariana. Santiago de Chile, 2005. PEREIRA, L.M. La Andragogía. Nuevo paradigma educativo. (s/f). Disponível em: <http://www.galeon.com/pcazau/artdid_luz.htm.>. Acesso em: 12 jan. 2011. RAUBER, I. Sujetos Políticos. Rumbos estratégicos y tareas actuales de los movimientos sociales y políticos en América Latina. Colombia: Ediciones Desde Abajo, 2006. RUSQUE, A. M. De la Diversidad a la Unidad en la Investigación Cualitativa. Caracas: Ediciones Faces. Universidad Central de Venezuela, 1999. TAYLOR, S.; R BODGAN. Introducción a los Métodos Cualitativos de investigación. Buenos Aires: Paidós, 1990. TORRES, A. La Educación Popular. Trayectoria y Actualidad. Bogotá: Edit. El Buho, 2007. ZEMELMAN, H. Los Horizontes de la Razón II: Historia y Necesidad de Utopía. México: Anthropos, 2002. Bibliograϐia Consultada ADAM, F. Andragogía y Docencia Universitaria. Caracas, Venezuela. Editorial Andragogic de la Federación Interamericana de Educación de Adultos (FIDEA), 1987. 109 Julio C. Valdez ALCALÁ, A. Propuesta de una deϔinición uniϔicadora de Andragogía. Monogra ías.com, 1998. _____. ¿Es la Andragogía una Ciencia? Monogra ías.com., 1997. FREIRE, Paulo. Pedagogía de la esperanza. México: DF. Siglo veintiuno editores, 1996. 110 ¿Nos vemos como ciudadanos? Trabajo con barrios Belisario Quevedo, zona centro norte de Quito. Ivanova Nieto Nasputh Introducción En el Ecuador, desde el inicio de la llamada Revolución Ciudadana (enero 2007) y la aprobación de la última Constitución (septiembre 2008) se inició, en varios sectores de la sociedad, debates sobre lo qué signi ica ser ciudadano. En 1998, cuando se aprobó la anterior Constitución, se hablaba de un país plurinacional y multiétnico, logro importante para las nacionalidades indígenas, población afro-ecuatoriana y movimientos sociales. Sin embargo, ese reconocimiento fue solo en el “papel”. Los indígenas que constituyen aproximadamente el 30% y la población afro ecuatoriana el 10%, son los grupos más excluidos y vulnerables de la sociedad ecuatoriana. Las reformas a las leyes anteriores, las nuevas aprobadas en la Asamblea o las que están en discusión, son cuestionadas por diversos sectores por seguir favoreciendo a grupos de poder y mantener o reforzar la exclusión. Es decir, a pesar del discurso sobre ciudadanía que permanentemente maneja el gobierno, sectores como: jóvenes, mujeres 111 Ivanova Nieto Nasputh ambientalistas, intelectuales, indígenas de varias etnias y pobladores no se reconocen bajo la concepción de ciudadanía que insiste el gobierno. Dentro de la sociedad civil existen diferentes concepciones y dimensiones de lo que es la ciudadanía. En el mundo andino, la concepción individual de ser ciudadano no existe, no es posible. Se reconoce un indígena dentro de un colectivo, ahí se constituye en sujeto social. Los pueblos y nacionalidades indígenas han luchado por el reconocimiento de una “ciudadanía diferenciada”, como un proceso político por el cual la sociedad pueda reconocer la diferencia radical de los pueblos y naciones indígenas. Los jóvenes de los sectores populares se reconocen como ciudadanos en la medida en que logran el uso de los espacios públicos y posteriormente, cuando se insertan en el mundo laboral. El discurso o icial plantea el ser ciudadano como un término asimilado y homogéneo para todos. Se trata de una teatralidad, de una dramaturgia en donde la ciudadanía plena y diferenciada no se puede ejercer solo puede ser representada (…) Mientras más abstractos son los principios, más fácil es estar de acuerdo con ellos. El ciudadano es, como todo el discurso que le acompaña, algo difuso. (ROBLES, 2010, p. 29) Deϐinición de ciudadanía La ciudadanía se de ine como un conjunto de deberes y derechos en relación a un Estado y se encuentra codi icada en la Constitución Política del Estado. La ciudadanía en el caso ecuatoriano ha atravesado una serie de procesos que van desde la exclusión, como aquellas Constituciones del siglo XIX que exigían rentas, ser propietario de tierras, o ser católico para ser ciudadano, hasta las que exigían la mayoría de edad y el requisito de saber leer y escribir. 112 ¿Nos vemos como ciudadanos? desde una perspectiva analítica más amplia, el concepto de ciudadanía hace referencia a una práctica con lictiva vinculada al poder, que re leja las luchas acerca de quiénes podrán decir qué, al de inir cuáles son los problemas comunes y cómo serán abordados. (VAN GUSTEREN apud JELIN, 1993, p. 25). En 1998 en virtud de las demandas del movimiento indígena y de los sectores populares y progresistas se conforma la Asamblea Constituyente, se elabora una nueva Constitución y la ciudadanía se adscribe directamente a la nacionalidad como único requisito universal, además de la incorporación de los derechos colectivos. Los pluralistas culturales creen que los derechos de ciudadanía no dan respuesta a las necesidades especí icas de los grupos minoritarios. Estos grupos solo pueden ser integrados a la cultura común si adoptamos lo que Iris Marion Youn llama una concepción de “ciudadanía diferenciada (KYMLICKA, 1997, p. 27). El problema empieza cuando el gobierno central aborda temas estratégicos sin escuchar a los sectores sociales y ataca a esa misma ciudadanía que esperaba cambios importantes como el respecto a los derechos ciudadanos. En ese escenario los actores sociales de diferentes lados plantean la reflexión sobre el significado de ciudadanía en la construcción de una nueva sociedad. Así surgen las interrogantes: ¿Qué es ser ciudadano? ¿Somos ciudadanos? ¿Me siento ciudadano? Decidimos investigar en la parroquia Belisario Quevedo, ubicado en el centro-norte de Quito. Este sector agrupa a una población diversa. Está compuesto en su mayoría por personas de clase media y popular. Profesionales que laboran en el sector público, empleados de 113 Ivanova Nieto Nasputh empresas privadas, artesanos, amas de casa y estudiantes primarios, secundarios y universitarios. Además incluye a la población indígena que se encuentra en la parte occidental de la parroquia, denominada La Comuna. La parroquia Belisario Quevedo cuenta con una directiva elegida por los representantes de los cinco barrios que la conforman. Dentro de su Plan de Trabajo se encuentra el establecimiento de convenios con diferentes instituciones y organizaciones para el desarrollo de proyectos comunitarios. Con el apoyo de la Universidad Central del Ecuador han desarrollado los proyectos: Huertos familiares, reciclaje de basura y prevención de riesgos. En estos proyectos participan los pobladores de casi todos los barrios que integran Belisario Quedo. Sin embargo, no se ha convocado a los indígenas de La Comuna, pese a que están ubicados en la parte más vulnerable (zona de deslaves) y no cuentan con infraestructura básica. De acuerdo a información proporcionada por uno de los dirigentes, “El Municipio Metropolitano no atiende a la Comuna porque su pobladores no pagan impuestos”, es decir, se mantiene la idea de que ser ciudadano es sinónimo de contribuyente. Esta situación excluye de todo servicio a los pobladores de La Comuna y afecta a las personas que viven en los barrios aledaños, en la parte baja de la parroquia. Se deja de lado los derechos ciudadanos y humanos; y se rea irma la exclusión étnica y de clase social. En ese contexto, la parroquia Belisario Quevedo permite el desarrollo de la investigación, sus pobladores admiten ser ciudadanos porque cumplen con todos los requisitos que plantea la constitución, sienten que el manejo de la ciudadanía por parte del gobierno esconde un tema de clase. El estado trabaja la individualidad, mira a las personas de forma aislada, por fuera de la historia sin re lexionar desde lo colectivo. En una sociedad dividida por clases es imposible constituirse como ciudadanos iguales. Existen ciudadanos de primera, de segunda y tercera categoría. Se consultó qué es ser ciudadano y si se considera ciudadano. 114 ¿Nos vemos como ciudadanos? ¿Que es ser ciudadano? En el 46% respondió que ser ciudadano es colaborar y ayudar al resto El 24% cumplir con las leyes, deberes y derechos El 8% dice pertenecer a una nación El 7% vivir en unidad con la comunidad El 4% tener 18 años El 4% participar en los procesos del país El 4% ser responsable y respetuoso con los demás El 2% tener identidad El 1% es un mecanismo de sometimiento (leyes) ¿Se considera usted ciudadano? Sobre si se consideran ciudadanos el 88% dijo que sí, El 9% no respondió, El 2% no sabe y El 1% no sabe CONCLUSIONES Si bien los encuestados conocían lo que plantea la Constitución sobre Ciudadanía tenían una idea confusa muy vaga sobre sí mismo al ser ciudadano. A pesar que están de acuerdo con muchas acciones gubernamentales sienten que la participación ciudadana que estos últimos años ha servido para legitimar las decisiones tomadas por un pequeño grupo de ciudadanos, propietarios de los medios de producción nacionales, al mando del ciudadano presidente. El ciudadano es algo abstracto, sujeto de derechos abstractos que no se expresan en acciones concretas. Sienten que se ha intentado invisibilizar sus características, particulares de aquello que le de ine y/o le diferencia de los demás, se omite lo cultural. 115 Ivanova Nieto Nasputh El hecho de saberse y sentirse ciudadano de una comunidad, puede motivar a los individuos a trabajar por ella, sin embargo su “desilusión” va creciendo con la desatención, la exclusión, y sobre todo, cuando la historia que se ha cuestionado tanto, se repite. Grupos de poder se siguen fortaleciendo, manejan los recursos naturales: agua, minería. Se favorece los intereses de las transnacionales sin importar la afectación para las comunidades, pueblos ancestrales y medio ambiente. La ciudadanía es un concepto complejo que abarca diversos aspectos. Marshall mani iesta que la ciudadanía signi ica adquirir un conjunto de derechos y obligaciones en su relación con la comunidad, y, al mismo tiempo, es un concepto dinámico, con lictivo y en permanente proceso de cambio. La concepción histórica de la ciudadanía como forma de dominación y las reivindicaciones emprendidas, en parte alcanzadas actualmente por la importante movilización y el alto grado de organización de los indios, al decir de Guerrero: “modi ican sustancialmente esta arquitectura de una ciudadanía esencializada, poscolonial y neocolonial” (GUERRERO, 1997, p. 121). Referencias GUERRERO, Andrés. Poblaciones Indígenas, ciudadanía y representación, en Rev. Nueva Sociedad, No. 150, julio-agosto, 1997. JELIN, Elizabeth. ¿Cómo construir ciudadanía? Una visión desde abajo. Amsterdam: Cedla, 1993. KYMLICKA, Will. El retorno de la ciudadanía, una revisión de la producción reciente en teoría de la ciudadanía. Ottawa: University of Ottawa, 1997. ROBLES, Federico. Ciudadanía. Revista R, abril 2010. Bibliogra ia Consultada BERMUDEZ, José Manuel. Ciudadanía e inmigración. Revista Digital Scripta Nova, Barcelona: Universidad de Barcelona, agosto 2011. 116 ¿Nos vemos como ciudadanos? ECUADOR. Constitución de la República del Ecuador. Quito: Asamblea Constituyente, 2008. ILAQUICHE, Liete Raúl. Ciudadanía y Pueblos Indígenas. Revista ICCI RIMAY, enero 2001. UNDA, Mario. Cartilla de Análisis de Coyuntura. Quito: Centro de Investigaciones Ciudad, 2010. _____. Cartilla: Cada Cuál atiende a su juego, aproximaciones a la dinámica de la participación, n. 196, Quito: Centro de Investigaciones Ciudad, 2007. 117 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa Nísia Martins do Rosário A temática do III Seminário da Rede Amlat, Metodologias Transformadoras, é um forte estimulo à re lexão, tendo em vista, sobretudo, duas ordens de argumentos. A primeira se relaciona à necessidade de investigar e debater, no âmbito das ciências humanas e sociais, as apreciações, os validamentos, os usos das práticas metodológicas. A segunda diz respeito à dinamicidade, às processualidades e às atualizações que atravessam as práticas metodológicas e que precisam ser examinadas à luz do conhecimento especulativo e racional, próprio da ciência. Contudo, a busca por algum nível de abstração acerca dessa temática encaminha para um conjunto de questões orientadoras que envolvem, igualmente, a pragmática. A primeira delas é: o que se pode considerar efetivamente metodologias transformadoras? Abordar e debater esse tópico requer uma passagem pelo conceito de metodologia, bem como uma sistematização da noção de transformadoras, sobretudo na perspectiva da Rede Amlat. A segunda questão diz respeito às experiências vividas na relação com a ciência e que são capazes de despertar re lexões sobre metodologia na inter-relação com o 119 Nísia Martins do Rosário pensamento de outros autores. Nessas vias se con iguram a construção desse texto. Outras inquietações, porém, tornam-se relevantes e, ao que parece, também atravessam a mente daqueles que estão comprometidos com essa re lexão. Como uma metodologia transformadora pode transformar a pesquisa? A metodologia transformadora pressupõe investigadores transformadores e como são esses pesquisadores transformadores? Como pensar a metodologia transformadora a partir do método e a partir dos procedimentos e das técnicas? Como as pesquisas e as metodologias têm sido transformadoras no âmbito da academia? Em que as metodologias transformadoras podem contribuir com o campo da ciência e com os sujeitos relacionados a ele? Para alívio ou decepção do leitor, não há a pretensão de, nesse texto, trazer respostas a todos esses questionamentos; o anseio é identi icá-los como acionadores e motivadores de raciocínios, ponderações, constatações e especulações sobre as metodologias transformadoras e as (trans)formações nas pesquisas. É importante lembrar, contudo, que esse artigo expressa o ponto de vista de uma das participantes da Rede Amlat e que não é, portanto, o ponto de vista de um coletivo. Talvez seja mais prudente chamar esse texto de ensaio. Paradigmas e rupturas: (trans)formações na pesquisa Há muitas entradas possíveis para a abordagem do conceito de metodologia e talvez seja necessário percorrer muitos desses acessos para compor o conjunto de elementos basais capazes de articular trilhas que conduzam à concepção de metodologias transformadoras. Na ciência, a metodologia é entendida, basicamente, pela forma do caminho percorrido para encontrar soluções a uma problemática e, nessa via, está em conexão com todo processo investigativo e suas etapas. É dispensável argumentar que metodologia pressupõe articulações com problematização, objeto de pesquisa, objetivos, fundamentação teórica. 120 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa Interessa, aqui, trilhar pela via que conecta o termo metodologia ao mundo da ciência e ao mundo da vida, con igurando relações de atualizações no que diz respeito às perspectivas dominantes. Assim, não se propõe recuperações históricas da ciência, mas um conjunto de ponderações a partir do que se poderia chamar de ciências contemporâneas ou pós-modernas (SANTOS, 1989). Nesse percurso, muitas rupturas, sem dúvida, serão percebidas em relação às ciências modernas, entretanto é preciso deixar claro que o debate não tem por objetivo a proscrição de conceitos e noções, mas a atenção para suas transformações. A proposta é desterritorializar e reterritorializar a própria ciência pela via da re lexão metodológica. Nessa perspectiva, é importante lembrar que as distinções entre o conhecimento ilosó ico e o conhecimento cientí ico, na era moderna, foram propulsoras da abertura de um caminho da ciência universal para as ciências particulares. Nessa primeira (trans)formação constituíram-se métodos que provem do empirismo e do racionalismo, seguindo linhas diversas e buscando a consolidação de uma ciência mais avançada. Ao mesmo tempo, foram se solidi icando paradigmas como o da exclusividade da razão, a representação do objeto, a verdade absoluta, a rigidez do método e a separação entre sujeito e objeto. Esse último, uma forma de validar o saber como verdadeiro na abstenção do sujeito pesquisador. Stengers (2002) adverte, a esse respeito, que a ciência moderna, ao tentar separar o sujeito e o objeto inventando um método aceitável para a produção de conhecimentos, eclipsa a capacidade criativa. Já Santos (1989, p.78) observa que a “ciência torna-se re lexiva sempre que a relação “normal” sujeito-objeto é suspensa e em seu lugar, o sujeito epistêmico analisa a relação consigo próprio, enquanto sujeito empírico”. As re lexões, os tensionamentos e os posicionamentos sobre a ciência nas últimas décadas buscam superar essa epistemologia a partir de outras perspectivas e algumas rupturas. Assim, ocorre o que poderíamos chamar de uma segunda (trans)formação. Os deslocamentos de olhares permitem que a verdade seja compreendida 121 Nísia Martins do Rosário na sua relatividade: “é certo que deixa de ter sentido a busca da verdade absoluta (...). O conhecimento é sempre falível, a verdade é sempre aproximada e provisória” (SANTOS, 1989, p. 72). Na mesma via, as teorias passam a ser entendidas como tendências, mais do que como leis; o método, sobretudo, como “fazer o caminho enquanto se caminha” como diz Morin (2003); as ciências reconhecem as variáveis como incontroláveis, além da dinamicidade dos objetos/fenômenos; a representação do objeto é abolida em seu determinismo, o qual o isola das diversas conexões que o engendram, ignorando as processualidades; o sujeito pesquisador está envolvido, inevitavelmente, com seu contexto histórico e social. Sobre esse último, Marre (1991, p. 4) diz que ele é “aquele que para fazer progredir a ciência, renuncia às grandes iloso ias do devir histórico, para se instalar na descontinuidade, na ruptura, no corte epistemológico a ser operado”. Essas premissas já são su icientes para desterritorializar muitos dos conceitos caros à ciência moderna, trazendo à tona às complexidades e multiplicidades que atravessam as pesquisas. A ciência, nessa perspectiva, se faz numa rede complexa que envolve multidisciplinaridade, intersubjetividade, processualidades, dinamicidade, relatividades, elementos incontroláveis. Contudo, cabe questionar se os pesquisadores da atualidade estão atentos e disponíveis para aceitar o debate e o compartilhamento sobre as linhas de tensionamento e de distensão que estão se processando nas ciências num continuum. O que é certo é que, em algum momento, elas vão nos atravessar, nos tangenciar, ou nos abalroar. O tensionamento que se torna relevante a partir disso diz respeito, por um lado, a que não há unanimidade acerca dessas novas visões sobre a ciência – até mesmo por que elas são múltiplas – e isso pode ser um ótimo indicativo, gerador de debates, de trocas, de percursos outros e de abertura de trilhas. Aceitar problematizar novas perspectivas da ciência e da metodologia, sob pontos de vista inusitados ou reterritorializados, é, sem dúvida, positivo para o avanço da ciência, contudo não se pode considerar positivas as rupturas, as novidades e as multiplicidades 122 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa se esses elementos não estiverem comprometidos com a causa do conhecimento, sobretudo, o conhecimento partilhado e solidário. O que se denominou aqui como (trans)formação – e não como transformação – tem um motivo especial de ser: pelo que se pode acompanhar na história da ciência, é impossível avaliar de antemão se as mudanças que a cruzam estão a favor dela e do conhecimento solidário. Se o progresso, a evolução do conhecimento, o aprimoramento das técnicas, das formas de tratamento e de entendimento de fatos e fenômenos são metas da ciência, não se pode a irmar, com certeza, que elas estejam imunes a formatações, mesmo que decorrentes de processos de transformações. Se, por um lado, é possível aceitar que nem todos os argumentos teórico-metodológicos que têm sido desenvolvidos buscam construir ‘A cartilha’ da ciência, por outro lado, toda vez que há enformação no lugar das transformações, as rupturas são pertinentes, as desterritorializações imperativas, as inovações parecem muito bem vindas e a reavaliação dos paradigmas, necessária. Bourdieu (1994) ajuda a examinar aspectos epistemológicos ao desenvolver um enfoque do campo cientí ico relacionado ao poder e aos con litos políticos. Os tensionamentos que se instauram nesse território envolvem posições adquiridas, visibilidade, legitimações de idéias e arranjos, competências cientí icas, capital simbólico, entre outros aspectos acionadores de um modo próprio de entender e de fazer ciência. Esses não estão necessariamente relacionados aos princípios fundadores do conhecimento, da verdade e da metodologia, mas sim a espaços de lutas políticas que incluem a dominação cientí ica e a articulação do lugar do pesquisador nesse ambiente, constituindo os valores, as regras e as tradições do campo. É nesse ponto que se delineiam formatações e enformações. Assim, a idéia de ciência neutra, para o autor, é icção. Tal ponto de vista remete ao entendimento de que a re lexão sobre metodologias transformadoras está inevitavelmente atravessada e é impactada por estratégias políticas que já existem, procuram se consolidar ou estão consolidadas no campo. O próprio Bourdieu (1994) cita três tipos de estratégias visíveis nos tensionamentos do campo: 123 Nísia Martins do Rosário as de compactuação, as de sucessão e as de subversão. Nessa última estaria um percurso para romper com a ordem hegemônica, contudo, só se realizaria por meio do mesmo jogo jogado pelos dominantes no campo. Para o autor, somente uma ordem cientí ica herética poderia causar uma verdadeira ruptura com a ordem estabelecida1, uma vez que não aceita “entrar no ciclo das forças de reconhecimento que assegura a transmissão regularizada da autoridade cientí ica (...) eles realizam a acumulação inicial através de um golpe de força” (BOURDIEU, 1994, p.168). Perspectiva que parece um tanto radical, mas que, sobretudo, indica caminhos para um posicionamento em relação à ciência e ao uso do método. Mais que isso, expõe os desenhos que tem con igurado a ciência. Assim, esse ponto de vista de Bourdieu pode nos ajudar a pensar processos cientí icos e metodológicos transformadores. Para Santos (1989) há, atualmente, dois tipos de crise da ciência: do crescimento que se relaciona com a disciplina e com a insatisfação com métodos e/ou conceitos; e a crise da degenerescência – correspondente à ciência e aos paradigmas. Nessa via, o conceito mais tradicional e hegemônico de epistemologia precisa ser relativizado, pela inserção de perspectivas que entendam a amplitude do campo do conhecimento para além das ciências formais. Santos reconhece as contribuições vindas do senso comum que o conectam a uma vocação solidarista e transclassista, ou seja, abarca sentidos de resistência. Talvez esteja aí um modo de colocar em prática a estratégia de subversão, apontada por Bourdieu. É Santos (1989, p. 41), contudo, que fala de uma ruptura mais complexa: “uma vez feita a ruptura epistemológica com o senso comum, o ato epistemológico mais importante é a ruptura com a ruptura epistemológica”. Para o autor a dupla ruptura epistemológica leva a concluir que: todo conhecimento é em si prática social; uma sociedade complexa implica várias formas de conhecimento; a verdade de cada forma de conhecimento reside na adequação das práticas que visa 1 E como exemplo o autor traz a trajetória de Einstein e de Copérnico. 124 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa construir; a crítica de uma forma de conhecimento leva a crítica da prática social que pretende adequar. É por essa via que a epistemologia pode operar sobre uma desconstrução do seu próprio conceito, conectando-se com outros conhecimentos e gerando mudanças no modo de fazer e de gerar conhecimento na própria ciência. Assim, a crise da ciência moderna envolve, além da ruptura de paradigmas, a re lexão epistemológica e o raciocínio sobre novas trilhas, olhares e processos. Ciência, método e metodologia passam a conectar-se com criação, invenção, partilhamentos e tensionamentos. Compreender a ciência por essa via não é “fundá-la dogmaticamente em qualquer dos princípios absoluto ou a priori que a iloso ia da ciência nos tem fornecido, (....). Ao contrário, trata-se de compreendê-la enquanto prática social de conhecimento, uma tarefa que se vai cumprindo em diálogo com o mundo (...)”(SANTOS, 1989, p. 13). Se, para Bourdieu (1994, p. 144), o campo da ciência está atravessado por relações de poder, nessa conjuntura, tornar o método cientí ico aceito e reconhecido, consolidando-o como lei social imanente, demanda esforços no sentido de inscrevê-lo “nos mecanismos sociais que regulam o funcionamento do campo.” E é nesse sentido que Feyerabend (2007, p. 32) pergunta se realmente devemos crer que “regras ingênuas e simplórias que os metodólogos tomam como guia são capazes de explicar tal labirinto de interações.” Já Santos (1989) observa a contradição que se instaura, já que as ciências têm se ixado sobre o questionamento acerca da rigidez do método e de seu engessamento, mas, por outro lado, essa obsessão nunca se manifestou com tanta evidência nos trabalhos de pesquisa. Dessa maneira, o próprio conceito de método precisa ser tensionado à luz de sua etimologia. Para Morin (2003, p.25) o essencial parece ser “aceitar caminhar sem caminho, fazer o caminho ao caminhar”. Ora, isso muda drasticamente as práticas de pesquisa, exigindo do investigador uma postura de explorador, de descobridor, de sujeito que, mesmo sem se desvincular do rigor cientí ico, deixa evidente os caminhos desordenados do processo de pesquisa. Contudo, 125 Nísia Martins do Rosário enfatizando a observação de Santos, o que se percebe como preocupação dominante em muitos investigadores é a aquisição de um modelo metodológico pronto antes de começar o caminho, bem como a intenção bastante reduzida de desviar-se da rota se necessário. Esse processo é o de cruzar o trajeto só atentando ao que já está previsto, esquecendo-se de observar o próprio percurso e as especi icidades do objeto, ou seja, as processualidades e as transversalidades. O imobilismo é uma das características que impedem que muitos pesquisadores aceitem a desestabilização de suas certezas. Bourdieu (1994) encontra motivação para isso no consenso e na legitimação da ciência que se organiza a partir do estatuto do campo sobre as condições de poder, “as práticas cientí icas estão orientadas para a aquisição de autoridade cientí ica” (p.124). Nessa via, acontece o desprezo pela atividade crítica, fundamental para a compreensão e prática cientí ica. Um olhar habituado e controlado impede que outras perspectivas sejam integradas às processualidades metodológicas e, por sua vez, di iculta o agenciamento de transformações na pesquisa, no objeto e no próprio pesquisador. Quando se trata de metodologia transformadora, não há como evitar o papel do pesquisador que opera sobre o trans, a atitude crítica, a ética e a consciência de suas ações cientí icas. Nessa perspectiva, começa a se constituir um sujeito que empenha seu tempo muito mais na busca do conhecimento do que do reconhecimento; que esteja comprometido com os interesses do entorno social, com as demandas cidadãs e educacionais e que, tanto quanto possível, se descomprometa com as normas e teores apenas burocráticos. A esse per il de investigador podem ser alinhadas as colocações de Lopes (2003) de que as questões metodológicas são fundamentais, uma vez que re letem as considerações da ciência acerca dela mesma. Por outras palavras, fazer ciência é re letir sobre epistemologias e metodologias e suas processualidades o que, por sua vez, afeta o próprio sentido de ciência. Se na ciência contemporânea o pluralismo metodológico começa a se desenhar, traz consigo as dificuldades e sinuosidades do 126 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa modo de fazer pesquisa. “Essa consciência da complexidade traduziuse na idéia de que, se não há um caminho real para aceder à verdade, todos devem ser tentados na medida do possível” (SANTOS, 1989, p. 74). A metodologia, hoje, exige a reflexão ocupando um espaço que antes era domínio exclusivo do modelo e da objetividade – termos que passaram a ser compreendidos de uma forma bastante peculiar. Morin (2003, p.19) também caminha pela via da reflexividade, entretanto de um modo mais provocador, propondo uma dimensão nova que abarque a dúvida da dúvida. “Enfim, aceitar a confusão pode tornar-se um modo de resistir à simplificação mutiladora. É certo que nos falta o método de partida; mas, pelo menos podemos dispor do antimétodo, onde a ignorância, a incerteza e a confusão se tornam virtudes.” Para esse autor, o mais importante é reaprender a aprender, o que implica em repensar o próprio método e requer reorganização do sistema mental. O trajeto histórico da ciência permite delinear várias mutações teórico-metodológicas que foram propostas e/ou incorporadas ao longo do tempo. Do que se pode avaliar, muitas delas serviram para fazer avançar a própria ciência e outras tantas foram engessadoras desse processo. O que aparece como relevante nesse momento é a abordagem e o debate sobre o próprio método, descortinando aqueles elementos que costumeiramente eram ocultados. Por outras palavras, parece produtivo deixar visível todas as conexões, articulações, costuras e engendramentos necessários para a construção do percurso de pesquisa; ao mesmo tempo, encontrar uma dimensão de solidariedade, de partilhamento, de conectividade e de multiplicidades. É sempre bom lembrar que o desenvolvimento da ciência dá pouco lugar à admissão da desordem, mesmo que ela impere. Contudo, é inevitável confrontar-se com ela. Para Bourdieu (1994) é sempre possível compartilhar da idéia de um mundo que se constitui na desordem, na turbulência, na instabilidade e que, portanto, precisa reterritorializar seu conceito de organização permitindo o vínculo com o desvio, a improbabilidade e a dissipação de energia. 127 Nísia Martins do Rosário Trilhas para a metodologia transformadora Tudo que já foi dito até aqui encaminha a um panorama sobre as linhas que podem compor a tecitura de uma metodologia transformadora. Todavia, talvez, a matéria prima dessa trama esteja na origem do termo ‘transformador’. Trans implica em movimento para além de, através de; posição para além de; posição ou movimento através, e formatione, em ato, efeito ou modo de formar. Portanto, transformação é ato, o efeito, o movimento de formar(-se) e equivale a dizer que esse agenciamento é realizado tanto em relação ao outro (sujeito ou objeto) quanto em relação a si mesmo. Nessa via, a etimologia encaminha para dar nova forma, feição ou caráter a algo, abstrato ou concreto, pessoal ou não. No seu desdobramento está tornar(-se) diferente do que era; mudar(-se), alterar(-se), modi icar(-se), trans igurar(-se), metamorfosear(-se). A primeira premissa que se poderia levantar é a de que a metodologia é o resultado de uma processualidade da ciência que vem se alterando ao longo do tempo e con igurando um continuum que está sempre em movimento, independentemente da vontade de seus usuários e criadores. Desse ponto de vista, não há, pelo menos em longo prazo, como a metodologia não se transformar e transformar a ciência, por que ainda que ela se engesse em modelos, em regramentos e se formate em interesses especí icos, seu luxo e seu deslocamento são inevitáveis. Assim, a espinha dorsal da metodologia transformadora parece estar no movimento, que pode implicar na mudança ou não, mas que, contudo, não pode prescindir de luxos. Relevante pensar que entre os antônimos do termo movimento estão os termos tranqüilidade, placidez e quietação. Isso signi icaria dizer que uma metodologia transformadora afasta o pesquisador da calmaria, mas de uma ordem especial de calmaria, qual seja: aquela que evita o olhar atento e crítico para dentro da própria ciência e para dentro do próprio ‘umbigo’ cientí ico do investigador. 128 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa Contudo, é relevante considerar que as mudanças na forma de ver, de perceber, de pensar, de posicionar-se teórico-metodologicamente e com autonomia não são fáceis no contexto cientí ico. Passar de uma estrutura dada a outra ainda provoca arrepios, é como caminhar em uma corda bamba muitos metros acima do chão. Uma das funções da metodologia transformadora seria, justamente, a de provocar o movimento, o deslocamento, a inquietação e, quem sabe até, certa agitação. Nesse processo, surgiria um pesquisador modi icado em relação ao seu estado original – o que não quer dizer que ele não possa coincidir com seu estado original. A metodologia transformadora permitiria ao investigador alcançar um estado outro, diferente de sua condição primeira, sobretudo por que lhe confere o luxo, lhe impõe a inquietação e, nesse sentido, lhe infunde o compromisso ético e político com a ciência. Nessas demandas estão envolvidos, portanto, processos de ampliação de conhecimento, esforço de conversa com novas teorias e propostas, busca de interdisciplinaridade, entre outros. Tudo isso para criar condições desejáveis e sustentáveis para o desenvolvimento de metodologias compatíveis com o tempo presente, com as múltiplas facetas do objeto/ sujeito, mas, sobretudo, com as necessidades de investigação dentro do campo que, de alguma forma, retornem para o social. Talvez – e aqui entendo que faço uma a irmação ousada –, da mesma forma que o sentido do termo transformação se compõe no universo Zen, ser um metodólogo transformador seja o destino de poucos, reservado àqueles que sabem se aventurar, que são capazes de desfazer-se de suas crenças, descrenças, dúvidas, razão e mergulhar na existência pura para, então, emergir renovado. A essa altura pode-se perguntar: a inal de contas o que essa metodologia transformadora quer transformar? Com certeza, sua aspiração não é a de mudar paradigmas cientí icos – apenas convertendo-os em outros –, tampouco almeja a ligir teorias e métodos vigentes. O que a vivência e a experiência na Rede Amlat permite perceber – e aqui vai outro depoimento particular – é a relevância 129 Nísia Martins do Rosário de colocar em movimento os sujeitos pesquisadores, provocando deslocamentos e inquietações no trabalho da investigação e relações de intensidade com a pesquisa, mas, igualmente, movimentando novos luxos que causem impacto nos sujeitos pesquisados, nos grupos sociais, na sociedade como um todo, potencializando novos comportamentos, novos posicionamentos e novas trilhas teórico-metodológicas. A inal, de acordo com Santos (1989, p.48), “só existe ciência enquanto crítica da realidade a partir da realidade que existe e com vista à sua transformação em uma outra realidade.” (SANTOS, 1989, p. 48). Inspirações para as metodologias transformadoras Para além do que se expos até aqui, nos seus respectivos modos de pensar a ciência, ainda outros autores podem trazer contribuições para compor eixos de articulação sobre as metodologias transformadoras. Isso se dá nesse texto num exercício de re lexão que leva a interconexões de idéias, pontos de vistas e potencialidades que podem colaborar para pensar o movimento na ciência e na metodologia. Contudo não há uma proposta de engendramentos e de aprofundamento de todas essas perspectivas, elas são responsáveis, sobretudo, por mais alguns tensionamentos. Acredita-se, entretanto, que por esse caminho se pode avançar nas ponderações acerca dessa temática. Para tanto, as abordagens ocorrem em linhas diversas que poderão ou não compor uma tecitura a partir de idéias-chave como: movimento, multiplicidades, pluralidades, especi icidades do campo, conhecimento epistemológico e metodológico, rupturas com prática hegemônicas, conexão fundante entre ciência e vida. A metodologia transformadora, mais do que alterar teorias e metodologias, parece demandar, em certos casos, uma metamorfose na forma como os sujeitos investigadores se relacionam e se posicionam sobre o campo da ciência, tendo em vista, especialmente, o fato de que os sujeitos são atravessados pelo constantante movimento – mesmo que apresentem caracterísitcas de imobilidade. Assim, compreender a 130 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa relevância do tempo sobre o espaço é uma das maneiras de entender o processo Transformador. Bergson (2006, p.8/9) questiona a maneira como o tempo é tratado pela ciência e pela iloso ia, ou seja, predomina o ponto de vista da espacialização do tempo por in luência até mesmo da língua, “nossa inteligência, que procura por toda parte a ixidez, supõe post factum que o movimento aplicou-se sobre esse espaço”. Para o autor, noutra via, o tempo (qualitativo e, portanto, não cronológico) é mobilidade, vivência, continuidade, ou seja, é a própria mudança e, portanto, duração. Por isso, a duração é luxo, nela haveria “criação perpétua de possibilidade e não apenas realidade” (BERGSON, 2006, p.15). Na via da duração como movimento, Deleuze e Guattari (1995) se destacam como ilosofos das multiplicidades e, por isso, podem auxiliar a construir uma das linhas de tecitura do processo de re lexão sobre o Trans metodológico. Nas décadas de 1960 e 1970 em pleno entusiasmo com o estudo dos signos e da linguagem surge um corrente contragemônica, num movimento desconstrutivista, os chamados pósestruturalista, entre os quais se encontram os autores citados. A proposta é que se rompa com as formas hegemônicas de pensar a signi icação fazendo as representações entrarem em crise, em consequencia, entra em crise a própria forma de pensar a ciência. Em meio aos aspectos relevantes dessas novas idéias está o de reconstruir e descobrir aquilo que não foi dito, que é murmurante e inesgotável, assim como compreender a alteridade ou a construção de signi icados com base na relação com o outro. A teoria das multiplicidades vem auxiliar a mostrar como ultrapassar a distinção entre o consciente e o inconsciente, entre a natureza e a história, o corpo e a alma, en im ultrapassar as binariedades próprias da estrutura das ciências modernas. A multiplicidade estaria mais perto de corresponder à realidade por que não supõe unidade, não entra na totalidade, não remete a um sujeito. Para desenvolver sua re lexão sobre a multiplicidade, Deleuze e Guattari operam sobre conceitos de território e de rizoma (entre outros), o que leva 131 Nísia Martins do Rosário à desconstrução da maneira de acionar o próprio pensamento, de construir o conhecimento. A ciência e os processos de saberes são afetados com isso. Para os autores, estamos acostumados a linhas de articulação ou segmentaridade, estratos e territorialidades que levam a determinada con iguração do pensamento e da análise das coisas. Contudo, é preciso considerar as linhas de fuga, os movimentos de desterritorialização e desestrati icação. Tais linhas vão articulando uma tecitura em sua própria velocidade de escoamento, provocando agenciamentos de diversas ordens, gerando diversidade de luxos. Pensar a ciência e a metodologia em suas multiplicidades, em suas intensidades de luxos, em suas territorializações, desterritorializações e reterritorializações é uma ação de grande relevância para o cientista da atualidade, sobretudo àquele que busca o movimento e a transformação. Nessa via, é preciso admitir que o objeto e o pesquisador, em sua duração, não param de se modi icar, é di ícil, portanto, apreendê-los. O pesquisador, nesse sentido, deve buscar as comunicações transversais (como mais adiante nos colocará Martín Barbero); deve procurar as múltiplas entradas para o objeto; entender, por exemplo, que o pensamento e o objeto se con iguram como dimensões (não unidades) e em direções movediças. Para Deleuze e Guattari (1995) o conhecimento não se constitui num conjunto de princípios primeiros e organizados de forma lógica. O conhecimento se articula sobre diversos pontos, resultantes de diferentes modos de observação e conceituação. O conceito de rizoma vem, justamente, para romper com o modelo, e é capaz de indicar em sua conceituação que a estrutura convencional das disciplinas epistemológicas não re letem a natureza, mas sim as formas de distribuição de poder. Assim, a ciência não tem relação com a apresentação de um modelo que melhor represente a realidade, mas com o questionamento e resistência a esses modelos hierárquicos que são ferramentas pragmáticas e não ontológicas. Santaella (2001) aborda outra perspectiva relevante para colocar o sujeito investigador em movimento, que o incita na direção 132 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa do conhecimento metodológico. É inegável, no Brasil, o crescimento do número de pesquisadores, muito há para ser investigado, descoberto e, sobretudo, conhecido. O saber especí ico da epistemologia e da metodologia, entretanto, não parece estar entre as prioridades das áreas. É nessa perspectiva que a fala de Santaella (2001, p. 134) vem contribuir: “nada favorece mais o surgimento do discípulo ‘copiador’ que a ignorância metodológica.” Eis, segundo a autora, a necessidade de orientadores competentes no acompanhamento da pesquisa e o desenvolvimento da capacidade criativa de escolhas e julgamentos, da ousadia na aplicação de metodologias mistas, integradas, complexas. Lembremos que a autora, ao falar das demandas da pesquisa cientí ica, cita a escuta cuidadosa da alteridade e despojamento do conforto das crenças. Martín Barbero, num viés também voltado aos estudos da comunicação, apresenta uma visão conectada à idéia de trans que propõe uma compreensão mais abrangente da área para efetivamente poder estudá-la. Ele a irma que o campo da comunicação é atravessado por um caráter movediço, deslizante, desterritorializante e reterritorializante e que, por esse motivo, as investigações da área deveriam deslocarse das tradicionais vias de acesso – pela produção, produto e recepção – e render-se aos atravessamentos e transversalidades. Os modelos acadêmicos identi icados por ele são três: o da dependência, o das apropriações e o das invenções. O primeiro visa pesquisar o que está na moda e é reconhecido pelos pares. O segundo visa assimilar conhecimentos, abrindo espaço à questões não previstas em concepções e modelos, busca, portanto, a mestiçagem. Por im, ele a irma que o modo das invenções visa abordar de frente especi icidades da comunicação e cunhar para elas categorias. Para agir sobre esse último percurso é necessário deslocar as fronteiras erigidas por disciplinas, cânones e hierarquias Outro aspecto do trans que nos empurra ao movimento sobre questões epistemológicas que está em Martín Barbero – mas também em outros autores – é a noção distorcida de objeto. Para o autor, construir 133 Nísia Martins do Rosário um objeto não signi ica elegê-lo, precisa ocorrer uma ruptura com o saber imediato para ele se desenvolver, bem como uma descontinuidade com o pensamento cientí ico. Se, por um lado, esse movimento leva à transformação de conceitos e novos tipos de racionalidade, por outro, impõe rupturas epistemológicas, conceituais (teóricas) e operacionais (metodológicas). Numa via igualmente crítica, encontramos Michel de Certeau (1996) que ajuda a tecer uma linha do trans ao apresentar-se como um pesquisador sempre em movimento e em seu espírito anticonformista. Ele, como outros, coloca em dúvida modelos prontos e faz uma crítica exigente da epistemologia. Para Certeau o pesquisador é aquele que se desa ia o tempo todo, está sempre disposto a correr riscos e não se presta a vassalagem. Temos que considerar que essas são características essências àqueles que buscam realizar as rupturas necessárias à ciência apontando para outros modos de ver. O autor defende o trânsito constante entre as teorias, possibilitando formações inter e multidisciplinares. É bom lembrar, porém, que esse aspecto gera deslocamentos das perspectivas tradicionais e necessidade de posicionamentos epistemológicos e metodológicos. Tanto quanto Nietzsche, ele defende que se opere sobre o erro e como Deleuze e Guattari, que se considere as heterogeneidade e multiplicidades. O Trans aparece também em Writhg Mills, porém em uma via um pouco diferenciada, mas que não se desconecta da idéia de ruptura com os paradigmas da ciência moderna. Mills (1975) apresenta uma visão mais voltada ao social e, nesse sentido, o fazer intelectual não é separável da experiência da vida. Esse ponto de vista, sem dúvida, gera uma nova maneira de perceber a ciência, se contrapondo à forma tão ensimesmada que constituía regramentos, dirigia a objetividade e se fechava em campos teóricos restritos. A perspectiva de Mills estimula a que se capture pensamentos marginais deixando a pesquisa ser permeada por insights, fortes sensações, revisões constantes da problemática. Esse processo permitiria a expansão de categorias de raciocínio que levam a descobrir ligações insuspeitas até então, e o que pode ajudar nisso 134 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa é a inversão dos sensos de proporção e a observação das minúcias. A a irmação do autor que mais repercute é a de que o pesquisador deve ser o seu próprio metodólogo, evitando normas de procedimentos rígidos e singularidade de conceitos. Considerações trans Entre os tantos aspectos que se poderia levantar e discutir acerca de metodologias transformadoras, alguns receberam precedência nesse texto, não por uma questão de importância, mas muito mais por ponto de vista e afecção da autora. Nessa via, nas considerações feitas até aqui, ganham relevância o movimento, os luxos, as rupturas, as desterritorializações e as reterritorializações que perpassam as metodologias transformadoras, mas também tem grande valor o comprometimento solidário e partilhador de conhecimentos e saberes. Para colocar em movimento esse processo, contudo, é fundamental o desejo do pesquisador querer ser transformador. E, sobre esse aspecto, numa postura provocadora, um ilósofo em particular parece ser muito estimulante. Nietzsche (2001, p55) nos diz que ao estar em meio a essa “rerum concordia discors [discordante concerto das coisas]” não há como desprezar o desejo de interrogar, “tremer de ânsia e gosto da interrogação”. Esse desejo está conectado a uma inquietação que habita a existência do investigador e está também relacionado às suas potencialidades que, de alguma forma, são intrínsecas e ele, a inal “todos nós temos jardins e plantações ocultas em nós; e, numa outra imagem, somos todos vulcões em crescimento, que terão sua hora de erupção” (NIETZSCHE, 2001, p.61). Nesse processo, torna-se relevante, também, estar em conexão com a possibilidade de erro, mas antes admitir a ruptura com o instinto de rebanho (NIETZSCHE, 2001). Acolher a possibilidade de erro procurando evidências dos nossos juízos acerca dos fatos. Nietzsche (2001, p. 84) entende que o “pensador vê seus atos como tentativas e questões para obter explicação acerca de algo: sucesso e 135 Nísia Martins do Rosário fracasso, para ele, são antes de tudo respostas”. O ilósofo retrata bem o panorama da ciência ao observar que, ao longo do tempo, o intelecto produziu senão erros, sendo que alguns deles até ajudaram a preservar a espécie e, somente muito tempo depois vieram aqueles que negaram e questionaram tais proposições. Por um tempo, essas proposições tornaram-se normas de verdadeiro e falso no interior da ciência e, nessa via, a força do conhecimento não parece estar no grau de verdade, mas na sua antiguidade e incorporação no campo. Outro fator importante para colocar em movimento o processo das metodologias transformadoras parece ser o da imersão do pesquisador no mundo da ciência. Isso signi ica dizer que o conhecimento da epistemologia e da metodologia são fundantes, tanto no que tange às escolhas teóricas quanto aos pontos de vista do investigador. Ao mesmo tempo, ele é um o articulador das escolhas e das práticas metodológicas. Como, a inal, se posicionar e defender seus métodos e postura sem entender profundamente os percursos que o colocam em movimento? Nesse sentido, Lopes (2003, p.99) nos ajuda a re letir o fato de cada pesquisador não ser um metodólogo não deve eximi-lo de um necessário domínio de conhecimentos Metodológicos da pesquisa em sua área de estudo, condição sine qua non para poder realizar uma re lexão ativa e exercer a vigilância sobre as questões metodológicas apresentadas pela realidade de sua investigação. Metodologias transformadoras, nesse ensaio, assumem várias possibilidades de concepção e não é pretensão aqui articular um conceito de tal expressão, mas de apontar e tensionar trilhas que permitam re letir sobre esse tema que é tão caro a Rede Amlat. Também é meta colocar em processo um modo de entender o compromisso do investigador em relação à ciência, ao social e a si mesmo, bem como ao caráter e a qualidade da pesquisa cientí ica. Metodologia transformadora é um caminho para alcançar um ideal de ser pesquisador e de fazer pesquisa. Dessa forma, temáticas transformadoras se constituem quando se propõem, entre tantas outras possibilidades: conceber um 136 Da metodologia transformadora às transformações na pesquisa conhecimento autêntico conectado à ciência e ao social; desvendar estratégias de poder e controle; entender e divulgar as lógicas que regem as processualidades da pesquisa e da ciência; encontrar e valorizar linhas de fuga e desterritorializações que atravessam o campo em vertente que não a das perspectivas hegemônicas; valorizar múltiplas leituras e apropriações; apontar caminhos e construir críticas. Isso implica que as metodologias transformadoras devem ser o re lexo de problematizações críticas, com compromisso social e cidadão, bem como temáticas conectadas a realidades de relevância e interesse coletivo. Não há metodologia transformadora sem um pesquisador em constante atualização e transformação, capaz de assumir um compromisso cidadão da desestabilização de si e da ciência. É claro que uma metodologia transformadora não se faz sem percalços, sem enfrentar resistências, a inal ela desestabiliza o que está dado e legitimado como ciência. Ao mesmo tempo o pesquisador precisa jogar fora o que não lhe serve mais e que, por vezes, deu-lhe a impressão de conduzi-lo durante toda jornada. Numa visão provocadora Nietzsche (2001, p. 77) diz que esse sujeito é aquele que renuncia “joga fora muitas coisas que atrapalhariam seu vôo, e entre elas coisas que lhe são valiosas e queridas: sacri ica-as à sua ânsia de alturas”. Referências BERGSON, Henri. Memória e vida. São Paulo: Martins Fontes, 2006. BOURDIEU, Pierre. O campo cientí ico. In: ORTIZ, Renato. Pierre Bourdieu – sociologia. São Paulo: Ática, 1994. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1996. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs. Rio de Janeiro: Ed 34, 1995. FEYERBAND, Paul. Contra o método. São Paulo: Editora UNESP, 2007. 137 Nísia Martins do Rosário LOPES, M. I. (org.). Epistemologia da Comunicação. São Paulo, Loyola, 2003. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Oϔício de Cartógrafo- travessias latinoamericanas da comunicação e da cultura. São Paulo: Loyola, 2004. MARRE, Jaques. A construção do objeto cientí ico na investigação empírica. Porto Alegre: UFRGS (mimeo), 1991. MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. São Paulo: Zahar, 1975. MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2003. NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. SANTAELLA, Lúcia. Comunicação e Pesquisa. São Paulo: Hacker Editores, 2001. SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989. STENGERS, Isabelle. A invenção das ciências modernas. São Paulo: Ed. 34, 2002. 138 Coletivos culturais e espaço público midiatizado: delineamentos para investigar as conϐigurações dos usos, apropriações e produções de mídias em grupos étnicos Jiani Adriana Bonin Introdução: contornos de um problema-objeto A proposta de pesquisa, cujos contornos1 busco aqui explicitar em termos de desenho do problema-objeto e de aproximação a algumas perspectivas teóricas para sua compreensão, inscreve-se no âmbito das temáticas que têm sido objeto de investigações que realizei nos últimos anos. Nestas pesquisas, as relações entre mídias, identidades e memórias foram concretamente investigadas a partir de sujeitos com de inição identitária marcada pela pertença a grupos de migração histórica e, ultimamente, também contemporânea,2 numa linha de continuidade e de alargamento em termos da maneira de pensá-las e de interrogá-las. 1 2 Falo em delineamentos de contornos da investigação, pois ela está em estágio inicial de con iguração e, portanto, sua problemática ainda carece de maior concretização. Neste sentido, o que trago aqui são os delineamentos iniciais que construí para projetar a pesquisa. Trata-se das pesquisas, por mim coordenadas, Mídia televisiva regional e identidade étnica, realizada entre 2003 e 2005 e Mídia e memórias, 139 Jiani Adriana Bonin Tais investigações tiveram como foco privilegiado o âmbito da recepção, assumido como lugar de entrada fundamental para pensar o processo inteiro de comunicação (MARTÍN BARBERO, 1997) e pensado desde a problemática da midiatização enquanto processo con igurador de dinâmicas socioculturais e de produção de sentido (MATA, 1999, VERÓN, 1997). Essas investigações me possibilitaram abrir vias de compreensão do papel das mídias na constituição das identidades e memórias, reconhecer a complexidade destes processos e sua articulação com outros fatores e dinâmicas socioculturais. No plano empírico essas pesquisas, desenhadas desde o âmbito da recepção, me levaram a investigar tais problemáticas fundamentalmente desde os sujeitos, ponto de encontro, por assim dizer, entre as lógicas midiáticas e aquelas con iguradas em outros lugares do mundo da vida desses sujeitos. E certas constatações empíricas realizadas constituíram elementos de gestação de novas perguntas em torno das temáticas com as quais venho trabalhando. Aí foi se a igurando, desde a realidade concreta com a qual me deparei, um cenário de relações grupais signi icativo na constituição das identidades e memórias dos sujeitos envolvidos e nas formas como opera a ação con iguradora das mídias. Cenário relevante não apenas na apropriação dos referentes que chegam das mídias mas também constituído, de determinados modos, por elas; onde se a iguram, em alguns deles, modalidades de produção midiática na perspectiva dos coletivos fazerem-se representar e publicizar demandas, projetos e interesses.3 Falo aqui de coletivos que 3 palimpsestos midiatizados de memória étnica na recepção, executada entre 2006 e 2010. Ambas foram inanciadas pela Unisinos e pela FAPERGS. Parte dos resultados da primeira pesquisa foi publicado em Bonin (2007) e da segunda em Bonin (2006, 2009a e 2009b). Outras investigações também me permitiram vislumbrar a vigência e potencialidade desses cenários, como a pesquisa da qual participei, vinculada ao projeto Mídia e interculturalidade: estudo das estratégias de midiatização das migrações contemporâneas nos contextos brasileiro e espanhol e suas repercussões na construção midiática da União Européia e do Mercosul, inanciado pelo Programa de Cooperação Acadêmica Brasil-Espanha 140 Coletivos culturais e espaço público midiatizado se constituem a partir de formas associativas e de vínculos grupais tendo como referente a questão identitária4 e que con iguram uma esfera de relações e de práticas geradoras de formas de estar juntos, de pensar-se e de constituir sentidos, de gestação de ações e de projetos comuns (de naturezas diversas). Tal constatação, con luindo com o alargamento no âmbito de problemáticas teóricas com as quais tenho trabalhado5 permitiume vislumbrar outras linhas de interrogação desta realidade; abriu a possibilidade de pensá-la desde a problemática da midiatização, assumindo as mídias como lugares centrais na construção do espaço público contemporâneo para desde aí perguntar sobre seu papel na con iguração desses sujeitos coletivos em termos de suas identidades, práticas, projetos, interesses e demandas. Indagação desse papel tendo em conta que a relação com as mídias pode passar por processos de apropriação e negociação de sentidos (âmbito tradicionalmente pensado como recepção) como também por iniciativas de aceder ao espaço público midiático. Desde aí emergiram as seguintes questões que orientam a proposta da pesquisa que aqui busco explicitar: como, desde estes coletivos, se forjam as relações com as mídias, pensadas como arenas centrais do espaço público contemporâneo? Como as mídias 4 5 (CAPES-MEC) e executado no período 2004 e 2008. Os dados desta pesquisa permitiram constatar a existência de coletivos de migrantes vigentes entre as chamadas migrações contemporâneas como, por exemplo, o Grupo La Redota, constituído por migrantes uruguaios. Os resultados desta pesquisa estão publicados em COGO et al. (2008). Associações de italianos, alemães, argentinos, uruguaios, entre outros. Para dar um exemplo concreto, em levantamento realizado na investigação Mídia e memórias, palimpsestos midiatizados de memória étnica na recepção, por mim coordenada, durante a pesquisa exploratória obtivemos dados que apontam para a existência de cerca de 200 associações de italianos no Rio Grande do Sul. Este alargamento foi dinamizado sobretudo pelo estágio de Pós-Doutorado, inanciado pela CAPES, que realizei junto ao Programa de Estudos sobre Comunicação e Cidadania da Universidade Nacional de Córdoba, orientado à pesquisa das relações entre mídia, memória e cidadania. 141 Jiani Adriana Bonin participam da constituição das identidades, dos projetos, das demandas e das práticas desses coletivos? Que signi icações relativas às mídias e aos modos como constroem esses grupos são constituídas nestes cenários? Que usos e produções midiáticos esses coletivos realizam e que sentidos eles têm para estes grupos? Como negociam a construção das suas representações no espaço público midiático? É possível que esses processos forjem potencialidades de constituição de consciência e ação cidadã? Tais indagações vêm norteando a construção da pesquisa Coletivos culturais e espaço público midiatizado, que tem como objetivo geral investigar os usos, apropriações e produções midiáticas de grupos e associações de migrantes e descendentes de migrantes de migração histórica e contemporânea com vistas a entender o papel das mídias, pensadas como cenário relevante do espaço público contemporâneo, na con iguração das identidades, práticas, projetos e demandas desses grupos. Na seqüência, busco realizar uma primeira aproximação a algumas perspectivas que vislumbro como produtivas para alimentar a problemática em elaboração, relativas à constituição das identidades no contexto contemporâneo, aos usos e apropriações midiáticos, ao sentido que adquire hoje a cidadania e às reconϔigurações do espaço público, em suas vinculações com os processos de midiatização. Tais perspectivas devem ser aprofundadas, repensadas e articuladas a outras durante a realização do projeto. Neste sentido vislumbro, entre outras questões, a necessidade de trabalhar proposições que permitam pensar as especi icidades dos coletivos culturais que busco investigar, relacionados aos processos de migração. Conϐiguração das identidades contemporâneas e relações com a mídia Os sentidos das relações entre mídias, identidades e práticas desses coletivos que almejo investigar não podem ser devidamente compreendidos sem referência a um contexto de transformações 142 Coletivos culturais e espaço público midiatizado constitutivas destas relações e que con luem para a vigência atual da cultura e das identidades, assim como de suas modi icações, como âmbitos de produção de vínculos, de reconhecimento, de práticas e de demandas. Em relação a estes processos, a globalização e as transformações que gera em termos socioeconômicos e culturais é uma chave fundamental de compreensão, assim como o atual estágio de expansão sistêmica das mídias, de sua penetração e capacidade con iguradora em relação a formas de estruturação social, a modos de constituição dos vínculos e sociabilidades, a produção de identidades e subjetividades individuais e coletivas, como as que queremos pensar. Por outro lado, é importante atentar para a problemática dos usos, das apropriações e das produções das mídias e considerar suas relações com outros âmbitos con iguradores do processo. Começo pelas transformações vinculadas ao processo de globalização que estão implicadas, entre outros fenômenos, na fragilização ou descentramento de âmbitos que tradicionalmente constituíam fontes signi icativas de laço e de reconhecimento social. A globalização econômica e inanceira, como bem observa Martín Barbero (2004), potencia a separação entre as lógicas do global e as dinâmicas do local, entre o espaço da economia política e o do mundo da vida. Nesse processo, certas dimensões que dão sentido ao mundo da vida que não se deixam absorver pelo valor, que não contam economicamente, são desquali icadas. Ela também torna cada vez mais vulneráveis as economias nacionais, agudiza desigualdades e precariza o mundo do trabalho (HOPENHAIM, 2005), produzindo, entre outras coisas a retração do vínculo societário entre o trabalhador e a empresa. O trabalho deixa de ser um âmbito chave de comunicação social, de reconhecimento de si, perdendo a capacidade de ser um âmbito central de signi icação pessoal, do sentido da vida. (MARTÍN BARBERO, 2001, 2006; CHERESKY, 2006).6 E esta precarização das condições materiais de vida e do mundo 6 Cheresky (2006) observa que a evolução da economia globalizada altera as condições do trabalho. O trabalhador do século XXI não goza nem do 143 Jiani Adriana Bonin do trabalho também está implicada nos fenômenos de deslocamento contemporâneo, onde se intensi icam as migrações relacionadas à busca de melhores condições de vida. No âmbito da política evidenciam-se também mudanças signi icativas que, grosso modo, conduzem a um descentramento das instituições que ordenavam o sentido social, em paralelo a uma crise de representatividade dos partidos políticos e ao debilitamento das identidades sociais que tradicionalmente encarnavam a con litividade social (CHERESKY, 2006; MATA, 2002; MARTÍN BARBERO, 2006; GARRETON, 2006).7 Convergindo com essas mudanças que precarizam as fontes de vínculo social e de condições de vida, produzem-se alterações na estrutura da temporalidade social, potencializadas pelo funcionamento do mercado que se assenta sobre uma lógica de obsolescência e pela aceleração tecnocultural, com fortes impactos sobre culturas e identidades que se assentam em tempos largos, di icultando o intercâmbio de experiências entre gerações (MARTÍN BARBERO, 2001). O processo de globalização também incide sobre a capacidade do Estado-Nação de ser espaço de integração cultural. Neste cenário, as identidades e particularidades subordinadas historicamente às lógicas de 7 estatuto jurídico de antes nem da proteção da organização sindical. Enfrenta uma precarização da sua carreira laboral e tem menos possibilidades de fazer frente a um capitalismo deslocalizado. Na América Latina, a despeito de variantes, a nova economia tem gerado um assalariado que carece da consistência que teve no passado e que, cada vez menos, é o sustento de sua identidade pública política. Neste contexto, a política estaria sendo incapaz de por em comunicação os mundos da vida (e das identidades, do sentido social) com o mundo da economia (da produção, do mercado). Incapacidade esta que, no dizer de Martín Barbero (2001), se relaciona com uma concepção racionalista que predominou no âmbito da política, baseada na oposição entre vida pública e privada, entre ordem da razão e da tradição, do sentimento e da paixão. A política estaria sem linguagem para mediar entre a racionalidade mercantil e as identidades. O discurso político perde poder de convocatória porque já não logra oferecer códigos interpretativos nem sinais de identidade fortes. 144 Coletivos culturais e espaço público midiatizado integração dos Estados Nacionais ganham peso, ao mesmo tempo em que sua constituição é marcada por tensões entre o global e o local (HALL, 1999; ORTIZ, 1994; MARTÍN BARBERO, 2006; HOPENHAIM, 2005). Essas e outras transformações, ao deslocar estruturas e processos centrais da sociedade moderna, ao incidir em termos de fragilização de âmbitos que tradicionalmente constituíam fontes signi icativas de laço e reconhecimento social e ao multiplicar os referentes com os quais os indivíduos podem se identi icar produzem mudanças em relação ao lugar e sentido das identidades. Por um lado, ao abalar os quadros de referência que possibilitavam uma ancoragem estável no mundo social, provocam um descentramento dos indivíduos de seu lugar no mundo social, cultural e de si mesmos. Como resultado, o próprio processo de identi icação, através do quais os indivíduos se articulam às identidades sociais, estaria se tornando mais provisório, variável e problemático. A identidade, nesta condição, não pode ser pensada como ixa, essencial ou permanente, mas como “formada e transformada continuamente em relação às formas pelos quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”. (HALL, 1999, p.13). Por outro lado, os processos relacionados à globalização também parecem estar implicados na emergência das identidades como âmbitos de constituição de sentido e de laço social, assim como na sua politização. Con luindo e atravessando esses processos, as mídias jogam um papel fundamental na reconϔiguração das identidades. A centralidade que assumem na con iguração social vem sendo pensada a partir do conceito de midiatização, que aponta para seu papel estruturador de práticas, sentidos e interações sociais (MATA, 1999; VERÓN, 1997). As mídias estão profundamente implicadas na rearticulação das relações entre culturas e países, na desterritorialização que hibridiza as culturas, as identidades e as memórias. Elas ofertam múltiplos referentes com os quais os sujeitos (e os coletivos) podem se identi icar. Ao fazerem-se cargo das identidades, constroem signi icações relativas a elas desde suas lógicas - sentidos que também participam da construção 145 Jiani Adriana Bonin das identidades desses grupos e dos modos com a sociedade os concebe. Como lembram Martín Barbero (2006) e Hall (1999), a narração é parte constitutiva das identidades. E o ecossistema das mídias é hoje cenário fundamental por onde circulam relatos identitários, colonizados pela “racionalidade operativa do dispositivo e saber tecnológicos” (MARTÍN BARBERO, 2006, p.64). Na atualidade, as mídias também são dimensões estruturantes do espaço público, lugar chave onde se constrói a visibilidade do social, dos con litos que o atravessam e das diferenças que o constituem; lugar fundamental, portanto, de luta pela visibilidade social e pelo reconhecimento de diferenças, projetos e demandas (FERRY, 1992; CALETTI, 2007; MATA 2002). Considerando essas questões, penso que os coletivos que busco investigar se configuram como lugares de constituição de vínculos e de reconhecimento dos sujeitos envolvidos; que suas identidades devem ser pensadas no movimento e submetidas às lógicas mais amplas do contexto global/local, relacionadas aos processos de descentramento, multiplicação de referentes e desterritorialização. Penso ainda que as mídias estão implicadas na configuração de suas identidades, práticas, projetos e demandas, seja a partir de processos de consumo, usos e apropriações de ofertas midiáticas, seja a partir de produções próprias. Ao pensar como as lógicas da globalização e da midiatização con luem e con iguram as formas como estes coletivos se constituem, torna-se fundamental atentar para a questão – já assinalada por autores como Mata (1999) e Verón (1997) – de que nem todas as práticas sociais se midiatizam de maneira homogênea. Assim, para compreender os processos de usos e apropriações das mídias no âmbito desses coletivos, é necessário olhar para o que se produz na articulação entre lógicas das mídias e lógicas da esfera do reconhecimento. Neste sentido propostas de autores que vêm pensando a recepção, em particular no contexto latinoamericano, me ajudam a conceber a problemática a ser investigada desde as imbricações entre midiatização e mediações – ainda que tenham que 146 Coletivos culturais e espaço público midiatizado ser repensadas em muitos aspectos para dar conta da con iguração de sujeitos que também são produtores de mídias. Iluminar a problemática desde a perspectiva das mediações implica deslocar-nos da concepção de que os meios são os únicos lugares de produção de sentido para pensar suas relações com outras dimensões do concreto dos grupos investigados. Isto porque nos usos se inscrevem e se articulam dimensões relacionadas aos contextos socioculturais em que esses grupos se inserem, às trajetórias desses sujeitos, às suas experiências de migração e às suas competências culturais, âmbitos de mediação dos processos de relação com as mídias, de instauração de usos, negociações, pactos, consensos, con litos e apropriações (MARTÍN BARBERO, 1997; CERTEAU, 1994), assim como das suas produções midiáticas. Desde aí concebo que nos usos, apropriações e produções das mídias articulados à con iguração das identidades, práticas, projetos e demandas desses grupos também se inscrevem marcas que vêm do contexto em que se inserem, da experiência cultural e vivencial dos sujeitos relacionadas à migração, ao seu lugar social, à sua trajetória, às redes de relações que aí se estabelecem, dimensões estas que precisam ser pensadas diacronicamente. É importante lembrar, como propõe Hall (2000), que as identidades são construídas por meio da diferença, por meio da relação com o outro, do seu exterior constitutivo e que sua constituição se dá no jogo de modalidades especí icas de poder. Este exterior constitutivo, este outro e estas relações de poder não se reduzem ao campo das mídias, mas colocam em jogo a importância de atentar para os contextos e dimensões relacionais que conformam estes âmbitos de alteridade. Neste sentido, é razoável pensar também que, enquanto coletivos, esses grupos não se constituem como unidade substancial. Na linha proposta por Arcidiácono (2003), penso que sua unidade se relaciona com um sistema de representações e relações em constante movimento; que suas identidades coletivas se de inem em processos de negociação concernentes também à orientação de suas ações e aos campos de 147 Jiani Adriana Bonin oportunidades e constrangimentos nos quais estas ações têm lugar. Identidades estas que se constroem na tensão entre a de inição que os grupos fazem de si e no reconhecimento que recebem do resto da sociedade, incluindo as mídias. O exercício da cidadania no contexto contemporâneo Desde âmbitos disciplinares distintos - como a Comunicação, a Sociologia, a Filosoϔia e a Ciência Política - vários autores vêm re letindo sobre transformações nos modos de constituição dos atores sociais e nas formas de exercício da política na sociedade contemporânea.8 Encontramos como ponto comum destas re lexões o reconhecimento da emergência de novos modos de constituição dos atores coletivos e de exercício da cidadania; de que se multiplicam, em diferentes contextos, agrupamentos e movimentos cuja con iguração se orienta a partir de múltiplas dimensões, onde o cultural e as experiências vividas no mundo da vida ganham peso. Há também uma convergência entre estes autores no sentido de apontar que o conceito cidadania sofreu transformações, tanto em relação ao que nomeia como em relação ao que representa.9 Variadas transformações estão implicadas na emergência de novas formas de exercício da cidadania, entre as quais são assinaladas, pertinentemente a meu ver, as profundas transformações geradas pela globalização, as redeϔinições no campo da política - que devem ser pensadas também na sua relação com as transformações culturais e sociais no âmbito da globalização – e o descentramento dos Estados no contexto dos países da América Latina. A compreensão das formas de exercício de cidadania também deve incluir tambem a questão do 8 9 Entre eles, Mata (2002); Garreton (2006); Cheresky (2006); Quiroga (1997); Winocur (2002); Dagnino (1992), Jelin (2003), Hopenhayn (2005). O que também é constatado por Winocur (2002), em sua revisão sobre o sentido que cobra a cidadania na contemporaneidade. 148 Coletivos culturais e espaço público midiatizado impacto das novas tecnologias na reconϔiguração do espaço público – tarefa a que me dedicarei mais à frente. Já aludi anteriormente às transformações no âmbito da política; também iz referência ao impacto da globalização em relação às economias nacionais, à agudização de desigualdades e à precarização do mundo do trabalho, e vale observar que estes processos impõem limitações ao exercício efetivo da cidadania em termos de realização dos direitos sociais e econômicos. É importante considerar, com Hopenhayn (2005), que a globalização tem outros efeitos paradoxais, como a difusão em escala planetária de um imaginário relativo aos direitos humanos e sociais, relacionado também ao aparecimento de esferas globais de iscalização de direitos (ONGs, Nações Unidas, etc.). Neste contexto de transformações culturais e políticas, a constituição de novos atores e as mudanças que se produzem já não se dão prioritariamente desde o âmbito da política, nem do trabalho proletário, senão desde os mundos da vida, desde a dimensão mais opaca do viver social, daquelas dimensões que a política desconheceu (MARTÍN BARBERO, 2006). Na América Latina isto teria relação, entre outros fatores, com as expectativas não cumpridas e com os vazios da democratização política (GARRETON, 2006) A globalização e o debilitamento do Estado-Nação, enquanto referente único de poder interno, provoca uma série de transformações que estão relacionadas às mudanças na concepção e no exercício tradicional da cidadania. Este contexto se associa à expansão das aspirações cidadãs, muitas das quais não encontram instituições nas quais possam plasmar-se e fazerem-se efetivas; e este fenômeno é entrecruzado e rede inido pela exclusão de vastos setores da população, transformações estas que se associam a novos padrões de con litos. Essas mudanças, entre outras, estão associadas ao surgimento de novas formas de exercício da política, que se concretiza em diversas instâncias e núcleos sociais, locais e comunitários, com interesses variados. Uma das linhas desta evolução se realiza numa rede de grupos onde se organiza a socialidade na vida cotidiana, numa variedade de 149 Jiani Adriana Bonin práticas associativas e comunicativas (sociedade de pais, grupos de autoajuda, organizações de vizinhos etc). E aqui poderíamos pensar os grupos identitários que nos interessa investigar, de caráter étnico. O âmbito da cidadania ativa, nesta linha, pareceria ser menos o da política institucional e mais o do desenvolvimento social e encontraria na convivência uma de suas motivações. Diversi icação e fragmentação caracterizariam esta cidadania descentrada cujas práticas não concorrem muitas vezes para um eixo de luta focal, mas se disseminam numa pluralidade de campos de ação, de espaços de negociação de con litos, de territórios e interlocutores. Muitos grupos se conectam às redes posicionando-se primeiro numa escala global, buscando que a comunidade global pressione os governos locais, numa dinâmica local-global-nacional que rompe com esquemas históricos. (HOPENHAYN, 2005). Neste contexto, como alude Mata (2001), o exercício da cidadania ultrapassa a questão da titularidade de direitos civis e políticos de caráter universal (relativos ao sistema de governo e à estrutura social e econômica de um país) para complexi icar-se e alargar-se, incorporando a problemática da diversidade e da diferença e ultrapassando os marcos de referência meramente estatais. A questão identitária, que especi icamente interessa à pesquisa, ganha nova visibilidade neste contexto. A cidadania articula-se cada vez mais com a questão da a irmação das diferenças, com as políticas de reconhecimento e de promoção da diversidade cultural. Mas este tema, na América Latina, não pode se separar do problema da exclusão, visto que os con litos socioculturais se vinculam historicamente com a negação do outro - realidade que persiste, inclusive nas formas como as sociedades se relacionam com grupos e sujeitos migrantes. Para muitos grupos de imigração histórica, as empresas de homogeneização dos Estados-Nação signi icaram a negação da sua cultura, o despojo de seus bens simbólicos e materiais e o desconhecimento de seus direitos políticos. No caso da migração contemporânea, as di iculdades em termos de obtenção da cidadania legal estão relacionadas a distintos modos de exclusão econômica, social e política. 150 Coletivos culturais e espaço público midiatizado Um traço cotidiano de exclusão cidadã tem sido, conforme Hopenhayn (2005), a invisibilização da diferença, mas também poderíamos agregar, considerando a questão da migração que nos ocupa neste projeto, sua articulação com formas estereotipadas de visibilização da diferença como atestam, por exemplo, as investigações de Cogo (2006), Oliveira (2007) e Jacks (2004) entre outras. Em contraponto a essas variadas formas de exclusão vem se gestando também, dialeticamente, demandas e práticas cidadãs de grupos invisibilizados. Neste contexto, o termo cidadania, no dizer de Mata (2002, p.66) passa a nomear, “un modo especí ico de aparición de los individuos en el espacio público, caracterizado por su capacidad de constituir-se en sujetos de demanda y proposición en diversos ámbitos vinculados con su experiencia”. Associada a essas transformações, a comunicação se institui como fundante da cidadania, condição de possibilidade da mesma, enquanto interação que possibilita a coletivização de interesses, necessidades e propostas, lugar que permite a existência pública dos indivíduos, visibilizando-os ante os outros e permitindo ver-se, representar-se a si mesmos (CALETTI, 2001; MATA, 2002). Pensar, portanto, na possibilidade de gestação de potencialidades de exercício cidadão no âmbito dos coletivos que quero investigar, particularmente desde suas relações com as mídias, me remete à discussão do espaço público contemporâneo, pois este cenário é chave para o exercício da cidadania. Delineamentos para pensar as transformações no Espaço Público Contemporâneo Para re letir sobre a con iguração do espaço público na contemporaneidade, a contribuição de Caletti10 me parece importante, 10 Esta proposta pode ser contemplada em Caletti (2007). Alguns elementos dela estão desenvolvidos também em textos anteriores a este. Ver neste sentido Caletti (1999) e (2001). 151 Jiani Adriana Bonin em particular porque atenta para o papel crucial das tecnologias (ou das mídias) na sua constituição, sem deixar de considerar outras dimensões que também são chaves para a sua compreensão. Também porque suas proposições se fundamentam em investigação histórica sobre a constituição do espaço público no período da modernidade. Caletti observa a prevalência histórica de uma compreensão do espaço público marcada por uma tradição juridicista relacionada com as questões do Estado onde, grosso modo, o conceito se constitui derivado do político - enquanto espaços e objetos submetidos à lei do direito público e de suas instituições. Esta tendência, observa, levou a uma associação estreita entre as noções do público e do político que debilita a possibilidade de pensar adequadamente elementos especí icos da vida social que encontram no espaço público – e só nele – suas possibilidades de produção. Analiticamente, o autor vislumbra a con iguração de duas acepções do público a partir da modernidade: uma que resulta desta associação que a teoria política fez vertebral entre Estado e Direito e, portanto, do ordenamento estatal da vida civil, de suas instituições e dispositivos - visão relacionada à tradição juridicista; outra que busca contemplar o que a própria sociedade civil constrói, expressa e faz visível de si bem como os termos gerais de visibilidade que ela de ine, à margem do ordenamento jurídico e frente às instituições do poder político. É desde esta segunda acepção que o autor busca repensar o espaço público, em questionamento à primeira.11 Com base na 11 O questionamento da noção juridicista, que dominou historicamente o conceito de público, está presente, como observa Caletti (2007), na obra de autores como Arendt, Habermas e Sennet, com os quais dialoga. Sobretudo, porque ela omite um fenômeno central que recorre toda a modernidade desde o seu começo: a emergência da sociedade redefinindo suas relações com o Estado até o ponto de redefinir o próprio Estado. Em acordo, estes autores reconhecerão que as tentativas de subordinar este novo social via seu enquadramento às normas do Estado não dá conta das complexas e cambiantes relações neste período entre Estado e 152 Coletivos culturais e espaço público midiatizado investigação da constituição do espaço público e de suas transformações a partir da modernidade, o autor aponta como dimensões constitutivas deste espaço as seguintes: a) a condição de visibilidade; b) a condição de auto-representação do social; c) sua tecnologicidade; d) sua politicidade; e) sua condição heterogênea, polimorfa, fruto da combinação de formas de socialidade superpostas. Se as noções de comum/político/visível a todos estiveram sintetizadas na origem do público, a emergência da sociedade urbana e as transformações que se dão provocam uma reorganização que resulta inteligível através do privilégio especí ico que se pode outorgar à condição de visibilidade. Emerge aqui um entendimento do espaço público como instância que supõe e faz possível a visibilização da sociedade por si mesma, processo este próprio das sociedades urbanas e das transformações a elas associadas. Tal condição de visibilidade, é preciso considerar, pode comportar modalidades diferentes que a própria vida social de ine e de suas possibilidades expressivas e de intervenção nos assuntos que a envolvem. Portanto, no concreto histórico, podem coexistir diferentes regimes de visibilidade. Falar de regimes de visibilidade remete também à de inição de regras que deϔinem o que pode ou deve ver-se, sob um determinado modo de ver. O espaço público é, assim, a esfera da vida em comum onde se cumpre a operação de auto-representação do novo social que emerge na modernidade, o que deve ser entendido em relação direta com a condição de visibilidade. Assim entendido o espaço público seria, conforme o autor, a própria vida social geral sob condições de visibilidade, estas entendidas como uma produção social. E aqui se trata de uma construção especíϔica para a visibilidade: os atores elaboram práticas destinadas a sociedade; às formas pelas quais a sociedade realizou intervenções neste processo de transformação do Estado à margem de seus regramentos e muitas vezes forçando-os. Estas formas de intervenção – de sujeitos múltiplos, anônimos, não especializados, se farão presentes nos modos de constituição do público de forma característica. 153 Jiani Adriana Bonin dar conta do que eles são e do que eles supõem ser ante a vista geral: as formas que a palavra assume, a roupa, a apresentação do corpo, as regras de interação têm como condição de produção e horizonte de destino a visibilidade própria deste espaço, gerando rituais e normas especí icas. A esfera do público se constitui como ponte por onde os agentes avançam para uma percepção de si e da própria sociedade construída. Constitui-se em fonte de onde tomar nomes que pode dar-se a si mesma e horizonte de referências para a construção social das identidades de seus membros. A possibilidade de discussão, de demanda, de protesto ou de enfrentamento requer haver-se reconhecido como enunciador neste lugar. O auto-reconhecimento social enquanto tal depende da possibilidade de que os próprios membros da sociedade construam as formas de se visibilizarem, de se auto-representarem e depende do modo como exerçam esta possibilidade. Cabe aqui, do meu ponto de vista, re letir sobre as condições em que se realiza esta visibilidade quando as mídias se instituem como lugares chave de articulação deste espaço, nas condições concretas dadas pelo processo de midiatização. Mais à frente busco alinhavar alguns elementos relacionados e esta questão. A dimensão da tecnologicidade é um elemento constitutivo do espaço público moderno. Lembra o autor que tal espaço sempre esteve atravessado, desde o início da modernidade, por tecnologias de comunicação12 que o izeram possível. As formas e modalidades de operação neste espaço só seriam inteligíveis na sua relação com os recursos técnicos13 socialmente disponíveis para fazer visível o tratamento 12 A referência a tecnologias de comunicação do autor não se restringe ao que chamamos de meios de comunicação. Ele trabalha com um sentido amplo do termo onde cabem, por exemplo, os meios de comunicação, a imprensa, o gra ite, entre outros, enquanto modos de comunicação tecnicamente constituídos. 13 O autor assume, ao pensar a tecnologia, que sua con iguração está associada a variadas formas de uso social – não qualquer forma, mas a modos historicamente determinados e, portanto, a formas de de inição social do seu caráter e não a partir de uma essencialidade intrínseca à mesma. 154 Coletivos culturais e espaço público midiatizado dos problemas comuns. Espaço, no dizer de Caletti, “gramaticalizado por y desde las reglas que ofrecían para su construcción las relaciones sociales impresas en estas tecnologías disponibles” (2007, p.31). É importante, a meu ver, a consideração do autor de que a tecnologicidade “transfere” para o espaço público certa codicidade para o desenvolvimento das práticas sociais que o caracterizam, que participa da con iguração das formas públicas do agir social. Por isso, as tecnologias da comunicação aparecem como con iguradoras da arquitetura do público. Esta proposta me parece produtiva porque não se reduz a pensar o espaço público como tecnologicamente determinado; tampouco elide a importância da ação con iguradora das mídias em termos do redesenho das relações que aí se dão, das ações de visibilidade e dos modos de signi icá-las. Por outro lado, abre a possibilidade de pensar como esta codicidade atravessa as representações que os grupos fazem de si, de considerar que as mídias e suas lógicas se inscrevem produtivamente na de inição dos sujeitos, em seus modos de constituirse, de relacionar-se e de atuar neste espaço. E de pensar também possibilidades táticas que os atores podem construir para a ocupação de espaços neste âmbito. A politicidade, como característica do espaço público, leva o autor a pensar a vinculação desde espaço com a política, reconhecendo ao mesmo tempo a distinção entre ambos e seus pontos de cruzamento. O espaço público é lugar de confrontação de valor político na medida em que contenha e permita fazerem-se visíveis antagonismos sociais; é ainda, território sobre o qual operam as políticas das instituições especializadas do Estado. Mas o espaço público é também autorepresentação da vida social – e cultural, acrescentaríamos – ante seus próprios membros, como também ante a autoridade política, frente à qual se abre campo para o império sempre inconcluso da lei. A politicidade requer que se reconheça a presença do político como dimensão sutil que atravessa por inteiro a vida social. Por im, Caletti marca a condição heterogênea, polimorfa do espaço público, fruto da combinação de formas de socialidade superpostas em 155 Jiani Adriana Bonin sua con iguração no concreto social, condição esta que visualiza em seu recorrido histórico para pensar a con iguração do espaço público na modernidade. A partir da visualização destas dimensões constitutivas do espaço público, o autor diferencia três momentos em termos das formas que assume o espaço público no trajeto da modernidade, relativos à sociedade cortesã, à sociedade burguesa e à sociedade de massas. Tais momentos correspondem a diferentes regimes de visibilidade, a distintas formas de auto-representação e nos quais se colocam em jogo diferenciadas tecnologias (nunca de maneira excludente) na construção do espaço público, a saber: o teatro, a imprensa e a radiodifusão. Três cenas marcadas pelo encontro entre tecnologias e política e que antecedem uma quarta cena que estaríamos vivendo atualmente. Para ins de elaboração deste projeto, não nos deteremos na recuperação destes distintos momentos de con iguração que assume o espaço público. Interessa aqui assinalar apenas alguns traços que o autor aponta em termos da con iguração do espaço público nesta quarta cena, referente à atualidade, que consideramos produtivos para pensá-lo. Antes, porém examinaremos as idéias de outro autor, que tem pontos de articulação com as propostas de Caletti. A re lexão de Ferry (1992) coincide com proposições de Caletti no sentido de pensar que as condições atuais e, particularmente, o advento do que ele denomina de sociedade de los medios (que poderíamos dizer, midiatizada) depois da chamada sociedade de massas, impõe repensar o sentido do espaço público. Desde este reconhecimento, o autor propõe pensar o espaço público como “el marco ‘mediático’ gracias al cual el dispositivo institucional y tecnológico propio de las sociedades posindustriales es capaz de presentar a un ‘público’ múltiplos aspectos de la vida social” (FERRY, 1992, p.19) - entendendo como midiático o que mediatiza a comunicação das sociedades consigo mesmas e entre si.14 14 Nesta compreensão, se um grupo participa de uma manifestação ou deliberação relativa a temas de interesse coletivo, e se só os participantes 156 Coletivos culturais e espaço público midiatizado Esta noção é interessante no sentido de que não restringe o midiático às mídias hegemônicas. A proposta deste autor (um esboço como ele observa) tem a virtude de reconhecer a importância das mídias na con iguração do espaço público contemporâneo – convergindo com o pensamento de outros. Entretanto, me parece que esta redução do espaço público ao midiático não dá conta da sua con iguração e complexidade atual. Inclino-me a pensar, em consonância com a visão de outros autores (MATA, 2002; MARTÍN BARBERO, 2004; CALETTI, 2001, 2007) que o midiático não subsume outras lógicas, mais bem se articula – e também se realiza em imbricação – com outras dimensões presentes na con iguração do social. Agora, com a globalização e considerando as con igurações contemporâneas de disseminação dos meios, como observa apropriadamente Ferry (1992), o público já não obedece a fronteiras nacionais, mas se amplia potencialmente, fazendo com que já não seja apenas um lugar de comunicação da sociedade consigo mesma (entendida aqui em relação ao Estado-Nação), mas também lugar de comunicação de distintas sociedades entre si. Outra dimensão de transformações referida por este autor é importante de ser assinalada considerando nossos propósitos e se relaciona a uma extensão vertical do espaço público social. Sendo este um meio privilegiado para a formação de identidades e memórias coletivas, no contexto da globalização e, mais propriamente, da midiatização, ele ganha uma extensão cultural: as sociedades têm virtualmente acesso (e podem virtualmente se fazer acessar) a elementos relativos a identidades e memórias distintas. Cabe considerar, como adverte Caletti (2001), que o espaço público pode ser débil ou forte, discriminatório ou inclusivo, mais aberto constituem o público esta expressão não participa do espaço público. Desde o momento em que se difunde a um público mais amplo, virtualmente inde inido, graças a um meio qualquer, então participa deste espaço. 157 Jiani Adriana Bonin ou refratário à expressão dos processos e diferenças da sociedade, dependendo das con igurações concretas que assume. Neste sentido, há muito o que relativizar neste “virtual” acesso a que alude Ferry (1992), pois, concretamente, ele será marcado pelas atuais condições de existência e propriedade das Indústrias Culturais, por suas lógicas, suas assimetrias, pelas diferentes condições de acesso, pelas competências dos sujeitos. Também por possibilidades táticas instauradas nos usos dos espaços hegemônicos e pela constituição de outras modalidades de produção e uso de mídias. Nesse sentido, alguns traços e contradições do espaço público midiático contemporâneo são assinalados por estes autores. Um deles, que se evidencia a partir do século XX e início do século XXI, é que a esfera do espaço público midiático contemporâneo aparece crescentemente ocupada com questões pouco vinculadas à vida coletiva; que se vê relacionada com uma exacerbada esceniϔicação e tematização de questões até a pouco tempo consideradas privadas, ou da esfera da intimidade (FERRY, 1992; HOPENHAYN, 2005). Neste sentido, as mídias estão implicadas em profundas recon igurações nas relações entre o público e o privado, na superposição dos seus espaços, na borramento das suas fronteiras (MARTÍN BARBERO, 2004). Na visão de Caletti (2001), a problemática do comum e o debate político também perdem terreno no espaço público, por efeito de vários fatores. Neste processo, o espaço público tende a ferializar-se, ou seja, a assumir traços que con iguravam outra velha forma de cenário público, a praça medieval, que reunia acrobatas, feirantes, magos, histórias fantásticas, o cotidiano e o extraordinário, misturando-os de maneira não hierarquizada. Esta noção parece produtiva em termos de identi icação de certos traços que se expressam na esfera pública contemporânea. Martín Barbero (2004; 2006) nos convida a pensar que, na midiatização do espaço público, a mediação das imagens ganha um estatuto de primeiro plano, com conseqüências profundas, o que exige pensar o que produz socialmente. Mais que substituir os meios de comunicação,entraram a constituir a trama da ação política, densi icando 158 Coletivos culturais e espaço público midiatizado dimensões simbólicas, teatrais e rituais que a política sempre teve. Para além das implicações negativas no âmbito da política em que está envolvida,15 por esta mediação também passa uma construção visual do social, de demandas dos novos movimentos sociais e das minorias; ela abre possibilidades de expressão de outros atores sociais além daqueles tradicionalmente dominantes na esfera política. E desde aí emerge como questão profundamente política, posto que uma das formas mais lagrantes de exclusão social consiste na despossessão do direito a ser visto e ouvido que se relaciona a questão de existir/contar socialmente. É importante observar, quando aludimos ao espaço público midiático, que sua con iguração é heterogênea e que, a depender dos meios e de suas lógicas (de propriedade, produtivas, etc.), apresentam distinções nas potencialidades para o exercício da cidadania. Neste sentido, autores como Hopenhayn (2005), vêm assinalando o potencial e impacto das redes eletrônicas nas formas de exercício e constituição da cidadania, na con iguração de novos âmbitos de espaço público, na ressonância dos atores e seus vínculos. As redes oferecem potencialidades para ampliar o protagonismo de atores cuja auto-a irmação estava con inada a um local especí ico, para acesso à informação sobre direitos; para in luenciar da opinião pública e para a iscalização de discriminação e censura. Estão implicadas no descentramento da cidadania em luxos em tempo real, sem fronteiras e com capacidade para multiplicar exponencialmente interlocutores no diálogo público, abrindo possibilidades para a constituição de uma cidadania global. O uso alternativo das tecnologias e redes informáticas na recon iguração da esfera pública implica “profundas mudanças nos mapas mentais, nas linguagens e nos desenhos de políticas, exigidos, todos eles, 15 Esta mediação, como observa o autor, está também implicada na emergência da crise que o discurso da representação sofre, na espetacularização da política, na fragmentação da sua experiência, na atomização dos seus públicos e sua transformação em audiências sondáveis. 159 Jiani Adriana Bonin pelas novas formas de complexidade que revestem as reconϔigurações do público e do privado” (MARTÍN BARBERO, 2006, p.69) abrindo, também, possibilidades para a criatividade social nas formas de participação cidadã. REFERÊNCIAS ARCIDIÁCONO, Pilar. Reconstrucción de las identidades e resurgimiento de lo político: la alternativa de los nuevos movimientos sociales. In: REIGADAS, María Cristina; CULLEN, Carlos A. (coords.). Globalización y nuevas ciudadanías. p.135-150 Mar del Plata, Ediciones Suárez, 2003. BONIN, Jiani Adriana. Mídia e memórias: delineamentos para investigar palimpsestos midiatizados de memória étnica na recepção. Revista Fronteiras, São Leopoldo, v. 8, p. 133-143, 2006. _____. Mídia televisiva regional e identidade étnica: a RBS e a con iguração da identidade italiana na recepção. Revista Fronteiras, São Leopoldo, v. 9, p. 91-103, 2007. _____. Mídia e memórias: explorações sobre a con iguração dos palimpsestos midiatizados de memória étnica italiana. Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo, v. 6, p. 83-102, 2009a. _____. Mídia e memórias sociais: recepção midiática e con igurações de memória italiana (RS). Contracampo, v. 20, p. 79-93, 2009b. CALETTI, Sergio. Ocho notas para una reconsideración de las relaciones medios-democracia. Sala de prensa, ano II, v.2, octubre, 1999. 7 p. Disponível em: http://www.communicationforsocialchange.org/body-ofknowledge.php?id=2988 Acesso em: 19 de julho de 2009. _____. Siete tesis sobre comunicación y política. Diálogos de la comunicación, Lima, n.63, p.36-49, dez. 2001. 160 Coletivos culturais e espaço público midiatizado _____. Repensar el espacio público. Un esbozo histórico para situar las relaciones entre medios, política y cultura. Buenos Aires, Boletín de la Biblioteca del Congreso de la Nación, n.123, 2007, p.195-252. CHERESKY, Isidoro. La ciudadanía y la democracia inmediata. In: ___. (comp.) Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Buenos Aires: Mino y Dávila, 2006. p.61-108. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1994, 351 p. COGO, Denise. Mídia, interculturalidade e migrações contemporâneas. Rio de Janeiro: E-papers; Brasília, DF:CSEM, 2006. 244 p. COGO, Denise; HUERTAS, Amparo; GUTIÉRREZ, Maria (Orgs.). Migraciones transnacionales y medios de comunicación: relatos desde Barcelona e Porto Alegre. Madrid: Los libros de la Catarata, 2008. DANIGNO, Evelina. Concepciones de la ciudadanía en Brasil: proyectos políticos en disputa. In: CHERESKY, Isidoro. (comp.) Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Buenos Aires: Mino y Dávila, 2006. p.387410. FERRY, Jean Marc. Las transformaciones de la publicidad política. In: FERRY, Jean-Marc; WOLTON, Dominique y otros. El nuevo espacio público. Barcelona: Gedisa, 1992. p. 13-27 GARRETÓN, Manuel Antônio. Sociedad civil y ciudadanía en la problemática latinoamericana actual. In: CHERESKY, Isidoro. (comp.) Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Buenos Aires: Mino y Dávila, 2006. p.45-60. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 1999. 161 Jiani Adriana Bonin _____. Quem precisa de identidade? In: T. T. SILVA (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ, Vozes, 2000. p. 103-133. HOPENHAYN, Martín. América Latina desigual e descentrada. Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2005. JACKS, Nilda (coord.). Hermanos, pero no mucho. El periodismo narra la paradoja de la fraternidad y rivalidad entre Brasil e Argentina. Buenos Aires: La Crujía, 2004. JELIN, Elizabeth. Los derechos humanos y la memoria de la violencia política y la represión: la construcción de un nuevo campo en las ciencias sociales. Buenos Aires: Instituto de desarrollo económico y social, 2003. MARTÍN BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. _____. América latina e os anos recentes: os estudos de recepção em comunicação social. In: Souza, Mauro Wilton (org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995. _____. Cambios en el tejido cultural y massmediación de la política. In: BONILLA, Jorge Iván; PATIÑO DIAZ, Gustavo. (eds.) Comunicación y política: viejos conϔlictos, nuevos desaϔíos. Bogotá: Ceja, 2001. p. 19-28 _____. Razón técnica e razón política: espacios/tempos no pensados. Revista latinoamericana de ciencias de la comunicación, São Paulo, n.1, p.22-37, ago. /dez. 2004. _____. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Denis. Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. p.51-80 MATA, María Cristina. De la cultura masiva a la cultura mediática. Diálogos de la comunicación, n. 56, p. 80-91, out. 1999. Disponível em <www.felafacs.org/dialogos>. Acesso em: 20 de março, 2009. 162 Coletivos culturais e espaço público midiatizado _____. La construcción técnica de la democracia. Intexto, Porto Alegre, v.2, n.7, p. 1-12, jul./dez. 2001. ______. Comunicación, ciudadanía poder. Pistas para pensar su articulación. Diálogos de la Comunicación, Lima, n.64, p.65-76, 2002. MALDONADO, Alberto Efendy. Produtos midiáticos, estratégias, recepção: a perspectiva transmetodológica. Ciberlegenda, (9): 1-22, 2002. Acessado em: 19/06/2007. Disponível em: <http//www.ciberlegenda.br.> Acesso em: 10 de março, 2010. ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. OLIVEIRA, Rejane de. Identidades argentinas dinamizadas nas relações midiáticas e comunicacionais de um grupo de imigrantes argentinos, residentes na cidade de Porto Alegre/RS. 2007. 273 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo. QUIROGA, Hugo. Dé icit de ciudadanía y transformaciones del espacio público. In: CHERESKY, Isidoro. (comp.) Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Buenos VERÓN, Eliseo. Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos de la comunicación, n.48, p.9-17, 1997 WINOCUR, Rosalía. Ciudadanos mediáticos. La construcción de lo público en la radio. Barcelona: Gedisa, 2002. 163 Historias de vida: un recorrido por lo transdisciplinario Alí León En el presente artículo se dará a conocer la experiencia desarrollada en la Unidad Educativa Nacional Antonio Ortega Ordóñez, ubicada en Palo Verde, Municipio Sucre del Estado Miranda, Venezuela. Allí se atiende una población de 2400 niños y jóvenes, provenientes de más de 60 barrios de la populosa parroquia Petare. En su mayoría los estudiantes vienen de familias de bajos recursos, que llegaron años atrás de los campos en busca de mejores condiciones de vida, así como muchos hijos de emigrantes colombianos, ecuatorianos, con quienes se comparte la historia y la cultura. En este contexto y con el proceso de cambio político, cultural, económico que vive el país, también se producen experiencias importantes en todos los ámbitos, especialmente en lo educativo, que merecen ser socializadas. Estas se desarrollan en la base, desde esos microespacios, que representan una muestra de la dura realidad, de pobreza y marginalidad son el pan de cada día y a la vez van generando los cambios profundos y signi icativos. En el año 2004, en la institución educativa antes señalada, se inició una experiencia educativa, en la cual se ha trabajado con el apoyo de las Historias de Vida, como metodología y fuente de conocimientos, 165 Alí León con grupos diferentes cada año y se ha obtenido resultados importantes. Además esta experiencia junto a otras de este mismo tipo, que se vienen desarrollando en otros espacios educativos, han sido motivo de re lexión por parte de un equipo de docentes organizados en una red que trabaja con historias de vida como propuesta metodológica en los procesos de aprendizajes que se propician en la escuela con niños, niñas y adolescentes. A lo largo del artículo encontraremos dos posiciones claramente encontradas. La primera y contenida en la reforma curricular responde a la idea que vivimos en un mundo globalizado, en una gran aldea, lo que implica una educación emergente para esta realidad, la formación de un nuevo ciudadano, republicano que, requiere de un tipo de contenido curricular acorde con los tiempos que vivimos y con los cambios acelerados que ocurren en el país. Del denominado paradigma de la complejidad que revisa y actualiza la visión sistémica del mundo a través de la formulación del principio de complejidad frente al de simplicidad. Y la otra postura la tradicional, memorística, bancaria domesticadora. Que propicia un tipo de saber enciclopédico, disciplinador y memorístico, alejado tanto de las necesidades de adolescentes y jóvenes como de los problemas de la realidad social. Desde la práctica docente, hay una problemática planteada, se enfrentan dos concepciones. Una representada por el nuevo diseño curricular, producto de la sistematización de las consultas y propuestas de colectivos docentes en todo el país, congregados en cuatro congresos nacionales y presentada por el Ministerio del Poder Popular para la Educación (2007) y la otra la tradicional, memorística, bancaria domesticadora, que se viene implementando que, se resistió y logró la no aprobación del nuevo diseño curricular. Hecho contrario a la constitución del país que demanda la refundación de la patria, construcción de una nueva sociedad y un nuevo republicano, con competencias y valores, tanto para el desarrollo productivo como el crecimiento humano ciudadano. Para ello era fundamental una legislación que sustente los cambios, parte de este 166 Historias de vida logro social fue la aprobación por la Asamblea Nacional de la nueva ley de educación en el 2009, que vino como palanca de apoyo a los docentes que creen en el cambio y suscritos a la idea de que las competencias exigidas están relacionadas con la capacidad de trabajar en equipo, de resolver problemas de experimentar, de interactuar con el diferente, con el que no es igual a mí, pero necesario. Son las ideas que impulsan discusión y acción sobre los valores tales como la solidaridad, la tolerancia, el respeto a los derechos humanos, estos tienen que estar presentes. Estas competencias y estos valores no se enseñan necesariamente a través de contenidos de una disciplina sino a través de modalidades transversales o integradoras que exigen cambien una codi icación profunda en la organización curricular y del trabajo de los profesores. La dimensión cultural ha de tener un mayor signi icado en la formación, esta dimensión no pasa sólo por los aspectos cognitivos, sino por una articulación entre lo cognitivo, lo emocional, lo estético y lo social donde estudiantes y educadores deben estar involucrados. Como es de notar el con licto de modelos no es casual y el sistema arraigado individualista, bancario, facilista tiene aliados y mucha resistencia, propiciando el conocimiento, basado en una perspectiva racionalista, articulado a través de dos características básicas según los documentos elaborados para la implementación de los programas banderas de la educación Bolivariana (2006 ): la especialización y la abstracción, este conocimiento especializado es disciplinar, al delimitar una parcela de la realidad y abstracto al eliminar las relaciones que establecía con otros aspectos de la misma. Mas adelante especi ican que el enfoque simpli icador parte de una concepción sesgada que asigna disposiciones conceptuales propias a cada disciplina y, por tanto, formas especí icas de resolución de los problemas. Por otro lado los estragos que produce el enfoque disciplinario en el terreno de la ciudanización y el ámbito epistemológico es denunciado por Edgar Morin (2000) en una conferencia en la UNESCO, que lleva por título “Los Siete Saberes Necesarios a La Educación del Futuro” 167 Alí León Las mentes formadas por las disciplinas pierden sus aptitudes naturales para contextualizar los saberes tanto como para integrarlos en sus conjuntos naturales. El debilitamiento de percepción de lo global conduce al debilitamiento de la responsabilidad (cada uno tiende a responsabilizarse solamente de su tarea especializada) y al debilitamiento de la solidaridad (ya nadie siente vínculos con sus conciudadanos). De hecho, la hiperespecializacion impide ver tanto lo global (que fragmenta en parcelas) como lo esencial (que disuelve) impide incluso, tratar correctamente los problemas particulares que solo pueden ser planteados y pensados en un contexto (MORIN, 2000, p. 17). Desde lo planteado se puede aseverar que aún estamos lejos, tal como se señala en la propuesta de diseño curricular (2007) del denominado paradigma de la complejidad que revisa y actualiza la visión sistémica del mundo a través de la formulación del principio de complejidad frente al de simplicidad para aportar una nueva perspectiva indagadora de la realidad: la complementariedad frente a las antinomias y dicotomías, y la apuesta por una concepción interdisciplinaria, transdisciplinaria o metadisciplinaria, en contradicción con otra disciplinar y selectiva de cada una de las ciencias. Destacando que el gran reto en lo conceptual es superar la fragmentación curricular, esto supone adoptar una perspectiva de integración, asumiendo que la ciencia es un medio para comprender los problemas de la sociedad y nunca un in en sí mismo. De fondo es la discusión permanente entre muchos profesores pues algunos se encierran en unas prácticas de hacer y reproducir un sistema moribundo productor de una crisis económica mundial. Mi encuentro con la educación formal En el año 2001 me incorporo a la Unidad Educativa Nacional (UEN) Antonio Ortega Ordóñez, para atender un número importante 168 Historias de vida de estudiantes que necesitaban concluir sus dos últimos años de bachillerato (4º y 5º año de educación media). Posteriormente fui coordinador de desarrollo endógeno para el área curricular especí ica de los liceos Bolivarianos. Función que permitió el apoyo a las iniciativas de los compañeros docentes. No fue fácil adaptarse a este nuevo trabajo, experiencias anteriores en educación, habían sido en la educación popular, con una metodología distinta, fuera del aula, también como instructor en el Instituto Nacional de Cooperación Educativa INCE, trabajé en la formación con grupos juveniles a través del desarrollo de proyectos sociales donde me tocó la parte educativa a través de reuniones, encuentros de formación, talleres, congresos. Trabajé en programas de formación de trabajadores en el área de derechos laborales. Toda esta experiencia fue sistematizada en un proceso que permitió validar mis aprendizajes a través de un proceso autogestionado con una metodología innovadora, obteniendo la licenciatura en educación en el Centro Experimental Para Aprendizaje Permanente (CEPAP), programa de la Universidad Simón Rodríguez UNESR. La primera experiencia después de graduado la realicé como facilitador de un equipo de sistematización del Ensayo de Educadores Populares (ENFODEP), ensayo externo del CEPAP. Desde la metodología de proyecto, con un enfoque de Educación Popular y liberadora, se acompañan equipos de sistematización conformados por participantes en procesos de profesionalización docente. Toda esta experiencia previa sirvió para apoyar los distintos proyectos que a lo largo de estos años se han desarrollado en la UEN Antonio Ortega Ordóñez. Sumergirse en una realidad compleja Encuentro con muchachas y muchachos, hijos e hijas de los trabajadores que viven en los distintos barrios de Petare, en el estado Miranda, encuentro con la alegría de la juventud y la esperanza de superación. Descubrir que los estudiantes se fastidian con unos 169 Alí León contenidos abstractos que no son tan emocionantes como las películas, los videos, las calles, las telenovelas, etc. Muchas veces esta es una de las razones por las que se escapan de la escuela al matinée, a la iesta, al kiosco de la esquina. En esta realidad, la calle se convierte en la escuela y los antivalores que se cruzan les enseñan (a quienes lo aceptan) el consumo, quien más consuma es el que más vale. Compiten por quien tiene el mejor celular, la mejor moto, los zapatos de marca, la gorra y el bolso de moda y buscan obtenerlo a cualquier precio. También pareciera natural el toparnos con la violencia, que se mani iesta cuando los representantes acuden a retirar a los hijos por amenazas de otros estudiantes cuando se han negado a consumir drogas. Cuando los niños de primaria son golpeados por jóvenes del liceo. Cuando conseguimos armas y hasta las disparan en medio del patio, cuando son golpeados los educadores por los representantes. Esta grave situación de violencia, repercute en todo el proceso de formación de los estudiantes, adicionalmente algunos representantes piensan que la escuela es depósito de niños, niñas y adolescentes, que en ésta se va a solucionar todos los problemas sin su participación, pareciera que no se conoce el signi icado de la responsabilidad y la corresponsabilidad de todos y todas en el hecho educativo. Es en esa realidad en intenso movimiento, donde han ocurrido en los últimos años hechos que marcan en lo político, como el Golpe de Estado y retorno del Presidente Chávez en abril de 2002, igualmente el Sabotaje Petrolero del 2002-2003. Hechos que permitieron al pueblo reaccionar, fortalecer sus organizaciones populares y defender la Constitución. En lo educativo podemos señalar la inclusión, a través del impulso a las Misiones Educativas, del modelo de Escuelas y Liceos Bolivarianos que con estrategias distintas de las pedagogías tradicionales han logrado la participación de millones de estudiantes, situación que recientemente ha sido fortalecida por la aprobación de la nueva Ley de Educación. En este encuentro, descubrimiento y análisis logramos conocer apoyar e impulsar proyectos que buscan formar para la paz, para ser 170 Historias de vida felices, para lograr obtener una patria soberana, una posibilidad de salir de la droga, de la marginalidad, de la violencia. Un trabajo junto a docentes con mucha creatividad, mucho amor, y mucha fe. Por ello a continuación expondremos una de las experiencias desarrollada desde el área de lenguaje y comunicación y vinculada con otras experiencias para buscar y compartir pistas de acción en esa búsqueda permanente de una pedagogía liberadora. Así empezó la experiencia Cuando la Profa. Ramona Sojo aceptó la propuesta de la Profa. Ana Cecilia Coello, de suplirla en su trabajo en el área de Castellano y Literatura en 5º año del liceo Bolivariano Antonio Ortega Ordóñez de Palo Verde–Petare, ella la acompañaría en la plani icación pero Ramona nunca imaginó todo el cúmulo de experiencias que viviría ejerciendo esta labor. Le propone comenzar con los contenidos ya plani icados y evaluar el trabajo para continuar con un proyecto que responda a las necesidades de los muchachos y al hecho del desarrollo endógeno que requiere la institución como liceo Bolivariano. El trabajo con los alumnos al principio estuvo centrado en el Ensayo (su de inición, estructura, tipo, elaboración de ensayos). Lírica modernista y de vanguardia, ejercicio de análisis de textos narrativos de autores venezolanos y latinoamericanos. A través de las producciones escritas y presentadas en clase por los alumnos, se detectaron di icultades en cuanto a la lectura y escritura como lo es la pésima ortogra ía, lectura de iciente y como consecuencia muy poca habilidad para redactar, además la di icultad para expresarse y exponer, carencias que en este nivel se consideraban ya superadas en la etapas educativas anteriores, los docentes conocemos de estos problemas pero “cada quién hace lo que puede”. El Ministro Aristóbulo Isturiz en un Congreso Educativo en el Estado Lara (2005), señalaba que los alumnos salen de 5° año sin saber leer, escribir ni resolver problemas. 171 Alí León Lo que las docentes conocían de los muchacho y muchachas era su rendimiento en las materias, la iesta y música que les atrae, el hecho de que hay varias alumnas embarazadas, alumnos(as) violentos(as) con problemas de conducta, jóvenes con deseos de seguir estudiando, que expresaban querer ser más efectivos y e iciente al leer escribir y sobre todo exponer. En conversaciones con los alumnos(as), llamó la atención de que algunos jóvenes ignoraban su lugar de origen y el de sus familiares, desconocimiento de tradiciones y costumbres de su comunidad. Es así como las dos docentes decidieron tomar acciones que se correspondieran con las exigencias del desarrollo endógeno planteado para el liceo Bolivariano, (valorar el trabajo como digni icación humana, conocimiento de saberes desde lo local/ regional, identidad con la comunidad para participar de su crecimiento). Un planteamiento estrechamente relacionado con el quehacer docente que mueve las acciones para que los alumnos motivados inventen como salir de di icultades que impiden su desarrollo individual y colectivo. La docente Ana le contó a su compañera Ramona su experiencia, con las historias de vida en segunda etapa de básica, trabajó en la Escuela Vicente Emilio Sojo de la Vega, Caracas y en la Escuela Cosme Damián Peña de Petare, además la de otros educadores de diferentes regiones del país con los “Baqueanos” como material didáctico, que permite trabajar el ser, el hacer, el conocer y el convivir, logrando la integralidad del conocimiento con un desarrollo de la lectura y producción escrita que da gusto conocer. De aquí surgió la idea del proyecto. Ponerlo en práctica resultaba todo un reto, porque nunca se había trabajado las historias de vida en este nivel del diversi icado y con muchachos(as) poco interesados por leer, además los autores de los libros eran señores mayores. Pero como la educación exige docentes abiertos al cambio, comprometidos e integradores se decidieron a diseñar el proyecto. ¿Pero qué son los Baqueanos1? 1 Baqueano es un término de la región llanera que tiene como signi icado de guía, el que muestra el camino. Esa es la intención de la serie de libros los 172 Historias de vida Los Baqueanos es una serie de historias autobiográ icas, libros editados por publicaciones El Pueblo, donde re lejan la vida de personas de las comunidades y pueblos de Venezuela. En la actualidad hay 15 libros editados, entre ellos: Un pescador de Mochima, Meryz la choricera de Rió Caribe, un obrero autobucero en Caracas, un inmigrante italiano, un zuliano cantor de décimas y un indígena de la etnia Pemón del sur del país. La lectura de un baqueano hace que el lector se encuentre con gente del pueblo, gente común y corriente “como tú y como yo”. Gente que cuenta, narra sus experiencias, sus luchas, sus triunfos, alegrías y también sus sinsabores. Es una lectura plagada de sentimientos y iguras literarias; pero lo más importante son las experiencias y el ejemplo de vida de sus protagonistas. El Marco del proyecto El plan de trabajo está enmarcado dentro de los lineamientos del Ministerio de Educación y Deporte para el liceo Bolivariano (2004 - 2005). Dentro de estos lineamientos se encuentra la exigencia de un docente ejecutor de acciones y políticas para lograr la inclusión, la calidad y la pertinencia social. La educación humana debe ser continua desde el nacimiento hasta que se es adulto. Una educación holística del ser social en desarrollo exige la articulación y continuidad curricular y pedagógica para permitir el fortalecimiento de cada educando y educanda como persona, el conocimiento de sus propias capacidades y competencias. Una educación integral dentro de un enfoque constructivista y humanista. Baqueanos, mostrar caminos; caminos de esperanza, de ejemplo de luchas. Caminos de valores, familiares, valores creados por el hombre para mejorar su condición y facilitar la convivencia en la comunidad. 173 Alí León Actividades Realizadas Trabajo en equipo partiendo de la lectura del baqueano asignado a cada sección: María Leocadia Díaz “Cayita Mano Abierta” para 5° año sección “C”, Pedro Ezequiel Cedeño “Francisquito canto y poesía de Mochima” sección “D” y Pedro Alberto Orellana “Perucho valió la pena haber llegado, sección “E”, son libros de historia de vida de la serie Los Baqueanos; De los que a continuación se hace un pequeño resumen; De su vida María Leocadia Díaz, Cayita, nacida en la primera década del siglo XX, presenta el pueblo donde nació, la lucha por levantar su familia. En una época en que las poblaciones no contaban con muchos médicos esta valiosa mujer se encarga de aliviar el sufrimiento humano con sus medicinas tradicionales, Como partera logró ayudar a traer al mundo una gran cantidad de niños sin que se le muriera ninguno. Doctora sin título, doctora del pueblo, con esa sabiduría que sólo da la experiencia y el amor al prójimo, el deseo de solucionar, de ayudar. Fue defensora de la vida, de los derechos, de los propios como de los ajenos, una mujer con sentido de pertenencia, que valoraba la unión de las personas para construir pueblo, la patria. Por su parte Pedro Ezequiel Cedeño (Francisquito), cuenta su historia con maravillosa sencillez, el autor nos presenta la vida de la gente de Mochima en la que nos paseamos por los juegos tradicionales, las costumbres, sus tremenduras de niño inocente y campesino, sin malicia, sin segundas intenciones; nos muestra el dolor que representó para él la muerte de su padre, al que “respetaba y le tenía bastante cariño”. Es la historia de un hombre lleno de inmensa ternura, de ingenuidad pueblerina, y de una gran sabiduría popular que se re leja en sus versos y poesías. La tercera historia con la que trabajó este proyecto es Pedro Alberto Orellana Sosa, Perucho nos presenta la historia de un hombre nacido en el Estado Miranda, testigo de la transformación de la Venezuela rural a la Venezuela urbana, que nació y se hizo hombre en medio de la más absoluta pobreza. Perucho fue un hombre que abandonó 174 Historias de vida el hogar a muy temprana edad; salió de su campo natal rumbo a la capital impulsado por su deseo de superación, de salir de la miseria y el sufrimiento que esta lleva consigo. Pero en la ciudad conoce la soledad en un mundo distinto al del campo donde nació. Fue un niño de la calle, una persona que se abrió paso en la vida solo, sin la guía de un adulto; con deseos de superarse sin olvidar sus raíces. Descubre el valor de ser obrero lo cual lo llena de orgullo, de dignidad que llevó siempre arraigada transmitiéndola a su familia. Decía que era un obrero-poeta, un obrero-músico, un obrero abuelo, un obrero hasta la muerte. Acciones individuales y en equipo Las actividades desarrolladas fueron: Proceso de motivación para enamorar a los muchachos(as) hacia la lectura a través de: mostrar las di icultades encontradas en el diagnóstico con los trabajos realizados, desde la docente hacer lecturas cortas de párrafos de los libros que llamaban la atención por su contenido jocoso o triste, escuchar las ideas de los alumnos que se abren a leer, proceso de re lexión de lo que quieren mejorar y proponen el trabajo en equipo dentro de las actividades. Ejercicio en valores. Los alumnos identi icaron los valores presentes en cada capítulo y lo trabajaron por equipo presentándolos a sus compañeros a través de láminas representativas y comparándolos con su propia realidad. Glosario de palabras, esta actividad consistió en subrayar las palabras desconocidas en la lectura, de inirlas por el contesto o por el diccionario y luego presentarla por grupo al resto de los compañeros. Símbolo de los baqueanos (la red de Cayita, el bote de Francisquito y el autobús de Perucho). Cada una de las secciones elaboró en tamaño ampliado cada uno de los símbolos del baqueano que le correspondió. 175 Alí León Ubicación geográ ica, cultura (costumbres, juegos, comidas, medicinas tradicionales). En este punto la asignación fue que los alumnos investigaran en sus casas en que estado del país se encuentra la región donde habitaba el baqueano seleccionado, así como las costumbres, juegos, comidas, medicinas tradicionales relacionadas con dicha región y luego hacer una exposición grupal en la que se informaba al resto de la clase lo obtenido en la investigación. Conociendo mis Raíces, los alumnos investigaron sobre su familia: abuelos, padres y ellos mismos; la localidad donde nacieron, el estado y anécdotas que han vivido. Presentaron la investigación en forma de álbum o cuadernillo, que fue ilustrado con fotos personales y familiares. Los aspectos que se evaluaron en estas actividades fueron: Presentación, redacción, contenido y ortogra ía. El Baqueano de la comunidad: Los alumnos localizaron a una persona que vive en su comunidad y posee cualidades personales de baqueano: trabajadora, honesta, emprendedora, con deseos de superación, amante de la unión familiar y comunal. Entrevistaron a este baqueano y luego hicieron una redacción sobre lo recogido en la entrevista. Este trabajo fue presentado en forma de libro ilustrado con fotos que los baqueanos comunales cedieron gustosamente a los estudiantes. Actividad conjunta para presentar los alcances del proyecto con los tres quintos años (C, D, E) Se organizó una presentación pública en el liceo Antonio Ortega Ordóñez para la que se invitaron al personal directivo, administrativo, obreros y profesores del plantel, también fueron invitadas personalidades del Distrito Escolar N° 5, así como las personas que gustosamente con iaron parte de su vida a los estudiantes para ser presentados como Baqueanos. 176 Historias de vida Esta actividad se desarrolló de la siguiente manera. Palabras de Bienvenida de la directora del plantel. Palabras de agradecimiento e introducción por parte de la profesora Ramona Sojo. De inición del termino Baqueano, sus características, su acción, su aporte y valores que los cali ican como Baqueano por parte de uno de los estudiantes. Luego se realizó una representación teatral de la vida de Cayita, Francisquito y Perucho. Más adelante uno de los alumnos dirigió una conversación con los baqueanos localizados en la comunidad y que se encontraban presentes en el evento. Esta experiencia fue muy grati icante, ya que estas personas se sentían muy agradecidas que su trabajo fuese tomado en cuenta y se les rindiera un homenaje por una labor que ellos realizan por amor a su familia, a su comunidad y al país. Labor por la que nunca esperaron ninguna grati icación. Hubo lágrimas de alegría y de sentimientos por vivencias removidas a través del recuerdo. El evento se cerró con la invitación de la profesora Ana Coello a ver la exposición de los trabajos realizados por los estudiantes y la degustación de la comida tradicional que enseñaron a elaborar los baqueanos en sus libros. Integración de Contenidos La plani icación de las actividades se efectuó integrando el área de lengua, geogra ía, historia, identidad nacional; enlazándolos con los objetivos generales de castellano y literatura, como son: Expresarse con calidad y corrección al exponer, explicar o discutir los aspectos literarios aprendidos. Enriquecer el vocabulario a través de un texto literario. Utilizar correctamente fuentes de información que le permitan aumentar sus conocimientos literarios. 177 Alí León Identi icar a través de textos seleccionados ideas, temas, formas expresivas, recursos y características de una obra literaria. Resumir, elaborar síntesis y redactar conclusiones precisas acerca de temas estudiados. Demostrar el progreso de su buen gusto literario al interesarse por las buenas lecturas. Relacionar el fenómeno literario con los hechos de carácter histórico, social, económico y político que caracterizan una época determinada. Emitir juicios comparativos en torno a épocas, movimientos literarios, temas y autores diferentes estudiados en el año escolar. Ordenar correctamente sus ideas y emitir juicios personales en forma oral o escrita Realizar producciones escritas y exponerlas. Esta experiencia con los baqueanos que se inicio en el año 2004 y ha continuado cada año escolar hasta 2010, se ha trabajado con grupos diferentes y se han obtenido resultados importantes, cambios en el ambiente, en la relación con los muchachos. Un festival de teatro con la presentación de una obra de teatro por cada salón. Exposición de comidas y bebidas tradicionales. Presentación de los baqueanos de la comunidad. Presentación conjunta de trabajos de varias disciplinas. Sistematización y Socialización de la experiencia. Pero esta experiencia esta vinculada a una red, a otros docentes que se reúnen y comparten sus logros sus di icultades. Metodología surgida de estas experiencias Tuvo su origen en el Estado Zulia, en el año 1991, en Educación Primaria como un ensayo pedagógico, cuyo punto de partida era la creciente necesidad de los niños y niñas por apropiarse de la lengua oral y escrita. Proyecto sostenido durante años consecutivos por los mismos docentes con el apoyo de Ediciones El Pueblo a través de la colección de 178 Historias de vida narraciones autobiográ icas “Los Baqueanos” dentro del proyecto “Un niño, un libro”. En 1991 el educador José Fonseca profesor de cuarto grado de educación de la Escuela básica San Ignacio, en Maracaibo, Estado Zulia, ante el siguiente diagnóstico: nivel de lectura bajo, falta de atención y agresividad, decidió utilizar la Historia de Vida de Abrahán Rodríguez (Paito), para motivar la lectura y promover valores obteniendo los siguientes resultados: “Paito con su vida, ha transmitido con mucha fuerza valores fundamentales: El amor por la naturaleza, el amor por el trabajo, la responsabilidad, la honradez, la solidaridad, el respeto a la persona … Han tenido apertura para leer en la biblioteca fuera de las horas reglamentarias” Fonseca. (1993). Fonseca (1993) elaboró, a partir de esta experiencia una guía con pistas para utilizar las Historias de Vida como herramienta pedagógica en la lectura y escritura. Que ha sido utilizada en diversas experiencias, a lo largo de estos años y que el equipo de ediciones el pueblo y su red de educadores ha venido sistematizando estas experiencias especialmente de Educación Primaria. Se recogen distintas y variadas estrategias que han generado elementos metodológicos, lexibles y abiertos, orientados a desarrollar toda la creatividad de los docentes que utilicen las historias de vida autobiográ icas, ya que la experiencia por si sola se debe adaptar al grupo, al contexto local y a la realidad de la región donde se desarrolla. Historias de Vida como recurso integrador Al trabajar de manera integrada, se supera la fragmentación del conocimiento que responde al enfoque positivista que tanto daño ha hecho; por ello, asume la orientación del conocimiento complejo e interdisciplinario. La sistematización y la re lexión de las experiencias realizadas permiten precisar que al usar las historias de vida como recurso integrador, se desarrollan momentos que no necesariamente son lineales y además pueden surgir otros que el grupo por su dinámica decida. 179 Alí León 1. 2. 3. Motivación. El docente lee la historia de vida, la descubre, para identi icarse con experiencias de la vida del autor y mantener su propia motivación. Valora los componentes que aporta la historia de vida; tanto, en lo referente a las áreas de aprendizaje, como los valores que se expresan a través del relato. Asume el rol de investigador creativo que incorpora la historia de vida como un recurso pedagógico potencial para promover el aprendizaje signi icativo. Crea estrategias y actividades de alta motivación en el grupo hacia el aprendizaje. Para ello, hace el diagnóstico participativo de necesidades académicas y sociales; integra las historias de vida en las dinámicas, juegos, otras lecturas, adivinanzas, poesías, canciones, títeres, refranes, pensamientos, chistes, rimas, periódicos, murales, revistas, teatro, otros. Prepara y dispone a los niños, niñas y adolescentes para asumir un proceso de construcción del conocimiento a través del proyecto de aprendizaje. Proceso de construcción Desde la lectura de la historia de vida se hace la relación texto/ vida para recuperar los acervos de los estudiantes, su relación con los contenidos pedagógicos necesarios en el proceso de formación. Construyendo docente/estudiante/comunidad los proyectos de aprendizaje que son proyectos de investigación que se estructuraran de forma plani icada, jerarquizando la propuesta de acuerdo a los intereses de aprendizaje dentro del cronograma del lapso. 1. 2. Se conversa sobre lo que es un proyecto de aprendizaje. ¿Cómo se hace? y ¿Para qué?. Se plani ica: ¿Por qué? ¿Para qué? ¿Cómo? ¿Cuándo? ¿Dónde? ¿Con quiénes? ¿Qué y cómo evaluar? 180 Historias de vida 3. 4. 5. 6. Se conversa sobre: a) ¿Qué son técnicas y herramientas pedagógicas? b) Tipos de técnicas y herramientas. c) ¿Para qué sirven? d) ¿Cómo se usan? e) ¿Qué técnicas y herramientas usar para recoger la información? Recogidos los datos y construida la matriz “semántica; cada grupo a través de nuevas lecturas en otros documentos, consultas a personas, observación directa, experimentos, otros; recopila, discute, compara, re lexiona, organiza, saca conclusiones y registran”. Reelaboran e enriquecen lo trabajado con nuevos aportes dados por sus miembros. Socializan a través de la construcción de poesías, canciones, bailes, teatros, carteleras, a iches, composiciones, exposiciones u otros. El docente asume el rol de facilitador del proceso, profundizando los contenidos trabajados por los estudiantes. Además, integra y relaciona con los contenidos curriculares. Lectura y escritura de historias de vida 1. 2. 3. 4. 5. Aceptada la historia de vida por los estudiantes y los representantes, cada persona incorpora el libro a sus útiles escolares. Diariamente, leen dos o tres párrafos, según la orientación de la plani icación. Realiza lectura visual, audible individual, audible colectiva, se trabaja el signi icado de las palabras que llaman la atención de los estudiantes. Se promueve ejercicios de imaginación sobre los elementos que ofrece lo leído, y deben ser plasmados a través de a iches, carteleras, dibujos, pinturas, colage, textos, otros. Hacen la rememoración de la propia vida desde la relación texto/ vida. Cada estudiante se expresa voluntariamente, el docente modera la participación. Se escribe lo que han contado. Estos registros representan un recurso valioso para trabajar la gramática con todos y todas. 181 Alí León 6. 7. 8. 9. 10. Desde estos escritos, se les propone escribir su propia historia. Los representantes cuentan a sus hijos lo que ellos desconocen o no recuerdan de su propia vida. Cada estudiante va elaborando, en un cuaderno exclusivo para ello, su propia autobiogra ía. El docente va corrigiendo junto a cada uno. Se les pide que reescriban nuevamente lo corregido, escribiendo correctamente las palabras, orientando la hilación de las ideas, organizando la escritura por párrafos. Se sugieren posibles aspectos de sus vidas, a tener en cuenta para dar continuidad a la historia. Se organiza sesiones de lectura con los textos producidos. Se transcriben o se reproducen de forma exacta para trabajar la gramática, de acuerdo a las necesidades que presente el texto. Se conversa sobre cómo se elaboró el texto y qué aprendizajes se alcanzaron. Agotada la propia historia de vida, por parte de cada estudiante, se procede a hacerle una revisión inal de forma personal y si es posible colectiva para reescribirla en forma impecable y socializarla. Durante todo el proceso, se implementa la revisión de contenidos, recursos, metodología, e impacto del proceso. Para ello, se utiliza la técnica de “Reconstrucción Metodológica” que permite reconstruir los contenidos trabajados y la metodología aplicada. Esta técnica lleva también, a introducir la re lexión de lo que se plani ica y lo que se hace en la práctica. Sistematización y socialización de la experiência Es el momento, en que el o la docente hace una reconstrucción escrita de la experiencia, utilizando todas las producciones tanto de los estudiantes como de él mismo. Las producciones de los niños como docente, trabajos inales y todas las creaciones permiten rememorar los contenidos trabajados, la metodología aplicada, ubicar los hechos en el tiempo e integrar las re lexiones que nos deja el proceso vivido. 182 Historias de vida Por lo general estas experiencias se comparten con docentes que también han trabajado con historias de vida o como escuela al cierre del año escolar, convirtiéndose en un espacio de aprendizaje a partir de la praxis. Historias de vida como recurso de apoyo El uso de historias de vida como recursos de apoyo en Educación Primaria puede ser un paso previo a su utilización como recurso integrador, en este sentido las experiencias de docentes en diferentes subsistemas y regiones se dirigen a: Fortalecimiento de la lectura y escritura Motivación hacia la lectura y escritura Análisis e intercambio oral a partir de la lectura. Fortalecimiento de valores. Ser una referencia para la construcción de la propia historia de vida y de otros personajes. En algunas de las estrategias metodológicas desarrolladas se dan pasos didácticos como: - Lectura del texto seleccionado de forma visual y audible. - Lectura audible y secuencial. - Registro de lo que los padres y las madres cuentan a sus hijos. - Conversación sobre la lectura hecha por los estudiantes con sus padres para recordar aspectos de la infancia. - Lectura de lo escrito para corregir y redactar. - Lectura del docente para hacer sugerencias de lo escrito por los estudiantes. En el subsistema de Secundaria (Liceo) el uso de las historias de vida se ha experimentado como recurso de apoyo puntual para la lectura 183 Alí León y para re lexionar en distintas áreas del conocimiento. Como ejemplo de las actividades desarrolladas se tiene: 1. 2. 3. 4. 5. 6. Proceso de motivación para enamorar a los estudiantes hacia la lectura: El docente muestra las di icultades encontradas en el diagnóstico con los trabajos realizados, hace lecturas cortas de párrafos de los libros que llaman la atención por su contenido jocoso o triste, escucha las ideas de los estudiantes que se abren a leer, promueve proceso de re lexión de lo que quieren mejorar los estudiantes y propone el trabajo en equipo para desarrollar las actividades. Ejercicio en valores. Los estudiantes identi ican los valores presentes en cada texto leído y lo trabajan por equipo comparándolos con su propia realidad para socializarlos a sus compañeros a través de láminas representativas. Glosario de palabras: En subgrupos, subrayan las palabras desconocidas en el texto para buscar su signi icado por el contexto o en el diccionario y luego presentarlas al resto de los compañeros. Ubicación geográ ica: Ubican en el mapa los lugares de origen de los estudiantes y del baqueano que trabajan. Investigan en qué estado del país se encuentra la región donde habita el baqueano seleccionado, así como las costumbres, juegos, comidas, medicinas tradicionales relacionadas con dicha región y luego realizan una exposición por grupo en la que se informa al resto de la clase, lo obtenido en la investigación. Conociendo mis Raíces: Los estudiantes hacen una investigación sobre su familia: abuelos, padres y ellos mismos; la localidad donde han nacido, el estado y anécdotas que han vivido. La presentan en forma de álbum o cuadernillo ilustrado con fotos personales y familiares. El Baqueano de la comunidad: Los estudiantes junto a su docente localizan a una persona que vive en su comunidad y 184 Historias de vida que posee cualidades personales de baqueano: trabajadora, honesta, emprendedora, responsable, amante de la unión familiar, constructores de comunidad, solidarios. Entrevistan a este baqueano y hacen un registro organizado sobre lo recogido en la entrevista. Este trabajo es presentado en forma de libro ilustrado con fotos de los baqueanos comunales. Historias de vida como recurso para la formación docente: experiencias desarrolladas con estudiantes universitarios En la materia de Ciencias Sociales en las carreras de Educación y Relaciones Industriales, se han aplicado variadas estrategias metodológicas, asumiendo que las Ciencias Sociales son mucho más que historia y geogra ía. Son el tiempo, el espacio y los valores. Alrededor de estas tres palabras se desarrolla un proceso formativo: La historia de la familia, los cambios que ha habido de una época a otra, se entienden y asumen en la línea del tiempo. Haciendo la ruta del baqueano con el apoyo de un mapa, se ubica a los estudiantes en el espacio para entenderse como parte de él. Dentro del espacio está toda la idea de redes, redes que hacen que las personas puedan funcionar dentro de lo colectivo (la red de la familia, de la comunidad, de la parroquia, de los municipios, del estado, del país, del continente). Se estudia, como toda esa red, ayuda a organizarse. Luego, están los espacios virtuales: a través de la televisión, el Internet, enterarse de lo que está pasando en otros países del mundo, casi en tiempo real. Esto, es parte del entendimiento del espacio; por ello, siempre se trabaja en conjunto, no se debe trabajar tiempo sin espacio o espacio sin tiempo. Dentro de todo esto se encuentran los valores. Partiendo de la vivencia de los mismos estudiantes se trabaja mucho sobre la familia para que asuman la idea de que cada 185 Alí León persona es parte de la historia: su crecimiento, cómo ha ido cambiando la realidad. Al inicio, los estudiantes están dudosos de la metodología aplicada por el docente, pero los que vienen del estrato más necesitado enseguida vinculan al baqueano con su vida y expresan: “se parece a mi abuelo, a mi abuela”. Interesa que los estudiantes al leer los baqueanos se den cuenta qué pasó y está pasando en el país para ese momento. Por ejemplo, la baqueana Demetria llega a la Plaza Bolívar de Caracas y le llama la atención porque hay muchos cables, pero en ese tiempo, el servicio de luz y de teléfono era por cables sobre la tierra, en palos. Hoy, en la Plaza Bolívar no hay tantos cables, ahora están por tubería debajo de la calle. La mamá de Demetria hace una barraca por la comunidad de Mary Pérez, y con el tiempo la sacaron de allá. Hoy, por esos lados lo que hay son edi icios grandes. Iniciando a docentes en ejercicio desde el acompañamiento personal En este proceso se acompaña al docente en ejercicio a través de visitas y reuniones en las escuelas, donde se comparte la metodología del trabajo con historias de vida a partir de experiencias realizadas por docentes en otras instituciones educativas. Posteriormente, se van desarrollando actividades que permiten revisar y compartir los contenidos integrados de las áreas de aprendizaje en varias secciones de un mismo grado. Así mismo, el docente es invitado a actividades en las que comparte con docentes de otros grados y re lexionan sobre el aporte que da su experiencia pedagógica al currículo nacional. Finalmente Esta experiencia que desarrollan varios docentes, muestra desde la práctica que si es posible integrar, que la fragmentación es superada 186 Historias de vida en la creatividad del docente. Como lo dice Villegas (s.f) recopilador de los primeros baqueanos “Es la presencia de un pueblo lo que cobraba fuerza en la conciencia, y era la voz de ese pueblo, con su propio acento y giros idiomáticos la que nutría al viento que giraba por las enramadas de Mochima…” Estas historias de vidas leídas en el salón de clase se cruzan se enlazan, y fecundan mutuamente, con la vida del estudiante del docente del representante, para reconocer las raíces comunes y abandonarnos al cuento que nos cuentan, con su candor su entusiasmo y su manera sencilla de repensar la propia vida. Desde el punto de vista epistemológico esta experiencia está en plena producción de conocimientos signi icativos, crea y se recrea integral y permanentemente. Referencias EDICIONES EL PUEBLO. Informe Equipo Pedagógico de trabajo con Historias de Vida de la Serie los Baqueanos. Caracas, 2009. FONSECA, J. Una experiencia de lectoescritura. Caracas: Ediciones El Pueblo, 1997. _____. Proyecto pedagógico con Historias de vida de la serie los baqueanos. Caracas (Sin publicar), 2003. _____. Aprendizaje signiϔicativo en la Escuela Siglo XXI. Caracas: Ediciones del Pueblo, 2006. Disponible en: <http:// edicioneselpueblo.net irm.com/Informa.htm.> Acesso em: 6 mar. 2010. MORIN, Edgar. Los siete saberes necesarios para la Educación del futuro. UNESCO, Paris, Francia, 1999. _____. Introducción al Pensamiento Complejo. Barcelona: GEDISA, 1994. 187 Alí León _____. Pensamiento Complejo. 2001. Disponible en:<www.complejidad.org/emorin.htm> Acesso em: 6 mar. 2010. DIAZ, María Leocadia. Cayita mano abierta. Serie Los Baqueanos. Caracas: Ediciones el Pueblo, 1994. MINISTERIO DE EDUCACIO. El sistema Educativo Bolivariano. Ministerio Educacion: Caracas, 2007. PELAÉZ. R.E. “Mi Aventura”. Serie Los Baqueanos, Nº 3. Caracas: Publicaciones El Pueblo, 1992. PROYECTO EDUCATIVO NACIONAL. Aspectos Propositivos. 1999. Disponible en: <www.analitica.com/va/sociedad/ documentos/5913190.asp> Acesso em: 6 mar. 2010. RODRÍGUEZ, A. Paíto. 3ª Ed. Caracas: Ediciones el Pueblo, 1997. VILLEGAS P., Jorge M. Por qué y cómo es el cuento que te cuento. Caracas: Publicaciones el Pueblo, S/F. 188 Itinerário da fotocartograϐia sociocultural Itamar de Morais Nobre Vânia de Vasconcelos Gico Introdução A Cartogra ia, na de inição mais simpli icada do seu conceito (FERREIRA, 2004), é a “arte ou ciência de compor cartas geográ icas; tratado sobre mapas”, um estudo desenvolvido acerca da elaboração de mapas como “representação, em super ície plana e em escala menor, de um terreno, país, território”, “quadro sinóptico, grá ico, lista descritiva, catálogo, relação”. É considerada por Raisz (1969) como uma das atividades da comunicação grá ica e da documentação escrita sobre fatos passados mais antigos do mundo, sendo a confecção de mapas observada por este autor como precedente à escrita. Ele cita como o mais antigo mapa conhecido no mundo, um babilônio, tendo sido talhado em um bloco de argila cozida, com suposta datação do ano de 2500 a.C., descoberto nas escavações das ruínas da cidade de Ga-Sur, ao norte da Babilônia. Este vocábulo - cartogra ia - é resultado da junção das palavras carta e gra ia, sendo, a primeira oriunda do grego chártes, do latim charta, considerada, entre outras de inições como “comunicação manuscrita ou impressa devidamente acondicionada e endereçada a 189 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico uma ou várias pessoas; missiva, epístola; mapa que representa linhas de navegação aérea”, sendo, a segunda, também originada do grego graphía e gráphein, “ação de escrever; maneira de escrever ou de representar; escrita; descrição, tratado ou estudo; reprodução grá ica, registro”, constituindo a de inição de cartogra ia mais comum, como a escrita das cartas e dos mapas, a qual tem como problema principal a confecção dos mapas, conforme pensa Raisz (1969). O termo cartogra ia é proveniente da geogra ia, compreendido por Joly (1990, p. 7) como sendo “a arte de conceber, de levantar, de redigir e de divulgar os mapas”. Para este autor, “um mapa é uma representação geométrica plana simpli icada e convencional, do todo ou de parte da super ície terrestre, numa relação de similitude conveniente denominada escala”, oferecendo uma imagem grá ica do espaço observado e delineado. Para Raisz (1969, p. 1), a cartogra ia objetiva “reunir e analisar dados e medidas das diversas regiões da terra,, e representar gra icamente em escala reduzida os elementos da con iguração que possam ser claramente visíveis”, sendo o mapa, para este autor, “um desenho seletivo, convencionado e generalizado de alguma região de uma grande área, comumente da super ície terrestre, como se vista de cima e numa escala muito reduzida” (p. 89). Embora a cartogra ia, em 1949, tenha sido considerada, por uma comissão de especialistas das Nações Unidas, como uma ciência que se ocupa da elaboração de mapas de toda a espécie, desde os primeiros levantamentos até a impressão inal dos mapas, por Raisz (1969) e Santos (2001) é entendida como ciência e arte. Oliveira (1993) acredita que esta seja um método cientí ico1 que se destina a expressar fatos e fenômenos observados na super ície terrestre, por meio de simbologia própria, utilizando dados obtidos através de levantamentos tradicionais 1 Este conceito foi descrito, conforme Oliveira (1993), no sumário do relatório elaborado por esta comissão, reunida em Lake Success. Discordamos do conceito de método cientí ico para a cartogra ia, visto que a mesma é uma técnica de pesquisa, uma estratégia metodológica para coleta dos dados e não princípio para interpretação dos dados coletados na pesquisa. 190 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural ou de sensoriamento remoto2; explicando, de forma organizada e com idelidade, fatos e fenômenos, semelhantes aos apresentados quando foram coletados. Nas considerações acerca da cartogra ia, Oliveira (1993, p.13) noti ica que, em 1964, a Associação Cartográ ica Internacional (ACI) estabeleceu, no XX Congresso Internacional de Geogra ia, em Londres, o conceito de cartogra ia como sendo o Conjunto de estudos e operações cientí icas, artísticas e técnicas, baseado nos resultados de observações diretas ou de análises de documentação, com vistas à elaboração e preparação de cartas, projetos e outras formas de expressão, assim como a sua utilização. (OLIVEIRA, 1993, p.13). Joly (1990, p. 8-9) nos mostra de inição quase idêntica, elaborada pela Comissão para a Formação de Cartógrafos da ACI, em uma reunião na Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em Paris, em 1966, para a qual a cartogra ia compreende O conjunto dos estudos e das operações cientí icas, artísticas e técnicas que intervêm a partir dos resultados de observações diretas ou da exploração de uma documentação, em vista da elaboração e do estabelecimento de mapas, planos e outros modos de expressão, assim como de sua utilização. (JOLY 1990, p. 8-9). A expansão da cartogra ia moderna, no entanto, disseminou o seu uso pelas diversas ciências, tornando-se conhecida através dos mapas climáticos, oceanográ icos, sismológicos, de vegetação, arqueológicos, históricos, de tempo e regionais. Dentre estes podem ser citados os de localidade, político, geológico, de solo, agrícola, transporte, de densidade populacional e de 2 Segundo Ferreira (2004) é a “análise das condições geológicas e climáticas da Terra mediante a utilização de satélites com sensores destinados à detecção dessas condições, para levantamento de solos, mapeamento, controle de acidentes geológicos, etc”. 191 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico condições sociais. Este último é representado gra icamente por mapas de grupo de renda, condições de saúde, mortalidade, raças, religiões, educação, recreação e divertimento, conforme Raisz (1969). Além dessas modalidades de uso da cartogra ia, o termo tem sido empregado por diversos campos das Ciências Humanas como estratégia metodológica de pesquisa para o entendimento da subjetividade, das relações sociais e das representações simbólicas, elevando a sua importância do mundo da geogra ia para o universo transdisciplinar, sendo discutida de diversas maneiras e com novas peculiaridades na Psicologia, no Serviço Social e nas Ciências Sociais, denominada Cartogra ia Sentimental (ROLNIK, 1989), Cartogra ia Social (SPOSATI, 2000) (OPODS, 2002) e também Cartogra ia Simbólica ou Sociologia Cartográ ica (SANTOS, 2001). Para autores da Psicologia como Kirst et al (2003, p.100-101), a cartogra ia Propõe-se a capturar no tempo o instante do encontro dos movimentos do pesquisador com os movimentos do território de pesquisa [...], trabalha com a atribuição de sentidos em relação aos percursos de uma investigação, uma leitura particularizada - e consciente de sua particularidade, sua condição relativa - que considera saberes diversos, e outras tantas informações e expressões como inventores da complexa condição humana nos devires da produção do conhecimento. (KIRST et al., 2003, p.100-101). Nesse sentido, Kirst (2003) reúne autores para discutir a problemática da cartogra ia como procedimento de análise e pesquisa. No Serviço Social, Sposati (2000, p.7) mostra o uso de mapas sociais da exclusão e da inclusão social como resultado da Cartogra ia Social desenvolvida na cidade de São Paulo, de inindo-a como Uma metodologia de análise3 geo-espacial de dados e produção de índices intra-urbanos sobre 3 Também aqui discordamos da cartogra ia como metodologia de análise, pois como a própria autora expõe “permite conhecer o lugar” [...] é um elemento para análise” e não a análise em si. 192 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural exclusão/inclusão social e a discrepância territorial da qualidade de vida. Ele permite conhecer o ‘lugar’ dos dados (sua posição geográ ica no território) como elemento para análise geo-quantitativa da dinâmica social e da qualidade ambiental. (SPOSATI, 2000, p.7) Trabalhos desenvolvidos pelo OPODS, através da Cartogra ia Social, mostram que o mapa social não consiste apenas num instrumento de representação da realidade na sua expressão espacial, ou num diagnóstico de situação resultante de um trabalho técnico ou acadêmico. Ele representa sobretudo uma oportunidade para estabelecer relações entre os dados e a população dos territórios cartografados, favorecendo uma percepção mais clara das condições de vida desiguais por parte dessa população (OPODS, 2002, p. 96). Além disso, a cartogra ia social torna mais notável as transformações que não conseguimos absorver visualmente e Consegue isso através de um expediente simples: reduzir a realidade geográ ica, por mais extensa que seja, a uma representação que caiba numa folha de papel dominável pelo nosso olhar e, nesse processo de abstração e representação, selecionar indicadores que traduzam mais ielmente as dinâmicas estudadas (OPODS, 2002, p. 97). Por sua vez, Santos (2001, p.198), ao propor uma Cartogra ia Simbólica ou Sociologia Cartográ ica, visa demonstrar as qualidades virtuais analíticas e teóricas de uma abordagem sociológica que tome por matriz de referência a construção e a representação do espaço, a irmando: Recorro à cartogra ia pela virtuosidade dos seus instrumentos analíticos, mas também, e sobretudo, porque a cartogra ia é uma ciência em que o fundacionalismo epistemológico da ciência moderna e a sua correspondente teoria da verdade são particularmente inverossímeis. (SANTOS, 2001, p.198). 193 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico Assim sendo, ele justi ica sua opção pela cartogra ia do direito como modo de “imaginar e representar o espaço, permitindo identi icar estruturas profundas da representação jurídica da realidade social” (Id., Ibid) Esta trajetória da Cartogra ia desde o seu surgimento na Geogra ia, contudo, teve no seu percurso expansivo desde o seu início, como ainda hoje faz, necessariamente, o uso da imagem como recurso para elaboração de mapas e, certamente, a relação mais próxima da fotogra ia com a cartogra ia tenha sido percebida, inicialmente, através da Fotogrametria, registrada por Paredes4 (1986, p.11), como sendo “a arte, ciência e tecnologia de obter informações seguras acerca de objetos ísicos e do meio, através de processos de registro, medições e interpretações das imagens fotográ icas e padrões de energia eletromagnética registrados”. Segundo ainda este autor (p. 17), a Fotogrametria foi introduzida como sendo inicialmente denominada de Metrofotogra ia, por um o icialengenheiro das Forças Armadas francesas chamado Aimé Laussedat5, após tomar conhecimento da publicação do processo fotográ ico6, experimentando o uso da fotogra ia para ins de levantamentos topográ icos, construindo o primeiro instrumento a partir da junção de um teodolito7 e uma câmera fotográ ica, chamado de Fototeodolito. 4 5 6 7 O autor cita como fonte desta de inição, a Revista Photogrammetric Engineering and Remote Sensing. Existe bibliogra ia especializada disponível para todos estes nomes técnicos; abstraímo-nos de elencá-la porque o objetivo aqui é apenas informar o signi icado para entendimento do texto. Raisz (1969) acredita que Laussedalt (gra ia do autor), seja considerado o primeiro a fazer levantamento fotográ ico, mas em 1858 e, na guerra de 1871, a França usou a fotogra ia para os trabalhos de espionagem. No Brasil, a Fotogrametria teria sido introduzida, conforme Moura Filho (1997), em 1922, através da Missão Austríaca. Em 1839. Segundo Ferreira (2004), “Instrumento óptico para medir com precisão ângulos horizontais e ângulos verticais, muito usado em trabalhos topográ icos e geodésicos”. 194 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural A câmara fotográ ica passa a ser utilizada como sensor de registro, a im de captar dados da super ície terrestre, para serem examinados com o propósito de identi icar objetos e determinar seus signi icados, através da fotointerpretação, inclusive em experiências espaciais pela NASA8. Com o desenvolvimento tecnológico, a fotogrametria9 divide-se, segundo o tipo e posição espacial da câmera e a sua inalidade, dentre os quais destacamos pela relação intrínseca à nossa discussão: a Fotogra ia Cartográ ica, um tipo de fotogra ia aérea, usada para elaborar mapas topográ icos ou para fazer medições fotogramétricas de precisão com câmeras cartográ icas, possuindo elementos internos (distância focal, formato, plano focal) perfeitamente regulados (PAREDES, 1986, p. 26). Raisz (1969) sublinha que as técnicas modernas de cartogra ia têm uma relação tão intensa com a fotogra ia que o pro issional precisa ter alguma idéia da inalidade geral dessa arte. Historicamente, a cartogra ia foi estimulada no início do século XX com a utilização da fotogra ia aérea, sendo possível combinar diversas fotogra ias verticais para formar um mosaico que substitui o mapa, através da fotocarta ou fotomapa, processo de mosaicos dentro de um sistema quadriculado para a fotointerpretação (OLIVEIRA, 1993). No entanto, a relação da fotogra ia com a cartogra ia pode ir mais além do que se imagina, principalmente no que se refere à escala do referente projetado no plano fotográ ico. Se para Santos (2001, p. 202) os mapas são sempre uma versão miniaturizada da realidade, podemos supor que seja possível pensar a fotogra ia como um mapa, pois, quando olhamos uma fotogra ia, podemos supor a visualização de um mapa, uma representação plástica de algo ou de alguém; quando olhamos uma fotogra ia não é a ela que vemos, como diz Barthes (1984), vemos algo ou alguém cuja existência é um fato que foi comprovado, sendo agora 8 9 (National Aeronautic and Space Administration - Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos E.U.A). Segundo Paredes (1986), a fotogrametria foi dividida em cinco grupos: fotogrametria terrestre, fotogrametria aérea, fotogrametria espacial, fotogrametria não-topográ ica, fotogrametria analítica. 195 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico representado, pois estiveram situados no tempo e no espaço como representação sociocultural daquele momento histórico. Olhar um mapa é como olhar a transposição reduzida de uma representação do existente para próximo de nós, para as nossas mãos, para nossos olhos; nossa interpretação, o mesmo processo que percorremos ao olhar para uma fotogra ia. Quando estamos de posse de uma imagem fotográ ica, conforme Nobre (2003, p.24): É o mundo miniaturizado na fotogra ia que vemos. A fotogra ia, pensamos, é o portal para este mundo, tanto que o ato compenetrado de observar uma fotogra ia pode ser o ato do esquecimento dela, enquanto objeto, indo de encontro ao mundo que ela permea. Ela conta sobre o que existiu e, cremos, não se pode negar o seu caráter referencial. A partir dela existe o antes e o depois em um movimento dialético. Nessas condições, cartogra ia e fotogra ia possuem um caráter relacional, pois, tanto o mapa quanto a fotogra ia são ferramentas reveladoras de um cenário a ser percorrido, a ser penetrado por nossos olhos e re letido. Sendo possível, através de uma e de outra, conhecer previamente as características deste cenário, quanto aos seus aspectos sociais, culturais, econômicos e ambientais sem necessariamente têlo visitado. Assim, propomos neste trabalho a junção da cartogra ia, advinda inicialmente da Geogra ia, passando para o Direito, como propõe Santos (2001) com a imagem fotográ ica em sua ampla abrangência da arte à semiótica, e estudada nas Ciências Sociais. A este tecido complexus10 estamos chamando fotocartogra ia sociocultural. Fotocartograϐia sociocultural Nas Ciências Sociais a fotogra ia, enquanto objeto de estudo, vem ocupando um lugar de relativo crescimento, o que pioneiramente 10 Complexus, do verbo complectere, o que é tecido em conjunto. (MORIN, 2005). 196 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural era tema quase sempre da antropologia, e tem contribuído para o conhecimento histórico e o entendimento de questões sociais, ambientais, culturais do cotidiano, além da comunicação social. Andrade (2002) nos chama a atenção para pesquisadores como Gregory Bateson e Margaret Mead, os quais, já entre os anos de 1936 e 1938, utilizaram a fotogra ia como recurso para coleta de dados para entender as características socioculturais do povo balinês. Há ainda, entre outros, autores que izeram uso desta técnica nas suas pesquisas ou visitas de campo como Lévi-Strauss (1994), Achutti (1997), Guran (2000), Leite (2000) e Nobre (2003). No entanto, mostrar as condições socioculturais de determinados espaços através da imagem fotográ ica pode transformar-se em um trabalho com resultados apenas estéticos ou ilustrativos, caso não haja a preocupação em de inir-se uma estratégia de investigação. Mesmo com tantas investidas notáveis, tratando-se de discutir novas possibilidades de coleta de dados, as tentativas de elaboração e de apresentação de novas propostas aplicáveis no campo nunca são demais. Em vista disso, no decurso de uma pesquisa anterior11, experimentamos o uso da fotogra ia no campo de pesquisa como fonte de informação nas Ciências Sociais (NOBRE, 2003) e tivemos como conseqüência a abertura de novos horizontes e surgimento de novas inquietações, revestida, ao nosso ver, de elementos originais. Nesta investigação, religamos a cartogra ia e a fotogra ia em uma Fotocartogra ia a im de contribuir para o desvendamento de aspectos socioculturais, econômicos e naturais da RDS Ponta do Tubarão, focus da pesquisa acima citada. Neste campo empírico buscamos a possibilidade de contextualizar a cultura e a história em construção, documentar e informar a partir de dados coletados em campo, através da observação 11 Pesquisa desenvolvida na primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do RN e denominada Ponta do Tubarão. Unidade de Conservação (UC), situada nos municípios de Macau e Guamaré, no litoral norte do Estado do Rio Grande do Norte, distante cerca de 200 quilômetros da capital Natal, espaço empírico onde foi desenvolvida e experiência. 197 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico e levantamentos efetuados pelo fotógrafo-cartógrafo-pesquisador, como nos sentíamos. Associamos a Fotogra ia à Cartogra ia, com base nas con igurações da Cartogra ia Sociológica ou Simbólica, modi icando os percursos da coleta de dados e a apresentação de resultados. Assim, anexamos à nossa inquietação as questões surgidas inevitavelmente naquele início de percurso, como por exemplo: os aspectos de uma Fotocartogra ia Sociocultural e o seu propósito, a sua relação com o desvendamento e a análise de informações socioculturais, o desenvolvimento desta estratégia metodológica de pesquisa, a sua relação com sociedade e cultura, a relação das ocorrências sociais e culturais com as pessoas da RDS Ponta do Tubarão. Assim, acreditamos que uma Fotocartogra ia Sociocultural pode estar diretamente ligada aos aspectos do cotidiano sociocultural do campo empírico a que venha ser desenvolvida; com o propósito de mapear imageticamente, através da fotogra ia, o itinerário da constituição daquele espaço, delineando o modo de vida dos seres humanos que o habitam, assim como aspectos da comunicação social. Ao estudarmos a fotogra ia como instrumento de pesquisa, especi icamente na forma de uma Fotocartogra ia Sociocultural, pretendemos colaborar para uma documentação escrita e visual de ocorrências socioculturais da Reserva, tendo em vista a dinâmica da sociedade como produtora de modi icações de comportamentos e relações. Fotocartografar é, portanto, mapear e investigar observando, narrando e descrevendo fotogra icamente o meio referente em questão, levando em consideração, contudo, o compromisso do cartógrafo-pesquisador com a vida. Imbuído deste valor humanista com responsabilidade cientí ica, tal intérprete será aquele dotado da capacidade de “mapear um território e explorar a natureza, percorrendo espaços e nele identi icando lugares-territórios dotados de sentido - ou descobrindo paisagens - recortes do espaço organizados pela estética do olhar” (PESAVENTO, 2003, p. 103). Além do mais, transitar entre a natureza e a cultura, pressupõe percorrer caminhos com um olhar 198 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural perscrutador, permanente, possível de ser impresso e transportado para outros espaços: o olhar fotográ ico - como base para a re lexão sobre uma Fotocartogra ia Sociocultural. A Fotocartogra ia Sociocultural, assim, constituiu-se em um mapeamento referente às descobertas sobre o cotidiano social daquela Reserva, permitindo-nos trazer, para uma análise mais detalhada, fragmentos de comportamentos sociais chaves para o desvendamento do itinerário social da população da UC Ponta do Tubarão. Além disso, foi um dispositivo de construção investigativa que nos indicou o trajeto e as práticas sociais do microcosmo, as relações e a realidade que o constituíam, tendo em vista que a fotogra ia pode representar determinados instantes do cenário sociocultural, sendo um olhar revelador, cuja representação serviu de referência para o reconhecimento de uma cultura (NOBRE, 2003). Nesta perspectiva, a fotogra ia tornouse fonte de análise das evidências socioculturais, a partir da visão do cartógrafo-fotógrafo-pesquisador sobre a Reserva, tendo a função de destacar aspectos a partir dos quais foi possível re letir objetivamente a representação, organização e classi icação das experiências dos indivíduos ou os grupos sociais; e como estes mantinham relações entre si, como pensa Guran (2002). Desse modo, podemos rea irmar o resultado da pesquisa em consonância com o que a irma Mairesse (2003, p. 270), “compromisso com a vida é o que consta como cláusula principal no contrato do cartógrafo-pesquisador”. Procedimentos metodológicos A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão é um espaço constituído para abrigar uma Unidade de Conservação (UC) no Rio Grande do Norte, podendo ser visto como um novo meio social, cultural e econômico, pois abriga, dentro de um mesmo território, costumes separados geogra icamente em dois municípios diferentes - Macau e Guamaré. Em conseqüência disso, podem ocorrer algumas mudanças no seu interior, principalmente provocadas pelas 199 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico exigências da legislação ambiental em torno das UC. Os mecanismos do processo socioprodutivo tendem a ser alterados, a partir deste instante, porque o habitante e o produtor desta área, quer seja formal ou informal, grande ou pequeno, já deve ser persuadido a desenvolver um novo modo de se relacionar com o ecossistema, ora delimitado, assim como a relação do caçador e do agricultor com o meio ambiente protegido. É notório que o ser humano modi ica o seu meio, pois, “sendo produtos históricos da atividade humana, todos os universos socialmente construídos modi icam-se, e a transformação é realizada pelas ações concretas dos seres humanos”. (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 157). No espaço temporal de desenvolvimento da pesquisa (20032005), pescadores realizavam o arrastão na costa utilizando malhas muito estreitas, tendo como conseqüência a pesca de ilhotes de peixes. Freqüentemente os peixes galo, cação, arraia, sardinha, bagre e paru, entre uma diversidade maior, consideradas reservas alimentares naturais, possíveis de serem capturadas no futuro para consumo ou comércio. Esta atividade, mesmo sendo tradição em comunidades pesqueiras, tende a agredir as regras de respeito à natureza, provocando um sério desequilíbrio ecológico, deixando uma incógnita quanto à manutenção da sobrevivência dessas populações tradicionais através desta atividade. Procedimentos idênticos podem ser observados no leito do estuário, na captura do caranguejo na época do acasalamento, no corte das quixabeiras e das carnaubeiras, no depósito de lixo nas dunas; sendo possível prever uma necessária reorganização social e um novo modo de se relacionar com o meio ambiente, tendo em vista a possibilidade de escassez de recursos naturais e de fontes de sobrevivência. Nesse sentido, manifestamos nosso interesse em estudar a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Ponta do Tubarão, nos inclinando sobre este universo com o propósito de conhecer as peculiaridades que caracterizavam a única reserva existente naquele momento no estado potiguar. Nessa perspectiva, o estudo da RDS Ponta do Tubarão nos levou a assumir uma estratégia metodológica que oferecesse uma 200 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural aproximação do território de pesquisa e dos atores sociais pesquisados, nos possibilitando testemunhar a constituição do itinerário das ações socioculturais daquele espaço, desde os percursos iniciais da sua tessitura, movida pelo anseio comunitário, até a posteridade, desvendando as marcas reveladoras daquele universo. É imprescindível esclarecer, no entanto, que a cartogra ia com a qual nos propomos a trabalhar não é, exclusivamente, a das ciências geográ icas, mas aquela transmutada desta, observando algumas de suas especi icidades, como izeram, à sua maneira, Rolnik (1989), Santos (2001) e Kirst (2003). Santos (2001, p.197) propõe-se a “demonstrar as virtualidades analíticas e teóricas de uma abordagem sociológica que tome por matriz de referência a construção e a representação do espaço” em uma sociologia cartográfica ou cartografia simbólica das representações sociais, especificamente no Direito. Contudo, a cartografia a qual pretendemos experimentar é uma tentativa de acrescer à cartografia já estudada, em suas diferentes proposições, uma modalidade de intervenção no campo e apresentação de resultados, a partir do uso da linguagem fotográfica, a qual denominamos Fotocartografia Sociocultural. Através dela buscamos levantar, diagnosticar, dar visibilidade e escrever sobre a natureza e o itinerário da história sociocultural da RDS Ponta do Tubarão e as representações que desta poderão ser colhidas no espaço e no tempo delimitados, pois estes formam a estrutura em que toda a realidade está contida (CASSIRER, 1994). Uma Fotocartografia Sociocultural pode oferecer o acesso ao conhecimento dos dados visuais que se puder obter, originando outras narrativas. Através dela procuramos desdobrar e dispor um panorama de informações recolhidas, considerando ser esta um plano simplificado e legível, conforme Cortesão e Stoer (2002). Santos é nossa referência básica para discutirmos a Fotocartogra ia Sociocultural. É prudente lembrar que a principal função do mapa, segundo este autor, é distorcer a realidade em representações 201 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico reduzidas e miniaturizadas, “para ser prático, o mapa não pode coincidir ponto a ponto com a realidade” (SANTOS, 2001, p. 200). A Fotocartografia Sociocultural desempenha uma função sintetizadora de informações, haja vista a fotografia ser uma representação miniaturizada de fragmentos da realidade. A nossa ação foi efetivada de forma pormenorizada, com intervenções locais, em cada comunidade da Reserva, observando-se as ocorrências encontradas no nosso itinerário, para traçar um diagnóstico narrativo- descritivo-analítico a ser contextualizado em um perfil geral, porém observando as peculiaridades de cada comunidade. Associamos métodos e técnicas possíveis de se complementarem, numa tentativa de encontrar caminhos que nos levassem a alcançar nossos objetivos, discutindo a Fotocartografia Sociocultural em um campo empírico hipoteticamente viável. Haja vista que uma cobertura adequada dos acontecimentos sociais exige muito empenho e estratégias para apreensão dos dados empíricos, como nos chama a atenção Bauer; Gaskell e Allum (2003). Olhamos este campo empírico com a visão transdisciplinar, numa transposição de conceitos de outras disciplinas, a fim de mantermos a comunicação entre os saberes das distintas áreas do conhecimento, com base em recomendações de Almeida (2003). Ademais, Santos (2001) já nos fala da possibilidade da cartografia simbólica religar as Ciências Sociais e Ciências Naturais, leitura imprescindível ao nosso cenário visto que se tratava de uma pesquisa em uma Unidade de Conservação de uso sustentável, campo da relação do ser humano com os meios social, cultural e ambiental. Espaço geográϐico analisado como contexto sociocultural O percurso metodológico para elaborar a Fotocartogra ia Sociocultural prescindiu de um reconhecimento prévio do espaço a ser investigado, como se faz ao dar os primeiros passos do caminhamento 202 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural espacial12. Este percurso orientado pelo território a ser estudado foi desenvolvido com o propósito de realizar um reconhecimento das comunidades, para a posterior fase de coleta de dados através de um levantamento fotográ ico no plano terrestre, o qual se efetivou tomando como referência um mapa da Reserva, elaborado pelo IDEMA/RN,13 a partir de imagens do satélite LANDSAT, obtidas em abril de 2001, mostrando os pontos limítrofes e detalhes em convenções cartográ icas, em escala 1:500, para a con irmação das comunidades existentes na área. O itinerário de reconhecimento foi um ponto chave para a observação seguinte, desta vez já de posse do equipamento fotográ ico para os devidos registros. Além de ajudados pelas informações colhidas de alguns informantes-colaboradores, os quais nos auxiliaram no acesso às comunidades, tendo em vista que algumas delas não iguram no mapa supracitado. Coleta de dados através de um mapeamento fotográϐico e da observação Após o reconhecimento de todas as comunidades, o percurso por cada uma delas foi refeito com o propósito de, efetivamente, captar fotogra ias, meio-modo de coleta de dados sociais pela comunicação formal (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2003), tendo como referência as categorias a serem analisadas posteriormente, que estavam delimitadas nas instâncias do modo de vida do contexto social, cultural, econômico e ambiental, desenvolvidas na área da Reserva. Nesse momento desenvolvemos a investigação pelo olhar, para conceber e levantar os dados, aliando a técnica fotográ ica à observação da dinâmica social. Nessa fase, trabalhamos com base em uma amostragem populacional 12 Conforme Libault (1975, p.18) “é uma operação de topogra ia que consiste em um percurso no terreno, com determinação necessária dos pontos característicos do itinerário, ou seja, fazer um levantamento do caminho. 13 Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte – Brasil. 203 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico aleatória e abrangente, cujos atores sociais, focos da nossa investigação, foram aqueles encontrados no nosso itinerário, na medida em que estavam desenvolvendo suas atividades cotidianas, objeto do nosso estudo. Convém tornar ainda mais clara a nossa própria forma de categorizar o contexto sociocultural e suas representações, aceitando-se o desa io de Santos (2001, p.222), qual seja: “mereceria a pena testar as virtualidades teóricas e analíticas da cartogra ia simbólica no estudo de outras representações sociais além do direito”, conforme mostramos a seguir: Contexto sociocultural Social Cultural Econômica Ambiental Representações As pessoas representadas; as ações sociais; a Família (a organização familiar); o Trabalho (a divisão, a prática); a Educação; os movimentos organizados (grupos de jovens, de idosos, instituições, associações corporativas); o lazer. A religiosidade; o saber tradicional; as festas tradicionais; os costumes; as manifestações culturais; a cultura material. O comércio de peixes; o pequeno comércio (mercearias, mini-mercados, bares, bodegas); a pequena indústria; a carcinicultura. O meio ambiente (características isico-geográ icas); a relação do morador com as dunas, a caatinga, o manguezal, a restinga; o lixo, a devastação do meio ambiente. Contudo, alguns fenômenos inscritos nas categorias elencadas escaparam ao registro fotográ ico e foram captados pela observação, visto que estavam circunscritos na esfera do imperceptível visual; mesmo assim buscamos, a partir da captação de imagens fotográ icas relacionadas a estes fenômenos, estabelecer ligações para discuti-los com o auxílio dos informantes-colaboradores, visualizando-os além do campo fotográ ico. Acreditamos ser este um viés para fazermos uma re lexão sobre os limites do uso da fotogra ia na pesquisa de campo. 204 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural Reunião temática das fotograϐias mais signiϐicativas a serem utilizadas como fonte de dados e referências para as entrevistas com informantes-colaboradores De posse do acervo fotográ ico concebido na Reserva, reunimos as fotogra ias, tendo como referência as informações visuais que nos possibilitaram provocar nos colaboradores narrativas orais concernentes ao seu cotidiano sociocultural. Reunimos fotogra ias-chave sobre cada comunidade, tanto as periféricas quanto a comunidade central - Diogo Lopes. As fotogra ias eram coloridas, em tamanho 15 cm X 21 cm, para favorecer a visualização e uma clara compreensão para o informantecolaborador a respeito do cenário em questão. Inserirmos algumas seqüências fotográ icas de ocorrências socioculturais captadas no decorrer do nosso percurso, embora estas não tenham sido préde inidas, tendo em vista a impossibilidade de detalhá-las antes de observá-las in loco como ocorrência do cotidiano. A importância de se utilizar a seqüência fotográ ica como narrativa visual deve-se ao seu caráter esclarecedor, levando-nos a observar o contexto narrativo da fotogra ia em uma amplitude maior do que a de um fragmento fotográ ico14, pois, conforme Ronna (2003, p.172): Uma seqüência de fotogra ias sobre um mesmo evento conta a história do fato registrado, quando é percebida em seu conjunto. Na medida em que apresentam uma seqüencialidade lógica, mostrando a transformação de um fato desde o estágio inicial até o inal, as imagens introduzem a possibilidade de recuperar a ocorrência que a elas subjaz. 14 Chamamos de fragmento fotográ ico aquela fotogra ia feita isoladamente que, ao ser agrupada a outros fragmentos de um mesmo cenário sociocultural, forneça-nos uma visão abrangente deste espaço. Consideramos que esta, mesmo sendo um fragmento e apresentando-se em uma menor amplitude do que uma seqüência, também ostenta o seu valor narrativo-descritivo. 205 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico É importante enfatizar a necessidade de utilizarmos fotogra ias de natureza emique15, as quais foram reproduzidas16 na presença do informante-colaborador com a sua autorização e, consequentemente, a exemplo das fotogra ias de natureza etique, as películas foram reveladas e destas, confeccionadas cópias de folhas de contato17. Composição da fotocartograϐia Nesse momento, desenvolvemos mais um percurso pelas comunidades, desta vez de forma pontual, abordando os informantescolaboradores escolhidos, considerando os mais antigos habitantes e os mais conhecedores das práticas sociais locais cuja lucidez, conhecimento da tradição e percepção possibilitaram a construção de uma narrativa oral a partir da interpretação social das fotogra ias na revelação da memória social. O nosso propósito nessa fase foi, à maneira de Guran (2000,p.156), descobrir informações úteis com a inalidade de compilar dados para as re lexões acerca da dinâmica social da Reserva. Nesse contexto, 15 As fotogra ias de natureza emique são aquelas produzidas ou assumidas pela comunidade estudada. Esta possui para nós valor informativo, por “estar impregnada da representação que a comunidade ou seus membros fazem de si próprios e, por conseqüência, expressa de alguma maneira a identidade social do grupo em questão”. Já a fotogra ia produzida pelo pesquisador é de natureza etique, “esta é sempre uma hipótese a se con irmar com base no conjunto de dados recolhidos ou por meio de outros procedimentos de pesquisa”, conforme Guran (2002, p.96). 16 A reprodução consiste no ato de fotografar a fotogra ia. 17 A folha de contato ou copião é a reunião de todos os fotogramas de um ilme copiados em papel fotográ ico (em geral na dimensão de 25 cm X 38 cm, conforme o laboratório), no tamanho aproximado do quadro fotográ ico que aparece no negativo, de forma que possibilite a visualização de todas as fotogra ias em tamanho reduzido, com a inalidade de serem selecionadas para uma possível ampliação das que sejam mais úteis para o fotógrafo ou interessado. 206 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural A fotogra ia produzida ‘para descobrir’ corresponde àquele momento da observação participante em que o pesquisador se familiariza com o seu objeto de estudo, e formula as primeiras questões práticas com relação à pesquisa de campo propriamente dita. É o momento de impregnação [...] em que o pesquisador vivencia o cotidiano de uma comunidade e começa a ‘perceber alguma coisa’, sem entretanto saber exatamente do que se trata. Muito das coisas percebidas ica no nível de sensações, não chegando a se transformar em dados, mas serve para balizar o trabalho de campo. Este, talvez, seja o instante em que o fotógrafo-cartógrafopesquisador penetre no contexto social e na vida dos habitantes do local, tendo em vista ser favorecido pela percepção que os grupos sociais daquele cenário têm do seu modo de vida e da sua sociabilidade. É o momento da auto-observação do informante-colaborador em uma leitura de si (Nobre, 2003), mediada pela fotogra ia. Consideramos importante a percepção do informante-colaborador (NOBRE, 2003)18 sobre a fotogra ia do seu meio sociocultural, observando o fato de que a fotogra ia como narrativa visual pode conter na sua essência informações nem sempre dedutíveis pelo próprio fotógrafo. Ressaltamos que Embora o fotógrafo seja um narrador em primeiro grau - o construtor da narrativa, aquele que chega, se aproxima, observa, imagina, escolhe a melhor posição, o melhor ângulo, compõe o quadro e aciona o disparador da máquina, captando naquele cenário os códigos visuais que re letem a luz até a película sensível -, nem sempre possui indicativos para, de imediato, explicar a subjetividade de determinados signi icados que contém a fotogra ia, sendo necessário recorrer ao auxílio do referente, Pois, sabemos que no campo da investigação nem todos os signi icados são perceptíveis, quando nos deparamos com eles nos primeiros momentos. No entanto, notamos que, ao serem analisados 18 Naquele momento o informante-colaborador estava sendo denominado de referente. (NOBRE, 2003). 207 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico com olhar mais investigador, percebemos que tais símbolos alimentam com riqueza o imaginário de signi icados particulares a um indivíduo ou a uma coletividade. É nesse sentido que o referente, enquanto narrador, vai assumir um papel de grande relevância para o pesquisador que se utiliza da fotogra ia (NOBRE, 2003, p. 32). Nesse contexto, oferecer a autonomia da fala sobre si, seja talvez, dotar o informante-colaborador da oportunidade de gerar uma narrativa oral a partir da fotogra ia. O interpretante sai deste campo visual em uma trajetória pela memória e histórias de vida referentes a eles, aos amigos, aos vizinhos, aos familiares, ao seu meio. Ele transita por outras histórias que não estejam necessariamente explícitas na fotogra ia, mas que nos fornecem descobertas consideráveis acerca do seu cotidiano sociocultural, em forma de entrevistas dialógicas, abertas. Concomitante ao uso da “fotogra ia para descobrir”, utilizamos a “fotogra ia para contar”19, qual seja, aquela Que visa especi icamente integrar o discurso, apresentar as conclusões da pesquisa, somandose às demais imagens do corpus fotográ ico e funcionando sobretudo na descrição e na interpretação dos fenômenos estudados. É geralmente produzida quando o pesquisador já pode identi icar os aspectos relevantes cujo registro contribui para a apresentação de sua re lexão. Nada impede, porém, que fotogra ias feitas na primeira fase da pesquisa - a de descobrir - passem por uma releitura e venham a integrar o discurso inal nessa categoria. (GURAN, 2000, p. 161). Efetivamente, nesta fase, as fotogra ias selecionadas foram dispostas em um plano horizontal e observadas com um olhar descendente, vendo-as como um mapa, cujos detalhes levaram-nos a inferir os signi icados das ocorrências socioculturais da Reserva. 19 Termos entre aspas utilizados por Guran (2000); 208 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural A disposição das fotogra ias para análise não obedeceu a uma organização linear. O conjunto de fragmentos fotográ icos foi organizado em qualquer disposição, inclusive sofrendo alterações entre os pontos óticos do plano horizontal com o objetivo de vê-lo sob diferentes ângulos. Tratamento analítico dos dados Consideramos que este seja o momento da apropriação do assunto, no qual as fotogra ias concebidas na Reserva foram utilizadas como ponto de partida para uma re lexão sobre este cenário no tempo em que a imagem foi captada. Momento em as fotogra ias nos izeram reportar, como elos, a instantes diversos que não foram especi icamente aqueles indexados à imagem, mas considerados importantes na constituição histórica dos seres ou ambientes mostrados no artefato fotográ ico. O tratamento dedicado aos dados colhidos foi segundo a análise das informações coletadas pela observação, a análise do conteúdo imagético fotográ ico e a análise das narrativas orais, oriundas da leitura das fotogra ias pelos informantes-colaboradores e, consequentemente, das entrevistas dialógicas. No caso da análise das fotogra ias, esta não foi feita tendo como referência cada fotogra ia, baseando-se exclusivamente nas características temáticas desta ou na sintaxe da linguagem fotográ ica apresentada. Foi efetuada tendo como ponto de partida o corpus fotográ ico constituído, associado aos dados colhidos pela observação e às narrativas orais. Analisamos os dados com base nas categorias escolhidas anteriormente, a saber: o contexto social, cultural, econômico e ambiental. Representação dos dados Os dados observados, fotografados e narrados foram codi icados em um texto descritivo-narrativo-analítico-re lexivo (NOBRE, 2005)20, 20 Disponível em www.bczm.ufrn.br. Acesso em: 26 ago. 2010. 209 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico com o resultado apresentado de forma diluída ao longo do seu corpus, tendo as imagens fotográ icas associadas. Dispomos e localizamos no mapa da Reserva Ponta do Tubarão as representações visuais fotográ icas concernentes às ações socioculturais da área em estudo, conferindo-lhes seu aspecto icônico, como representações de uma Fotocartogra ia. Considerações ϐinais Ao mergulhar na leitura sobre a Fotocartogra ia Sociocultural, é possível a formulação de um questionamento: onde aparece especi icamente a Fotocartogra ia? A busca pelo distanciamento responsável de uma prática cientí ica dominante nos levou a inferir que a Fotocartogra ia Sociocultural possui características de uma estratégia metodológica comprometida com o paradigma cientí ico emergente, conforme Santos (2004). Nesse contexto, exibir um modelo hermético dessa estratégia metodológica seria, ao nosso ver, contrariar o princípio da emergência cientí ica. A Fotocartogra ia Sociocultural pode ser percebida na essência do itinerário intelectual traçado na pesquisa, mostrado nos passos seguidos para coleta e análise de dados, en im, trata-se de um mapa cognitivo. É com essa linha de pensamento que propomos essa estratégia metodológica sem, contudo, considerar que esse deve ser um modelo único. Da mesma maneira como esta foi experimentada, sugerimos que outros pesquisadores experimentem essa iniciativa em outros campos do saber, observando as peculiaridades de cada experimento, sem a prática mecanicista, portanto em uma perspectiva de reinvenção. No contexto estudado, concluímos que a Fotocartogra ia Sociocultural possui virtualidades analíticas que possibilitam mapear imageticamente, através de uma associação de técnicas e procedimentos que envolvem a fotogra ia, o itinerário de constituição de espaços e práticas socioculturais, como modos de vida cotidianos, assim como no campo da comunicação social. A Fotocartogra ia Sociocultural 210 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural possui relevância como estratégia metodológica por contribuir para o conhecimento de particularidades históricas e o entendimento de questões socioculturais do cotidiano. Com base em uma categoria que denominamos Sociocultural, analisamos a produção material dos modos de vida, observando indicadores como o trabalho, o lazer, a religiosidade, os saberes tradicionais e a ação do homem local no meio ambiente, percebendo a articulação entre eles para a constituição e manutenção da tradição local. Contudo, advertimos que Fotocartografar não é exclusivamente fotografar. Fotocartografar é desenvolver um mapeamento investigativo que associa técnicas, tais como: o mapeamento pelo registro fotográ ico, a observação, a entrevista, a pesquisa documental e a pesquisa bibliográ ica, promovendo relações de proximidade com o referente do estudo, para a elaboração de uma exposição analítica e re lexiva acerca dos resultados obtidos em campo pelo pesquisador-fotocartógrafo. Referências ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnograϔia: um estudo de Antropologia Visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo Editorial; Palmarinca, 1997. ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. As artes da nova ciência. In: ALMEIDA, Ângela Maria de; ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de; KNOBB, Margarida. Polifônicas idéias. Porto Alegre: Sulina, 2003. ANDRADE, Rosane. Fotograϔia e Antropologia: olhares fora - dentro. São Paulo: Estação Liberdade; EDUC, 2002. BARTHES, Roland. A câmara clara: notas sobre a fotograϔia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. BAUER, Martin W.; GASKELL, George; ALLUM, Nicholas C. Qualidade, quantidade e interesses: Evitando confusões. In: BAUER, Martin W; 211 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 2. ed. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2003. BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de Sociologia do Conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1985. CASSIRER, Ernest. Ensaios sobre o homem: introdução a uma ϔilosoϔia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. CORTESÃO, Luiza; STOER, Stephen R. Cartografando a transnacionalização do campo educativo: o caso português. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org). A globalização e as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 2002. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. GURAN, Milton. Agudás: os “brasileiros” do Benim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. _____. Linguagem fotográϔica e informação. 3.ed. Rio de Janeiro: Gama Filho Fundo, 2002. JOLY, Fernand. A cartograϔia. Tradução Tânia Pellegrini. Campinas/SP: Papirus, 1990. KIRST, Patrícia Gomes et al. Conhecimento e Cartogra ia: Tempestades de possíveis. In: FONSECA, Tania Mara Galli; KIRST, Patrícia Gomes (orgs). Cartograϔia e devires: a construção do presente. Porto Alegre: UFGRS, 2003. LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. Retratos de família: leitura da fotograϔia histórica. 2. ed. São Paulo: EdUSP, 2000. 212 Itinerário da fotocartogra ia sociocultural LÉVI-STRAUSS, Claude. Saudades do Brasil. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. LIBAULT, André. Geocartograϔia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975 MAIRESSE, Denise. Cartogra ia: do método à arte de fazer pesquisa. In: FONSECA, Tania Mara Galli; KIRST, Patrícia Gomes (Org.). Cartograϔia e devires: a construção do presente. Porto Alegre: Ed. UFGRS, 2003. MORIN, Edgar. Apresentação Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: ATTA Mídia e Educação, 2005. (Coleção Grandes Educadores). 1 DVD. MOURA FILHO, Elementos de cartograϔia técnica e histórica. Vol. 2. Belém/PA: Falangola,1997. NOBRE, Itamar de Morais. A fotograϔia como narrativa visual. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal/RN, 2003. _____. Revelando os modos de vida da Ponta do Tubarão. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal/RN, 2005. OLIVEIRA. Cêurio. Curso de cartograϔia moderna. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1993 OPODS - Observatório Permanente de Desenvolvimento Social. Cartograϔia das desigualdades sociais em Aveiro: contributos para um mapa social do concelho. Disponível em http:// portal.ua.pt/opds/pdf/ cartogra ia.pdf. Acesso em 26 ago. 2010. PAREDES, Evaristo Atencio. Introdução à aerofotogrametria para engenheiros. Vol I. Brasília/DF: CNPq; Maringá/PR: CONCITEC, 1986. 213 Itamar de Morais Nobre, Vânia de Vasconcelos Gico PESAVENTO. Sandra Jathy. Um roteiro para Clio. In: FONSECA, Tania Mara Galli; KIRST, Patrícia Gomes (orgs). Cartograϔia e devires: a construção do presente. Porto Alegre: UFGRS, 2003. RAISZ, Erwin. Cartograϔia geral. Tradução de Neide Schneider e Péricles Augusto Machado Neves. Rio de Janeiro: Ed. Cientí ica, 1969. ROLNIK, Suely. Cartograϔia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989. RONNA, Giovanna Nogueira. A narrativa inscrita em luz. In: Narrativas verbais e visuais: leituras reϔletidas. São Leopoldo/RS: Editora da Unisinos, 2003. SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. ______. Um discurso sobre as ciências. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2004. SPOSATI, Aldaíza. (Org.). Mapa da exclusão/inclusão social da cidade de São Paulo/2000: dinâmica social dos anos 90. São Paulo: NEPSAS/PUC/SP, INPE, PÓLIS, 2000. Disponível em < h t t p : / / w w w. n a s . m a r i s t a . o r g . b r / d o c u m e n t o _ n a s / o u t r o s / mapadaexclusaosocialdacidadedespaldaizaspozati.doc> Acesso em 26 ago. 2010. 214 Redes sociotécnicas: hibridismos e multiplicidade de agências na pesquisa da Ciberculturta Theophilos Riϔiotis Jean Segata Maria Elisa Máximo Fernanda Guimarães Cruz Introdução O presente texto foi concebido numa linha de desenvolvimento das atividades do GrupCiber (Grupo de Pesquisa em Antropologia do Ciberespaço) da Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com o NECOM (Núcleo de Estudos em Comunicação) IELUSC, para a Rede AMLAT (Rede Temática “Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina”). Portanto, esse deve ser situado no âmbito dos trabalhos anteriores como uma consequência e, ao mesmo tempo, como um ponto atual das pesquisas que temos desenvolvido ao longo dos últimos quinze anos desde a fundação do GrupCiber (RIFIOTIS, 1994, 2002, 2008); (GUIMARÃES, 2000); (MÁXIMO, 2002, 2003, 2006); (SEGATA, 2008, 2010). Dentro dos limites da presente publicação, cabe lembrar, mais especi icamente, os trabalhos publicados no âmbito da Rede AMLAT, na qual iniciamos com um texto sobre a chamada comunicação mediada 215 Theophilos Ri iotis, et al por computador (CMC) e a transversalidade teórico-metodológica entre a Comunicação e a Antropologia, tal como a concebemos e praticamos no Projeto “Estudo etnográ ico das formas de apropriação dos centros públicos de acesso pago à Internet”, realizado com inanciamento do CNPq e concluído em 2009 (CRUZ; MÁXIMO; RIFIOTIS, 2009). Este primeiro texto refere-se à nossa participação no encontro da Rede AMLAT na Venezuela, em 2009, quando apresentamos uma re lexão metodológica com foco na contribuição da etnogra ia no campo de eventos comunicativos com ênfase nos estudos da CMC. Posteriormente, no encontro da Rede AMLAT realizado no Equador, ainda no mesmo ano, avançamos em nossa re lexão teórico-metodológica, analisando os processos de midiatização a partir de uma visão contemporânea da etnogra ia, re letindo sobre meios, mídia e dispositivos sociotécnicos. O texto publicado a partir daquela apresentação (CRUZ; MÁXIMO; RIFIOTIS, 2010) apresenta uma revisão crítica das abordagens da Comunicação e da Antropologia, apontando os limites e desenhando as linhas gerais de uma abordagem alternativa que não se limita ao âmbito da Antropologia e que vem sendo incorporada pelo GrupCiber, especialmente a partir das obras de Latour (2001, 2005, 2008) e Strathern (1996, 2006). Assim, procuramos avançar nos debates que estamos desenhando no nosso grupo de pesquisa sobre as abordagens das redes sociotécnicas, sem nos colocarmos nos estreitos limites disciplinares, seja da Comunicação ou da Antropologia. Seguindo essa perspectiva, buscamos, no presente texto, contribuir com os trabalhos da Rede AMLAT, na direção de pensarmos criticamente a produção da ciência, apresentando em grandes linhas os fundamentos da abordagem sociotécnica da cibercultura. Para tanto, procuramos sistematizar os principais aspectos de uma série de controvérsias contemporâneas no campo das ciências sociais, especialmente aquelas relativas às dicotomias clássicas tais como: natureza/cultura, sujeito/objeto, humano/não-humano, indivíduo/sociedade. Dentro dos limites e objetivos do presente trabalho, lembramos que tais controvérsias referem-se às interpretações do mundo a partir de divisões que, nas últimas décadas, vêm sendo cada 216 Redes sociotécnicas vez mais questionadas. Concretamente, para iniciarmos o debate sobre tais controvérsias iniciamos com uma apresentação das noções de atorrede, simetrização, hibridismo, agência, sempre com ênfase na própria categoria de rede. Pretendemos, deste modo, discutir o lugar dos dispositivos técnicos nas interações sociais e repensarmos a técnica, e assim pensarmos criticamente o próprio campo teórico e metodológico que podemos mobilizar nos estudos da cibercultura e das redes sociais. Redes sociotécnicas e a chamada teoria ator-rede ( TAR) Em termos teórico-metodológicos, a questão que nos colocamos aqui é a seguinte: como descrever uma rede? Para responder tal questão, necessitamos pensá-la radicalmente como indissociável de uma outra interrogação: o que entendemos por rede? A noção de rede é tão presente no nosso quotidiano e em nossas análises que essa se tornou uma espécie de entidade dada à priori, um automatismo analítico, e até mesmo uma espécie de ícone da contemporaneidade. Assim, quando falamos em redes sociais podemos dizer que mais do que descrever um tipo de objeto de pesquisa ou de interação social, a irmamos um valor. Algo sobre o qual a nossa re lexão crítica ica limitada a uma constante e reiterada a irmação, e cuja descrição e análise giram em torno dela mesma, como esperamos mostrar no desenvolvimento do nosso texto. Sinteticamente, podemos a irmar que tomamos rede em vários sentidos, sendo que a imagem da rede, como um objeto, é uma referência sempre presente e que, muitas vezes, fecha-se na ideia da rede como algo já dado, uma espécie de contexto no qual nos inscrevemos. É uma visão de rede como um produto, um contexto para a ação social. Neste sentido, é que nos referimos à rede bancária, viária, internet, etc. Rede como um objeto ou ligação que se torna um cenário para a ação humana. A rede-objeto é sempre apreendida como uma ligação, um vínculo. A rede permite a ligação do que está distante e, dizemos quando queremos a irmar uma qualidade do valor da rede-objeto. Porém, já quando re letimos sobre a rede como produtora de distâncias, uma vez 217 Theophilos Ri iotis, et al que ela separa o que está próximo, parece uma incoerência. Ora, ao nos permitir conexões aos meios técnicos, as redes engendram um potencial vínculo à distância, quer dizer que com as redes nos aproximamos e nos afastamos porque, num certo sentido, podemos nos conectar. A rede pode ser, portanto, um processo e um produto. A rede-objeto concebe a rede mais como produto do que como processo e, no entanto, ela é também um processo uma vez que ela própria depende de outras ações para ligar, conectar. Um processo, no sentido de que há sempre outros trabalhando, atuando, para que a conexão ocorra. As redes, num sentido amplo, são ao mesmo tempo imaginadas, traçadas e descritas. Elas são ao mesmo tempo reais, discursos e coletivas, assim para falarmos em redes sociotécnicas nesta concepção, será preciso apresentar os fundamentos que sustentam tal abordagem. Diremos, em primeiro lugar, que a noção de redes sociotécnicas que apresentamos, neste texto, não é uma simples justaposição de termos em busca de mostrar uma relação entre duas entidades, o social e o técnico, supostamente independentes uma da outra e que estariam sendo pensadas na sua conexão. A questão é bem mais complexa e exige um desenvolvimento histórico da questão para que possamos compreender os seus alcances e as consequências trazidas à pesquisa. De fato, falar em redes sociotécnicas implica, logo de início, em assumir que estamos frente a uma perspectiva teórico-metodológica em sintonia com as controvérsias atuais presentes no campo das ciências sociais a que nos referimos supra. Dentro dos limites e objetivos do presente trabalho, lembramos que tais controvérsias referem-se às interpretações do mundo a partir de divisões que, nas últimas décadas, vêm sendo cada vez mais questionadas. Como dissemos anteriormente, a perspectiva que estamos adotando desde os trabalhos mais recentes do GrupCiber poderia ser sintetizada em termos da chamada Teoria Ator-Rede, ActorNetwork-Theory, - TAR1, a qual nos permite uma abordagem teórica 1 Callon (2006a) faz o uso do termo SAR - Sociologie de L’Acteur Réseau. Latour (2008), também usa expressões como Sociologia das Associações 218 Redes sociotécnicas e metodológica crítica com implicações fundamentais para todas as ciências sociais, e que consideramos mais diretamente na sua relevância para o campo de estudos da cibercultura. Em termos históricos, mais românticos do que precisos, a TAR começa a tomar forma em meados dos anos de 1970, nos trabalhos de autores como David Bloor, John Law, Michel Callon, Madeleine Akrich e Bruno Latour. Em linhas gerais, ela se con igura como um esforço em torno da sistematização de princípios e regras metodológicas subjacentes às formas de tratamento da realidade que se propõem a descrever o mundo a partir de um “princípio de simetria generalizado”, no qual não haveria diferença essencial entre verdade e erro, vencedores e vencidos e fatos e feitos. (FREIRE, 2006); (LATOUR, 2000, 2005, 2008); (STENGERS, 2002). De modo amplo, essas discussões passam a tomar corpo quando David Bloor desenvolve um programa de investigações sociais, cujo objetivo central residia em analisar o que faz certos grupos de cientistas, em diferentes épocas, selecionar certos aspectos da realidade como objeto de estudo (o Programa Forte, dos sciences studies dos idos de 1970). O referido programa tornou possível considerar o trabalho desses cientistas, ou mesmo a ciência, como algo construído sob certos aspectos internos da própria comunidade cientí ica, como igualmente, certos aspectos sociais e históricos (FREIRE, 2006). Importante sublinhar um certo desconforto inicial nessa empreitada, já que tornar os cientistas como objetos de estudo passíveis dos mesmos procedimentos com os quais eles se investiam em estudar seus objetos, fazia suscitar um clima de descon iança, como que de provar do próprio veneno (STENGERS, 2002). Para tanto, Bloor (1975) sugeria em termos metodológicos, o que ele chamava de principio programático da simetria, que consistia basicamente em reconhecer que as mesmas causas podem funcionar ou Sociologia da Tradução (2006b) e (CALLON; LATOUR, 2006b), ou ainda Sociologia da Ciência (2006a). Ambas podem ser lidas como sinônimos sem grandes prejuízos. 219 Theophilos Ri iotis, et al como explicação para as crenças valorizadas como verdade, ou para as crenças rechaçadas; quer dizer que poderia atuar tanto para a irmar a verdade quanto o erro, uma vez que não haveria diferença essencial entre verdade e erro. Sob essa inspiração, no então recém criado Centre de Sociologie de L’Innovation (CSI), da École des Mines de Paris, Bruno Latour, Michel Callon e Madeleine Akrich estendem esse princípio de Bloor às controvérsias entre natureza e sociedade, que como a verdade e o erro, também deveriam ser tratadas sob um mesmo plano, sob um princípio de simetria generalizada, que como resume Latour (2003, p. 06), “permettait d’analyser avec les mêmes procédés et principes les cultures modernes et les autres, les marges mais aussi le pivot de nos sociétes”. Este foi também o caminho traçado para a constituição de um modo de pensar em uma Antropologia simétrica, o qual reivindica uma simetria total entre humanos e não-humanos; ultrapassando as grandes divisões entre natureza e cultura, entre sujeito e objeto, uma vez que ambos, como também a ciência, não se constituem em ideias, mas em práticas. Como continua Latour: Eu desejo uma Antropologia que toque o centro de produção das verdades tanto num caso quanto em outro. E eu parti do postulado seguinte: se queremos compreender as sociedades contemporâneas, é preciso estudar a sua primeira fonte de verdade, as ciências. O que aconteceria então se aplicássemos os métodos antropológicos e etnográ icos para a produção cientí ica? [...] Meu projeto é identi icar os diferentes lugares onde se produzem as verdades mais essenciais das sociedades contemporâneas, ir ao coração do que as de ine: a ciência evidentemente, pois a verdade cientí ica descreve todo o horizonte do moderno; a técnica, porque ela forma a referência essencial dos modernos. (LATOUR, 2003, p. 06-08, tradução livre). Com efeito, essa simetria generalizada, e mesmo essa Antropologia simétrica, ampli icavam o potencial do princípio programático de simetria 220 Redes sociotécnicas de Bloor (1975), uma vez que esta última, ainda tomava o social como um lugar privilegiado para se discutir as ciências e a natureza (LATOUR; WOOLGAR, 1996). Além disso, mais do que ampli icar seu potencial descritivo-analítico, a simetria generalizada aliviava aquele desconforto em relação ao empoderamento que se supunha à Sociologia, ou ao social studies - o de ser uma ciência capaz de estudar as outras. Agora, seu princípio metodológico poderia ser aplicado a si própria, pondo-se ela mesma em questão. De todo modo, a Actor-Network-Theory precisa, de maneira mais ampla, ser considerada em dois aspectos: o seu valor metodológico e o seu valor teórico. Tratar a TAR como teoria, se tornou uma espécie de desconforto, inclusive para o próprio Latour (1999a). A bem da verdade, segundo o próprio autor, é que os “quatro pregos do caixão” são as próprias palavras que compõem esse nome, Teoria AtorRede: o ator, a rede e o hífen de o ator-rede, e a palavra teoria que lhes reúne em um rótulo - cada uma com sua carga negativa, cansada2. A noção de ator não pode ser confundida com o sentido tradicional de ator social, uma vez que, para Latour (1999a), um ator é tudo que age, deixa traço, produz efeito no mundo, podendo se referir a pessoas, instituições, coisas, animais, objetos, máquinas, ou tudo isso simultaneamente: “usar la palabra ‘actor’ signi ica que nunca está claro quién y qué está actuando cuando actuamos, dado que un actor en el escenario nunca está solo en su actuación” (LATOUR, 2008, p. 73). Assim, sublinhe-se que a actancialidade não é o que o ator faz - pois a ação é distribuída, não é univocal, não cabe na identi icação do ator-emsi: “por de inición, la acción es dislocada. La acción es tomada prestada, 2 Algum tempo mais tarde, em seu Reassembling the Social (2005 - a versão aqui utilizada é a tradução argentina de 2008), Latour se desculparia por haver sugerido uma reforma/descarte do vocabulário e mesmo do nome TAR, e naquele momento mais recente reconsidera o seu uso (2008, p. 24): “desgraciadamente el nombre histórico es ‘teoria del actor-red’ (TAR), nombre que es tan torpe, tan confuso, tan falto de sentido, que merece ser preservado”. No entanto, considero a autocrítica de 1999a retomada aqui, didática e esclarecedora. 221 Theophilos Ri iotis, et al distribuida, sugerida, in luida, dominada, traicionada, traducida” (Id., 74). Daí de se assinalar que se está tratando aqui de um ator-rede, e não simplesmente de um ator e de uma rede em separados. Há agências, as mais diversas, atuando simultaneamente no mundo e assim, com o intuito de se evitar o equívoco de atribuir exclusivamente a agência ao humano, é comum encontrar a utilização do termo semiótico actante, ou seja, qualquer coisa que atue, ou que promova uma ação (AKRICH; LATOUR, 1992). Nesse mesmo sentido, há ainda a utilização de uma voz verbal presente entre os gregos, a middle voice, que não seria nem passiva, nem ativa, e que à falta em outras línguas, poderia ser traduzida como o que faz fazer (faire faire no francês, ou to make one do no inglês) - ela permite distribuir as certezas do que, ou de quem está agindo (LATOUR, 1999b). Já a rede (network), mais especi icamente, começou a se tornar um problema à medida que a emergência da World Wide Web demandou estudos especí icos e então network icou diretamente colada à ideia de Internet. Na cibernética, a ideia de rede se refere aquilo que transporta informações por longas distâncias, mantendo-a intacta, pura, sem quaisquer deformações, completamente oposta ao projeto latouriano, interessado justamente nas traduções, nos desvios dessas redes, ou seja, nesta perspectiva incorporamos não apenas aquelas traduções bem sucedidas. Neste aspecto, é interessante ainda que se pontue mais detalhadamente outro conceito fundamental na TAR: a tradução. Uma vez que jamais fomos modernos e que não há mais vencedores e vencidos, verdade e erro (ou nunca houve) é preciso re letir sobre as maneiras como se dão as constituições de certos campos cientí icos, com seus sujeitos componentes. Os modernos, segundo Latour (2005), ativavam práticas de puri icação, que consistem em delimitar campos especí icos de análise, dentro de pólos exclusivos, de modo amplo, o natural e o social, com elementos dispostos entre o par sujeito-objeto. Essas práticas de puriϔicação, segundo Latour (2005) jamais foram devidamente e icazes, uma vez que não haveria como se pensar nesses pólos, como independentes, puros e exclusivos: haveria os híbridos. 222 Redes sociotécnicas Partindo da discussão entre Hobbes (o cientista político) e Boyle (o cientista natural), Latour (2005) procura mostrar que para os modernos a natureza (os objetos, as coisas em si) não é uma construção nossa. Neste caso ela nos ultrapassam por ser transcendente, enquanto que a sociedade (os sujeitos e as leis), tomada como construção nossa, é imanente à nossa ação. Entretanto, se nós construímos a natureza em laboratório (a bomba que reproduz o vácuo, criada por Boyle), como nossa construção ela é imanente à nossa ação e se não construímos a sociedade, ela é transcendente e nos ultrapassa. Acima deles, ou além deles, em um terceiro pólo, que a modernidade se encarregou de deixar entre parêntesis, está Deus, cuja igura pode ameaçar os trabalhos de puri icação, uma vez que a força criadora dos objetos está nele e, ao mesmo tempo, é dele o poder do Leviatã, que o representa no Estado e é soberano dos sujeitos. Há, no entanto, um processo de tradução que permite que se dê outro tratamento a este paradoxo dos modernos. Esta tradução somente é possível por meio das redes, pois são elas que cruzam estes supostos pólos e os faz ligar, bem como ligar humanos e não-humanos dentro deles em um coletivo. De fato, as práticas de puri icação, que se buscava na modernidade a im de se obter meios pelos quais os coletivos (separadamente humanos e não-humanos) pudessem se ampliar e progredir, só foram mesmo possíveis pelo seu contrário: a mistura deles. Política e natureza, sociedade e ciência não estão separados, tampouco aqueles que estas disciplinas se propõem estudar: eles são híbridos, são quase-sujeitos, quase-objetos dos quais não nos sentimos mais à vontade para dispor em um, ou outro pólo. Neste caminho, o fazer da ciência, por exemplo, não pode ser de inido nos termos do dentro e do fora do laboratório, tampouco este fazer se universaliza – a sociedade não está livre da ciência, como a ciência também não está livre da sociedade e seus saberes se estendem até os limites das redes às quais se associa. Assim, o termo tradução para a TAR deve ser lido como o processo de transformação que determinado fato, feito, ou ator vai sofrendo ao passar de mão em mão na rede – e lembremos, as redes aqui não são 223 Theophilos Ri iotis, et al um meio para transportar algo de maneira intacta, elas se transformam e transformam o que por elas passa, já que o que passa também ica para associar, gerar efeito. Tradução signi ica então deslocamento de objetivos, signi ica envolver interesses, transformar dispositivos, ou seres humanos e não-humanos. A tradução implica em desvios de rota, invenção de elos que antes não existiam, que não eram previstos, e que de alguma maneira fazem modi icar os elementos imbricados na associação. As redes podem ser elas mesmas compreendidas como cadeias de tradução, às quais elas próprias estão suscetíveis. Por im, para compreendermos a noção de redes sociotécnicas, cabe dizer que essas cadeias de tradução mobilizam outras duas entidades: os intermediários e os mediadores. Ambos não são entidades contornáveis, ou identi icáveis antes do próprio curso da ação: se constituem, eles mesmos, no curso das ações. No entanto, a diferença aparece no fato de que um intermediário é aquilo que transporta um signi icado, ou uma força de ação, sem modi icá-la, sem traduzi-la, de maneira que “de inir sus dados de entrada basta para de inir sus dados de salida” (LATOUR, 2008, p. 63). Já um mediador não pode ser considerado apenas um, já que pode funcionar como um, como nada, como muitos, ou in initos. Os mediadores transformam, traduzem, distorcem e modi icam os signi icados, ou os elementos que transportam mais amplamente para a composição do social. Ora, quando nos referíamos à Comunicação Mediada por Computador (CMC) estávamos falando nos computadores como mediadores ou intermediários? Em que termos pensávamos e analisávamos os dispositivos técnicos da comunicação? Eles eram meros agentes passivos do processo que transportavam mensagens sem transformá-la ou será que considerávamos sua capacidade de transformar, traduzir as mensagens En im, o que está em foco são os luxos, as multiplicidades de conexões. Trata-se mais do que uma ideia torta, ou seja, de lexibilização de instituições rígidas, algo que simplesmente nos alivie do peso das noções de sociedade, Estado-Nação, etc. Para Latour (1999a, p. 15) não se trata apenas de uma celebração da lexibilidade 224 Redes sociotécnicas das redes e das suas potencialidades analíticas, na realidade, entendemos aqui que o pensamento de Latour aproxima-se da noção de rizoma, no sentido concebido por na iloso ia de Deleuze e Guattari. Ou seja, ela é multiplicidade, com suas transformações, translações, traduções como de inimos anteriormente. Assim, uma rede não pode ser de inida por super ícies, tampouco por seus limites externos; mas pelo foco que está nos agenciamentos, nas alianças entre elementos heterogêneos (humanos e não-humanos). Ou seja, a rede por si só pode também se constituir como um ator, uma vez que ela produz efeitos, que ela não é uma entidade ixa, logo, não é o objeto de análise; a análise deve recair na capacidade que essas redes têm em rede inir, ou transformar os seus componentes (internos e externos): de modo resumido, interessam os efeitos das redes. Nesse ponto, é interessante pensar no potencial de fazer fazer ou de agência, nos termos de Latour (2008), dos conceitos e teorias que também podem participar das redes. Ou, melhor dizendo, está posto o desa io de descrever como esses sujeitos agem e se mobilizam em função de como concebem e entendem determinados conceitos, como de rede ou network, por exemplo. Também seria interessante pensar o próprio pesquisador na rede. Nesse caminho, o hífen que liga o ator à rede e a própria ideia ator-rede assim ligados são frequentemente confundidos com unidades binárias, como no estruturalismo, operando em contradição (nesse caso, o hífen divide, não liga), assim causando algum mal-estar. Acrescente-se a isso a crítica de que juntos, ator-rede, formariam uma espécie de monstro de duas faces: numa delas, um Grande Gorila com a demiurgia de se criar em um grande sistema explicativo, na outra, o ataque moralista que vê nessa aberração a dissolução do humano - algo como a morte do homem, agora tornado rede-híbrida. Segundo Latour (1999a), a ideia ator-rede tem como intuito traçar a conexão entre o micro e o macro, o ator e a rede, compreendidos como duas faces do mesmo fenômeno uma espécie de entidade circulatória, não de inível senão pela ação, pelas interações, inscrições e práticas locais. En im, como ele mesmo resume, 225 Theophilos Ri iotis, et al a “TAR concentra sua atenção sobre um movimento” (LATOUR, 1999a, p. 16). Por im, a palavra teoria sugere um conjunto de elementos que em geral lançam de antemão princípios de análise – o que faz eleger o vencedor e o vencido, antes do im da linha; isso vem de encontro à proposta metodológica dessa mesma TAR, cujo foco central está em rastrear as construções e a fabricação de fatos e feitos no interior das teorias. Como sugere Latour (2008), a TAR deve ser considerada mais como um esforço metodológico negativo, do que como uma teoria constituída do social. E isto implica em compreendê-la em função das modi icações e dos tensionamentos produzidos junto à nossa forma de pensar e descrever as associações, tomando por base as concepções de simetria, tradução, ator e rede. Tal estratégia se propõe a seguir a fabricação dos fatos, ou mais especi icamente, descrever e rastrear as ações dos atores através das redes, sem explicar o trabalho de fabricação de fatos, de sujeitos e de objetos que se faz em rede, através de associações entre humanos e não-humanos (LATOUR, 2006a); (FREIRE, 2006). Para tanto não é su iciente o reconhecimento da existência de tais redes assim como a a irmação de que os sujeitos que a conformam estão conectados com muitas outras coisas e estão por toda a parte. Para isso, como bem observa Latour, não seria necessária a TAR, pois qualquer teoria social disponível bastaria. “Escoger un razonamiento tan esfralario simplemente para mostrar que sus informantes ‘forman una red’ es perder el tiempo” (LATOUR, 2008, p.206). E, nesse ponto, encontramos um esclarecimento importante a ser feito, o de que frequentemente confundimos a rede traçada pela descrição e a rede usada para fazer a descrição. “Dibujar con un lápiz no es lo mismo que dibujar la forma de un lápiz. Es lo mismo con esta palabra ambigua: red” (LATOUR, 2008, p.207). Ou seja, não se pode confundir o objeto com o método, pois a TAR, nos termos de Latour, nada diz sobre o que se está descrevendo, mas sim como se faz para descrever. Dessa forma, a rede “es una expressión que sirve para veri icar cuánta energía, movimiento y especi icidad son capaces de capturar nuestros proprios informes”. (LATOUR, 2008, p.190). 226 Redes sociotécnicas Tomado o exemplo do lápis e a analogia com a rede, que procuramos discutir desde o início do artigo, diremos que, para Latour, não seria possível reduzir a rede a um ator, tampouco a uma redeobjeto, uma entidade já dada para a análise – redes são associações. Da mesma forma, essas associações não podem ser tomadas como vínculos previsíveis, que conectam elementos claramente de inidos, sejam eles sociais, ou naturais (aliás, não há, sob esta perspectiva elementos puramente sociais, ou naturais – há apenas os híbridos), que podem a qualquer momento rede inir suas identidades e suas relações, de modo a rede inir as próprias associações. Em resumo, trata-se das associações como produção de redes e não o contrário. Hibridismo e multiplicidade de agências Considerando o que foi dito anteriormente, podemos agora a irmar que a noção de redes sociotécnicas permite uma leitura mais apurada, próxima da dimensão vivencial e das experiências concretas, das relações entre humanos e não-humanos, e de um modo mais especí ico, da chamada Comunicação Mediada por Computador. A noção, como temos trabalhado, permite reconstituir a multiplicidade de modos de interação entre humanos e não-humanos e os processos que estão em curso na comunicação, além de situar a multiplicidade de lugares que pode ocupar os próprios dispositivos técnicos. Em outros termos, se pretendemos descrever processos de interação que envolvam a técnica, e todos em alguma medida o fazem, as referências dadas pela chamada Teoria Ator-Rede (TAR) atuam como um contexto teórico-metodológico propício. Como temos mostrado desde o início, a rede não se reduz apenas a um meio neutro que transporta informação ou possibilita ligação entre humanos. A internet, por exemplo, pode ser pensada como um mediador, e concordando com Latour, diríamos que ela deveria ser chamada net-work, rede-trabalho, no sentido de apontar o trabalho, o movimento, a transformação que ela pode operar. A rede não é a web e não é a sua explicação, mas aquilo que devemos explicar. 227 Theophilos Ri iotis, et al Nestes termos, o que está em pauta é a agência. Mas não a agência pensada em termos, digamos clássicos, de humanos agindo com intenção e signi icado, frente a objetos neutros e passivos, nem tampouco o contrário. Ao mostrarmos que os objetos tecnológicos não podem ser tomados exclusivamente como meros intermediários na comunicação, mas que podem ser pensados também como mediadores, apontamos para o potencial de agência dos próprios objetos. Assim, os dispositivos tecnológicos não seriam redutíveis à simples apropriação ou ressigni icação por parte dos humanos. Não são meros objetos inertes, neutros, sobre os quais incide a ação humana, motivada, pensada ou desejada. Os objetos podem atuar como intermediários ou como mediadores, no entanto, não se trata de uma opção ontológica, mas sim contingente. A questão está justamente em rastrear os modos como se dão as interações para poder descrever qual o potencial de agência em cada relação. Necessitamos ser mais concretos para prosseguirmos com o nosso argumento. Para tanto, lembramos inicialmente os exemplos dados no nosso trabalho anterior (CRUZ, MÁXIMO, RIFIOTIS, 2010), quando argumentamos a partir das relações e mútuas transformações que ocorrem entre indivíduo e arma. Naquele momento, nos referimos ao indivíduo-arma como uma nova síntese sociotécnica, a qual aponta também para a possibilidade de pensarmos a arma-indivíduo e as mútuas mudanças provocadas em cada um deles, com consequências de extensividade e contingência da agência. Assim, seguindo o princípio da simetrização, diríamos que na perspectiva socioténica só há híbridos, como a irmou Latour numa entrevista na Revista Mana (2004). No presente texto, pretendemos aprofundar a questão do hibridismo e da agência, e por esta razão citamos um outro exemplo também tirado da obra A Esperança de Pandora de Latour (2001, p. 214) o quebra-molas. Numa descrição detalhada que reproduzimos a seguir ica claro o ponto de vista do autor: O quebra-molas obriga os motoristas a desacelerar no campus (chamado em francês de ‘guarda-dorminhoco’). O objetivo do motorista 228 Redes sociotécnicas é transladado, em virtude do quebra-molas, de ‘diminua a velocidade para não atropelar os alunos’ para ‘vá devagar para proteger a suspensão do seu carro’. Os dois objetivos são bastante diversos e, aqui, reconhecemos o mesmo deslocamento que já presenciamos na história da arma. A primeira versão do motorista apela para a moralidade, o desinteresse esclarecido e a ponderação; a segunda, para o egoísmo puro e ação re lexa. Pelo que sei, mais gente responde à segunda que à primeira [...]. O motorista altera seu comportamento em conseqüência do quebra-molas [...]. Todavia, do ponto de vista de um observador, pouco importa o canal por onde se chega a um determinado comportamento. Da janela, o reitor nota que os carros passam devagar, respeitando sua determinação, e isso basta. A transição de motoristas afoitos para motoristas disciplinados foi efetuada por outro desvio. Ao invés de placas e semáforos, os engenheiros do campus usaram concreto e asfalto. Nesse contexto, a noção de desvio, de translação deve ser modi icada para absorver não apenas [...] uma nova de inição de objetivos e funções, mas também uma alteração na própria substância expressiva. O programa de ação dos engenheiros, “façam os motoristas desacelerarem no campus”, está agora articulado com o concreto. Qual a palavra certa para essa articulação? Eu poderia ter dito ‘objeti icada’, ‘rei icada’, ‘realizada’, ‘materializada’ ou ‘gravada’ – mas esses termos implicam um agente humano todo-poderoso impondo sua vontade à própria matéria informe, ao passo que os não-humanos também agem, deslocam objetivos e contribuem para a sua de inição. (LATOUR, 2001, p. 214). O longo exemplo citado é bastante claro no seu argumento. Há uma agência do quebra-molas sobre o comportamento. A presença do quebra-molas na rua faz os motoristas diminuírem a velocidade dos seus automóveis. Não se trata de uma determinação, mas de uma descrição 229 Theophilos Ri iotis, et al detalhada da ação que nos mostra que ou quem faz outro fazer. Ou seja, a descrição da ação dos motoristas, sem pressuposição moral ou outra, não pode ser reduzida a uma escolha que não leve em conta também a presença de um objeto na rua que pode prejudicar a suspensão do seu automóvel. Procurando descrever a ação, estamos mais próximos das experiências dos sujeitos e mais identi icados com os móveis da sua ação e interações. Repetindo um argumento, citado no trabalho anterior, lembramos que frente aos atores sociais, assumindo a postura de simetrização, “hay que restituirles la capacidad de crear sus propias teorías de lo que conpone lo social. La tarea ya no es imponer algún orden, limitar la variedad de entidades aceptables, enseñar a los actores lo que son o agregar algo de re lexividad a su prática ciega”. O pesquisador deveria, nesta perspectiva, “seguir os atores mesmos”3 (LATOUR, 2008, p. 28). A postura de simetrização implica, portanto, que o analista não tenha uma perspectiva superior aos sujeitos com os quais faz a sua pesquisa. Ele tem também um conhecimento sobre o que ele etnogra icamente observa e descreve, e os sujeitos de pesquisa não podem mais ser considerados, na perspectiva que estamos propondo, como meros “informantes” para a nossa pesquisa. Eles são os agentes que produzem as associações, mas agentes que atuam em condições e contextos relacionais concretos os quais estamos analisando e como tais a ação desses é etnogra icamente fundamental, como também pode ser a dos objetos. O foco da narrativa etnográ ica concentra-se 3 A questão estaria mal colocada se considerássemos toda esta discussão como atinente exclusivamente à cibercultura. Interessante, por exemplo, observar a pesquisa desenvolvida por Leticia Freire junto aos moradores da localidade de Icari (Rio de Janeiro). A pesquisadora, orientada pela perspectiva da TAR, se ocupa da descrição do processo de implantação do Programa Favela-Bairro, mais especi icamente das “redes que estavam sendo tecidas no processo de internação urbana”. Nesse sentido, para Freire interessava menos identi icar vínculos e alianças geradas em torno dessa intervenção, do que mapear (em termos não taquigrá icos) os “efeitos produzidos por estes vínculos” (FREIRE, 2006, p.26). 230 Redes sociotécnicas nas ações que são realizadas, naquilo que faz fazer: o quebra-molas, os engenheiros, os atropelamentos, etc. Ou seja, o foco da descrição está na trama, na distribuição das ações e dos agentes que ocupam distintos lugares, conforme a ação descrita. É dando atenção e procurando descrever as ações e as redes de actantes que se formam no curso da própria ação é que percebemos efetivamente que nem sempre a ação começa e termina com um humano. Fazer uma descrição dos modos de interação que estabelecemos com os objetos pode nos mostrar relações que invisibilizamos, ou melhor, obliteramos para continuar a nossa narrativa sociologizada que reintera, apesar de tudo, uma única agência que os discursos da modernidade reconhecem: a agência humana. Devemos, por assim dizer, resistir ao pensado imediato que coloca os atores como possuidores de uma linguagem e os analistas como tendo uma meta-linguagem, em tudo superior a dos sujeitos das nossas pesquisas. Os atores sociais, na perspectiva que estamos trabalhando (simetrização do conhecimento), não são agentes não-re lexivos cuja ação precisa ser signi icada em segundo grau pelo analista. Não se trata de uma hermenêutica da descon iança, mas de uma atitude frente ao observado, um deslocamento descritivo que foca a sua narrativa na ação e nas interações entre actantes, e não em atores cuja trama estes desconhecem. Em resumo, se há atores que fazem outros agirem, então estes atores (humanos ou não-humanos) devem ser considerados como agentes da ação, pois possuem agência no contexto e na relação especí ica em que fazem fazer. Isso implica em se considerar que há muito mais sujeitos povoando o mundo do que supõem as nossas vãs iloso ias (VARGAS, 2007), todos jogando, de igual para igual. Por alto, tudo é interação: natureza, ciência, tecnologia, sociedade, política, economia, que antes tomados como uma espécie de entidades com ontologias bastante contornáveis passam então a ser vistos como coletivos compostos por atores que se associam e se traduzem formando redes que descentram agências e dissolvem purezas e universalidades. 231 Theophilos Ri iotis, et al Considerações ϐinais De modo geral, pode-se pensar que a perspectiva metodológica da Teoria Ator-Rede para se pesquisar o social produz um deslocamento da solução tradicional que se produz no mesmo movimento em que se questiona o que é o social. Como sugere Latour (2008), de modo tradicional, o social remete a uma espécie de contexto – contexto social, ou dimensão social, ou ordem social, ou prática social, ou estrutura social – onde domínios da realidade, como a Economia, a Biologia, a Geogra ia, o Direito, a Psicologia, para citar alguns, estão em parte situados. Neste caso, o social aparece de maneira negativa, como aquela instância que faz perder a pureza de algum desses domínios, cuja totalidade deve prever aquelas nuvens dos aspectos sociais, ou dos fatores sociais, que geralmente são tomados como o fator de desordem – aquilo que não se pode ter o controle do rigor cientí ico, justamente por não se saber ao certo as consequências daquelas dimensões obscuras e mutantes. Da mesma forma, quando tratamos especi icamente dos sujeitos, tomamos o cuidado de não esquecer as in luências sociais que estes podem receber – “in luenciado por determinado contexto social o sujeito fez...” – de maneira que há aparentemente um tom de distância, de deslocamento daquilo que é social. Somos algo, ou conjuramos um domínio do saber que se relaciona com o social, de maneira a parecer que este é uma instância deslocada, ou externa. Por outro lado, quando assumimos o social como algo interno, ou inerente, atribuímos a esse um tom de tumor, como uma espécie de resíduo dentro de nós, ou dentro de um domínio do saber. Há, assim, uma espécie de naturalização, ou homogeneização daquilo que se compreende por social - assim, ele, o social, como também a sociedade, por si só, se tornam auto-explicativos, obsoletos (STRATHERN et al, 1996) e medida para explicação do próprio social (LATOUR, 2008). Isso aparece nos discursos dos jornais e revistas, nos discursos políticos e cientíϔicos, nas histórias de amor, na moda, ou no senso comum, e, sobretudo, nas próprias ciências sociais. Contudo, para a Teoria Ator-Rede, o social é plano. Não vem do alto, pronto, acabado, para 232 Redes sociotécnicas cobrir feito uma centelha de luz determinados entes e lhes dar qualquer forma que os diferencie de outros - ele se constitui no plano, nas mãos que vão se dando, se associando e fazendo movimentar. E tão fugaz quanto sua constituição, ele vai se desmanchado, tão logo as mãos parem de se movimentar, se estabilizem, se soltem. De tal modo que podemos a irmar que se as coisas não são sociais por si mesmas, se elementos e conexões não são previsíveis, seria possível presumir que não deveríamos encontrar aquilo que esperamos encontrar com nossos projetos de pesquisa. E ao encontrar o não-previsto, não pré-de inido, não deveríamos forçá-los à traição de se tornarem inteligíveis às nossas categorias, senão por algum equívoco. “Traduzir é presumir que há desde sempre e para sempre um equívoco; é comunicar pela diferença ao invés de manter em silêncio e presumir uma univocalidade original e uma redundância última – uma semelhança – entre o que era e aquilo que nós estamos tentando dizer”. (VIVEIROS DE CASTRO, 2009, p. 57). Num sentindo mais amplo, como a irma Viveiros de Castro (2002, p.129), seguindo Deleuze: “não se trata de a irmar a relatividade do verdadeiro, mas sim a verdade do relativo”. Finalmente, cabe retomar o objetivo geral do presente texto, lembrando que procuramos aqui explicitar os pressupostos de uma abordagem sociotécnica para analisarmos a cibercultura. Iniciamos nossa apresentação discutindo as noções de ator-rede, simetrização, hibridismo, agência, dando ênfase à categoria de rede. Deste modo, como dissemos no início do presente texto, problematizamos o lugar dos dispositivos técnicos nas interações sociais e repensarmos a técnica, e assim discutirmos criticamente o próprio campo teórico e metodológico que podemos mobilizar nos estudos da cibercultura e das redes sociais. Terminamos por nos perguntar sobre os limites da própria categoria cibercultura não como algo já dado, uma espécie de simples contexto em que as interações sociais ocorrem, mas como um processo de produção no qual interagem humanos e não-humanos; procurando ultrapassar os limites estritamente disciplinares, quer da Comunicação ou da Antropologia, nos colocando como horizonte a abordagem que nos possibilita a TAR. 233 Theophilos Ri iotis, et al Cabe aqui lembrar que as análises etnográ icas que temos realizados no GrupCiber (GUIMARÃES, 2000), (MÁXIMO, 2002, 2006); (SEGATA, 2008) nos têm mostrado claramente que na comunicação na e pela Internet os dispositivos técnicos são fundamentais, seja na forma dos computadores ou celulares, da velocidade de conexão ou dos softwares utilizados. Na realidade, os nossos estudos têm dado ênfase, desde o início, especialmente às plataformas de sociabilidade e aos modos de interação que estas promovem. Estamos agora caminhando em direção a uma abordagem que nos permita descrever a íntima e indissolúvel relação que observamos, nos nossos trabalhos, entre os elementos da técnica e os sociais, e que, a noção de redes sociotécnicas permite fazer. A posição central do nosso argumento foi resumida por Ri iotis no III Simpósio da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura – ABCiber (São Paulo, 2008) e na VII Reunião de Antropologia do MERCOSUL (Buenos Aires, 2009), quando esse, ao apresentar as questões relativas ao campo de estudos da cibercultura em termos de novos cenários e dilemas para a pesquisa, a irmou que é paradoxal a centralidade atribuída ao estudo das redes sociotécnicas no campo da chamada cibercultura. Isso porque, essa se traduz ao mesmo tempo pela a irmação discursiva, pela descrição de plataformas e ambientes de sociabilidade, dispositivos técnicos e pela descrição da rede ísica e das tecnologias da CMC, etc, e por uma gramática recorrente: apresenta-se numa primeira parte os hardwares, redes ísicas, plataformas, e, mais inicialmente, uma narrativa histórica da internet, que surpreendentemente está isolada de uma segunda parte em que aparecem exclusivamente as relações entre atores humanos. Para Ri iotis, trata-se antes da a irmação de uma vontade de saber sociotécnica do que de uma análise sociotécnica. Na primeira, domina a a irmação de uma centralidade nunca realizada na análise entre humanos e não-humanos. Procura-se, desta forma, tentar escapar do tecnocentrismo, mas voltamos para a sociologização nas análises, ou na melhor das hipóteses, trata-se de uma justaposição entre humanos e não-humanos. 234 Redes sociotécnicas Eis o desa io colocado e que o presente texto procurou espelhar a partir de uma re lexão sobre os fundamentos da abordagem sociotécnica. Podemos a irmar agora que a própria CMC, comunicação mediada por computador é analisada em termos de comunicação intermediada por computador, no sentido de que os computadores são entendidos como meros intermediários no processo e não como elementos atuantes numa rede sociotécnica. Portanto, tratando-se de redes no campo da cibercultura, do ciberespaço, uma primeira distinção que se impõe ao analista é a separação da internet em relação à noção de redes sociotécnicas. Em resumo, trata-se de um problema de pesquisa cuja invisibilidade na maioria dos estudos leva, por exemplo, a uma identi icação imediata da World Wide Web com a noção de redes sociotécnicas. Porém, como dissemos anteriormente, na perspectiva da TAR a distinção entre elas é capital e exige um aprofundamento da própria noção de redes sociotécnicas. Foi neste sentido que desenvolvemos o nosso texto discutindo o que entendemos por rede, ou melhor, por ator-rede, para, em seguida, apresentarmos os debates em torno da noção de redes sociotécnicas, o caráter híbrido e as agências que a análise destas permite descrever. Procuramos, desta forma, apresentar a perspectiva da TAR e seu potencial analítico no campo da cibercultura. Finalmente, lembramos ainda que a tendência de recuperar a ideia de social como associação tem trazido importantes contribuições a diversos debates contemporâneos que tendem a dissolver a força dessas categorias, privilegiando as conexões entre as mais diversas entidades, humanas e não-humanas. Entende-se assim, que o social, ou sociedade não são domínios, mas sim movimentos. Dessa forma, a Sociologia e a Antropologia, por exemplo, podem ser compreendidas como disciplinas, cujo domínio de conhecimento não é um domínio, mas movimentos de conexões entre coisas, para além do social. Neste sentido, para concluir, diremos que o enfoque na ação não se reduz à mera descrição do ato, mas trata de recuperar o evento que ela produz, relacionando actantes. A agência nunca é uma atribuição ontológica, mas contingente, e ela é o 235 Theophilos Ri iotis, et al resultado da mediação de um actante no curso da ação. As redes, como pretendíamos desde o começo mostrar, são processos incessantemente produzidos por híbridos e coletivos (humanos e não-humanos). Em síntese, a partir das nossas re lexões sobre a TAR, a maneira mais adequada de pensarmos a cibercultura seria em termos da a irmação: estamos em rede, somos redes. Referências AKRICH, Madeleine; LATOUR, Bruno. A Summary of a Convenient Vocabulary of the Semiotics for Human and Nonhuman Assemblies. In: BIJKER, Wiebe; LAW, John (eds.). Shaping technology, building society: studies in sociotechnical change. Cambridge: MIT Press, 1992, p. 123-146. BLOOR, David. Knowledge and social imagery. Londres: Routledge, 1975. ______. Anti-Latour. Studies in History and Philosophy of Science, 30/1, 1999, p. 81-112. CALLON, Michel. Sociologie de l’acteur réseau. In: AKRICH, M.; CALLON, M.; LATOUR, B. (eds.). Sociologie de la traduction: textes fondateurs. Paris: Mines Paris, 2006a, p. 266-276. CALLON, Michel; LATOUR, Bruno. La Grand Léviathan s’Apprivoiset-il?. In: AKRICH, M.; CALLON, M.; LATOUR, B. (eds.). Sociologie de la Traduction: textes fondateurs. Paris: Mines Paris, 2006b, p. 11-32. FREIRE, Letícia. Seguindo Bruno Latour: notas para uma Antropologia simétrica. Comum, v. 11, n. 26, 2006, p. 46-65. GUIMARÃES, JR. Mário J. L. Vivendo no Palace: etnograϔia de um ambiente de sociabilidade no ciberespaço. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: PPGAS/UFSC, 2000. LATOUR, Bruno. On Recalling TAR . In: HASSARD, John; LAW, John (eds.). Actor-network-theory and after. Oxford: Blackwell, 1999a, p. 15-25. 236 Redes sociotécnicas ______. Factures/fractures: from de concept of network to the concept of attachment. AUTUMN, 1999b, p. 20-36. ______. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Unesp, 2000. ______. A Esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos cientíϔicos. Bauru: Edusc, 2001. ______. Un monde pluriel mais commun: entretiens avec François Ewald. Luxembourg: Éditions de L’Aube, 2003. ______. Por uma Antropologia do Centro. Mana vol. 10(2). Rio de Janeiro, 2004. ______. Jamais fomos modernos: ensaio de Antropologia simétrica. São Paulo: Editora 34, 2005. ______. Petites Leçons de Sociologie des Sciences. Paris: La Découvert, 2006a. ______. Les ‘Vues’ de L’Esprit. In: AKRICH, M.; CALLON, M.; LATOUR, B. (eds.). Sociologie de la traduction: textes fondateurs. Paris: Mines Paris, 2006b, p. 33-72. ______. Reemsamblar lo social: una introducción a la teoría del actor-red. Buenos Aires: Manantial, 2008. LATOUR, Bruno; WOOLGAR, Steve. La Vie de Laboratoire: la production des faits scientiϔiques. Paris: La Découverte, 1996. STRATHERN, Marilyn et al. The concept of society is theoretically obsolete. In: INGOLD, Tim (ed.). Key debates in Anthropology. London: Routledge, 1996, p. 50-67. STRATHERN, Marilyn. O Gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na melanésia. Campinas: Unicamp, 2006. 237 Theophilos Ri iotis, et al _______. Gabriel Tarde e a Diferença In initesimal. In: TARDE, Gabriel. Monadologia e Sociologia e outros ensaios. São Paulo: Cosac & Naify, 2007, pp. 7-49. ______. Métaphysiques cannibales: lignes d’Anthropologie post-structurale. Paris, PUF, 2009. MÁXIMO, Maria Elisa. Compartilhando “regras de fala”: interação e sociabilidade na lista eletrônica de discussão Cibercultura. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, UFSC, Florianópolis, 2002. ______. “Sociabilidade no ciberespaço”: uma análise da dinâmica de interação na lista eletrônica de discussão Cibercultura”. Antropologia em primeira mão, PPGAS/UFSC, Florianópolis, 2003. ______. Blogs: o eu encena, o eu em rede. Cotidiano, performance e reciprocidade nas redes sócio-técnicas. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, UFSC, Florianópolis, 2006. Disponível em: http://www.tede.ufsc.br/teses/ PASO0197-T.pdf RIFIOTIS, Theóphilos. Internet e Perspectivas de Cooperação em Ciências Humanas. Conhecimento em Debate. Agosto/dezembro, 1994, p. 27-32. RIFIOTIS, Theóphilos. Antropologia do Ciberespaço: questões teóricometodológicas sobre pesquisa de campo e modelos de sociabilidade. Antropologia em Primeira Mão, n. 51, Florianópolis, Prog. de Pósgraduação em Antropologia Social/UFSC, 2002. RIFIOTIS, T. Apresentação. In: SEGATA, Jean. Lontras e a Construção de laços no Orkut: uma antropologia no ciberespaço. Rio do Sul: Nova Era, 2008, p. 19-24. RIFIOTIS, T.; MÁXIMO, M. E.; CRUZ, F. G. Diálogos Metodológicos entre Antropología y Comunicación en la investigación de las formas de apropiación de centros públicos y acceso a la Internet. In: FERNÁNDEZ, Adrián Padilla; MALDONADO, Alberto Efendy. (Org.). Metodologías transformadoras: tejendola red em Comunicación, Educación, 238 Redes sociotécnicas Ciudadadanía e Integración en América Latina. Caracas: Fondo Editorial CEPAP, Universidad Nacional Experimental Simón Rodrigues, 2009, p. 147-175. RIFIOTIS, T.; MÁXIMO, M. E.; CRUZ, F. G. Diálogos de frontera: volviendo a pensar en las redes socio-técnicas a partir de experiências etnográ icas en lan houses. In: Alberto Pereira Velarezo; Alberto Efendy Maldonado. (Org.). La investigación de la comunicación en América Latina. Quito: Fondo Editorial FACSO-UCE, 2010, p. 169-195. RIFIOTIS, T.; MÁXIMO, M. E.; LACERDA, J.; SEGATA, Jean. Antropologia no ciberespaço. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010. 174 p. SEGATA, Jean. Lontras e a Construção de Laços no Orkut: uma antropologia no ciberespaço. Rio do Sul: Nova Era, 2008. ______. Um Local-Global, um Global-Local: eu, a cidade de Lontras e o Orkut. In: RIFIOTIS, T.; MÁXIMO, M. E.; LACERDA, J.; SEGATA, Jean. Antropologia no ciberespaço. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010, p. 127-144. STENGERS, Isabelle. A Invenção das Ciências Modernas. São Paulo: Editora 34, 2002. VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O Nativo Relativo. MANA 8(1): 113-148, 2002. 239 Modelos Teóricos da Comunicação no Contexto da Convergência Digital Juciano de Sousa Lacerda Helena Velcic Maziviero Tatiana dos Santos Pais A complexa realidade contemporânea das comunicações, regida pela convergência midiática, suscita o contraponto das teorias que adotam a linearidade como modelo do processo de comunicação. A convergência das mídias digitais desloca seu foco ainda impreciso para a noção - já anunciada por Pierre Lévy – de inteligência coletiva na apropriação das produções midiáticas pelo grupo de indivíduos. Ao expor os limites existentes no histórico dos estudos da mídia para o atual contexto das comunicações, torna-se necessário levantar alguns de seus traços mais con litantes. Nesse viés, algumas noções cunhadas no nascimento da Communication Research, nos Estados Unidos, como a de inição de um esquema analítico adequado que tem por eixo as análises dos efeitos e do conteúdo, sobressaem pelo caráter duradouro que tiveram dentro das pesquisas em comunicação nas últimas décadas. A linearidade e a objetividade evidenciavam um processo de comunicação de massa assimétrico, intencional e objetivo, do emissor para o receptor. O poder dos meios clássicos da comunicação massiva parece agora sofrer abalos com a digitalização das mensagens, em que os 241 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais conteúdos migram e se adaptam aos diferentes suportes de mídia. A superação de teorias se dá de forma concomitante à construção de outras propostas teóricas, em um processo dialético que pressupõe a quebra de paradigmas com o surgimento de novos problemas epistemológicos. O processo de convergência digital expande as fronteiras da tradicional visão linear das comunicações, con litando com os modelos funcionalista e informacional. Nesse ponto torna-se de fundamental importância a constatação de Jenkins (2008, p.45) acerca do contexto midiático que se constrói rapidamente. Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e icavam onde mandavam que icassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos. Foi a partir da formulação do conceito da sociedade de massa que a simpli icação do esquema das comunicações ganhou sustentação. A teoria hipodérmica resumiu o trajeto óbvio e sem intervenientes entre o estímulo do emissor e a resposta previsível e observável do receptor. A assimetria dos processos de comunicação de massa se consagrou com o paradigma criado por Harold Lasswell (Quem? Diz o que? Através de que canal? A quem? Com qual efeito?), que presumia um emissor todo poderoso diante de um destinatário passivo. O comunicador e o receptor são vistos isoladamente e as características socioculturais são de initivamente ignoradas (WOLF, 2005); (MATTELART, 2005). O esquema de Lasswell guiou por muito tempo as pesquisas em comunicação. A análise dos efeitos forneceu o paradigma necessário para as abordagens do estudo da mídia que superariam a teoria hipodérmica. Dos estudos experimentais loresceu a constatação de 242 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital que a previsibilidade e e icácia da mídia em relação aos receptores caminhavam no interior de uma complexa rede social e psicológica, que restringia seus efeitos persuasivos. A capacidade de persuasão da mensagem estava condicionada à adaptação aos fatores psicológicos dos indivíduos. Portanto, a mídia seria capaz de persuadir através de um caminho não-linear e seus efeitos estavam muito mais ligados ao reforço de opiniões e atitudes já existentes do que propriamente à sua transformação. A persuasão dos destinatários se concretizaria a partir da formulação de mensagens adequadas aos fatores pessoais dos indivíduos, mas ainda mantém o modelo basicamente mecanicista e assimétrico da teoria hipodérmica. Sendo assim, a abordagem empírica do estudo da mídia até aqui exposta, enquadra-se no contexto mais abrangente dos efeitos possíveis da comunicação de massa, pensados de forma quantitativa numa situação de campanha. O contexto social em que se realizam os processos de comunicação de massa só foi considerado de forma mais signi icativa a partir das pesquisas sociológico-empíricas, em que os relacionamentos comunitários surgem como componentes importantes dentro das possibilidades de in luência da mídia. As idéias do luxo de comunicação em duas etapas e dos líderes de opinião - forjadas por Lazarsfeld, Berelson e Gaudet na obra The people’s choice. How the voter makes up his mind in a presidencial campaign (1944) - forneceram uma orientação mais sociológica para as pesquisas em comunicação (WOLF, 2005); (MATTELART, 2005); (MIÈGE, 2002). Nessa perspectiva, o contexto social surge como um fator interveniente poderoso que, de certa forma, iltra os conteúdo veiculados pelos meios de comunicação de massa. As dinâmicas das forças sociais ainda são consideradas dentro de uma perspectiva prático-aplicável, de forma a considerar os produtores e receptores das mensagens isoladamente, com a atenção voltada para o problema central da capacidade de in luência da mídia sobre o público. No contexto da convergência digital, em que os consumidores tem a possibilidade de participar ativamente do processo de comunicação, os estudos dos efeitos remetem a um modelo que desconsidera a interação 243 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais entre produtores e consumidores, para além da internalização das mensagens. A mídia massiva encontra fronteiras e con litos nas múltiplas formas de interação social existentes, que se tornaram grandes demais para uma abordagem planejada, observada quantitativamente. Nesse aspecto, a teoria funcionalista das comunicações de massa já havia anunciado a crise do modelo dos efeitos intencionais, passando a considerar as funções exercidas pela mídia no cotidiano das interações sociais. A teoria funcionalista ocupa uma posição muito precisa, que consiste em de inir a problemática da mídia a partir do ponto de vista da sociedade e do seu equilíbrio, da possibilidade do funcionamento total do sistema social e da contribuição que os seus componentes (inclusive os meios de comunicação de massa) lhe trazem (WOLF, 2005, p. 51). O modelo funcionalista representa um avanço no que diz respeito ao fortalecimento de um viés sociológico dentro das pesquisas em comunicação. O foco dos estudos transfere-se da dinâmica interna das comunicações para suas funções no amplo painel do sistema social. Nesse sentido, busca-se compreender as contribuições da mídia para o equilíbrio da sociedade. A comunicação de massa é vista como um dos componentes do sistema social que, por sua vez, depende da harmonia e estabilidade de suas partes para regular-se (WOLF, 2005). A teoria funcionalista adquire importância por adotar uma ótica preocupada com a forma de estruturação social a partir das comunicações de massa. Os emissores e receptores são considerados a partir de um contexto social que necessita da articulação de inúmeros componentes para manter-se estável. Dessa forma, pensa-se a comunicação no interior de redes sociais complexas que, cada vez mais, problematizam o antes linear trajeto emissor-receptor. Contudo, a circularidade da informação no atual contexto da convergência midiática envolve um processo que torna di ícil a transposição de modelos que adotam uma perspectiva linear da comunicação, com pontos de origem e chegada para as mensagens. Quando, no inal dos anos 40, a teoria matemática da comunicação 244 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital ocupa um papel central (MATTELART, 2005), o objetivo dos estudiosos é justamente permitir que determinada mensagem, criada em seu ponto de origem, atinja seu ponto de chegada de maneira exata ou com o mínimo de distorção. Proposta por Claude Elwood Shannon e Warren Weaver, a teoria informacional é o resultado de pesquisas que tentam transportar para o campo das comunicações o modelo de cienti icidade das ciências exatas. A codi icação das mensagens envolveria a formação de ruídos que comprometeriam a efetividade da comunicação. Assim, a intenção de fazer com que dois pólos se comunicassem sem interferências ou distorções implicava a suplantação de problemas técnicos no momento da decodi icação da mensagem, vista de forma puramente sintática. A semiótica das mensagens é ignorada, e o conteúdo se torna livre de qualquer tipo de intencionalidade ou atribuição de sentido (MATTELART, 2005). Assim, a suposição da troca de informações sem barreiras, vista como um mecanismo lógico provém de um esquema relativamente simples, sem muitas variáveis, construído a partir da segurança da codi icação e da recepção das mensagens numa perspectiva técnica ideal. Cada uma dessas teorias encontra seus prolongamentos até os dias atuais, de forma que alguns de seus conceitos são resgatados e abandonados em um processo permanente. Entretanto, o modelo linear de comunicação cada vez mais encontra resistências para se irmar. A complexidade da convergência digital opõe-se à idéia de sistematização das comunicações concebida de forma reduzida. Dessa forma, o modelo que adota a circularidade das informações, remetendo-as a um processo de comunicação instável e permanente, parece muito mais viável quando se considera o intenso luxo midiático que a lora com as so isticações técnicas e o abalo evidente do poder das tradicionais corporações da mídia. Modelo cibernético e as bases da convergência digital Na maioria das vezes em que ouvimos falar de convergência digital, a temática está associada à internet. Em alguns casos, até ouvese falar em avanços tecnológicos, mas essas de inições acabam sendo 245 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais muito vagas e simplistas, pois convergência, não trata somente de internet ou dos avanços da tecnologia. Uma idéia bastante comum é a de que a convergência está associada à junção de várias mídias em uma só. Decorre dessa visão a associação entre convergência e internet, pois esta possibilita que você assista a TV, escute rádio, veja um ilme, leia um jornal ou um livro a distância de um clique. Outro exemplo de convergência voltada para a lógica do dispositivo é o celular, que deixou de ser somente um aparelho de telefonia móvel, para se tornar um aparelho multifuncional que reúne TV, rádio, internet, e permite que você permeie por todas essas mídias sem precisar trocar de aparelho. Os dois fenômenos apontados acima são exemplos contemporâneos e cotidianos do processo que foi antecipado por Ithiel de Sola Pool, cientista político do MIT, em seu livro Technologies of Freedom, de 1983, evidenciando as transformações tanto da comunicação ponto a ponto como dos meios de comunicação massivos. Um processo chamado ‘convergência de modos’ está tornando imprecisa as fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo entre as comunicações ponto a ponto, tais como o correio, o telefone e o telégrafo, e as comunicações de massa, como a imprensa, o rádio e a televisão. Um único meio ísico – sejam ios, cabos ou ondas – pode transportar serviços que no passado eram oferecidos separadamente (SOLA POOL citado por JENKINS, 2008, p. 35). Ou seja, as fronteiras entre os diferentes sistemas de comunicação e seus respectivos ecossistemas de produção, circulação e consumo estavam se corroendo, por força das novas tecnologias que transformam – como a irmou Nicholas Negroponte (1995) – “átomos em bytes”, isto é, o processo de digitalização. Os computadores foram responsáveis pela maior visibilidade da performance técnica da digitalização e seu caráter de língua universal da convergência, mas a gênese do processo está relacionada ao conceito matemático de informação desenvolvido por Shannon e desenvolvido 246 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital por Nobert Wiener, para quem “a informação é a base da vida” (ROSZAK, 1988, p. 36). Para Wiener (1984, p.17-18), o nosso viver e adaptação ao meio ambiente se dão mediados pela informação, que assinala o conteúdo daquilo que permutamos com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, e que faz com que nosso ajustamento seja nele percebido. O processo de receber e utilizar informação é o processo de nosso ajuste às contingências do meio ambiente e de nosso efetivo vier nesse meio ambiente. A visão de informação em Wiener está próxima de uma energia que trocamos com o intuito de nos manter vivos. E se há troca, subtendese circularidade. A visão biológica do conceito de informação ganhou importância e se aproximou da cibernética de Wiener quando os microbiologistas James Watson e Francis Crick anunciaram, em 1952, a quebra do “código genético”. “O próprio uso da palavra código nesse contexto era signi icativo. [...] parecia imediatamente ligar as descobertas dos biólogos àquelas dos novos teóricos da informação, cujo trabalho tinha muita relação com a ‘codi icação’ da informação” (ROSZAK, 1988, p. 36). Wiener preconiza sujeitos comunicantes cuja inalidade é o social, cuja existência necessita da informação e da troca, cuja plataforma é uma “sociedade transparente”, tornada possível pelas “máquinas de comunicar” (MIÉGE, 2000). O ser humano tem uma necessidade muito grande de se comunicar, de vincular-se, de estabelecer relações, seja para o con lito seja para a cooperação, e os contínuos avanços das máquinas de comunicar, com a digitalização que possibilitou processos de convergência são bases para a circularidade da informação. Ao interpretar o pensamento de Nobert Wiener, Armand Mattelart (2005) evidencia que uma “sociedade da informação” tem como pressuposto a circulação de informações sem barreiras, sendo incompatível com o embargo, segredos e com as práticas desiguais de acesso à informação, assim como a sua transformação em mercadoria. Assim sendo, o crescente controle dos meios de comunicação por minorias econômicas 247 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais e políticas conduzem ao desequilíbrio e à entropia, mais do que à “homeostase social” pensada pela cibernética de Wiener. A circularidade de informação ocorre na medida em que o emissor e o receptor interagem numa contínua troca de papéis: o receptor passa a ser emissor e o emissor se transforma em receptor. Essa é a lógica transplantada do modelo cibernético, que refaz o percurso de interação da informação, tentando estabelecer uma relação que equilibre o sistema, que entra em dialogo com o meio ambiente, com o contexto, para poder reconduzir o processo de comunicação. Embora o conjunto de tecnologias digitais de comunicação não esteja acessível à grande parte da população brasileira, o celular é uma das mais disseminadas e populares. Em janeiro de 2010, já tínhamos no Brasil um total de 175,6 milhões de celulares, correspondendo a 91 aparelhos para cada 100 habitantes, segundo dados da Anatel.1 Toda essa facilidade que a tecnologia nos propicia, faz com que a circularidade da informação seja muito maior e muito mais rápida, o que possibilita a expressão de novas vozes, seja para dizer o que gosta e o que não gosta; mostrar sua rua, sua cidade, seus trabalhos, denunciar os problemas que enfrentam, ou apontar questões que necessitam de ação do governo, dentre inúmeras coisas que nunca tiveram oportunidade de mostrar ou dizer. As pessoas deixaram de ser meras espectadoras para se tornarem sujeitos da ação. Elas estão deixando de tentar simplesmente se encaixar, de se reconhecer nos personagens vistos na TV ou no cinema, para apropriar-se, pilhar, produzir, interagir; mostrar como são, o que sentem, o que pensam, o que esperam. São expressões que ultrapassam fronteiras, fazendo interagir no contexto da convergência digital práticas culturais distintas, colocando em evidência experiências de hibridização nas trocas culturais. 1 Agência Estado. Número de celulares no Brasil chega a 175,6 milhões, 22/02/2010. Disponível em [http://economia.estadao.com.br/noticias/ not_5884.htm]. Acesso em: 15 de maio 2010. 248 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital Quando a circulação cada vez mais livre e freqüente de pessoas, capitais e mensagens nos relaciona cotidianamente com muitas culturas, nossa identidade já não pode ser de inida pela associação exclusiva a uma comunidade nacional. O objeto de estudo não deve ser, então, apenas a diferença, mas também a hibridização (GARCÍA-CANCLINI, 1999, p.166 ). O cotidiano das pessoas tem passado por transformações no contexto da convergência digital: as informações chegam mais rapidamente, as pessoas icam sabendo das noticias praticamente no momento em que elas ocorrem. A convergência e os avanços tecnológicos permitiram uma otimização do tempo, ou seja, as pessoas puderam utilizar seu tempo para fazer muito mais coisas. Através da internet ou do celular um grande número de pessoas pode acessar a conta bancaria, fazer transferências ou pagamentos, fazer cursos dos mais variados, assistir aulas, buscar quali icação para uma melhor colocação no mercado de trabalho. Tudo isso sem precisar sair de casa. Desde, claro, que tenham acesso ou possuam tais tecnologias. Os próprios meios de comunicação estão se adaptando a essa convergência. As rádios, por exemplo, passaram a disponibilizar seu conteúdo online, através de sites contendo a programação, informações sobre os artistas, promoções especiais para os internautas, links para votarem em seus artistas favoritos e para pedir musicas. Há algumas até que já dispõe de sistemas em que as músicas podem ser pedidas através de mensagens de voz e de texto. O processo que consiste em receber e utilizar a informação é o processo que seguimos para nos adaptar às contingências do meio ambiente e, com e icácia, viver nesse meio. As necessidades e a complexidade da vida moderna tornam mais exigente do que nunca tal processo de informação, e nossa imprensa, nossos museus, nossos laboratórios cientí icos, nossa universidades, nossas bibliotecas e nosso manuais são obrigados a satisfazer as necessidades de tal processo, ou, caso contrário, não atingirão seu objetivo” (WIENER, 1984, p. 17-18). 249 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais Digitalização como base da convergência digital O processo de digitalização consiste em traduzir uma informação analógica em um outra linguagem, a dos números, sob a forma de 0 e 1, denominada linguagem binária. Dispositivos técnicos distintos podem gravar e transmitir a partir desse tipo de codi icação binária. A transmissão e cópia do material digitalizado têm perda mínima se comparada a outros processos. A informação digitalizada garante um processamento das informações automático, rápido, preciso e em grande escala. Do ponto de vista cibernético, a digitalização permite “o controle das informações e das mensagens ‘bit a bit’, número binário a número binário, e isso na velocidade de cálculo dos computadores” (LÉVY, 1999, p. 52). Os dados podem ser rastreados, mapeados e indexados, possibilitando uma aceleração nos processos de produção, revisão, publicação e distribuição de diversos tipos de produtos midiáticos, mesmo os já tradicionais jornais impressos, livros ou mais contemporâneos como CDs e DVDs. A digitalização como base da convergência digital não é um consenso no campo teórico. Virilio (1999) identi ica a velocidade do processamento digital como a predominância do tempo técnico (tempo mundial) sobre o tempo das culturas nacionais e locais. O controle da informação, proposto por Wiener, daria lugar na visão de Virilio a uma “televigilância generalizada” e à “infowar”.2 A representação digital condicionaria nossa relação com a realidade analógica com “empobrecimento das aparências sensíveis”. A digitalização representaria a poluição da ecologia do sensível (VIRILIO, 1999). As importantes críticas de Virilio incorrem no risco de ver o digital, que é 2 Ainda em 1988, Roszak (1988, p.274) apontava que a ANS (Agência Nacional de Segurança) estava inanciando “trabalhos pioneiros de reconhecimento de voz por computador; o que signi icaria que possui dispositivos capazes de reconhecer termos tais como ‘bomba’ e ‘assassinato’ ao fazer suas monitorações rotineiras de chamadas telefônicas, uma das principais atividades da agência”. 250 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital uma segunda natureza, atuar num processo de antropofagia da natureza sensível, o meio ambiente em que vivemos. Trata-se de colocar essa argumentação no devido lugar, de que não se trata de naturalizar a tecnologia como substituta da natureza primeira, pois toda tecnologia é social e construída, logo é determinante e determinada culturalmente. O ‘meio ambiente informatizado’ é, a inal de contas, algo feito por nós. Deveria, portanto, estar sob nosso controle mudá-lo para que sirva a nossos próprios valores. É uma visão sinistra da vida, esta que assume que devemos nos tornar timidamente as vítimas da cultura que criamos (ROSZAK, 1988, p. 76). A convergência dos meios, portanto, é fruto da cultura tecnológica, e representa uma das mudanças técnicas e culturais decorrente do processo de digitalização. É uma mudança cultural signi icativa em termos simbólicos, de linguagens, gramáticas de produção, consumo e re-produção a desvinculação de determinadas formas midiáticas culturalmente estabelecidas dos seus dispositivos naturais, convergindo para um mesmo dispositivo tecnológico. Antes, “os terminais diferentes remetiam a atividades diferentes, a áreas diferentes, a culturas diferentes. Amanhã, ao contrário, tudo estará disponível no mesmo terminal” (WOLTON, 2003, p. 97). Wolton lembra que o que dependia do telefone era diferente do que dependia do rádio ou da televisão, que, por sua vez, era totalmente distinto do que se fazia com um computador. Hoje, vemos um celular com o qual além de se falar com outra pessoa, pode-se mandar mensagens, jogar, fazer cálculos, navegar em rede, ouvir músicas, sintonizar rádios, ver vídeos e, em breve no Brasil, ter acesso à programação televisiva. A codi icação digital possibilitou a troca de dados em diferentes suportes e, principalmente, tornou possível a convergência das telecomunicações com a informática e os meios de comunicação. “Este nuevo sistema mediático engloba todas las formas de comunicación humana en un formato digital donde dejan de tener aplicación las reglas y constricciones del mundo analógico” (PAVLIK, 2005, p. 15). Podemos 251 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais dizer que uma dessas constrições ou limitações seria o conjunto de legislações nacionais sobre os sistemas de comunicação. Os defensores do neoliberalismo que preconizam um mercado livre e sem fronteiras defendiam, nos anos 80, a desregulamentação tanto da mídia quanto das telecomunicações, consideradas convergentes. O argumento de que as regras válidas para os meios analógicos não o eram mais para a tecnologia digital, no contexto da convergência, estava presente no discurso tanto dos republicanos como dos democratas norte-americanos que propunham abolir a Federal Communications Commission (FCC), em 1994. Na mesma linha, a Grã-Bretanha pretendia estabelecer uma nova lei de radiodifusão, em 1996, com um modelo para a administração do processo de digitalização (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 274279). A compressão dos dados, por exemplo, faz com que uma transmissão analógica de televisão em uma banda de 6 MHz, como a brasileira, que comporta seis redes nacionais, passe a ocupar, com o sinal digital em bits, menos da metade do mesmo espaço de freqüência. O mesmo espaço poderia comportar 32 canais digitais em baixa de inição, o que já seria muito superior à qualidade atual de transmissão. A decisão política do Brasil, em 2006, foi pela alta de inição (HDTV), o que interessa aos atuais players, pois vão ocupar toda a freqüência. Ou seja, um outro lado da convergência digital é a maior concentração vertical e horizontal dos meios de comunicação social nas mãos de grandes conglomerados internacionais de mídia. Como pensar, por exemplo, a manutenção da radiodifusão e do audiovisual comunitário em tempos de digitalização e convergência em que as tecnologias são de alto custo operacional? A preocupação política de que o digital se projeta como o domínio de todos os campos do audiovisual levou a Comunidade Européia a pensar a convergência em termos da preservação ou não do audiovisual comunitário. O fato da transmissão digital de dados ser a base tanto para telefonia como para a televisão ou o computador colocava em questão o tratamento especial que se dava ao audiovisual 252 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital comunitário, cuja legislação era diferenciada. Pois na lógica da “convergência digital”, também o audiovisual comunitário deveria ser submetido, assim como já eram as telecomunicações, às leis do mercado, o que comprometeria sua sobrevivência (VIRILIO, 1999). O olhar sobre a digitalização e a convergência como caminho de interdição aos meios comunitários não é unânime. Silverstone (2002, p.193) vê na digitalização a possibilidade de novos espaços de manifestação e novas vozes. A esse respeito, a rádio comunitária tem um papel importante nos países em desenvolvimento, e, nas sociedades industriais, a liberação do espectro e a digitalização das comunicações criaram novos espaços para vozes alternativas que fornecem o foco tanto para interesses especí icos da comunidade como para o contrário e o subversivo. (SILVERSTONE, 2002, p.193) Contudo, a digitalização e a convergência não enfrentam barreiras somente em termos de legislações ou de lógicas de modelos de mercado diante da possibilidade de usos originais, criativos e rizomáticos de práticas subversivas, alternativas ou hegemônicas. Para que as redes possam se comunicar e fazer luir e convergir os dados digitais são necessários softwares, infra-estrutura de rede e protocolos comuns. A codi icação que forma os protocolos, softwares e padrões de comunicação constituem as “novas linguagens da sociedade informacional” (SILVEIRA, 2006). O protocolo TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) é um exemplo. São os protocolos que constituem luxo ou barreira para a troca de dados. Protocolos podem ser controlados e desenvolvidos de modo privado ou público, podem ser propriedade privada, coletiva ou comum. Podem delimitar a forma com que a interação vai ocorrer em uma rede, facilitar a interação e a integração de novas redes e pessoas ou simplesmente di icultá-la (SILVEIRA, 2006, p. 63). 253 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais Silveira (2006, p.64) coloca o problema dos softwares abertos e fechados. Em um software fechado, só se tem acesso ao código executável, que faz funcionar o programa, mas não se pode acessar o código-fonte, aquele que traz o seu “DNA” e que possibilita identi icar rotinas indesejadas ou falhas de programação. O código-fonte, no caso do software proprietário, é privativo de quem o criou ou da empresa que o inanciou. “Um software e um protocolo de comunicação fechado é opaco e sem transparência diante das pessoas que o utilizam e têm seu comportamento por ele regrado”. Essa opacidade do código digital foi antevista por Schaff (1995) ao pensar a “sociedade informática” em que todas as esferas da vida pública estariam cobertas por processos informatizados ou alguma forma de inteligência arti icial: o verdadeiro problema é quem deve gerir os resultados deste processo informático generalizado e como utiliza os dados que tem à sua disposição. Quanto maior é a expansão do processo, maior é o perigo de uma divisão entre os que possuem e os que não possuem as informações adequadas (SCHAFF, 1995, p.49). Diríamos, assim, que o problema da convergência se coloca também em termos de quem tem e quem não tem a posse dos códigosfonte, protocolos de comunicação e softwares. Fica con igurado um panorama em que a transparência na comunicação contida na proposta da Cibernética de Nobert Wiener se torna uma fratura exposta, incurada, que é novamente trazida à tona pela complexidade e ambigüidade dos processos de convergência das tecnologias de comunicação e informação. A transparência social é impossível, para Wolton (2003, p.106), e seria falso imaginar o desaparecimento da burocracia no momento em que cada pessoa pudesse realizar qualquer coisa a partir do seu terminal de comunicação convergente. “O que a máquina permitirá simpli icar e tornar mais direto e transparente, de um lado, será ao contrário mais regrado, mas fechado, mais codi icado de outro”. 254 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital Considerações Finais Hoje, é possível observar que a abordagem objetiva e linear postulada nos modelos de matriz funcionalista fragmentou o processo de comunicação para motivos de análise. E, ao fazê-lo, não conseguiu retomá-lo ou recon igurá-lo numa visão mais orgânica, ou melhor, atenta à complexidade3 destes processos comunicacionais e midiáticos. Não se pode a irmar que pesquisadores como Harold Lasswel e Paul Lazarsfeld não tivessem consciência sobre a idéia processual da comunicação, o reducionismo se constituiu na ordem analítica do processo.4 Um dos limites do funcionalismo foi o estudo dos meios e suportes subdimensionados aos aspectos formais e funcionais e menos com os processos que deles decorrem. É muito mais plausível postular que tal pensamento correspondeu, na época, às condições históricas de produção do campo emergente da comunicação, mas ainda mantém suas in luências. Os processos de convergência midiática antevistos e mapeados por Ithiel de Sola Pool são descritos e comentados por Jenkins (2008) como uma cultura emergente, luída, transmidiática, protagonizada principalmente pelos consumidores. Dentro desta perspectiva, a 3 4 Tomamos aqui o conceito de complexidade a partir de Morin (2001, p.20) como “o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal”. Ou seja, mais do que buscar uma ordem da comunicação e do midiático, tratando sectariamente cada fase/momento do processo, é preciso encará-lo em sua fenomenologia, enfrentando a confusão de articular processos de produção, circulação e consumo como interdependentes, interatuantes, atuantes e também sujeitos ao acaso e a determinações. Talvez, buscar e percorrer e traçar o(s) caminho(s) (e suas bifurcações) seja mais frutífero para a construção do campo da comunicação do que chegar num ponto inal, cômodo. A origem da crítica, muita vezes, talvez se concentre menos no modelo do que em seus interesses de pesquisa – a análise de conteúdo e dos efeitos - cujo foco era administrativo, tendo em vista cumprir com exigências de resultados do mercado midiático, em pleno desenvolvimento na época, e do governo. 255 Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Tatiana dos Santos Pais proposta cibernética de circularidade, de trocas de informações entre diferentes sistemas como forma de sobreviver à entropia, desenvolvida por Norbert Wiener, dialoga de forma mais consistente com as proposições sobre a convergência e a digitalização do que os modelos lineares de comunicação, pois assumem a complexidade sistêmica como base do fenômeno da comunicação. Diante do pressuposto cibernético da circulação de informações sem barreiras como base para a sociedade da informação, portanto, da convergência, encontramo-nos frente ao paradoxo da incompatibilidade com o embargo, segredos e com as práticas desiguais de acesso à informação, destacadas por Mattelart e problematizadas por Wolton. Os usos criativos, desviantes, provocativos e inovadores que os consumidores produzem com a convergência digital deixam cada vez mais expostas as contradições do outro lado do processo de convergência: a opacidade dos modelos de códigos proprietários, dos controles sobre tecnologias de software e do crescente controle dos meios de comunicação por minorias econômicas e políticas. Tendências que conduzem ao desequilíbrio e à entropia, mais do que ao equilíbrio social pensado pela cibernética de Wiener. Referências BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. GARCÍA-CANCLINI, Nestor. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. MATTELART, Armand e Michèle. História das teorias da comunicação. 8.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. 256 Modelos teóricos da comunicação no contexto da convergência digital MIÈGE, Bernard. O pensamento comunicacional. Petrópolis: Vozes, 2002. MORIN, Edgar. A inteligência cega e epistemologia da complexidade. In:___. Introdução ao pensamento complexo. 2 ed. Lisboa: Instituto Piaget, p.13-23 e 137-174, 2001. NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. PAVLIK, John V. El periodismo y los nuevos médios de comunicación. Barcelona: Paidós, 2005. ROSZAK, Theodore. O culto da informação. São Paulo: Braziliense, 1988. SCHAFF, Adam. A sociedade informática. São Paulo: Brasiliense, 1995. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Exclusão digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Sociedade dos códigos: entre a opacidade e a liberdade. In: Revista Comunicação & Sociedade, São Bernardo do Campo, ano 27, n. 45, p. 57-78, jan./jun, 2006. SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia?. São Paulo: Loyola, 2002. VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. WIENER, Nobert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. 6. ed., São Paulo: Cultrix, 1984. WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Porto Alegre: Sulina, 2003. 257 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña: aportes metodológicos para su estudio a partir del análisis comparado y el estudio de caso1 Daniela Inés Monje Introducción Con el objeto de realizar un aporte a las discusiones que propone la RED AMLAT en el marco de los encuentros metodológicos, en este artículo buscamos poner en común los aspectos centrales de la estrategia metodológica desarrollada por la autora en su tesis doctoral2. Allí se analizan en términos comparativos las políticas sobre radio y televisión diseñadas e implementadas en el período 1991-2007 en los países que integran la unión regional MERCOSUR y de modo concomitante, se presenta una propuesta de abordaje de las políticas del audiovisual 1 2 Este artículo presenta una reescritura sintética del capítulo dedicado a la estrategia metodológica de la tesis doctoral de la autora. Profesora/ Investigadora del Programa de Comunicación y Ciudadanía. Centro de Estudios Avanzados de la Universidad Nacional de Córdoba, Argentina. La tesis se titula “Políticas de radio y televisión frente a procesos de integración regional. Caso MERCOSUR 1991-2007” y fue presentada para su defensa en marzo de 2010 en el Doctorado en Ciencias Sociales radicado en FLACSO Argentina. 259 Daniela Inés Monje aplicadas por la unión regional, en base al método conocido como estudio de caso. La relevancia de construir un objeto de estudio como las políticas del audiovisual en un proceso de integración regional contemporáneo se funda en re lexiones y de iniciones sobre la democratización del acceso a la información y acerca de la comunicación en tanto derecho humano. Su reconocimiento a través del diseño explícito de políticas por parte de los gobiernos y actores sociales en Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay así como por la unión regional en su conjunto constituye una tarea política ardua, en la que se combinan problemas de orden cultural, económico y político. Las conclusiones a las que arriba la investigación permiten a irmar que, aún cuando se trata de un trabajo inconcluso, el diseño e implementación de políticas del audiovisual en la región mercosureña ha conseguido un importante grado de maduración en la última década que, entre otros aspectos, propició una reorganización de fuerzas en torno a lo que denominamos los tres sectores de la radiodifusión (públicoestatal, social-comunitario y privado-comercial). Como resultado de ello se da una emergencia paulatina del sector comunitario a partir del acceso a un estatuto de legalidad, a lo cual se le agrega una mayor presencia del sector de medios estatales y públicos. En cuanto al sector con ines de lucro encontramos nuevos marcos normativos que buscan equilibrar el acceso entre los tres sectores y apuntan a transparentar los procesos de explotación de las licencias. Resulta un trabajo inconcluso, aunque activo sobre el que hemos entendido que resultaba propicio y oportuno generar re lexiones. A continuación presentamos la estrategia metodológica diseñada a tales ines. 1. Genealogía de la investigación Inicialmente, esta investigación buscó analizar las políticas de info-comunicación implementadas en países de América Latina durante 260 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña la década del 1990 y en relación con lo que se conoció a partir de esos años como Proyecto de Sociedad de la Información, enfatizando la exclusión social creciente del acceso a tecnologías. Ese objeto inicial, fue mutando no en función de su “espíritu”, es decir del abordaje de las asimetrías socio-comunicacionales, sino en cuanto a su alcance, extensión y profundidad que no podían garantizarse en el marco de una investigación individual y acotada en el tiempo. De modo que se operó un primer recorte en el que se enfocaron especí icamente las políticas desarrolladas durante la década del ´90 por un grupo de países caracterizados por: a) integrar un conjunto acotado pero al mismo tiempo emblemático, b) permitir un abordaje en tanto “caso” de estudio c) posibilitar el estudio de realidades comparadas sobre los modos de hacer política, las coyunturas y los procesos históricos. Por estos motivos, se optó por trabajar con los países que integran el Mercado Común del Sur (MERCOSUR). Frente a esta decisión encontramos una limitación inicial: el análisis de políticas del audiovisual en el MERCOSUR era una tarea improbable por cuanto como resultado de las primeras indagaciones no se constataba la existencia de políticas de info-comunicación conjuntas o de carácter regional. Esta evidencia demandó una búsqueda más profunda a in de situar claramente el problema, objeto y objetivos de la investigación. Como resultado se constató que, las políticas y regulaciones relativas a las comunicaciones en la región mercosureña se insinúan como área de interés a partir de 1994 para luego instalarse como tema de agenda a ines de la década. Por otra parte, si bien cada país de modo independiente no ha cesado de producir políticas de info-comunicación a lo largo de la década, se veri icaba en las primeras aproximaciones un cambio de rumbo aleatorio -pero no exento de correspondencias- entre los diferentes países a partir de 2001. En consecuencia, se realizó una nueva especi icación que incorporó el análisis comparado de las políticas de cada uno de los países durante la década de 1990 y se desplazó el recorte temporal, extendiéndolo hasta 2007 a in de considerar las transformaciones políticas acontecidas en la región durante estos 261 Daniela Inés Monje últimos años, y habilitar de este modo la lectura de una progresiva y lenta transformación que de otro modo no hubiera aparecido. Paralelamente, surgió la necesidad de analizar el modo en que las políticas del audiovisual emergen en otros contextos de integración regional a in de trazár comparaciones signi icativas. Se decidió, por tanto, realizar un estudio preliminar en las políticas del audiovisual impulsadas por la Unión Europea (UE), y por el Tratado de Libre Comercio de América del Norte (TLCAN) por considerar que ambos representan casos paradigmáticos de integración contemporáneos. Con relación al concepto políticas info-comunicacionales se operó un recorte respecto del planteo inicial. Si entendemos que con esta denominación aludimos simultáneamente a políticas vinculadas a todas las actividades e industrias de información y comunicación -por ejemplo dentro de la industria grá ica, libros, revistas, diarios; en la industria audiovisual, televisión, cine, radio, en la industria de telecomunicaciones, telefonía, industria de informática y microinformática, etc. (MASTRINIBECERRA, 2001), resultaría infundado a priori excluir del análisis a uno de estos sectores. En el proyecto original el sector de telecomunicaciones no fue considerado y su inclusión no parecía factible dado el crecimiento exponencial del mercado durante la última década, la convergencia de servicios a la que ha dado lugar, y los marcos regulatorios ad hoc en base a los cuales opera. Por lo tanto, se tomó la decisión de enfocar el análisis de políticas sólo sobre el sector de las industrias culturales, y luego, en una nueva revisión, se decidió trabajar dentro de las industrias culturales sólo con el sector de radiodifusión -radio y TV por aire- en tanto éste es el de mayor penetración en la región alcanzando más de un 98% en la totalidad de los países analizados (Mastrini-Becerra, 2006) y por tanto recorta con mayor claridad un objeto empírico que pone en tensión las discusiones acerca de acceso, participación, democratización y ciudadanía, en torno a las políticas. Aun cuando en la actualidad la diversi icación de medios y servicios de comunicación que hace posible la convergencia tecnológica es cada vez mayor, ninguno ha podido superar en penetración, gratuidad, 262 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña cobertura geográ ica y consumo masivo a la radio y la televisión. Esta constatación hizo posible la demarcación de initiva del objeto de estudio a las políticas de radio y televisión, también llamadas de radiodifusión o del audiovisual en la medida en que su transmisión requiere del uso del espectro radioeléctrico3. El estudio terminó de delinearse a su vez en relación a los problemas políticos que ha suscitado la redistribución del espectro entre los actores interesados en su explotación, habida cuenta que se trata de un recurso inito, escaso, de inido como patrimonio común de la humanidad y cuya administración corresponde a los estados nacionales, quienes deben velar por su utilización equitativa. Este concepto entra en crisis al inalizar el período de análisis cuando se posiciona en la agenda la discusión que el dividendo digital traerá consigo. En consecuencia, esta investigación se enfoca al estudio de las políticas de radio y televisión desarrolladas por la Unión Regional MERCOSUR y por cada uno de los países signatarios del acuerdo regional fundacional. 2. El estudio de caso En tanto las indagaciones preliminares mostraban un escaso y desarticulado diseño de políticas de radiodifusión en la región MERCOSUR, y considerando la di icultad para delimitar una zona de interés que se presentaba como difusa, decidimos aplicar el estudio de caso no como técnica, sino como estrategia en el diseño de la investigación. En cuanto tal, el estudio de caso centró su atención en la comprensión de las dinámicas que se presentaron dentro de escenarios particulares. (EISENHARDT, 1989) 3 Esta de inición a su vez se hizo extensiva a los servicios de comunicación audiovisual que requieren de soporte ísico para su transmisión como la televisión por cable, puesto que en algunos de los países analizados su regulación fue en algunos casos subsumida y en otros equiparada a la que se aplica en radiodifusión. 263 Daniela Inés Monje Se trabajó en la hipótesis de que el Caso MERCOSUR podría abordarse como caso intrínseco, esto es, no porque fuera representativo de otros casos o porque sirviera para ilustrar determinado problema, sino porque era en sí mismo de interés, por su carácter propio. Así el propósito de la investigación se orientó inicialmente a develar los aspectos intrínsecos del caso. Stake de inirá esta estrategia como “el estudio de la particularidad y de la complejidad de un caso singular, para llegar a comprender su actividad en circunstancias importantes” (STAKE 1995, p. 11). En tanto estrategia metodológica el estudio de caso procede por inducción: Las generalizaciones, conceptos, hipótesis surgen a partir del examen minucioso de los datos [que lo caracterizan] es el descubrimiento de nuevas relaciones y conceptos más que la veri icación o comprobación de hipótesis (…) puede dar lugar al descubrimiento de nuevos signi icados, ampliar la experiencia del lector o con irmar lo que se sabe (RODRÍGUEZ GÓMEZ et al., 1999, p. 91-98). Tomando en consideración la débil formulación de políticas de radiodifusión evidenciada en la región MERCOSUR en lo relativo a radiodifusión, se hizo necesario, un abordaje de los componentes del caso, esto es, se reveló indispensable conocer, cotejar y contrastar las acciones y/u omisiones que en la materia tuvieron lugar en cada uno de los cuatro países durante el período de análisis. De este modo, el Caso MERCOSUR se constituyó a su vez de un número acotado de casos nacionales, y de este modo terminó de conformarse como caso múltiple (Yin, 1984), es decir, a partir de varios casos únicos. La selección de estos casos nacionales naturalmente estuvo vinculada a los signatarios originales del acuerdo y buscó generar información reveladora de los procesos de diseño de política que se siguieron a nivel nacional durante el período, a in de establecer una comparación signi icativa entre los casos y posteriormente establecer hipótesis explicativas respecto de las continuidades o discontinuidades que estos procesos tuvieron a nivel regional. 264 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña A partir de esta conformación se buscó recuperar la esencia de los estudios de casos es decir el intento por “iluminar una decisión o un conjunto de decisiones: porqué fueron tomadas, cómo fueron implementadas y con qué resultados.” (SCHRAMM en YIN, 1984: 23). Desde este punto de vista el estudio de caso escogido es de tipo explicativo. (YIN, 1984) En relación a las objeciones más enfáticas a esta estrategia de investigación encontramos que se señalan su falta de rigor cientí ico y su di icultad para producir generalizaciones. Frente a ello a irmamos, siguiendo a Yin, que los errores no están ausentes de otras estrategias metodológicas (vgr. el diseño de encuestas) y que, a pesar de no poder realizarse generalizaciones a poblaciones o universos, esta metodología permite generalizar proposiciones a nivel teórico. En los estudios de casos se utilizan múltiples tipos de evidencias (Op. Cit.). En efecto, estos estudios combinan usualmente diversas técnicas de recolección de información (archivos, entrevistas, cuestionarios, observaciones). Por lo tanto “la evidencia puede ser cualitativa, cuantitativa o ambas.” (EISENHARDT, 1989, p. 535) La modalidad que adquiere esta dinámica de razonamiento inductivo es un permanente trabajo de comparación por parte del investigador, que le permitirá modelar hipótesis explicativas (Op. Cit.) El estudio de caso en tanto investigación evaluativa permite explicar los vínculos causales en las intervenciones de la vida real, describir los contextos donde las intervenciones tuvieron lugar, y explorar aquellas situaciones en las que dichas intervenciones no produjeron resultados claros (Yin, 1984). En de initiva, el estudio de caso adquiere sentido no para de inir aquello que lo asemeja a otros casos, sino a la inversa, aquello que lo hace singular y complejo. (Stake, 1995) 3. Articulaciones entre el estudio de caso y el análisis comparativo Con base el estudio de caso en tanto estrategia metodológica se procedió a de inir dos núcleos de comparaciones signi icativas: interregional y regional. Para el primer caso, se escogieron dos 265 Daniela Inés Monje procesos de integración regional contemporáneos: el TLCAN y el UE. Los criterios sobre los que se funda esta decisión son: 1) estos procesos son contemporáneos entre sí y con el MERCOSUR, 2) conforman desde modelos sustancialmente diferentes la de inición de sus políticas de radiodifusión regionales internas y externas, 3) han de inido políticas de radiodifusión explícitamente, 4) representan las uniones regionales conformadas por dos de las tres potencias mundiales4 y 5) representan los dos extremos de un arco de posibilidades en materia de políticas de radiodifusión en cuanto ambas utilizan diferentes estrategias en materia de proteccionismo-liberalización de sus industrias culturales de radiodifusión, a nivel de los países miembro y entre la unión regional y el resto del mundo. Se identi icaron, siguiendo el método comparativo de Mills (1986), las semejanzas y las diferencias cruciales. La segunda comparación se realizó sobre la base de las experiencias políticas de los cuatro socios fundadores del MERCOSUR: Argentina, Brasil, Uruguay y Paraguay. En esta ocasión la búsqueda se orientó hacia las políticas nacionales de radiodifusión que cada país llevó adelante durante el período analizado. El objetivo fue determinar correspondencias y distancias entre las prácticas nacionales y la política regional. Es decir, buscábamos demostrar que, durante el período analizado, existieron una tematización y un accionar activo y especí ico sobre los aparatos jurídico-normativos de los cuatro países, unidos a un permanente debate y a acciones políticas encaradas por los diferentes actores sociales que disputan el uso del espectro que no tuvo un correlato en el plano regional, pero que de un modo inverso tampoco fue especialmente favorecido o impulsado desde el plano supranacional. Esta hipótesis de trabajo fue cobrando diferentes sentidos en el transcurso de la investigación. Por una parte, el permanente contraste entre las políticas de radiodifusión y el audiovisual de otras regiones y el escaso diseño de políticas desde el MERCOSUR sobre radiodifusión o el audiovisual, funcionó por momentos como un límite de la investigación. 4 La otra es China. 266 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña Sin embargo, en la medida que el trabajo avanzaba fue posible observar cómo aquello que en un primer momento apareció como imposibilidad o como carencia, podía sin embargo leerse en una clave diferente. Es decir, la hipótesis inicial presuponía que las políticas regionales de radiodifusión que se diseñan y ejecutan en la región MERCOSUR debían formularse a imagen de lo que ocurre por ejemplo en la Unión Europea impulsadas por el gobierno supranacional, (por caso el Consejo Europeo o el Parlamento Europeo). Sin embargo, en la región MERCOSUR no se ha creado hasta el momento un gobierno supranacional que tenga potestad sobre los socios, como en el caso de la Unión Europea5, razón por la cual, a pesar de existir grupos de trabajo y reuniones especializadas sobre el audiovisual, o sobre las comunicaciones, el tipo de decisiones que se toman en estos ámbitos tiene escaso impacto en las regulaciones nacionales, además de que no ha resultado una prioridad para el MERCOSUR abordar la discusión sobre políticas del audiovisual o industrias culturales. Lo cierto es que conforme avanzaban nuestras indagaciones se fue delineando una nueva hipótesis de trabajo, en relación a los procesos de regionalización y, en particular, sobre lo que ha ocurrido 5 En tanto fue concebido como una Unión Regional que apunta a la constitución de un mercado común, MERCOSUR, no avanzó en sus primeros años hacia formas más complejas de institucionalización y gobierno supranacional. De hecho recién mayo de 2007 se inician las labores del Parlamento del MERCOSUR en sustitución de la Comisión Parlamentaria Conjunta. El Parlamento de MERCOSUR surge como parte de un proyecto de largo aliento impulsado desde 2002 que tiene por objetivo avanzar hacia la institucionalidad del bloque, su permanencia y autonomía política. Por el momento no tiene facultades decisorias, sus funciones están acotadas a la representación de los intereses de los ciudadanos de los estados partes en el marco de una defensa de los derechos humanos y de la preservación de la democracia. Aún cuando por el momento los parlamentarios son elegidos mediante voto cali icado, está previsto que a partir de 2011 sean electos en cada país por voto directo universal y secreto. En la actualidad el Parlamento cuenta con 90 representantes, 18 por cada uno de los países signatarios del acuerdo original más los representantes por Venezuela, estado en proceso de adhesión plena. 267 Daniela Inés Monje en MERCOSUR. En efecto, a partir de la segunda comparación se hizo evidente que aún cuando no hay un impulso regional que parta del Mercado Común del Sur, los procesos de diseño e implementación de políticas de radiodifusión son permeables a las fronteras nacionales. Curiosamente, tanto el sector privado-comercial como el sector socialcomunitario han podido reparar en esta necesaria expansión, aunque lo han hecho prácticamente desde las antípodas político-ideológicas: para los primeros regionalización se asocia a procesos de concentración de la propiedad, economías de escala, centralización del capital, convergencia de servicios; para los segundos es, en cambio, un modo de resistencia y de organización que necesita socializar la experiencia, construir alianzas, y defender un espacio público de interlocución. Curiosamente, son los estados los que han demorado en hacer un explícito reconocimiento de la necesidad y la posibilidad de la regionalización. A pesar de existir en el plano de las estructuras orgánicas de los gobiernos nacionales de estos cuatro países áreas especialmente dedicadas a la relación con el MERCOSUR, los avances en la materia son desarticulados entre sí además de escasos. La pregunta necesaria fue entonces: ¿Por qué habiendo antecedentes de intervención en la materia en otras uniones regionales y ante la transformación del contexto histórico en el que las comunicaciones se han vuelto commodities de alta rentabilidad, el Mercado Común del Sur no ha tomado una posición activa frente al tema?. Y aún más, ¿por qué se constata un rezago entre las disposiciones del Mercado Común y lo que sus socios de modo aislado y dispar llevan haciendo al interior de las fronteras nacionales? La doble comparación nos proporcionó, los elementos empírico-analíticos para dar respuesta a estos cuestionamientos. 4. Comparación interregional La comparación entre las tres uniones regionales se realizó tomando como punto de partida la fecha de creación de cada una de ellas 268 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña que tiene lugar entre 1991 y 1993 y, como fecha de cierre del período, el año 2007. En algunos casos se hizo necesario referir los hechos signi icativos que precedieron la constitución de las uniones regionales a in de situar con claridad la emergencia de las políticas de radiodifusión en cada contexto. Los términos en base a los cuales se realizó la comparación combinan los propuestos por Galperín en su estudio de 1998 y otros que se desprenden de los objetivos formulados, que especi ican y enfocan la observación en las actividades de radiodifusión (radio y TV). La propuesta analítica de Galperín (1998) consiste en un abordaje exclusivo del sector audiovisual y se estructura en torno a cuatro variables: 1. 2. 3. 4. Políticas domésticas de comunicación6 Distancias culturales7 Fórmulas aplicadas en procesos de integración vinculados a industrias culturales8 Estructura de las industrias culturales o proϔile9. En relación alcance y recorte propuestos para esta investigación, se modi icaron los siguientes aspectos: a) En la variable 1, referida a políticas nacionales de medios, se produjo una adecuación puesto que sólo se analizan el conjunto 6 7 8 9 Incluye políticas de medios, de telecomunicaciones y culturales. El autor plantea que muchas veces el gusto no coincide con las fronteras nacionales, de modo que los públicos se constituyen de forma vertical dentro de cada país y de forma horizontal entre países. Se consideran para el análisis aspectos tales como el idioma, los hábitos de consumo y las preferencias de géneros audiovisuales. Las fórmulas identi icadas son excepción cultural, cooperación y liberalización. Permite leer el modo en que se distribuyen los recursos económicos y políticos entre los países de cada unión regional, el impacto de las industrias culturales de radiodifusión en el PBI y su incidencia en términos macroeconómicos. 269 Daniela Inés Monje de políticas de radiodifusión encaradas por la Unión Regional y no las políticas nacionales diseñadas y ejecutadas por cada miembro. Se considerará además toda la legislación atinente al sector radiofónico producida por la unión regional no incluida originariamente en el estudio citado. En esta línea, y dada la relevancia que hacia el inal del período analizado adquiere el sector comunitario, se incorporan para su análisis aquellos documentos jurídicos -declaraciones, directivas, resoluciones, convenciones- en los que explícitamente se aluda a este sector como parte de los tres sectores de la radiodifusión de inidos por la jurisprudencia internacional, es decir: público-estatal, privado comercial y social-comunitario. b) En la variable 3, referida a las fórmulas adoptadas por cada proceso de integración, ampliamos la taxonomía tomando en consideración la propuesta de UNESCO de 2005, denominada diversidad cultural. c) En la variable 4, referida a estructura de las industrias culturales, se incluyó una síntesis sobre los principales conglomerados multimedia que concentran las actividades de radiodifusión al interior de las uniones, extendiéndose más allá de las fronteras de cada país y se referenciaron las mudanzas de la radiodifusión analógica a la digital iniciadas en el período de análisis la mayoría de los estados que conforman estas uniones. A in de poner en relación la UE, el TLCAN y el MERCOSUR, y dados los objetivos de esta investigación, se aplicó en esta etapa el método comparativo del acuerdo y la diferencia propuesto por Mills (1986). Este modo de abordaje permitió establecer el carácter central o periférico desde el que se gestiona la radiodifusión, la preeminencia de los factores económico, tecnológico, político o cultural en cada caso y los sentidos con los que se de inen los conceptos de pluralismo y radiodifusión. A partir de este “estado del arte” fue posible inalmente establecer comparaciones signi icativas en términos de acuerdos y diferencias entre las tres uniones regionales. El cuadro general de variables en base al que se realiza esta comparación puede gra icarse como sigue: 270 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña Cuadro Nº 1 Variables Comparativas Interregionales VARIABLES 1.Políticas Regionales de radiodifusión UNIONES REGIONALES Unión Europea TLCAN 1.1 Legislación sobre radiodifusión audiovisual/ radiofónica 1.2 Planes y programas ejecutados 1.3 Reconocimiento del principio de diversidad en RDF. 2.Distancias culturales 2.1 Constitución vertical de los públicos 3. Fórmulas 2.2 Constitución horizontal de los públicos 3.1 Interna 4.Estructura de las I.C. 3.2 Externa 4.1 Impacto de las I.C. en el PBI 4.2 Porcentaje de las industrias de radiodifusión dentro de las I.C. 4.3 Principales grupos regionales en el sector radiodifusor 4.4 Estado actual de la de inición del padrón de TDT (Tipo/período de transición/apagón analógico) 271 MERCOSUR Daniela Inés Monje 5. Comparación intrarregional Para el análisis comparativo de las políticas de radiodifusión que se diseñaron e implementaron en los cuatro países que integran MERCOSUR, entre 1991 y 2007, elaboramos una matriz comparativa en la que se trabajaron aspectos esenciales referidos exclusivamente a los marcos regulatorios vigentes durante el período, conjugando diversas propuestas de análisis comparativo sobre radiodifusión. Se realizó en base al método de Mills (1986), para lo cual se de inieron los términos de la comparación (variables) y las escalas o grados u opciones en los que estos podían expresarse. Como resultado de ello se obtuvieron las siguientes variables: Cuadro Nº 2 Matriz de análisis comparativo intrarregional 1- MARCO JURÍDICO-NORMATIVO - Legislación sobre radiodifusión general y por sectores (públicos, privados, comunitarios 2- ESTRUCTURAS INSTITUCIONALES DEL SECTOR RADIODIFUSOR PÚBLICO - Organismos habilitados para el otorgamiento de licencias y funciones - Autoridades de aplicación y organismos de control 3- PRESENCIA Y ESPECIFICIDADES DE LOS TRES SECTORES DE LA RADIODIFUSIÓN EN LA NORMATIVA. Sector Público: - Licenciatarios - Área de cobertura - Aplicación del principio de subsidiariedad - Plazo de otorgamiento de la licencia/permisos/autorizaciones - Nº de radios/TV existentes. - Sustentabilidad Sector Comunitario: - Licenciatarios - Área de cobertura - Plazo de otorgamiento de la licencia/permisos/autorizaciones - Nº de Licencias otorgadas - Nº de radios/TV existentes - Sustentabilidad 272 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña Sector Privado: - Licenciatarios - Área de cobertura - Plazo de otorgamiento de la licencia/permisos/autorizaciones - Principales grupos - Características del grupo (centralización e integración del capital) - Diversi icación en industrias culturales - Índice de concentración en Radio y TV abierta y TV de pago. 4- ACCESO - Universalidad del servicio de RDF - Distribución geográ ica y Nº de frecuencias de radio y TV por habitantes. - Cobertura del territorio de la TV de pago 5- ESTRUCTURA DE PROPIEDAD DEL SECTOR DE RADIODIFUSIÓN POR PAÍS: - público-estatal - público- no estatal (medios públicos, universitarios, otros) - privado-comercial - social-comunitario - Participación de capitales extranjeros en la propiedad de los medios permitida por ley 6- TIPO DE SERVICIO QUE SE PROVEE POR LEY. - servicio público - servicio de interés público - mixto 7- ORGANIZACIÓN DE LA PRODUCCIÓN/MODO DE USO - modelo competitivo - modelo complementario - modelo mixto - Políticas de contenido entre el sector público, el sector social comunitario y el sector privado Se consideraron para cada caso/país datos estructurales tales como: Índice de Desarrollo Humano (combina indicadores sobre expectativa de vida, educación y PBI per cápita), distribución de ingresos y riqueza, población con NBI, penetración de medios masivos (radio y TV) por región y por Nº de habitantes, entre otros. Sin embargo, en la medida en que nuestro interés no sólo se orientó a las políticas explícitas ijadas en los marcos regulatorios, sino además a los modos en que se construyó la política de radiodifusión en el período 273 Daniela Inés Monje analizado, fue necesario un abordaje diferente en términos metodológicos por cuanto procuramos articular el relato a partir de la voz de algunos de los actores involucrados. En la medida que las políticas pueden de inirse tanto por acción como por omisión decidimos reponer los debates sobre radiodifusión que alcanzaron visibilidad pública en cada país, aún cuando sólo algunos llegaron a formalizarse más tarde en leyes y decretos. Son ejemplo de ello la discusión sobre una nueva ley de radiodifusión comunitaria en Uruguay, los debates sobre una nueva ley de Servicios de Comunicación Audiovisual en Argentina, las discusiones en torno a las modi icaciones a la reglamentación de las emisoras de pequeña y mediana cobertura en Paraguay o la Ley de Cable, en Brasil. Estos acontecimientos de escala nacional, aún cuando no son equiparables, explicitan las líneas prioritarias del debate en radiodifusión en cada país, visibilizan la presencia pública de los actores involucrados en el diseño de política, y permiten por tanto recrear en torno al caso especí ico, las disputas y la correlación de fuerzas que se articulan en el mapa más complejo de las políticas. Este modo de aproximación habilitó asimismo una comprensión más aguda de los modos en que se traman las políticas de radiodifusión, así como las distancias que se establecen entre las normas ijadas en el texto de la ley y las prácticas a las que dan lugar. De esta manera el estudio no adoptó una perspectiva exclusivamente normativista sino que, buscó avanzar hacia una comprensión cualitativa acerca de los modos en que se articulan las normas a las prácticas institucionales. Esta decisión nos permitió reponer la dimensión propiamente política de las políticas de comunicación, que no se cierra en la ijación de una norma o en la plani icación y el diseño institucionales, sino que se extiende necesariamente hacia un territorio social de disputas de sentidos para la conservación de un orden o para su transformación. 6. Triangulación metodológica y de datos Dadas las características del estudio propuesto se hizo necesario optar por la triangulación de datos cuantitativos y cualitativos, en 274 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña tanto se trabajaron materiales de diferente sustancia: estadísticas, legislaciones, entrevistas semi-estructuradas, análisis de documentos, entre otros. Esta diversidad de materiales se inscribió en un enfoque cualitativo que buscó producir interpretaciones combinando el análisis de documentos, estadísticas y legislación con las interlocuciones de los actores involucrados en el diseño de políticas. Este enfoque permitió aprovechar lo mejor de los métodos cuantitativo y cualitativo. En efecto, el método cuantitativo puede ser de gran utilidad a la hora de analizar realidades macrosociales, incluso puede combinarse para mostrar diferentes tipos de relaciones entre variables, pero nada nos dice sobre los mecanismos de la caja negra y, tanto para conocer un problema como para actuar sobre él, este conocimiento de la caja negra es necesario. De modo que el estudio de los contextos y la comprensión de los sentidos que conϔieren a las acciones los actores constituyen caminos de interpretación valiosos en relación a análisis cuantitativos (GALLART, 1993, p.120-121). La triangulación metodológica se sostiene en una tensión permanente, entre quienes a irman que una estrategia de investigación implica el estudio intensivo de uno o unos pocos casos y aquellos que usan las técnicas cuantitativas estadísticas. Los primeros tienden a analizar los casos holística e históricamente y siempre proceden de manera inductiva. Los segundos examinan las relaciones entre las variables que forman sus unidades de análisis con el objetivo de testear teóricamente hipótesis derivadas deductivamente. Los primeros critican a los segundos por ignorar el carácter histórico particular de cada caso, por simpli icar teoría y realidad (…) los segundos por lo general están de acuerdo con esas críticas pero a irman que ambas perspectivas son necesarias, ya que las aproximaciones de los críticos son débiles en otros aspectos” . (TIMBERLAKE, 2001, p.1). Las alternativas de integración entre los distintos métodos pueden adoptar ciertas variaciones: 1) la utilización de un enfoque 275 Daniela Inés Monje predominantemente cualitativo o 2) la aplicación de distintos métodos en etapas sucesivas lo cual puede implicar: a) iniciar la investigación con un método cuali y luego proponer hipótesis cuanti, b) partir de un análisis cuanti y continuar con uno cuali o 3) realizar una triangulación metodológica. (GALLART, 1993, p. 112). Cualquiera sea la elección, los análisis se validarán a partir de la convergencia y consistencia mutuas de la información obtenida a partir de cada método. En nuestro estudio la opción escogida ha sido la Nº 3. La necesidad de trabajar integrando métodos surge de las distintas perspectivas teóricas y de los objetivos e hipótesis planteados en el trabajo. La Economía Política de la Comunicación y la Cultura (EPCC) aborda el análisis de los fenómenos macrosociales a partir de un método que combina el análisis económico con ciertos elementos políticos y sociales desde el método cuantitativo multivariado. Esta vía permite: a) b) c) trabajar con toda la información producida acerca de indicadores de crecimiento del mercado de industrias culturales, desagregado por industria, país, región, vincular esta información a los niveles de educación, trabajo, PBI per cápita, etc. establecer ciertas líneas de continuidad histórica en y entre los países posibilitando la comparación sincrónica y diacrónica de evolución de estos indicadores. Sin embargo en relación al proyecto formulado esta perspectiva por si sola resultaba insu iciente en la medida en que no permitía integrar al análisis dimensiones cualitativas tales como la perspectiva histórica, y los aportes cualitativos de la investigación empírica en la interpretación del proceso de diseño de política. En este sentido, la triangulación metodológica se realizó con el método cualitativointerpretativo desde el cual pueden abordarse analíticamente los procesos históricos en la perspectiva de los actores. Para Glaser y Strauss 276 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña (1969), creadores de la grounded theory, la investigación cualitativa implica la aplicación de procedimientos no matemáticos de análisis e interpretación. Por lo tanto, a pesar de que algunos datos puedan ser cuanti icados, el análisis es cualitativo. El análisis procede por comparación, “enfrentando casos similares entre sí, pero que se diferencian en algunas características cruciales, tratando de formular algunos conceptos teóricos (…) que se van construyendo en ese mismo proceso de análisis” (GALLART, 1993, p.109). Siguiendo esta línea la investigación se planteó un desarrollo en dos etapas consecutivas: en la primera se formularon los términos de una doble comparación (entre uniones regionales y entre países) y en la segunda se reconstruyeron trayectorias históricas en relación a procesos políticos signi icativos que hubiesen tenido lugar en el sector de la radiodifusión de cada uno de los países signatarios de acuerdo MERCOSUR a partir del relato de los actores que los protagonizaron. Esta segunda fase nos permitió desplazar el eje de analítico de la descripción a la interpretación de los procesos que han habilitado o impedido el diseño de políticas nacionales articuladas a políticas regionales. Para la primera fase escogimos trabajar en el análisis comparativo propuesto por Mill (1986). El método, conocido como agreement/ diference nos permite un primer nivel de comparación estableciendo semejanzas fundamentales y diferencias signi icativas en torno a la construcción de tipos ideales. Sin embargo este método resulta insu iciente para establecer relaciones complejas entre los casos y para el desarrollo de comparaciones en base a categorías difusas, por lo que será complementado con otro tipo de análisis cualitativo. El método del acuerdo permite un análisis basado en instancias comunes a todos los casos que constituyen el fenómeno de interés (vgr: la legislación producida en los cuatro países en materia de radiodifusión durante los ´90 re-regula a favor del mercado) De esta manera es posible establecer, tal como a irma Skocpol (1984, p.49), que los casos que comparten el fenómeno a estudiar tienen además en común factores causales hipotéticos (vgr: siguiendo con el ejemplo anterior, se podría 277 Daniela Inés Monje vincular esta línea de re-regulación con la implementación del modelo económico neoliberal, con la asunción de los postulados del Consenso de Washington por los países de la región, con el proceso de concentración de la industria info-comunicacional, etc.). Sin embargo, mientras permite distinguir las variables de interés con claridad, obstruye simultáneamente el análisis de la complejidad, y tal como a irma Ragin (1987), no sirve para el abordaje de la causalidad múltiple. El método de la diferencia, por su parte, permite contrastar casos en los que el fenómeno está presente con otros en los que el fenómeno está ausente (vgr: desarrollo de industrias culturales en mercados de envergadura como Argentina y Brasil frente a escaso o nulo desarrollo de industrias culturales en países con mercados pequeños como Paraguay y Uruguay) Este contraste puede hacerse a pesar de que “los casos negativos sean similares a los casos positivos en otros aspectos” (SKOCPOL, 1984, p. 49 en FORNI, 2005). Ambos métodos de comparación exigen un conocimiento profundo y exhaustivo de los casos a analizar y buscan indagar en las variaciones del fenómeno a in de construir explicaciones y inalmente tipos ideales. Sin embargo, sabemos a partir de las diversas críticas que se han formulado a la propuesta de Mill (RAGIN, 1987; SKOCPOL, 1984; VALENZUELA, 1998; LIEBERSON, 1992) que el método del acuerdo y la diferencia sólo permite ver invarianzas en los procesos, que tiene di icultades para dar cuenta de fenómenos multicausales, y que puede resultar en aseveraciones determinativas. En este sentido, si bien se consideró relevante señalar las similitudes y diferencias del fenómeno, se buscó avanzar más allá de la determinación de la presencia o ausencia de ciertas variables en común entre los casos analizados hacia una comprensión que involucrase dimensiones políticas, culturales, legales, económicas y sociales que proporcionaran mayor consistencia explicativa a cada caso y a las relaciones que entre ellos se establecieran. Por este motivo, el análisis de las reglamentaciones se articuló de modo permanente con las voces de intelectuales, funcionarios gubernamentales, representantes de 278 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña organismos nacionales e internacionales y miembros de organizaciones comunitarias, que han participado activamente de estos procesos y, por lo tanto, podían ofrecer explicaciones más complejas que dieran cuenta tanto de las normas ijadas por ley como de todas aquellas líneas de política que aún cuando ingresaron a la arena del debate público no pudieron concretarse. Asimismo, con el objeto de producir una triangulación metodológica acorde al problema formulado, se indagó acerca de las posibilidades que podía ofrecer en esta investigación un modelo heterodoxo, pero de gran valor hermenéutico: el método del álgebra booleana10 (Boolean algebra) de Ragin que combina las mejores partes de las posiciones anteriormente reseñadas. Este método trasciende el análisis estadístico multivariado y la regresión múltiple, tan frecuente para estudiar casos macrosociales, señalando críticamente la incapacidad de estos métodos para formular preguntas de investigación relativas a la historia, la cultura o la geogra ía en tanto fenómenos sociales. El método del algebra booleana, permite según Ragin (1987) establecer un diálogo signiϔicativo entre ideas y evidencias y hace posible la reducción de datos complejos a estructuras simples de un modo lógico y holístico. Se trata de una técnica algebraica aplicada a la comparación cualitativa que se denomina Análisis Comparativo Cualitativo (ACC). Ragin propone este método como una alternativa superadora de las debilidades que afrontan los estudios comparativistas en Ciencias Sociales –específicamente aquellos que realizan estudios históricos- , acerca de los cuales señala que “no deberían estar 10 Fue desarrollada a mediados del siglo 19 por George Boole. Se trata de intento de articulación entre el cálculo proposicional y la teoría de los conjuntos para la resolución de operaciones algebraicas. Es precursor del sistema actual de codi icación binaria en tanto admite solo un valor (0 o 1). Esta formulación ha permitido reorganizar operaciones matemáticas según las conjunciones lógicas Y, O y NO y con relación a las operaciones unión, intersección y complemento. 279 Daniela Inés Monje divididos en dos grupos: los que saben algo acerca de los casos empíricos reales y los que saben algo sobre las técnicas estadísticas multivariables” (RAGIN, 1987). Para Ragin, este método permite a los estudiosos comparativistas gozar del rigor de las técnicas de la Regresión Múltiple (RM) pero sin la carga de su epistemología orientada hacia las variables. La complejidad del abordaje a partir de un método comparativo se vincula asimismo a su particular ambivalencia en el tratamiento del objeto. En este sentido, como señala Valenzuela (1998) los análisis comparativos comparten algunos aspectos con los estudios de casos y con los métodos estadísticos. En relación a los primeros, “tienen como objeto de estudio colectividades complejas visualizadas como casos y tratan de explicar las características del fenómeno estudiado observando muchos elementos de su con iguración y prestando mucha atención al contexto de los casos” En cuanto a los segundos, “están interesados en el cómo y el porqué varía el fenómeno y conciben a las variables como dependientes e independientes” (VALENZUELA en FORNI, 2005). La construcción de interpretaciones acerca de trayectorias en política pública en radio y TV resulta un desa ío. Existen numerosos antecedentes de investigación desde la Economía Política de la Comunicación en relación a América Latina y particularmente a los países que integran el MERCOSUR, pero no se ha encontrado un modelo interpretativo que pueda dar cuenta de cómo los procesos nacionales podrían dialogar entre sí y producir una transformación en términos de integración regional. La constatación de los procesos de regionalización que tienen lugar por fuera de los estados, tanto en el sector privadocomercial como en el social-comunitario, advierten asimismo respecto de la anacronía y el rezago con el que las políticas nacionales y regionales actúan, más aún cuando se confronta la situación del MERCOSUR con la de otras uniones regionales contemporáneas. Finalmente cabe destacar que a los ines de esta investigación se realizaron 45 entrevistas que incluyeron a representantes de los sectores 280 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña público-estatal y social-comunitario de los cuatro países11, investigadores del campo académico, representantes de organizaciones supranacionales como la Unión Europea o regionales como el MERCOSUR y con miembros de organizaciones internacionales especializadas en radiodifusión y derecho a la información y la comunicación. La selección de los entrevistados para la conformación del corpus se realizó buscando una representación equilibrada de cada uno de los sectores y cada uno de los países. Se trabajó con pocos casos y según el criterio de saturación teórica, es decir, considerando como su iciente y válido un número de entrevistas en el que las respuestas a los tópicos de discusión no fueran redundantes o reiterativas. Se diseñó un muestreo intencional aplicando la técnica “bola de nieve”, tomando como criterio de selección la posición jerárquica y/o el grado de representatividad que cada persona ocupaba al interior del respectivo sector. Se consideraron para el caso de los sectores académico y comunitario trayectorias profesionales y producción cientí ica en el primer caso y permanencia en la organización en el segundo. 7. Síntesis de los resultados alcanzados Aún cuando el objeto de este artículo es poner en común la metodología diseñada para el estudio de políticas de radiodifusión en el marco de procesos de integración regional, hemos considerado oportuna la puesta en común de algunos de los principales hallazgos del trabajo. 11 Se excluyeron explícitamente las entrevistas a los representantes del sector privado-comercial, no en relación a la importancia o representatividad del sector sino precisamente a causa de ello, por cuanto según lo demuestra la evidencia empírica, se trata del sector que concentra la mayor proporción de uso del espectro y que ha conseguido a lo largo del período condiciones ventajosas y exclusivas para su utilización y comercialización. Por otra parte, resulta extremadamente complejo diseñar un mapa de entrevistados relevantes en relación al sector privado-comercial por sus características de conformación (composición societaria, indeterminación sobre el origen de los capitales, deslocalización). 281 Daniela Inés Monje En primer lugar, el estudio realizado nos permite a irmar que la radiodifusión no es por el momento un tema relevante en la estrategia de integración regional que se ha trazado MERCOSUR. Las escasas acciones proactivas especí icamente vinculadas al sector de la radiodifusión se han realizado en áreas técnicas y han sido destinadas o bien a la coordinación y homologación de padrones de emisión y recepción (atribución de frecuencias, ijación de bandas, redacción de manuales técnicos) o bien al establecimiento de diagnósticos de situación, y generación de informaciones especí icas sobre temas vinculados al cambio tecnológico (vgr: radiodifusión digital). Aún frente a la existencia de espacios institucionales especí icos desde los que podrían formularse políticas para el sector, MERCOSUR ha dado un tratamiento periférico a la discusión sobre políticas regionales de radiodifusión. Las reuniones especializadas RECS12 y RECAM13 no han logrado funcionar de modo articulado en torno al diseño de políticas del audiovisual capaces de integrar a la radiodifusión, con lo cual se ha perdido un espacio de trabajo que podría haber resultado fértil a la luz de la experiencia que, en relación al cine y el audiovisual, ha conseguido la RECAM en su corta vida. En cuanto a la especí ica acción de la RECS se registra una línea de trabajo incipiente: se trata de los primeros avances en el trabajo de aprendizaje y colaboración regional sobre experiencias nacionales en medios públicos que se formula en 2007 a instancias de los representantes argentinos en RECS, pero que por el momento no ha logrado atravesar el umbral declarativo. En 1997, el investigador argentino Hernán Galperín señalaba que “las industrias audiovisuales han demostrado ser uno de los temas más controversiales en los acuerdos de integración regional” y atribuía el motivo fundamental de esta complejidad al hecho de que “al poner sobre la mesa de negociación a los productos culturales, estos acuerdos traen 12 Reunión Especializada de Comunicación Social 13 Reunión Especializada de Autoridades Cinematográ icas y del Audiovisual de MERCOSUR 282 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña a luz complejas cuestiones sobre la relación entre economía, cultura e identidad social” (1997, p. 11). Con relación a ello, tanto la radiodifusión, como el cine, la televisión por cable y otros productos audiovisuales encuentran en el mejor de los casos una ubicación periférica en los acuerdos de comercio e integración regional o son abordados en los anexos, acuerdos paralelos o dentro de las excepciones. A 12 años de aquel señalamiento se constata que la unión regional MERCOSUR, no ha conseguido apartarse de esta tendencia, con el agravante de que en la actualidad los procesos de valorización de la comunicación implican una participación cada vez más gravitante en el PBI de cada uno de los países de la región. Unido a ello, los procesos de transformación en la estructura de propiedad de los medios de comunicación han producido una erosión de tal magnitud, en la diversidad y el pluralismo de voces, que resulta llamativa la demora en la inclusión de este tema como parte de la agenda estratégica de MERCOSUR, si se compara con lo que ocurre en otras uniones regionales contemporáneas La región MERCOSUR ha sido territorio propicio para el desarrollo de proyectos de grupos transnacionales que han sabido capitalizar en el plano nacional in luencias y favores mientras se expandían sin ningún tipo de control a nivel regional. Esto fue posible por cuanto no existen políticas de comunicación sobre radiodifusión, ni regulaciones comunitarias sobre la materia que puedan leer la complejidad de un tema que conjuga problemas de dos siglos: por una parte, hunde sus raíces en la historia latinoamericana de las luchas por la democratización de las comunicaciones de mediados de los 60, con estados fuertes que disputaban en el concierto internacional una producción activa y equilibrada en el lujo de informaciones, “voces múltiples” e identidades nacionales diferenciadas. Y por otra, de modo contemporáneo, el cambio tecnológico unido a las transformaciones en la estructura de la propiedad de medios de comunicación que delimitan un nodo de gran atractivo y alta rentabilidad en el que los actores centrales no son ya los estados sino las grandes corporaciones de medios. Frente a ellos, los 283 Daniela Inés Monje estados nacionales interpretan un neo mecenazgo, que ha posibilitado y fomentado la expansión y consolidación en la región de grupos transnacionales mediante convenientes regulaciones y ayudas estatales de diversa índole. El tránsito que acontece desde la concentración de la propiedad hacia la convergencia de tecnologías encontraba hasta 2007 tanto a los países como a la unión regional, desprovistos de un plexo normativo que pueda anticiparse a las transformaciones en ciernes. El impacto de saldo negativo de esta transformación se registra de modo más explícito entre los actores nacionales de menor peso quienes pierden terreno cotidianamente frente al avance de los grupos económicos de fuste, pero además impacta en las ciudadanías que con luyen y se desarrollan en el seno de los países que conforman MERCOSUR, cuando los medios de información a los que tienen acceso están cada vez más restringidos en términos de contenidos y más concentrados, en relación a su propiedad. El reconocimiento de que el MERCOSUR es además de un acuerdo comercial un proceso político, social y cultural y, en ese marco, la explicitación de la necesidad de atender a la comunicación pública y al acceso universal a la información en la búsqueda de construcción de ciudadanía como parte necesaria de la integración, constituyen indicios respecto de una posibilidad de transformación de las políticas de la omisión hacia las políticas de la acción en el ámbito regional. De todas formas existe una gran incertidumbre sobre el destino o la orientación que inalmente podría imprimirse a las políticas de radio y televisión en el marco de esta unión regional. Al menos dos vías nos han permitido elaborar hipótesis acerca de este punto. La primera tiene que ver con la comparación interregional, allí hemos constatado que las uniones regionales no funcionan necesariamente como un blindaje hacia el mercado internacional de bienes y productos culturales. Es posible que, como en el caso de la UE, se apliquen fórmulas de liberalización interna y proteccionismo interno, o puede darse el caso 284 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña de la liberalización externa con cuotas de proteccionismo para algunos de los socios, como en el caso del TLCAN. Es posible además que las industrias culturales, particularmente el audiovisual y la radiodifusión queden incluidas en los procesos de integración y sean explícitamente tratadas y normativizadas al interior del derecho comunitario, buscando su protección y resguardo frente al tratamiento que se les da a otras mercancías, o puede darse el caso de que las industrias culturales queden excluidas de los términos del acuerdo, como en el caso del TLCAN, lo cual implica que en el mejor de los casos se puede esperar reciprocidad en el trato como ocurre con las otras mercancías, pero que en la práctica esto funciona reforzando la supremacía de los actores más fuertes y allanando procesos de penetración de productos culturales hacia los socios más débiles, sin ningún tipo de control o cautela. La segunda vía consistió en analizar lo acontecido en términos de política nacional de radiodifusión en los países que integran el MERCOSUR, en el supuesto de que es probable que algunas de las líneas de política que se toman hacia el interior de cada país lleguen a trasegar las fronteras y puedan servir como lineamientos generales a una futura política regional. Sobre este punto esta investigación trazó comparaciones signi icativas -similitudes y diferencias- entre las políticas de radio y TV promovidas y/o implementadas por los cuatro socios fundadores de MERCOSUR: Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay y reconstruyó las trayectorias históricas de algunos de los procesos de mayor visibilidad pública referidos a la búsqueda de transformación de las políticas de radiodifusión orientadas hacia la inclusión de nuevos actores, la de inición de límites a la concentración de la propiedad de los medios y la defensa del derecho humano a la libertad de expresión. En este sentido se consideraron en clave histórica las legislaciones vigentes y sus antecedentes de mayor relevancia, pero además se incorporaron las voces de los actores que participaron en diferentes procesos de disputa del espectro, entre ellos, representantes del sector comunitario, intelectuales y funcionarios públicos. Del extenso análisis realizado pueden extraerse algunas conclusiones importantes: 285 Daniela Inés Monje 1) 2) 3) Durante el período 1991-2007, se veri ica la emergencia y consolidación del sector social comunitario en cada uno de los cuatro países analizados. Esto implica que de un modo paulatino el sector adquiere visibilidad pública, hace conocer sus reclamos ante los organismos públicos competentes y frente a la sociedad y inalmente logra acceder a la explotación legal del espectro. Por su parte el sector privado-comercial experimenta, a semejanza de lo que ocurre en el mercado internacional, un proceso de expansión. Se veri ican en todos los casos altos índices en la concentración de la propiedad y un avance hacia la convergencia de servicios. Las regulaciones nacionales se adecuan y favorecen con docilidad estos procesos. Se registran modi icaciones normativas que habilitan el ingreso de capitales extranjeros, con límites que oscilan entre el 30% y el 49% dependiendo de los países y de los servicios de los que se trate. En aquellos casos en los que este ingreso continúa impedido por ley (Uruguay) se constata que, de todos modos, las reglamentaciones han sido burladas mediante la igura del testaferro. En los cuatro países la hegemonía del sector privado comercial es indiscutible en radio, TV abierta y de pago. Los cuatro primeros operadores de televisión abierta concentran en todos los casos volúmenes de facturación y audiencias superiores al 80%. (BECERRA-MASTRINI, 2009) En lo relativo al sector público, existe una búsqueda de rede iniciones del concepto que no se condice con lo que ocurre en la práctica donde lo público sigue fuertemente vinculado a lo estatal y bajo la férula de los gobiernos de turno. Es decir, si bien se registra en el plano discursivo de algunos actores la vocación de avanzar hacia la constitución de televisoras públicas, los modos para arribar a este objetivo no fueron puestos en debate. El sentido o los sentidos de lo público continúan en un importante estado de inde inición. 286 Políticas del audiovisual en la integración regional mercosureña El estado de situación que tiene lugar en los cuatro países en relación a los tres sectores de la radiodifusión permite observar la existencia de correspondencias signi icativas en los diferentes planos de análisis que, sin embargo, no han llegado a plantearse como política regional en el marco de MERCOSUR. Referencias BECERRA, Martín; Guillermo, MASTRINI. Los dueños de la palabra. Acceso, estructura y concentración de los medios de la América Latina del siglo XXI. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009. EISENHARDT, K.M. Building Theories from Case Study Research. En Academy of Management Review, Stanford. Vol. 14, Nº. 4, 1989. GALPERÍN, Hernán. Las industrias culturales en los acuerdos de integración regional: el caso del NAFTA, la UE y el MERCOSUR. Coleçâo UNESCO - MERCOSUL. Brasilia, 1998. GALLART, María Antonia. La integración de métodos y la metodología cualitativa. Una re lexión sobre la práctica de la investigación. En FORNI, Floreal; GALLART, María Antonia et al.: Métodos Cualitativos II. La Práctica de la Investigación, Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1993. GLASSER, Barney, STRAUSS, Anselm. The Discovery of Grounded Theory. Strategies for Qualitative Research. Chicago: Aldine,1967. LIEBERSON, Stanley. Small N’s and Big Conclusions: An Examination of the Reasoning in Comparative Studies Based on a Small Number of Cases” en RAGIN, Charles; HOWARD Becker (eds.) What is a Case: Exploring the Foundations of Social Inquiry, Cambridge University Press, 1992. MASTRINI, Guillermo; BECERRA, Martín. 50 años de concentración de medios en América Latina: del patriarcado artesanal a la valorización en 287 Daniela Inés Monje escala. En QUIRÓS FERNÁNDEZ, Fernando; CABALLERO, Fancisco Sierra (Eds.) Globalización, comunicación y democracia. Crítica de la economía política de la comunicación y la cultura. Sevilla: Comunicación Social Ediciones y Publicaciones, 2001. RAGIN, Charles. The Comparative Method. Moving Beyond Qualitative and Quantitative Strategies. Berkeley: University of California Press, 1987. RODRÍGUEZ GÓMEZ, Gregorio. Metodología cualitativa. México: Ed. Aljibe, 1999. de la investigación SHALEV, Michael. La regresión múltiple en la investigación macrocomparativa. Límites y alternativas”. Universidad Hebrea de Jerusalem. Revista Política y Sociedad Nº 38, 2001, p. 19 a 44. SKOCPOL, Theda. Estrategias Recurrentes y Nuevos Temas en Sociología Histórica en Vision and Method in Historical Sociology, New York: Cambridge University Press, 1984. STAKE, Robert. Investigación con estudios de caso. Madrid: Ediciones Morata, 1995. TIMBERLAKE, Michael. The Comparative Method: Moving Beyond Qualitative and Quantitative Strategies. Book Reviews, 1989. VALENZUELA, Samuel. Macro Comparisons without the Pitfalls: A Protocol for Comparative Research. Essays in Honor of Juan Linz. Politics, Society, Democracy. Latin America, Mainwaring, Scott & Arturo Valenzuela (eds) Boulder: Wesview Press, 1998. MILLS, Charles Wrigth. Sobre Artesanía Intelectual en La Imaginación Sociológica, (Apéndice, 1843). México: Fondo de Cultura Económica, 1986. YIN, Robert Case Study Research. Design and Methods. Thousand Oaks, California: Sage Publications, 1994. 288 Televisão e cidadania de comunicação: uma experiência de iniciação cientíϐica em análise de comunidades periféricas nos gêneros telejornal e telenovela Virgínia Sá Barreto Glaucio Pereira de Souza Nayara Klécia Oliveira Leite Raissa Lima Onofre As questões que iremos desenvolver neste texto referem-se aos resultados da pesquisa “Culturas televisivas e dialogias sociais: con igurações, pactos e sentidos de comunidade periféricas na TV comercial brasileira” realizada no âmbito do Projeto de Iniciação Cientí ica PIBIC/PIVIC/UFPB/CNPq e nos processos de intercâmbios promovidos pela Rede AMLAT, Rede Temática “Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina”.1 1 Resultados da pesquisa relativos ao primeiro ano do projeto na vigência do PIBIC/UFPB/CNPq 2008/2009 podem ser observados no livro da Rede AMLAT: SÁ BARRETO, Virgínia. Comunicación, culturas y comunidades periféricas en la televisión brasileña: mapa de un proceso de investigación transmetodológico. In: MALDONADO, Alberto Efendy; FERNÁNDEZ, Adrian Padrilla. Metodologías transformadoras: teciendo la red en comunicación, educación, ciudadania e investigación en América Latina. Caracas: Fondo 289 Virgínia Sá Barreto, et al Na pesquisa, partimos de uma preocupação social e política com os processos de con iguração das periferias na televisão comercial aberta brasileira, na medida em que procuramos entender essa mídia, assim, como as grandes mídias de massa e do ciberespaço como espaços contemporâneos de construção dos debates das questões nacionais; o fórum público central da sociedade da informação atual: Um novo fórum público onde a luta pela visibilidade na mídia está se tornando um fator essencial, desa iando cara a cara a comunicação como um centro dinâmico na política e nas lutas de poder. [...] A luta pela visibilidade mediada torna-se a chave problemática para políticos, sociedade civil e outros participantes do debate público”. (TUFTE, 2004, p. 302) Desse modo, as análises das con igurações de comunidade periféricas são realizadas nas articulações entre as lógicas das culturas televisivas, da política, do poder e da comunicação para a cidadania. Televisão como fórum público e seus discursos como produtos culturais; discursos produzidos no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente. Para tanto, propositalmente, optamos analisar as periferias midiáticas em dois gêneros fortes da televisão brasileira: telenovela e telejornal. Nesse sentido, nos interessa problematizar gêneros como processos de produção de sentido, como opções das emissoras para estabelecer distintas modalidades de conversação com os seus telespectadores. Noutras palavras, modos distintos de mediar as comunidades periféricas reais, con igurando-as em comunidades periféricas midiáticas. Logo, gênero como estratégias de comunicabilidade como propõem Martín-Barbero (1991) e Bettetini (1996). Com efeito, um conceito de gênero que não se interessa apenas em classi icar Editorial CEPAP:UNESR, 2009, p.79- 107. Nesta pesquisa tomamos como objeto de observação os programas Caldeirão do Huck, Central da Periferia e Antônia da Rede Globo de Televisão. 290 Televisão e cidadania de comunicação programas televisivos na pesquisa, mas sobretudo pensar a investigação em suas dimensões teórica, epistemológica e metodológica; um conceito que nos ajuda a pensar a problemática da investigação, na medida em que é operacionalizável no empírico. Dito de outro modo, chega junto do problema de pesquisa, é consonante com ele, já que este pretende analisar estratégias discursivas de produção de sentidos de comunidades periféricas. Gênero televisivo como um meio de aproximação da produção com a diversidade da natureza da recepção, uma maneira de estabelecer elos comuns, de compartilhar sentidos. Logo, trata-se de uma mediação entre as lógicas dos sistemas produtivos e as lógicas do uso, como diz Martín-Barbero (1991); uma mediação que estabelece o reconhecimento cultural dos grupos. Gênero como matriz cultural e não como fato puramente literário ou receita de fabricação e classi icação de etiquetas. Com efeito, a dinâmica cultural da televisão atua, fundamentalmente, pela via das lógicas dos gêneros. A pesquisa e esse texto foram elaborados a quatro mãos, como resultado de uma metodologia participativa que consideramos transformadora, no sentido de que foram visíveis os processos participativos entre todos os integrantes e as mudanças ocorridas nas relações destes com os processos de investigação. Sentimos que eles foram mordidos pela necessidade de avançar, de continuar a formação de pesquisador em nível de pós-graduação. Nos mapas noturnos do saber, processos, meandros e becos escuros do saber tornam-se elementos sensíveis de transformação social. Em verdade, uma pratica de pesquisa de iniciação cienti ica tem uma processualidade que de certa forma transforma todos que nela participam. Os heterogêneos saberes, as cautelas, o mostrar os caminhos sem impedir os processos criativos individualizados é uma construção do qual nem orientador nem orientandos passam impunes. Este texto, portanto, além de pretender demonstrar os resultados obtidos no tocante à problemática especí ica do estudo, pretende também revelar ser um texto de múltiplas vozes, de ecos de discursos dos autores e de todos os participantes da investigação. 291 Virgínia Sá Barreto, et al Assumimos cultura como um processo de signiϔicação com Geertz (1989). Logo, uma de inição semiótica de cultura que indica o que ela signi ica, mas não ica apenas nisso, aponta para um caminho de sua observação. Assim, cultura como uma rede de signiϔicados e sua análise como uma procura desses signiϔicados. O respaldo cientí ico encontra eco na Antropologia entendida como uma ciência da interpretação. Antropologia interpretando as teias de signi icados culturais com recursos da prática fundamental dessa ciência, a etnogra ia. Respeitando os fundamentos sérios dessa prática de descrição densa dos fenômenos culturais, metaforicamente diremos que a análise das falas dos personagens e as imagens do programa foram feitas dentro de uma perspectiva de uma etnograϔia do texto, ou seja, izemos uma interpretação cultural destes. Buscamos com a prática da etnograϔia do texto, em certa medida, primeiramente apreender os dados, para só depois apresentar suas análises. Para essa apreensão, planejamos longas e sistemáticas observações; ouvir e ler reiteradas vezes a transcrição das falas e das imagens de cada programa. Consideramos as falas e as imagens do programa como textos, discursos. Isto porque entendemos essas falas como parte de práticas sociais inseridas em um contexto cultural determinado, logo, submetidas a determinadas condições de produção. Não se trata de uma análise de discurso ortodoxa, com a formalidade de compreensão das estruturas lingüísticas signi icantes e, sim, como dissemos, uma interpretação cultural dos textos, uma análise que não se furta em introduzir os conceitos teóricos como elementos necessários à descrição e à análise. Comunidades periféricas no Jornal Nacional e Jornal da Record O gênero discursivo jornalístico é produzido por um enunciado especí ico construído pela via da apropriação singularizada da língua, como qualquer um dos gêneros discursivos das diversas esferas das atividades humanas. Poder-se-á dizer, que esse enunciado é “relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e 292 Televisão e cidadania de comunicação estilístico” (BAKHTIN, 2000, p.284); por isso, se caracteriza como um gênero discursivo, no caso, jornalístico. No exercício das suas funções de “fazer-saber” e de “fazer-crer”, os enunciados telejornalísticos são con igurados com a mediação das diversas instâncias sociais que compõem o espaço público, lógicas e estratégias da mídia televisiva produtora (MOUILLAUD, 1997). Além disto, há que se considerar que existe um gênero discursivo telejornalístico, que é, essencialmente, resultante das interações entre matrizes jornalísticas e culturas midiáticas televisivas. Com efeito, essas mediações engendram modalidades enunciativas especí icas que se re letem, no nosso caso especí ico, em distintos modos de con iguração de comunidades periféricas. Parafraseando Bakhtin (2000), diremos que os enunciados telejornalísticos são resultantes de condições e necessidades especí icas. Com efeito, entender os sentidos de periferia dos enunciados dos telejornais em questão implica, antes de tudo, em compreender as injunções do entorno, da produção das emissoras desses noticiários e suas propostas de pactos simbólicos. Estas nada mais são, que estratégias enunciativas de captura do receptor, um componente de vínculo entre a oferta e a demanda presente em qualquer discurso midiático, que Verón (2003), entre outros autores, chama de contrato de comunicação2. A 2 “Todo produto midiático que seja algo mais que uma aparição súbita e fugaz, repousa sobre um contrato (implícito, não formalizado), que expressa a articulação, mais ou menos estável, entre oferta e demanda. Por outro lado, se lançarmos mão de alguma noção que se aproxime do conceito de interpretante, trata-se de um componente estrutural de todo o vínculo; não é algo que às vezes pode estar presente ou não. Em todos os setores dos mais tradicionais (imprensa escrita, rádio, televisão), os produtos repousam sobre os vínculos que procuram estabilizar-se e podem ser considerados, metaforicamente, contratos de comunicação”. VERÓN, Eliseo. Televisão e política: história da televisão e campanhas presidenciais. In: FAUSTO NETO, Antonio; VERÓN, Eliseo; RUBIM, Antonio Albino. Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker, São Leopoldo, R.S: UNISINOS, 2003, p.21. 293 Virgínia Sá Barreto, et al existência implícita dessas propostas nos enunciados resulta, antes de tudo, da compreensão da importância do papel do outro, do destinatário, da dimensão relacional da comunicação, com vistas ao atendimento de suas demandas, grosso modo, sintetizadas pelo desempenho dos índices de audiência. Essas propostas são construídas com a apropriação da dimensão comunicativa da linguagem, na qual o locutor não se encontra isolado nos atos enunciativos, mas em relação constante como o outro, por meio de jogos e outros recursos enunciativos. Outra questão é que os enunciados re letem as alternâncias dos sujeitos falantes, mesmo que seja em diálogos mudos entre o locutor e o outro, como é o diálogo televisivo. Isto ocorre evidentemente dentro de um contexto sociocultural, com efeito, há uma dinâmica entre o sociológico e o discursivo nos processos midiáticos. Questão cara para nós por queremos perceber as relações entre o discursivo, a cultura da sociedade e a cultura televisiva, pois há o sujeito sociológico, o receptor real do telejornal, e o sujeito discursivo que é uma criação enunciativa do locutor, o outro para quem ele imagina falar, um receptor construído.3 Contudo, são sujeitos que não estão dissociados, têm vínculos; um real, o telespectador, e outro ictício, que é elaborado discursivamente com base em um modelo imaginado de realidade do primeiro. Em que pesem pertencerem a dimensões distintas, essas dimensões dialogam e deixam marcas nos textos midiáticos. Ao tentarmos desvendar os sentidos dessas propostas, estaremos trabalhando com o sujeito discursivo ou o receptor construído nos enunciados sobre periferia dos programas telejornalísticos em estudo. Não obstante, será uma interpretação do texto, com base no que as marcas indiciam essa construção, no que elas indicam ser esse 3 “A recepção não é apenas uma elaboração sociológica. Ela é constituída já no interior do próprio processo discursivo por meio das múltiplas operações articuladas pelos processos da própria linguagem”. FAUSTO NETO, Antonio. A de lagração do sentido:estratégias de produção e de captura da recepção. IN: WILTON, Souza. Sujeito, o lado oculto da recepção. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 194. 294 Televisão e cidadania de comunicação modelo imaginado de sujeito real da periferia. Assim, a dinâmica entre o sociológico e o discursivo se faz presente na pesquisa dos telejornais pela via da análise de suas propostas de pactos simbólicos, para a compreensão dos sentidos discursivos das comunidades midiáticas periféricas desses telejornais. Além de que essa dinâmica é presente pela própria natureza dialógica do discurso. Obviamente, não existem apenas as relações discursivas dialógicas entre emissoras, mas as que elas travam com o entorno cultural e midiático, com as fontes e com as equipes jornalísticas, pois, as relações dialógicas apesar de fazerem parte do campo do discurso, não pertencem apenas ao campo lingüístico, são extralingüísticas. A lingüística torna possível a comunicação dialógica, mas, as relações é que são realmente dialógicas, por isso, a natureza dialógica do discurso deve ser estudada pela metalingüística cujo objeto ultrapassa os limites da lingüística. (BAKHTIN, 1997). Para tanto, há que se entender a natureza dialógica do discurso para podermos compreender a natureza dos discursos telejornalísticos e das telenovelas. Assim, pode-se dizer que o dialógico, antes de tudo, é a característica essencial da linguagem e princípio constitutivo do discurso, ou seja, a própria condição de sentido do discurso. (BAKHTIN, 2000). Para o autor há duas acepções de dialogismo, o da interação verbal entre o enunciador e o enunciatário do texto e o da intertextualidade no interior do discurso (BAKHTIN apud BARROS, 1994). No primeiro caso, o dialogismo é entendido “como o espaço interacional entre o eu e o tu ou entre o eu e o outro, no texto”. (BARROS, 1994, p.3). Logo, o discurso não é individual. A idéia é que todas as palavras que pronunciamos na verdade trazem a perspectiva de outras vozes, o discurso não viria do nada e sim de ecos de outros discursos. Nesse caso, no jornalismo ica a questão, a quem atribuir a autoria de um enunciado? Em síntese, o centro da interlocução não está nem no eu nem no tu, e sim no texto, neste sentido, o sujeito é descentrado tornando-se um efeito de linguagem, daí a necessidade de uma teoria dialógica da enunciação. 295 Virgínia Sá Barreto, et al No segundo caso, trata-se dos diálogos entre os textos da cultura no interior de cada texto, o diálogo entre discursos. Isto é, do fenômeno da polifonia dos textos, das vozes que polemizam ou concordam no texto. Barros (1994) frisa que polifonia não é igual a dialogismo, mas um certo tipo de texto dialógico no qual o dialogismo é visível, ou seja, no qual as vozes podem ser percebidas. Essa questão no telejornalismo é fundamental na medida em que o discurso telejornalístico contemporâneo, de forma hegemônica é polifônico, se constitui por múltiplas vozes que mantém uma certa autonomia, sem síntese geral (MACHADO, 2003). Assim, têm-se as vozes das culturas nacionais, regionais e locais dos jornalistas, das fontes, das instituições, das testemunhas, das concorrências, das equipes de produção, dos telespectadores, no caso, das comunidades periféricas, das políticas e das culturas das emissoras produtoras. São vozes internalizadas nos textos telejornalísticos que procedem do mundo real, externo ao texto, logo, trata-se de uma perspectiva que relaciona a linguagem ao meio cultural. Contudo, não esqueçamos que essas vozes têm a mediação do jornalismo, logo, são interpretadas pelo jornalismo. A visibilidade das vozes, esse se deixar ver, que é tão enfático nos telejornais da pesquisa, não signi ica que as emissoras não operem uma interpretação delas. Essas vozes são negociadas pelas estratégias enunciativas; muitas vezes ocorrem apagamentos delas em razão de interesses dos noticiários. Nos jogos enunciativos dos inúmeros enunciadores de um texto telejornalístico, nos modos de dizer, o locutor deixa marcas com as quais ele se identi ica ou se afasta, em razão do sentido que ele pretende para si, para o telejornal e para as temáticas abordadas. Portanto, as relações dialógicas entre o eu e o tu e ou o eu e o outro é permeada no jornalismo por jogos enunciativos nem sempre explícitos. Desse modo, pode-se dizer que esse discurso, justo por ser de natureza dialógica, é uma arena de disputas pela hegemonia da fala, e elas se submetem à mediação dos protocolos discursivos enunciativos característicos da mídia televisiva. Com efeito, o gênero telejornalístico é um tecido dialógico de vozes, de polifonia, por sua própria natureza, por re lexo dos seus 296 Televisão e cidadania de comunicação processos produtivos, pelas dinâmicas das interações com as diversas instâncias sociais, questão que remete ao sentido de linguagem como prática social de Bakhtin (1979) que adotamos aqui. Perspectiva que relaciona os aspectos lingüísticos e extralingüísticos nos estudos dos textos. Logo, podemos facilmente inferir que as práticas produtivas do jornalismo deixam marcas que ajudam a construir os sentidos dos enunciados do jornalismo e uma dessas práticas produtivas é a de inição da pauta e do tema. O termo pauta se presta à elaboração de um roteiro para os repórteres sobre os temas que deverão ser cobertos pela reportagem e para indicar a previsão e seleção dos acontecimentos que têm relevância para o formato do telejornal. Com efeito, podemos dizer com Henn (1996) que a pauta é uma mediação da notícia. A pauta e os temas sofrem a mediação de fatores econômicos, políticos, sociais e culturais do entorno produtivo, das políticas editoriais das emissoras produtoras, dos seus interesses mercadológicos, dos códigos e ethos telejornalísticos e das emissoras concorrentes. Em assim sendo, não se trata apenas de um simples roteiro de reportagem e de escolha aleatória dos acontecimentos que irão se transformar em notícia, de um processo apenas, digamos, burocrático como faz crer alguns manuais de jornalismo. Mas, de um processo complexo que envolve todos esses fatores e que é estratégico para engendrar o formato, a temporalidade jornalística, a satisfação dos patrocinadores e a construção das propostas de pactos simbólicos do telejornal. Com efeito, há que se enfatizar que o exercício de construção da pauta está relacionado a dois fatos que se imbricam. Primeiramente ao poder do jornalismo de dar visibilidade aos acontecimentos. E, segundo, os processos de construção social da realidade, pois seus mecanismos de operacionalização implicam escolhas, seleção de acontecimentos em detrimento de outros, em razão dos seus critérios de valor-notícia. Nesse sentido, se o jornalismo televisivo não tem o poder de determinar como devem pensar os telespectadores, em razão de a 297 Virgínia Sá Barreto, et al gramática da produção ser distinta da gramática da recepção, podemos dizer que, em certa medida, tem o poder de de inir sobre quais temas os telespectadores irão pensar. Isto devido ao poder do jornalismo de participação nos processos de construção social da realidade; poder esse que tem raiz na concessão que lhe é dada pela sociedade para coletar, selecionar e dar visibilidade aos acontecimentos. Obviamente, segundo os critérios do jornalismo ou do papel social do jornalismo, como dispositivo de mediação, de agendar temas, como diria a teoria sobre a tematização no jornalismo, a Agenda Setting (WOLF, 1994). Essa teoria nos parece interessante na medida em que ela fornece alguns subsídios para a compreensão dos mecanismos de tematização, no caso dos telejornais da pesquisa. Em segundo lugar, pelo motivo de ter aspectos compatíveis com a concepção de jornalismo como produção social da realidade que adotamos. Pois, essa teoria surge dentro de uma tendência da communication research que passa a preocupar-se com efeitos cumulativos,4 fato que implica a substituição do modelo de transmissão de comunicação para um modelo centrado no processo de signi icação. 5 E, em terceiro lugar, por ser uma teoria que não apenas considera o poder das mídias; à mídia é atribuída o poder de pautar os temas que serão conhecidos pela sociedade e aos receptores o de criar os seus próprios signi icados. Contudo, não podemos esquecer que os efeitos de sentidos das temáticas são distintos pelos modos como elas são trabalhadas discursivamente. Nesse sentido, podemos nos perguntar como as comunidades periféricas são tematizadas nos telejornais da investigação. O Jornal 4 5 “O conceito de acumulação está ligado ao facto de a capacidade que os mass media possuem para criar e manter a relevância de um tema, ser o resultado global (obtido após um certo tempo) de modo como funciona a cobertura informativa no sistema de comunicações de massa”. WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença, 1994, p. 129. “Podemos plantear perfectamente, dentro de la teoria de la construcción del temario, las actuales teorias sobre la construcción de la realidad social”. ALSINA, Miguel Rodrigues. La construcción de la noticia. 2 ed. Barcelona: Piados, 1996, p. 70. 298 Televisão e cidadania de comunicação Nacional foi o primeiro noticiário de televisão brasileira, em rede nacional, a ser transmitido ao vivo. Completou 40 anos em setembro do ano de 2009. Tem uma signi icativa audiência no horário e ocupa 45 minutos diários na grade de programação da maior rede de televisão do Brasil, a Rede Globo de Televisão. Podemos nos arriscar em dizer que um contingente considerável da população brasileira aceita as informações veiculadas pelo JN como verdadeiras. No Brasil, a expressão deu no Jornal Nacional é corrente ao se tentar tornar verossímil uma informação. Com a escolha do Jornal Nacional como um dos objetos de observação da pesquisa, quisemos entender propositalmente as lógicas discursivas de construção de sentidos de comunidades periféricas em um espaço da televisão comercial brasileira que acreditamos ter força nos processos de construção das representações e da identidade nacional. A periferia, por sua vez, é um segmento social que ganha força nas programações das emissoras comerciais brasileiras, tanto em programas de icção como de jornalismo. Como nos diz o antropólogo Vianna (2006, p.13): A novidade mais importante da cultura brasileira na última década foi o aparecimento da voz direta da periferia falando alto em todos os lugares do país. Ela se cansou de esperar a oportunidade, que nunca viria, de fora, de centro. Antes, os políticos diziam: ‘vamos levar a cultura para a favela’. Agora, a favela responde: “Qualé, Mané! O que não falta aqui é cultura. Olha só o que o mundo tem que aprender com a gente!”. A mídia, então, capta essa relevância e procura dar visibilidade a essas comunidades periféricas pela via de suas lógicas e estratégias discursivas. Contudo, há que se considerar que são múltiplas as comunidades periféricas assim como são múltiplos os discursos a respeito dessas comunidades na televisão. Considerando gêneros televisivos como estratégias de comunicabilidade, podemos inferir que estes constituem um dos fatores condicionantes na conformação dos sentidos de comunidades midiáticas 299 Virgínia Sá Barreto, et al periféricas. Na pesquisa sobre os discursos de periferias na televisão realizada por Bentes (2007) e em nossa própria pesquisa, icou evidente a predominância do discurso de periferia bandida no telejornalismo. Com isto, não queremos desconsiderar as particularidades, as pequenas variações nesses discursos. Elas serão apresentadas em seguida nos discursos de periferia do Jornal Nacional e do Jornal da Record. Em verdade, apesar das mesclas, dos processos de hibridização dos gêneros que ocorrem na contemporaneidade, ainda é possível perceber uma distinção entre programas de informação e de icção na TV. Nos programas de informação, o público espera que a tevê cumpra com o seu dever: “a) dizendo a verdade, b) dizendo-a segundo o critério de relevância e proporção, c) separando informação e comentário”. (ECO, 1984, p.183). Verdade sendo entendida no sentido do senso comum. Logo, o enunciado seria verdadeiro quando corresponde a um estado de fato. Os critérios de proporção e de relevância seriam mais vagos. Pois, eles não são explícitos nos telejornais como falamos anteriormente sobre a questão dos contigenciamentos nos processos de agendamento e tratamento da notícia. Os programas de fantasia ou de icção referemse aos espetáculos como dramas, comédias, ilmes, entre outros. Uma característica seria a suspensão da incredulidade, não haveria uma cobrança pela verdade, o público aceitaria como brincadeira, haveria um fazer de conta, isto é, o público tomaria como verdade sabendo se tratar de uma fantasia. Portanto, no caso dos telejornais, nos de informação, haveria em princípio uma correspondência entre as notícias e os fatos. Neles haveria uma relevância política e no caso dos programas de icção, uma relevância cultural. O Jornal Nacional é um programa telejornalístico tradicional voltado principalmente para as classes médias e altas, tendo como principais temáticas a política, as questões inanceiras nacionais e internacionais, distúrbios sociais e esportes. Os discursos encontrados sobre comunidades periféricas no Jornal Nacional comumente são relativos ao trá ico de drogas, operações policiais ou assassinatos brutais. Esse discurso é predominante, o que não implica dizer que é 300 Televisão e cidadania de comunicação único. Embora aconteça em quantidade ín ima, precisamos registrar que há também o discurso do habitante das periferias como coitado exibido em matérias que mostram uma realidade de sofrimento dessas comunidades. Vale registrar também, em pequena escala, o discurso da periferia regenerada em matérias nas quais o morador de periferia deixou o mundo do trá ico, das drogas, da violência para se transformar em um cidadão da sociedade com ocupação, com trabalho lícito. São as matérias que demonstram os trabalhos de organizações sociais envolvidas na recuperação dos degenerados moradores dessas comunidades. De início, no Brasil, o tema violência no telejornalismo é sempre atual por atingir toda a sociedade. Contudo a periferia não é a causa central da violência. É preciso que os telejornais apontem para os problemas estruturais da sociedade: a falta de políticas públicas, a gritante desigualdade na distribuição de renda, a precariedade dos sistemas públicos como moradia, saneamento, educação e saúde, que são, antes de tudo, de iciências políticas deste país. Essas questões não são comentadas quando a temática é periferia e seus problemas de drogas, violência, entre outros, pois as notícias não são contextualizadas no Jornal Nacional. Há uma super icialidade no tratamento das matérias de forma geral. Nesse contexto podemos incluir matérias sobre periferias. Vale salientar que, nas comunidades periféricas, a maioria da população é formada por trabalhadores que seguram nos ombros o mais pesado do trabalho que se desenvolve na sociedade. Os signi icados semióticos do cenário suntuoso, da linguagem formal e das regras de etiquetas jornalísticas utilizadas no Jornal Nacional indiciam propostas de pactos simbólicos com quem se identi ique com esses dispositivos. E quem se identi ica com estes? Seguramente não é a periferia. Falar da periferia e da violência advinda da periferia para as comunidades centrais é um exercício que pede uma cumplicidade de idéias entre jornalista e telespectador interessado. Fato que nos permite inferir que as propostas de pactos simbólicos do Jornal Nacional não são construídas para dialogar com essas periferias e sim com os segmentos sociais mais favorecidos que precisam creditar a culpa dos problemas 301 Virgínia Sá Barreto, et al sociais como insegurança, violência entre outros a uma parcela da população. O Jornal da Record, principal telejornal da Rede Record, é apresentado pelos jornalistas Celso Freitas e Ana Paula Padrão de segunda a sábado. Celso Freitas é um jornalista com mais de 35 anos de experiência. Ana Paula Padrão é uma jornalista de renome que já passou pelas principais redes de televisão do Brasil: Globo, SBT e atualmente na Record. Com toda sua experiência em TV e conhecimento de quem já gravou matérias em diversas regiões do mundo, Ana Paula Padrão entrou no Jornal da Record como estratégia da emissora para capturar audiência. Comumente ela chega a ser substituída por outra âncora, já que está em ritmo de produção de reportagens. Grande parte de sua participação como repórter externa acontece durante as séries de reportagens especiais que o Jornal da Record veicula semanalmente. Nessas reportagens há um tratamento mais elaborado das informações, no qual se estabelece um tom de crítica e de aprofundamento das temáticas abordadas. A âncora ao sair da bancada, perde simbolicamente o papel e passa a incorporar outro, o de repórter. Com isto, acumula agregados simbólicos de ambos os papeis para o telejornal. Noutras palavras, a jornalista como âncora ou como repórter é a igura central do Jornal da Record. No papel de repórter explicita sua participação nos processos de construção da notícia e tende a aproxima-se mais do telespectador na medida em que se torna uma participante de fatos sociais e jornalísticos que a ligem a sociedade como todo. Essas séries em sua maioria tratam de temáticas dessa ordem. Com efeito, o Jornal da Record ganha em singularidade com relação a outros telejornais de emissoras comerciais abertas. Contudo, em sua agenda, no tocante às matérias sobre periferias é intensa divulgação da violência, da criminalidade, das drogas nesses segmentos sociais. Nelas, con igura-se o discurso de periferias predominantes nos telejornais, o de comunidade periférica bandida. As variações dos discursos de periferia ocorrem nas séries como a “A Vida na Rua” exibida de 19 a 24 de outubro de 2009 ( mês que integra o corpus da análise 302 Televisão e cidadania de comunicação de ambos os telejornais). Essa série retrata a realidade da vida de uma população de quinze mil pessoas que habita em pontes e viadutos da capital paulista. Logo, o espaço mais gritante da pobreza da periferia, ou das camadas menos favorecidas da população brasileira. Percebe-se que esse telejornal se utiliza desse espaço especí ico para ampliar o seu discurso de periferia. Contudo, pode-se observar em pequena escala, que este telejornal quando retrata notícias de criminalidade abre, em alguns casos, uma brecha para a fala de moradores de periferia que são vítimas da criminalidade, dos con litos entre tra icantes e polícia. Para ilustrar o que dissemos citemos uma frase de um morador de uma periferia registrada neste telejornal na reportagem, do dia 17 de outubro de 2010, “Guerra em morro mata 12 no Rio”: “a gente sai para trabalhar e não sabe se volta”. Na série em questão, percebe-se o discurso de periferia criativa, ilustrada no caso do “Seu” Gegê. Na matéria “Casa de morador de rua é cheia de obras de arte”, de 24 de outubro de 2009, foi mostrada toda a criatividade desse morador ao transformar o lixo em objetos de decoração, roupa... um verdadeiro luxo, como dito pelo telejornal. Outra variação discursiva dessa série é a matéria que apresenta periferia que supera diϔiculdades ou periferia vitoriosa. Exempli icamos com a história, divulgada no dia 09 de outubro de 2009, de ex-ambulantes que se tornaram comerciantes de um shopping que funciona de madrugada em São Paulo. Quando o repórter Vinícius Costa pergunta como uma das personagens se de ine (comerciante, empresária, etc), ela responde: “pode pôr tudo isso ao mesmo tempo, não esquecendo a palavra vencedora, porque eu me considero uma”. Na reportagem do dia 02 de junho de 2009 da série “Eu larguei o trá ico”, a edição é inalizada com moradores de uma comunidade cantando a música “eu só quero é ser feliz” do grupo Furacão 2000: “eu só quero é ser feliz, /Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é./ E poder me orgulhar, /E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”. Trata-se de uma mescla do discurso de periferia vencedora e periferia alegre. 303 Virgínia Sá Barreto, et al Acreditamos que o formato de séries semanais contribui para pluralizar o discurso de periferia nesse telejornal, o que é interessante em termos de visibilidade para essas periferias. Fato denotativo que através dessas séries o Jornal da Record, procura construir pactos simbólicos mais elásticos com essas comunidades e com a sociedade como todo, ou seja, um pacto apaziguador entre os interesses de camadas sociais distintas. O discurso predominante é o da periferia bandida e apenas em um momento especí ico do telejornal, suas séries, outros modos de dizer aparecem, mas ao não serem hegemônicos não causam problemas para as classes sociais que, como dissemos, buscam um culpado para os problemas de violência no país. Assim como também um discurso conciliatório com as periferias e com os segmentos sociais que não são a favor da uni icação do discurso de periferia bandida, a exemplo de movimentos sociais que lutam pelos direitos de cidadania de comunicação dessas camadas sociais. Conϐigurações de comunidades periféricas nas telenovelas Vidas Opostas e Duas Caras Partindo do princípio de que a televisão é um âmbito decisivo do reconhecimento cultural, da construção e reconstrução de identidades individuais e coletivas, poder-se-á dizer que a telenovela, em razão da força desse produto cultural na América Latina, é o gênero no qual se pode observar melhor os cruzamentos entre memória, formato, lógicas de globalização e dinâmicas culturais. (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001). A telenovela pode ser entendida como uma matriz cultural Latino Americana, gênero de construção de sentidos, de representações sociais, de modos de ver os povos e as nações na medida em que a narrativa iccional televisiva adquire um valor estratégico na criação e consolidação das identidades culturais compartilhadas enquanto narrativas populares. Logo, a telenovela aqui entendida como território simbólico de construções culturais identitárias. Em países como Brasil, México, Venezuela, Argentina, Colômbia, Chile e Peru a telenovela 304 Televisão e cidadania de comunicação Ocupa um lugar determinante na capacidade nacional de produção televisiva, ou seja, na consolidação da indústria televisiva, na modernização de seus processos e infraestruturas – tanto técnicas como inanceiras – e na especialização de seus recursos: autores de textos, diretores, fotógrafos, especialistas em som, cenógrafos, editores. A produção da telenovela representou, por sua vez, uma certa apropriação do gênero em cada país: sua nacionalização. Pois bem, se é certo que o gênero telenovela implica rígidos estereótipos em seu esquema dramático e fortes condicionantes em sua gramática visual – reforçados pela lógica estandartizadora do mercado televisivo mundial -, também o é que cada país fez da telenovela um particular lugar de cruzamentos entre a televisão e outros campos culturais, como a literatura, o cinema e o teatro. (Id., ibidem, p.117118). No Brasil e em outros países da América Latina as telenovelas são condicionadas ao gênero melodramático. Contudo, o uso estratégico do melodrama tem suas variantes nos países produtores de telenovelas desse continente. Martín-Barbero e Rey (2001) chamam atenção para duas modalidades centrais no tratamento do melodrama nas telenovelas desses países, o tradicional e o moderno. No primeiro, há a predominância de um formato melodramático em que se abordam fundamentalmente paixões e sentimentos primordiais, amores furtivos e proibidos, excluindo as ambigüidades e complexidades do contexto sociocultural da produção. O segundo é mais claramente observado nas telenovelas brasileiras que ocupam o horário nobre, as chamadas novelas das oito, que hoje varia o horário entre 21 e 22 horas. Nelas, pode-se observar que apesar de não romper com a hegemonia do esquema melodramático, introduz nele realismo e a “cotidianização da narrativa” e o encontro do gênero com algumas matrizes culturais do país. Percebe-se nessas telenovelas um deslocamento do eixo temático pela veiculação de imagens da realidade brasileira, incorporando-se à trama um tom crítico 305 Virgínia Sá Barreto, et al sobre essa realidade e as condições históricas e sociais vividas pelos personagens. Nessa modalidade, as narrativas articulam dramas tradicionais e universais da condição humana a fatos políticos, sociais e culturais em um cotidiano que se quer mostrar crítico. Esse é o caso das telenovelas da investigação, Vidas Opostas e Duas Caras. Ambas abordam as questões da periferia, dos con litos de classes e das desigualdades sociais, demonstrando um interesse evidente de dar visibilidade à temática das periferias brasileiras que, como dissemos anteriormente, constitui um fenômeno social, cultural, político de relevo na sociedade brasileira. Já que essa camada social e suas mazelas sociais, como descriminação, violência, trá ico, isolamento, condições precárias de moradia, saneamento básico, saúde e educação, são incorporadas pela maior parte da população brasileira. Contudo, a tematização das periferias se faz de modo distinto nessas telenovelas. Os cruzamentos de que falava anteriormente, do esquema melodramático com outros territórios de ϔiccionalidades como diria Borelli (1996), os modos de debater, o tom mais crítico, realista ou fantasioso constroem con igurações distintas de comunidades periféricas em suas tramas narrativas. A telenovela Vidas Opostas foi exibida no período de 21 de novembro de 2006 a 14 de agosto de 2007, escrita por Marcílio Moraes e dirigida por Alexandre Avancini e Edgard Miranda. A telenovela, como o próprio título sugere, busca envolver o telespectador em uma trama em que permanentemente há o con lito entre duas camadas sociais distintas, esse con lito se con igura principalmente no casal protagonista da telenovela Miguel, um jovem milionário e Joana, moradora da favela. Em decorrência das cenas fortes presentes na telenovela, esta foi classi icada como imprópria para menores de 14, com exibição no horário de 22 horas. Na trama, os recursos de suas narrativas verbais e imagéticas re letem um modo próprio de se colocar da Record frente às telenovelas da TV Globo, em jogos enunciativos competitivos, pois estas se utilizam de recursos mais amenos para tratar da cotidianização da narrativa e 306 Televisão e cidadania de comunicação críticas sociais. Digamos que em uma estética mais clean, em processos de estandartização de lógicas televisivas que con iguram seus modos próprios de fazer telenovela, dentro do propalado padrão de qualidade da TV Globo. Na telenovela, a dominação dos bandidos, os tiroteios constantes e a crueldade do bandido (gerente da comunidade Jackson) conjuntamente com a falta de liberdade, de segurança e o sentimento de abandono são alguns dos motivos que fazem com que os moradores da Comunidade do Torto (favela da telenovela Vidas Opostas) se unam pela sobrevivência. De acordo com entrevista cedida à revista ISTOÉ Gente, em 09/04/2007, o autor da telenovela, Marcílio Moraes fala sobre o motivo do sucesso da telenovela: O que chamou a atenção do público foi incorporar a favela ao universo iccional, uma coisa que não faziam. É a questão da estética da exclusão. A economia exclui, a teledramaturgia também. Ao invés de fazermos aquele pobre folclórico, mostramos o pobre que vive realmente nas favelas. Nessa entrevista, o autor fala que jamais poderia fazer uma telenovela como essa na TV Globo. Obviamente pelos motivos aventados anteriormente. Em verdade, a trama ϔiccionaliza a realidade, em um discurso que expõe a violência na teledramaturgia brasileira, procurando romper com o padrão nacional de fazer telenovela da grande produtora de telenovela do país, a Rede Globo de Televisão. Para tanto, além de expor a violência, agrega ao melodrama a estética dos documentários e do telejornalismo, dando à narrativa uma dinâmica de um hiperrealismo. Isto tudo, mostrando as mazelas das periferias de forma crua, com narrativa de denúncia. O universo dos marginais é retratado nas cadeias, nas gangues, nas batalhas das quadrilhas e o mundo dos ricos em casas confortáveis, em uma evidente estratégia de dar visibilidade ás desigualdades sociais. Trata-se de uma história que mistura amor e violência, riqueza e pobreza, sonho e realidade brutal, honestidade e corrupção (inclusive dos policiais), heroísmo e vilania. Contudo, apesar 307 Virgínia Sá Barreto, et al de ser um exemplar muito especí ico da telenovela brasileira, de se diferenciar dela pelo tratamento hiper-real da realidade, em outras conformações de realidade e icção; acrescenta questões do gênero melodramático, especialmente, na temática de amor proibido entre Miguel e Joana. No que tange à telenovela Duas Caras da TV Globo, esta foi exibida entre outubro de 2007 e maio de 2008. A telenovela foi escrita por Aguinaldo Silva e teve como direção geral o Núcleo Wolf Maya. Basicamente, a telenovela ocorreu em duas fases distintas. Há uma passagem de tempo de dez anos de um período para outro. Fundamentalmente, a primeira fase a telenovela narra a história de Maria Paula, uma menina rica de uma pequena cidade chamada Passaredo no interior do Paraná que ao perder seus pais em um acidente de carro é amparada por um estelionatário chamado Adalberto. Este presencia o acidente e resolve tirar proveito da situação, mostrando-se apaixonado e casando-se com a moça. Nesse processo, aplica-lhe um golpe, no qual a personagem perde toda sua herança. Na segunda fase, o foco da telenovela se volta para a favela Portelinha, seu líder, Juvenal Antena e seus moradores. Essa fase inicia-se com o líder coordenando o crescimento da favela, anteriormente, um assentamento de trabalhadores que perderam seus empregos e acabaram sem ter para onde ir. Essa fase é o foco da telenovela que nos interessa, pois nela o autor trabalha a temática da periferia, a questão da liderança, o per il de periferia, as desigualdades sociais e também con litos de classes em histórias de amor; no caso, entre um morador da favela, Evilásio, a ilhado e protegido do Juvenal Antena e Júlia, jovem rica, ilha de um grande e preconceituoso advogado (Barretão) e Gioconda, considerada a última grande dama da sociedade carioca, que vive como em uma redoma de vidro. Em verdade, a Portelinha agita a trama, usando uma narrativa iccional que pasteuriza os con litos vividos por essas camadas, em um tipo de favela modelo em que não há con litos. Isso tudo por que na trama Juvenal Antena é o grande herói guardião, que controla com 308 Televisão e cidadania de comunicação punhos de aço a favela, não admitindo trá ico de drogas, desordens, nem bandidos. Para tanto, o líder criou as leis da favela e pune aos desordeiros junto a sua milícia formada por personagens que constituem os “sete anões” de Juvenal Antena. A dominação do líder é considerada legítima pelos moradores. Os estabelecimentos comerciais são protegidos pela associação dos moradores comandada pelo Juvenal Antena. Em verdade tudo na favela passa pelo seu líder, até os problemas domésticos entre casais. Se Vidas Opostas se caracteriza pela narrativa hiper-real, na qual a periferia é exposta em seus con litos constantes em razão de questões de trá ico de drogas, como muitas favelas brasileiras, na telenovela Duas Caras a periferia é apaziguada em uma narrativa de favela ideal, com apagamentos de con litos. É um exemplar legítimo do discurso mais corrente de periferia legal da dramaturgia brasileira televisiva, conforme classi icação discursiva utilizada por Bentes ( 2007). O personagem Juvenal Antena, interpretado pelo ator Antônio Fagundes, merece atenção nas análises. O personagem além de ser o líder e criador da favela da Portelinha é também quem melhor representa a simbologia que a telenovela constrói. O líder se mostra como o pai dos pobres, aquele que sabe dar, mas que também sabe cobrar quando necessário. Os moradores procuram seu líder para resolverem os problemas relevantes e até problemas pessoais, como brigas de casal, entre outros. É ele quem manda na comunidade, ele oferece a segurança em troca de obediência e idelidade dos moradores. Juvenal Antena é o típico homem grosseiro, porém de bom coração. Contudo, na trama o personagem se mostrou um tanto quanto duvidoso em relação a sua índole. O próprio autor da novela, Aguinaldo Silva, utilizou seu blog para esquentar os rumores a este respeito e obviamente elevar ainda mais a audiência da telenovela ao perguntar ao público se Juvenal era bom ou ruim. Ao analisarmos os capítulos da telenovela, percebemos que de início o personagem é visto com muito bons olhos pela população local assim como por outros segmentos da sociedade. A virada em relação ao olhar da população sobre Juvenal está 309 Virgínia Sá Barreto, et al representada por seu a ilhado e morador da comunidade, Evilázio. Ele é o primeiro a perceber, com a ajuda de sua namorada Júlia, o autoritarismo de Juvenal e a falta de voz e de direitos que os moradores da Portelinha tinham. Quando partimos para a análise do personagem Jackson da telenovela Vidas Opostas, vivido pelo ator Heitor Martinez, encontramos o outro lado da moeda. O personagem é um tra icante que após a morte do irmão e da fuga da prisão resolve invadir e tomar conta da Comunidade do Torto, antes comandada pelo irmão morto. Jackson é o retrato do bandido cruel que mata qualquer um que descumpra suas ordens. A postura fria e cruel de Jackson acaba sendo humanizada no tocante a sua paixão por Joana. Cenas relacionadas a mortes, assassinatos cruéis, como por exemplo, decapitação, assim como cenas de violência fora da comunidade são expostas nessa trama. Entre as perspectivas mostradas pela telenovela há a corrupção policial, personi icas pelo delegado Nogueira. Trata-se de um delegado psicopata que comete uma sucessão de crimes durante a trama, entre eles estupro. Todos esses aspectos revelam o universo da periferia que a telenovela con igurou. Em Duas Caras, há um discurso de periferia que revela questões aventadas por Baumann (2003). A segurança é um dos aspectos tratados por este autor como sendo valor almejado pelas comunidades. Essa segurança encontra-se, no caso da Portelinha, revelada na igura do personagem Juvenal Antena que protege a Comunidade da Portelinha como uma espécie de pai dos pobres. Porém, de acordo com o autor, nas comunidades reais, a obtenção da tão sonhada segurança tem o preço da liberdade. Não ter comunidade signi ica não ter proteção; alcançar a comunidade, se isto ocorrer, poderá em breve signi icar perder a liberdade. A segurança e a liberdade são dois valores igualmente preciosos e desejados que podem ser bem ou mal equilibrados, mas nunca inteiramente ajustados e sem atrito. De qualquer modo, nenhuma receita foi inventada até hoje para esse ajuste. O problema é que a receita 310 Televisão e cidadania de comunicação a partir da qual as “comunidades existentes” foram feitas torna a contradição entre segurança e liberdade mais visíveis e mais di íceis de consertar. Na telenovela, a forma com que o líder Juvenal Antena comanda a comunidade proporciona a segurança que seus moradores necessitam, mas a liberdade apenas é concedida aos que vivem e cumprem as regras impostas pelo líder. Na telenovela Vidas Opostas nem um valor nem outro são possíveis aos moradores do Torto, visto que os moradores vivem sob a proteção de um bandido perigoso. Na trama de ambas as telenovelas, há características reais de comunidades, tais como a necessidade de pertencimento, de comunhão, entre outras. Contudo, tomando emprestado de Bentes (2007) sua re lexão sobre o contraditório discurso sobre a periferia na televisão, ou seja, o de bandido do telejornalismo e da periferia legal da dramaturgia; podemos dizer que essa questão pode ser observada na telenovela Duas Caras da TV Globo na representação da favela da Portelinha. Como dissemos, nesta telenovela, a periferia é caracterizada como um exemplo de uma comunidade, sem drogas nem crimes. Podemos dizer com a autora que há uma glamurização da periferia, com o apagamento das mazelas sociais dessas camadas sociais. Apesar da predominância dos discursos polarizados entre bandidos e periferia legal, podemos perceber essa mudança no que tange a telenovela Vidas Opostas, pois aqui a comunidade periférica é con igurada buscando ao máximo sua identi icação com a realidade. Nela, podemos observar que há o crime e a violência assim como há os moradores que tentam sobreviver em meio a esses con litos. E, ressalvese nem todos que vivem na Comunidade do Torto são criminosos como no discurso dominante das periferias em telejornais. Na comunidade do Torto da telenovela Vidas Opostas existe uma con iguração de periferia con litante que caracteriza uma comunidade segundo Sodré (2001). Pois, os moradores da comunidade vivem em meio à criminalidade, à violência e à insegurança. O ambiente hostil em que vivem repercute no fato da população buscar uma unidade, um 311 Virgínia Sá Barreto, et al maior sentimento de comunhão no intuito de protegerem um ao outro, o que para eles representa sua sobrevivência. Marcílio Moraes autor de Vidas Opostas trouxe uma postura inovadora para a Record com vistas a produzir uma telenovela que rompesse com os padrões da TV Globo, referência maior das telenovelas brasileiras, emissora para a qual ele já havia trabalhado. Isto é, a proposta de con igurar uma periferia com foco na violência, no terror da insegurança vivido pela população, na busca pelo máximo de realidade possível. Em verdade, o tratamento da narrativa da trama não é apenas uma proposta de inovação baseada no fato de nunca antes outra emissora ter mostrado a realidade da periferia dessa forma. O desejo maior, segundo o próprio autor, é realizar uma telenovela com aspectos os quais não seriam feitos/aceitos pela TV Globo em uma telenovela. Neste caso, observa-se que as diferenças entre as duas con igurações da periferia entre as telenovelas em questão se dão também pela concorrência constante entre as duas emissoras. Fato esse que pudemos observar também nos discursos múltiplos de periferia do Jornal da Record em contraposição a hegemonia quase absoluta do discurso de comunidade periférica como sujeitos bandidos do Jornal Nacional. Em verdade, essa constatação é representativa para se pensar nesse condicionante da mídia como fórum público de debate sobre as con igurações e sentidos de comunidades periféricas na televisão brasileira. Ao dar visibilidade a essas camadas sociais desfavorecidas, as emissoras comerciais abertas brasileiras de televisão têm a preocupação de dar a visibilidade a si própria na construção desses sentidos em um discurso digamos de auto-referenciação. Referências ALSINA, Miguel Rodrigues. La construcción de la noticia. 2 Ed. Barcelona: Piados, 1996. BAKHTIN, Mikhail. Estética e criação verbal. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 312 Televisão e cidadania de comunicação _____. Problemas da poética de Dostoiévski. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. _____. Marxismo e ϔilosoϔia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979. BARROS, Diana Luz Pessoa. Dialogismo, polifonia e enunciação. In: BARROS, D.L.P.; FIORIN, J.L. (orgs.) Dialogia, polifonia, interxtetualidade: em torno de Bakthin Mikhail. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1994. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2003. BENTES, Ivana. O contraditório discurso da TV sobre a periferia. In: Revista Brasil de Fato, 2007. Disponível em: <http://www.brasildefato. com.br/v01/agencia/entrevistas/a-periferia-como-convem>. Acesso em: 20 mar 2008. BETTETINI, Gianfranco. La conversacion audiovisual: problema de la enunciación ϔílmica y televisiva. Madri: Catedra, Signo e Imagem, 1996. BORELLI, Silvia Helena Simões. Ação, suspense, emoção: literatura cultura de massa no Brasil. São Paulo: EDUC: Estação Liberdade, 1996. e ECO, Umberto. Viagem a irrealidade cotidiana. São Paulo: Ed: Fronteira, 1984. FAUSTO NETO, Antonio. A de lagração do sentido: estratégias de produção e de captura da recepção. In: WILTON, Milton. Souza. (Org.). Sujeito, o lado oculto da recepção. São Paulo: Brasiliense, 1995. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LCT, 1989. HENN, Ronaldo. A pauta e a notícia: uma abordagem semiótica. Canoas: ULBRA, 1996. MACHADO, Arlindo. 2003. A televisão levada a sério. São Paulo: Ed. Senac, 313 Virgínia Sá Barreto, et al MARTÍN-BARBERO, Jesús. De los Medios a las Mediaciones: Comunicación, Cultura y Hegemonia. 2 ed. México: G.Gili, 1991. MARTÍN-BARBERO, Jesús; REY, Germán. Os exercícios do Ver: hegemonía audiovisual e ϔicção televisiva. São Paulo: Ed. SENAC, 2001. MORAES, Marcílio. “Bater a Globo é um marco”. Entrevista cedida a Revista ISTOÉ Gente em 09/04/ 2007. Disponível em: <http://www.terra. com.br/istoegente/397/entrevista/index.htm.> Acesso em 24 abr 2004. MOUILLAUD, Maurice. O jornal: da forma ao sentido. Brasília: Paralelo 15, 1997. SÁ BARRETO, Virgínia. Comunicación, culturas y comunidades periféricas en la televisión brasileña: mapa de un proceso de investigación transmetodológico. In: MALDONADO, Alberto Efendy; FERNÁNDEZ, Adrian Padrilla. Metodologías transformadoras: teciendo la red en comunicación, educación, ciudadania e investigación em América Latina. Caracas: Fondo Editorial CEPAP: UNESR, 2009, p.79- 107. SODRÉ, Muniz. O Objeto da comunicação é a vinculação social. In: PCLA – Revista Cientíϔica Digital do Pensamento Latino-Americano. UMESP/ UNESCO. Vol.3 - n.1. out/nov/dez.2001. Disponível em: <http://www. metodista.br/unesco/PCLA/revista 9/revista9.htm> Acesso em 24 abr 2004. TUFTE, Thomas. Telenovelas, cultura e mudanças sociais: da polissemia, prazer e resistência à comunicação estratégica e ao desenvolvimento social. In: LOPES, Maria Immacolata Vassalo. (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. VERÓN, Eliseo. Televisão e política: história da televisão e campanhas presidenciais. In: FAUSTO NETO, A. et. all.(Orgs.) Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo: Hacker; São Leopoldo, RS: Unisinos, 2003. 314 Televisão e cidadania de comunicação VIANNA, Hermano. Manifesto de Hermano Vianna. Disponível em: HTTP/ WWW.overmundo.com.br/imprime-blogs/maifesto-de-vitima. Acesso em: 19 mar 2008. WOLF, Mauro. Teorias da comunicação. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença, 1994. 315 Identidade, histórias de vida e memória: um exercício de comunicação audiovisual Maria Angela Pavan Maria do Socorro Furtado Veloso Introdução A comunicação é intensa; diariamente, transmitem-se via satélite milhões de imagens em movimento. Recebemos mercadorias audiovisuais de todos os lugares do Brasil e do mundo. Este excesso propicia a criação de paisagens urbanas miméticas. Por essa razão, desconhecemos a história de vida do outro e não experimentamos o viço dos signi icados da cultura oral que tanto fornece subsídios humanos para construirmos a história de todos. Quem conta sua história reconstrói sua memória, percebe a dimensão do que realizou e rea irma a capacidade de decidir e participar da história de um lugar. Ao compartilhar seu depoimento, toma consciência do contexto maior em que está inserido. Percebe que as situações vividas sempre se estendem além da experiência individual. Sua existência, somada às dos outros, compõe uma história coletiva, com signi icados sociais, políticos, culturais e econômicos mais amplos. Este é um propósito da comunicação social. Este é o propósito de um projeto de extensão que está em vigor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte desde 2009. Intitulado “Ações em comunicação social das 317 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso mídias universitárias”, tem como objetivo contribuir para a formação, em especial, dos estudantes de comunicação. O projeto visa captar histórias de vida na cidade do Natal e no estado do Rio Grande do Norte. Acreditamos que o estímulo ao resgate dessas histórias na pesquisa, ensino e extensão pode propiciar aos alunos a vivência com as diferentes formas de entrevista intimista e humanista, tantas vezes incentivadas pelos chamados jornalistas literários e por cientistas sociais. Como observa Medina (2003, p.80), “partilhar a visão de mundo do outro, dela extrair a utopia humana e ampliar a competência técnica e cientí ica na narrativa solidária não é uma miragem, é uma possibilidade”. Se os comunicadores são construtores de signi icados (MEDINA, 2003), é necessário repensar quais escolhas irão realizar para produzir seus audiovisuais. De que forma conduzirão as entrevistas e a edição de seus trabalhos? Quem será o escolhido como protagonista na produção televisiva ou radiofônica? Este artigo aborda a narrativa como ferramenta singular da comunicação. Objetivando socializar as experiências do projeto de captação de histórias de vida em andamento na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, está organizado em três partes: 1) O audiovisual, as histórias de vida e o tratamento da entrevista; 2) Resgate das histórias de vida e a narrativa; e 3) Métodos e processos utilizados na captação das histórias de vida. Utiliza, como suporte teórico, estudos sobre narrativa, história oral, história de vida, entrevista e as técnicas do jornalismo literário. O audiovisual, as histórias de vida e o tratamento da entrevista A boa condução de entrevistas que visam recuperar histórias de vida depende do conhecimento de elementos da teoria literária, especialmente as técnicas de narração, e do método biográ ico. Das Ciências Sociais emprestamos as técnicas da pesquisa qualitativa e da etnometodologia1. 1 Uma área da sociologia americana. O marco foi a publicação de Studies in Etthnometodology, de Harold Gar inkel, em 1967. Ver Coulon ( 1995). 318 Identidade, histórias de vida e memória Quali icar os alunos para o trabalho de captação das histórias de vida é preocupação basilar do projeto de extensão. Com este objetivo, pedimos aos estudantes que inicialmente selecionem um acontecimento do passado que tenha sido marcante em suas vidas. Eles devem descrever essa experiência com toda a carga de emoção possível, como se tivessem acabado de vivenciá-la. Em outras palavras, de maneira que a percepção do momento signiϔicativo possa guiar o sentido das experiências vividas. Em seguida, para o processo de construção de microdocumentários (cuja duração é, em média, de cinco a dez minutos), os exercícios que sugerimos são os seguintes: autoperϔil (construir uma pequena autobiogra ia fornece subsídios à tarefa de compreender o outro); micronarrativas do meu quarteirão (buscar a realidade mais próxima por meio de pequenos per is do bairro onde o aluno mora ou trabalha); perϔil de um colega de sala (muitas vezes o estudante descobre que não conhecia o colega com quem convive há alguns semestres). Finalizados esses exercícios, os alunos devem se envolver na etapa seguinte, que é a captação das histórias de vida para rádio e vídeo. Para esse trabalho, no entanto, é necessário ampliar o signi icado daquilo que entendemos como uma boa entrevista, buscando instrumentos capazes de melhorar sua realização. Medina (1995, p.8) de ine entrevista como uma “técnica de interação social, de interpenetração informativa [...]; pode também servir à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação”. Fazendo referência a concepções como as do ilósofo Martin Buber, aponta para a necessidade de diálogo no qual “ambos os partícipes do jogo da entrevista interagem, se modi icam, se revelam, crescem em conhecimento do mundo e deles próprios” (MEDINA, 1995, p.8). Ao de inir o modo como captaríamos as histórias de vida, reservamos especial atenção ao estudo da história oral, método que utiliza a técnica da entrevista em profundidade. Montenegro (1997, p. 197) diz que a história oral data do século V, “reconhecendo em Heródoto, Tucídites e Políbio as raízes do uso de depoimentos orais como constitutivos do fazer historiográ ico”. 319 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso Em 1948, mesmo ano da invenção do gravador, foi criado o programa de história oral da Universidade de Columbia, em Nova York, por Allan Nevins e Louis Starr. Os pesquisadores tinham por objetivo registrar entrevistas realizadas, em sua maioria, com personalidades destacadas da história norte-americana - homens públicos com reconhecida participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país. Durante a Segunda Guerra Mundial, algumas experiências de coleta de relatos dos membros da Resistência Francesa indicavam que o método da história oral chegara à Europa. Também na América Latina, no inal dos anos 1950, o Instituto Nacional de Antropologia do México passou a registrar depoimentos dos líderes da Revolução Mexicana, ocorrida entre 1910 e 1922. Na Inglaterra, na década de 1960, Thompson foi um dos pioneiros no uso de testemunhos de pessoas comuns (ordinary people). Seu livro A voz do passado se transformou em manual para os pesquisadores: Fazer com que as pessoas con iassem nas próprias lembranças e interpretações do passado, em sua capacidade de colaborar para escrever a história - e con iar também em suas próprias palavras: em suma, em si mesmos. [...] Ela trata de vidas individuais - e todas as vidas são interessantes. E baseia-se na fala, e não na habilidade da escrita, muito mais exigente e restritiva. [...] As palavras podem ser emitidas de maneira idiossincrática, mas, por isso mesmo, são mais expressivas. Elas insu lam vida na história. (THOMPSON, 2002, p.4041) A história oral tem abrangência interdisciplinar, ou seja, é uma técnica que pode ser usada nas diferentes áreas das Ciências Humanas, valendo-se, inclusive, do conjunto de práticas teóricas de outras disciplinas. Basicamente, estudiosos do assunto a dividem em três segmentos: História de Vida, História Temática e Tradição Oral. Segundo Queiroz (1991, p. 5-6), 320 Identidade, histórias de vida e memória História oral é termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se quer completar. Colhida por meio de entrevistas de variadas formas, registra a experiência de um só indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma coletividade. Neste último caso, busca-se uma convergência de relatos sobre um acontecimento ou sobre um período de tempo. A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas destes também recolhe tradições e mitos, narrativas de icção, crenças existentes no grupo, assim como relatos que contadores de histórias, poetas, cantadores inventam num momento dado. Na verdade, tudo o quanto se narra oralmente é história, seja a história de alguém, seja a história de um grupo, seja a história real, seja ela mítica. [...] Ao quadro amplo da história oral, a ‘história de vida’ constitui uma espécie ao lado de outras formas de informação também captadas oralmente. A história oral também pode ser usada na construção de per is jornalísticos, de documentários, entre outros produtos da comunicação social, permitindo escapar aos apelos da objetividade assertiva tão frequentes em livros sobre técnicas de entrevista. Como ensina Vila Boas (2003, p.13-14): Os processos de criação são multidimensionais. Neles combinam-se memória, conhecimento, imaginação, sínteses e sentimentos, cinco elementos imprescindíveis ao trabalho autoral. A narrativa de um per il não pode prescindir de todos os conceitos e técnicas de reportagem conhecidos, além dos recursos literários e outros. Mas ela também está atada ao sentimento de quem participa. A frieza e distanciamento são altamente nocivos. Envolver-se signi ica sentir. No artigo intitulado “Como não entrevistar Frank Sinatra”, o jornalista Gay Talese recomenda cuidado na utilização de equipamentos de gravação. Para uma boa entrevista, a irma, o melhor equipamento é 321 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso o ouvido. O jornalista também enfatiza o valor da pesquisa apurada, e recomenda ao entrevistador não desistir na primeira, segunda ou terceira tentativa de alcançar o sujeito a ser entrevistado. E o mais importante: nunca se deixar seduzir pela máquina. Com isso, a capacidade de ouvir não será “embotada ou corrompida pelo ouvido plástico de um gravador” (TALESE, 2004, p. 520). Acrescenta o jornalista: Esse método de acompanhar com atenção, ouvir com paciência e descrever cenas que permitem vislumbrar o caráter e a personalidade de um indivíduo – um método que há uma geração foi chamado de New Journalism – foi, em sua melhor expressão, reforçado pelos princípios do velho jornalismo, de incansável trabalho de campo e idelidade à verdade e precisão dos fatos. (TALESE, 2004, p.520). Muitas são as técnicas desenvolvidas por documentaristas visando à realização de entrevistas diante da câmera. É fundamental conhecê-las para sabermos como conduzir a linguagem de um produto audiovisual e também de que forma podemos melhorar a representação do outro. Há uma rede de possibilidades na relação que se irma entre comunicador, atores sociais e espectadores. Muitos pesquisadores chamam esta relação de tripolar. Imaginemos um triângulo equilátero para repensar esta interação e de inir a forma da narrativa a ser desenvolvida ao longo da construção do microdocumentário. Como propõe Nichols (2005, p.40), na ponta do triângulo está a captura da imagem, depois, em cada ponta, estão os atores sociais e o público que irá receber as imagens. O autor (2005, p.46) sugere algumas re lexões antes do trabalho de captação, para que haja consentimento de quem está sendo representado. Muitas vezes a linguagem se constrói na realização, porém o mais importante é identi icarmos qual linguagem nos atrai nesta interação com o outro. Podemos, por exemplo, de inir que vamos narrar o outro para o espectador, como ocorre, na maioria das vezes, na reportagem jornalística. Neste caso, utilizam-se os offs e passagens, ou como se diz 322 Identidade, histórias de vida e memória em produção de documentários, a voz over, que narra o que acontece. Embora seja sempre visto como voz de poder, esse formato é usado em alguns produtos audiovisuais sem evidenciar um modo narrativo autoritário. Para exempli icar podemos citar o documentário Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado. Outro exemplo é A história de James Dean, de Robert Altman, com narrações em off e depoimentos de amigos do ator logo após sua morte, em 1955. Outro formato de narrativa possível é quando o produtor se apresenta falando diante da câmera, como faz Michael Moore em seus ilmes. Zana Briski também conduziu o documentário Nascido em bordéis (2004) com narração própria, visando esclarecer o percurso de seu trabalho na Índia. Nestes dois casos os documentaristas tornaramse personas de suas obras. Se buscarmos esta forma de narrativa no jornalismo escrito, a encontraremos facilmente nas obras de Hunter Thompson. Utilizar a imagem para falar de algo, de algum fato, ou para representarmos outras pessoas, nunca foi tarefa simples. Por trás de toda construção narrativa da imagem há um tempo de silêncio e re lexão que deve ser considerado para chegarmos a uma edição bem realizada. Duarte (2001, p. 94) fala sobre esse tempo: Começa um tempo de silêncio. É como um mergulho no caos e uma caminhada até a luz e a ordem. É esse o processo interior. Toda vez me sinto assim, caótica, e, aos poucos, enquanto o roteiro vai tomando forma, eu também vou encontrando meu lugar no mundo. A forma como dividimos as transições de tempo e espaço no texto escrito permite aprimorar a linguagem audiovisual. Depois de realizadas as entrevistas, o passo seguinte é a decupagem do material. A transcrição é dividida em quatro partes. Na primeira, selecionamos a história do entrevistado, o tempo passado, suas vivências até aquele momento. Na segunda, situamos o espaço geográ ico onde as entrevistas 323 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso aconteceram, detalhando cenários e personagens (além do próprio entrevistado, também podemos ouvir familiares e/ou amigos). Na terceira, observamos o gestual do entrevistado principal e por último, na quarta parte, selecionamos o momento signi icativo. No exercício do resgate das histórias de vida, consideramos fundamental ouvir atentamente cada palavra e transcrever a entrevista na totalidade (até mesmo os silêncios). A jornalista Neide Duarte relata sua experiência com edição para televisão, principalmente durante o projeto Caminhos e Parcerias, que realizou na TV Cultura de São Paulo. Apesar de lidar há muito tempo com imagem, a irma que um bom trabalho em TV exige a transcrição literal de cada fala. Segundo ela, a excelente transcrição é que resulta na boa edição: Texto e imagem são um só olhar. A diferença entre uma imagem comum e uma boa imagem é que a boa imagem tem por trás um texto. Quando estou ilmando, penso no texto e se ele faz sentido com a imagem. Essa é a prova de que aquela é uma boa imagem. (DUARTE, 2001, p.93) Aos alunos, sugerimos que organizem suas imagens e entrevistas através de unidades visuais preestabelecidas tanto na linguagem dos planos quanto na postura diante da câmera. A divisão em unidades favorece a familiarização com o material, de modo a que possamos alinhavar o tempo atual, e no ato de ouvir, perceber o momento signi icativo, para, a partir daí, alargar o tempo do encontro repensando sempre a edição. O mais importante na construção de documentários sobre histórias de vida, porém, é encontrar pessoas que desejem contar suas histórias. A segunda parte do artigo será dedicada a esta forma movente de se sentir, e de se ver, no mundo. Resgate das histórias de vida e a narrativa Em um congresso sobre história oral em São Paulo, o cineasta Eduardo Coutinho (1997, p.168-169) disse que não faz ilmes e roteiros 324 Identidade, histórias de vida e memória escritos e fechados: “Tento fazer ilmes em que tenho perguntas a colocar e vou tentar saber as respostas fazendo o ilme. Geralmente o ilme, quando dá certo, não termina com uma resposta-síntese. [...] Se fosse para obter uma resposta fechada, também não valeria a pena fazer ilmes com som direto”. Trata-se de uma concepção bem diferente daquela que embasa a formação de jornalistas para o mercado, onde os repórteres são pressionados a produzir muitas pautas em um só dia. Para poder realizar dinamicamente várias matérias, os jornalistas se utilizam de pautas prontas e perguntas fechadas. Contudo, como a universidade é um lugar de experimentações, construímos um caminho inverso no momento de propor o exercício das histórias de vida para os aprendizes da comunicação. Quem decide conceder uma entrevista e assina a autorização de cessão de som e imagens, deseja de fato construir a sua história junto com a de outras pessoas. Em entrevista a Márcio Seindengerg, da revista Ocas, a psicanalista Miriam Chnaiderman – que ouve histórias de dor e sofrimento de moradores de rua -, a irma que a captação das histórias permite construir um tempo-espaço onde se cria um ambiente especial entre a câmera e o indivíduo. Ela pergunta: o que a câmera produz nas pessoas? Num debate, uma pessoa disse que, ‘na hora que você está diante da câmera e sabe que isso virar documentário, a fala se torna politizada, porque vai ser pública, então a pessoa vira parte de uma comunidade’. Há uma pertinência ao mundo que se instaura quando você fala para uma câmera, que é um jeito bonito de pensar o documentário.2 O cineasta Eduardo Coutinho diz que basta ligar a câmera para que a pessoa se abra e fale de si para o mundo. Esta aproximação é necessária para que a câmera se transforme em uma espécie de confessionário. 2 Entrevista concedida por Miriam Chnaiderman a Márcio Seindenberg. “Cabeça sem teto – Travessias”. Revista Ocas, nº66, julho/agosto de 2009, p.8-13. 325 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso Mas precisamos ler as experiências de Coutinho e também assistir a seus documentários para compreender as técnicas e as formas que utiliza para chegar às pessoas. Segundo Lins (2004, p. 103), Coutinho usa a pesquisa como método e “a seleção daqueles com quem o cineasta vai conversar é feita a partir de relatórios escritos, conversas com os pesquisadores e algumas imagens realizadas pela equipe”. Neste ponto é importante ressaltar a pesquisa e os encontros antecipados. O texto de Roberto DaMatta (1978) intitulado “O o ício do etnólogo, ou como ter anthropological blues” ajuda muito a entender onde o pesquisador pode buscar os depoimentos e como deve se colocar diante da história que não faz eco ao seu mundo. Muitas vezes, ouvimos depoimentos com os quais não concordamos. Ou histórias de vida que não são parecidas com as nossas. Neste momento o mais importante é o respeito à história do outro e às suas crenças. DaMatta (1978, p.23-35) de ine em três fases o o ício do etnólogo. A primeira é caracterizada pela pesquisa exaustiva. A segunda fase é prática: como vou realizar as observações necessárias para uma boa entrevista? Como chegarei até lá? Como vou me apresentar? A fase inal, a terceira, ele chama de pessoal e existencial. Nela, estamos concretamente diante do entrevistado. E completa: quem deseja vestir a capa de etnólogo precisa aprender a realizar uma dupla tarefa, que é transformar o familiar em exótico e o exótico em familiar. Acreditamos que essas fases descritas por DaMatta podem auxiliar o estudante de comunicação a melhor compreender o processo de registro das histórias de vida. No projeto de extensão em questão, estabelecemos que o primeiro encontro objetiva constituir um per il do entrevistado. Mas serão necessários outros quatro encontros, pelo menos, para que possamos estabelecer con iança mútua e praticarmos, de fato, a chamada entrevista dialógica. Vilas Boas (2003, p.15) a irma que uma boa dose de digressão pode ajudar nesta hora: é preciso ir mais longe, distanciar-se do óbvio e tratá-lo com profundidade, o que sempre resulta num olhar mais perplexo diante dos acontecimentos. 326 Identidade, histórias de vida e memória No livro Diante da dor dos outros, Sontag (2003, p.63) também pede este olhar diferenciado: “o outro, mesmo quando não se trata de um inimigo, só é visto como alguém para ser visto, e não alguém (como nós) que também vê”. Na obra, Sontag faz re lexões a partir de imagens de guerra, de violência, mas sua proposta pode ser estendida a todo tipo do olhar no cotidiano. Sobre a arte de narrar, Bernardet faz a seguinte a irmação: A narração é papel fundamental na dinâmica da produção de si e na ixação do sentido da vida. Vista desta forma, a identidade é a história que cada um se conta. Paul Ricoeur é taxativo: a identidade individual se constrói de um modo narrativo. O processo de construção de identidade é um processo narrativo. O essencial para o ‘eu’ é o diálogo entre a experiência vivida e o relato.3 Transmitir informação, pesquisar, expressar opiniões sobre o mundo que compartilhamos, colaborar na construção da imagem do outro, são ações que demandam esforço e senso de responsabilidade. É fundamental compreender que participamos dessas ações como comunicadores. Trata-se de um ato social, por meio do qual dirigimos nossos pensamentos para a esfera pública. Esta é uma percepção fundamental no momento em que produzimos uma reportagem ou estruturamos um documentário. Métodos e processos utilizados na captação das histórias de vida Produzimos os vídeos e programas de rádio a partir de uma unidade visual e textual proposta aos estudantes que participam do processo de captação das histórias de vida. O modelo proposto pressupõe a transcrição total da entrevista antes da edição inal em vídeo e rádio. Se o trabalho for realizado em equipe, é necessário que 3 BERNARDET, Jean Claude. “Coutinho e Paul Ricoeur”. Disponível em http:// jcbernardet.blog.uol.com.br/arch2010-06-20_2010-06-26.html. Acesso em 12 jul 2010. 327 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso uma pessoa ique encarregada da transcrição com os códigos de tempo (T.C., ou time code). Em seguida concebemos uma cartela no gerador de caracteres, registrando quem conta, a partir de onde e a qual período se refere à história contada. Neste momento o entrevistado se apresenta: “Eu sou ____, moro aqui há ___ tempo e vou contar para vocês ______”. A história de vida deve ser intercalada entre quem conta e quem apresenta. O microdocumentário é concluído com os dois se despedindo. No planejamento e realização dos microdocumentários, consideramos três etapas como essenciais: 1ª etapa: Pesquisa e produção de conteúdo, de inição de tema, levantamento de informações, escolha de entrevistados, preparação de roteiros de perguntas (nas quatro partes acima citadas: história de vida, espaço geográ ico, interações com o entrevistado - dentro de campo e fora de campo; momento signi icativo); autorização para uso de imagens e preenchimento dos dados de identi icação. 2ª etapa: Tratamento e preservação do conteúdo, transcrição e edição de entrevistas, digitalização de imagens, catalogação de material. 3ª etapa: Divulgação e uso do conteúdo, incluindo disponibilização de acervo integral e elaboração de produtos (sites, televisão, exposições e futuramente um livro). O registro em rádio e vídeo pressupõe, em síntese, os seguintes processos: - Pesquisa; - Confecção de linha do tempo (4 partes); - Organização dos dados levantados; - Análises; - Mapeamento de depoentes (mapa); - Realização de pré-entrevista; - Preparação de roteiro; - Gravação; - Transcrição; - Autorização de imagem e som; - Edição e exibição. 328 Identidade, histórias de vida e memória Modelo de icha dos entrevistados para arquivo de imagens: Nome: Endereço: Bairro: Cidade: CEP: Telefones de contato: e-mail: Data de Nascimento (dd/mm/aaaa): Local de Nascimento (cidade/estado/país): Mudanças (origem da família, quantas vezes se mudou): Atividade atual: Ramo de Atividade: Justificativa (resumo da observação de campo / use o verso caso o espaço seja insuficiente): Entrevistador: Data (da entrevista): Esse material é organizado em planilhas e ica disponível para consulta. Uma cópia dos microdocumentários em vídeo é repassada para a TV Universitária, que veicula as produções dentro de sua programação semanal. Os vídeos também são postados no blog do projeto de extensão (http://historiasdevidadorn.blogspot.com/). Considerações ϐinais A maior potencialidade da história oral para a comunicação é registrar a participação do indivíduo como sujeito no processo histórico. Ao abrir um espaço para que as pessoas contem suas histórias, podemos perceber que elas falam de tempos e espaços necessários de serem lembrados e pensados. Neste caminho, nossa tarefa é ouvir, compilar, perceber e compreender as histórias de vida, valorizando-as. Usando como instrumento a entrevista intimista, esperamos abrir mais espaços 329 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso para a memória por acreditar na importância das histórias singulares que se somam à história de todos. Como qualquer documento, porém, uma gravação está sujeita a diferentes leituras e interpretações. O tom de voz, o gestual e a motivação de uma pessoa que dá seu depoimento expressam os mais variados signi icados. Segundo Coutinho (1997), precisamos compreender que existe um interstício entre o murmúrio e o silêncio. Depois de um silêncio intenso sempre nos chegam as melhores palavras. Bosi (1994), da mesma forma, orienta sobre a melhor maneira de se colocar diante da escuta dos narradores de histórias de vida, que não podem escrever, apurar, retocar, refazer ou apagar suas memórias. Para muitos desses narradores, o limite é ísico, considerando-se a idade avançada. Por este motivo, o método da história oral pressupõe disponibilidade de tempo e a realização de vários encontros. De fato, esta é a melhor maneira de ouvirmos uma história de vida. Nas falas de nossos entrevistados constatamos a presença de lembranças de um tempo vivido e vivo. Muitos silêncios aparecem, enquanto os narradores fazem o percurso de volta ao tempo passado, ao tempo da infância e da juventude, percorrido no espaço dialógico que se estabelece entre as perguntas e as respostas. O senhor Ariosto, entrevistado por Bosi (1994, p.39) no livro Memória e sociedade, sinaliza para o sentido dessas histórias recuperadas do anonimato: “veja, hoje minha voz está mais forte que ontem. Já não me canso. Parece que estou rejuvenescendo enquanto recordo”. Em síntese, o que buscamos com este trabalho é o aprendizado que nos quali ique para a tarefa de ensinar a ouvir em um mundo que privilegia os silêncios das histórias de vida. Referências BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Cia das Letras, 2003. 330 Identidade, histórias de vida e memória ______. “Coutinho e Paul Ricoeur”. Disponível em <http://jcbernardet.blog. uol.com.br/arch2010-06-20_2010-06-26.html.>. Acesso em 12 jul 2010. COULON, Alain. Etnometodologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994. COUTINHO. Eduardo. “O cinema documentário e a escuta sensível da alteridade”. In: Projeto História (Ética e História Oral). São Paulo: PósGraduação em História da PUC/SP, nº 15, abril de 1997. DAMATTA, Roberto. “O o ício de etnólogo, ou como ter anthropological blues”. In: NUNES, Edson Oliveira. A aventura sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1978. DUARTE, Neide. “Caminhos de uma repórter: realidade viva da rua pulsa entre palavra e imagem orquestradas na reportagem”. In: Revista Comunicação e Educação (ECA/USP), nº 22, ano VIII, 2001. LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: TV, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. MEDINA, Cremilda. A arte de tecer o presente. São Paulo: Summus, 2003. _____. Entrevista: O diálogo possível. São Paulo: Ática, 1995. MONTENEGRO, Antonio Torres. “História oral e interdisciplinaridade: a invenção do olhar”. In: SIMSOM, Olga R. de M. (org.). Os desaϔios contemporâneos da história oral. Campinas: Centro de Memória, 1997. NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Ed. Papirus, 2005. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991 331 Maria Angela Pavan, Maria do Socorro Furtado Veloso SEINDENBERG, Márcio. “Cabeça sem teto - Travessia”. Revista Ocas, nº 66, julho/agosto de 2009, p 8-13. SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Cia das Letras, 2003. TALESE, Gay. Fama e anonimato. São Paulo: Cia das Letras, 2004. THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 2002. VILAS BOAS, Sergio. Perϔis e como escrevê-los. São Paulo: Summus, 2003. 332 Seguridad, violencia y medios. La construcción de un abordaje metodológico desde la perspectiva de comunicación y ciudadanía Susana M. Morales Las preocupaciones que dan origen a este trabajo, se relacionan con la experiencia de una serie de procesos de intervención vinculados a la problemática de la política de seguridad desarrollada por el Estado cordobés1, y la detención permanente de jóvenes de algunas zonas de la ciudad a través de la implementación del Código de Faltas2 como principal herramienta legal. 1 2 Las distintas intervenciones se realizaron en la zona sudeste de la ciudad, donde funciona la Red Social de la Quinta, una red que nuclea a más de 30 organizaciones e instituciones en la zona sudoeste de la ciudad, caracterizada como “zona roja” en los mapas policiales, y que hoy se reconoce como uno de los ámbitos de producción y venta de droga más importantes de la ciudad. Se realizaron como integrante de la Asociación Casa del Liberado, y luego a través del inanciamiento del Programa Nacional de Voluntariado, junto a un equipo de estudiantes universitarios de las carreras de Derecho y Comunicación Social. El uso arbitrario del Código de Faltas por parte de la Policía de la Provincia de Córdoba, constituye el instrumento legal utilizado el despliegue de una política de seguridad vinculada a la doctrina de la Tolerancia 0. El incremento exponencial de detenciones por Código de Faltas desde al año 2005, en este 333 Susana M. Morales En este proceso, partimos de la idea de que una política por la cual aquellos sectores que viven las situaciones de inseguridad más contundentes, – la seguridad entendida como la plena garantía de derechos sociales, junto aquella restringida a la cuestión de la criminalidad-, son también víctimas de la aplicación de políticas de seguridad que se sostienen en el desconocimiento y vulneración de derechos fundamentales. El desarrollo de la intervención se articuló con la re lexión en torno a las condiciones para intervenir públicamente en un debate que se sustenta en las demandas de los sectores medios y altos de la sociedad cordobesa, con un alto contenido discriminatorio y que a su vez, se inscribe sobre una larga trama histórica de de inición del otro como enemigo interno. Para ello, consideramos que recuperar las experiencias, miradas y necesidades de otros actores sociales en torno a ese difuso núcleo de problemas al que se denomina seguridad/ inseguridad, permitiría ponerlos en común para ampliar los ejes del debate público. De este proceso, enormemente estimulante por los desa íos que presentaba, aparecieron dos elementos que me parecieron especialmente signi icativos: Por un lado, la profunda exterioridad que los jóvenes de la zona viven respecto de la ciudadanía y los derechos. Es decir, para estos jóvenes de barrios populares la diferencia entre legalidad / ilegalidad sentido, constituye una práctica inconstitucional, ya que no se asienta en acciones de los sujetos detenidos, sino en su supuesta peligrosidad, en iguras que no de inen conductas claras, como el merodeo; y en un sistema por el cual es la misma institución policial la que resuelve la detención, actúa como testigo y juzga la conducta, quedando a su entera discrecionalidad. Durante la primera mitad del año 2005 se realizaron 8.978 detenciones a través del Código de Faltas, mientras que en el año anterior, completo, se registraron 5.201. Es decir, que ya era posible prever al menos la triplicación durante el año completo. En el año 2007, se informaron 15083 detenciones, por Código de Faltas y hasta agosto de 2008, 9300 (lo cual proyecta casi 18000 para ése año). Cabe aclarar la di icultad de conseguir información sobre el tema, ya que la Policía evita sistemáticamente responder todos los pedidos de informes de personas e instituciones. 334 Seguridad, violencia y medios no es sustantiva, ya que se mueven constantemente entre ambas y sin con licto alguno. De trabajos formales precarios, a actividades informales y de ahí, a actividades ilegales, es un vaivén constante de inido por sus condiciones de vida y por las posibilidades de acceso. A su vez, su experiencia del Estado es la presencia de la policía, a la que se le reconoce fuerza y poder, pero de ninguna manera legitimidad. Una experiencia vinculada a la arbitrariedad permanente tanto de la policía como de la Justicia en general, impide reconocer a la norma más que en aquello instrumental que puede servirles en la resolución de diferentes situaciones. El derecho constituye un lenguaje, una herramienta para enfrentar diferentes situaciones, pero no es un uso vinculado a un reconocimiento de su calidad de ciudadanos, sino más bien un objeto que puede ser usado de manera hábil en situaciones determinadas. Por el otro, las di icultades para reconocer situaciones de arbitrariedad en términos colectivos, sólo se ponen en cuestión en el momento de asumir una intervención pública. Es decir, una ambivalencia frente al discurso mediático y estatal policial, entre el reconocimiento de una situación injusta o una nominación perjudicial sólo en términos individuales que impide reconocerlo como parte de una situación compleja para el común y para los semejantes, legitimando esos discursos para todos aquellos que no pertenezcan núcleos cercanos. En este sentido, los avances en el reconocimiento de una situación en común fueron aquellos en los cuales decidieron asumir una palabra pública, que sumada a la impotencia que genera el tema, permite el reconocimiento de un nosotros más amplio al que se puede le puede hablar como parte del mismo con licto. Desde estos interrogantes, me fui acercando al Programa de Comunicación y Ciudadanía del CEA, espacio desde el cual hoy estoy trabajando. En este camino, la posibilidad de construir un abordaje desde de la articulación entre comunicación y ciudadanía para abordar estos problemas, me permite recuperar diferentes dimensiones del problema de modo tal de poder resolver algunas de las discusiones que se plantean a la hora de reconocer la producción en torno a la relación 335 Susana M. Morales entre seguridad, violencia y medios en el campo de los estudios de comunicación en Latinoamérica, en la elaboración de políticas de comunicación y de proyectos de intervención en el tema. Pensar desde esta articulación conceptual, tal como se trabaja desde el Programa y complejizada por la particularidad a la que nos enfrentan los procesos sociales vinculados al crecimiento de la violencia y el debate sobre la seguridad, permite reconocer que la noción de ciudadanía puede constituir una llave para dar cuenta de la relación entre diferentes dinámicas y ámbitos sociales. Por un lado, permite reconocer la dinámica por la cual se rede ine la relación con el Estado y las formas de estar juntos: tanto en lo que hace a la dimensión formal vinculada a la tradición liberal que entiende a la ciudadanía como protección de los derechos del individuo frente al Estado, como en aquellas tradiciones que la entienden como práctica de demanda y reconocimiento de derechos frente a cualquier poder. De este modo, entre aquello que alude la tradición liberal a esta idea no formal de la ciudadanía, es posible restituir una preocupación en torno a la relación entre el Estado y la constitución simbólica de los sujetos de derecho y sus formas de reconocimiento y visibilización en el espacio público. En este tema en particular, la ciudadanía en tanto dimensión normativa cobra importancia no sólo como regulación formal, sino en tanto el estatuto de ciudadano constituye el límite al uso de la violencia estatal (ordenada centralmente en la formulación y usos del Código Penal y el Código de Faltas). La de inición del individuo como sujeto y objeto de derecho, tiene un funcionamiento contundente en el tema que nos importa, ya que en la de inición de esa relación se pone en juego el alcance de la ciudadanía, su universalidad y la capacidad estatal de de inir conductas para actuar, sea en su costado represivo o sea mediante la inclusión a través de políticas sociales, por tomar dos aspectos que aparecen de manera permanente como caminos antagónicos en los debates sobre seguridad. Por último, la vinculación clásica entre el ciudadano y el habitante de la ciudad, recupera vigencia. Por un lado, porque la constitución del 336 Seguridad, violencia y medios sujeto moderno está directamente vinculada a la experiencia de la vida urbana como espacio de máxima intensidad de los vínculos sociales, pero a su vez porque recupera de la polis griega la idea de construcción de lo público por parte de los ciudadanos, entendidos como aquellos que participan de esa vida común y tienen el derecho a hablar entre iguales. En este sentido, toda vez que la discusión sobre seguridad y violencia tiene como escenario la vida en la ciudad y sus transformaciones, así como una forma de comprender los vínculos sociales en ella, la pregunta en torno a quiénes pueden ser interlocutores en la compleja relación entre vida urbana y medios masivos constituye un dimensión central. A su vez, porque es imposible comprender las transformaciones de los medios masivos de comunicación, sin comprender los cambios en las formas de habitar la ciudad y de construir el espacio de lo público. Seguridad y violencia, los procesos que abren preguntas. La problemática presentada tiene hoy particular relevancia en los estudios de comunicación y en las ciencias sociales en general. En América Latina, los desarrollos referidos al tema, la producción académica en circulación, su presencia en seminario y congresos, dan cuenta de la emergencia del problema de manera difusa, con un interés sostenido, aunque sin un debate explícito en términos de perspectivas y abordajes, y una serie de zonas grises que es necesario discutir. De allí, desde la constatación de la centralidad que está tomando el tema en las ciencias sociales en general y en los estudios de comunicación en particular, aparece la necesidad de construir una perspectiva desde la cual abordar la multiplicidad de textos de manera productiva. En términos generales, la seguridad y la violencia se vuelven objeto de distintas ciencias sociales por la preocupación social y política que cobra la inseguridad vinculada al aumento de determinados tipos de delito. Sin embargo, una vez que se indaga en la proliferación de textos sobre el tema, aparecen una serie de cuestiones que permiten plantear que se asiste a modi icaciones mucho más profundas: las nuevas 337 Susana M. Morales violencias que se reorganizan según nuevos parámetros por fuera y por dentro del Estado (REGUILLO, 2007; GAYOL, KESSLER, 2002; CARDIA, 2001), una relación de desconocimiento de la legitimidad del binomio legal / ilegal por parte de amplios sectores sociales – jóvenes de sectores populares en particular- (KESSLER, 2004); REGUILLO, 2002; ALARCÓN, 2003), y la centralidad que cobran las dimensiones emocionales frente a la racionalidad moderna a la hora de plantear la cuestión de la seguridad (REY, 2005; REGUILLO, 2003; MALAGUTI BATISTA, 2004). La incorporación de la problemática de los medios de comunicación como productores o causantes de estados de inseguridad por parte de otras disciplinas (ZAFFARONI, 1989; ROTKER, 2001, ANIYAR DE CASTRO, 2002), las formas de representación y comprensión de las violencias (CALZADO, 2008; ROTKER, 2001; MORAÑA, 2001), el problema de la existencia o no de una opinión pública en torno a la cuestión (REY, 2005; PÉCAUT, 2004), ponen de relieve aquello que la criminología crítica denomina como la dimensión subjetiva de la inseguridad3, dimensión que instalaría una demanda de mayor accionar punitivo del Estado (ANIYAR DE CASTRO, 2002). Por otro lado, se plantean las transformaciones estructurales que asociadas a la implementación del neoliberalismo, se reconocen desde diferentes miradas como el origen de este problema: no sólo por los enormes sectores sociales que quedan por fuera de las posibilidades de inclusión (ISLA Y MIGUEZ, 2005; FONT, 2008), sino también por la enorme brecha entre posibilidades de consumo e imposibilidad de acceso (FONT, 2008), por la apertura de redes económicas informales e ilegales que plantean sus propias 3 Si bien la distinción entre inseguridad objetiva y subjetiva es operativa a la hora de debatir la distancia entre los índices de victimización y la idea de una inseguridad omnipresente, es una distinción que arrastra buena parte de los problemas del marxismo ortodoxo en relación a la distinción entre estructura y superestructura. A su vez, la siempre oposición de una dimensión objetiva, o de los índices de criminalidad, no supone en absoluto una respuesta a la complejidad de un problema que, tal como se plantea, desborda como sensación el miedo a ser victimizado. 338 Seguridad, violencia y medios reglas de juego respecto del uso de la violencia (crimen organizado y narcotrá ico) (REGUILLO, 2006; SANJUAN, 2003; ISLA Y MIGUEZ, 2002; LEÓNGOMEZ, 2001), por la autonomización de las fuerzas de seguridad policial respecto de los lineamientos de políticas estatales y de un Estado de Derecho en una con iguración que las coloca frente al auto inanciamiento y lógicas paralegales de funcionamiento (SAÍN, 2001; HUGGINS, 2001). En este sentido, la cuestión de la seguridad también nombra una idea extendida en torno a la incapacidad del Estado para hacer frente a las violencias, (REGUILLO, 2005; KESSLER, 2010) como desborde del aparato de seguridad estatal que colapsa las formas convencionales para enfrentarlas junto con la descon ianza creciente de los actores frente a los operadores y garantes institucionales de la seguridad en las ciudades (MORALES, 2008; KESSLER, 2005). Y la violencia, que se experimentaba como un dato lejano, estadístico, pasa a formar parte de la experiencia cotidiana de la vida en la ciudad (REGUILLO, 2005; MARTIN BARBERO, 2003; ROTKER, 2001). Así, diferentes autores plantean que la amenaza constante, la naturalización de la experiencia de la víctima generan la precarización de la vida pública y la erosión de la ciudadanía (REGUILLO, 2007; SANJUAN, 2001) A su vez, las respuestas y propuestas en términos de políticas públicas, oscilan entre dos polos. Aquellas respuestas que plantean disminuir los índices de violencia y delito con políticas de “mano dura”, aumento del control punitivo y reformas legales que lo habiliten; y aquellas que sostienen que la inclusión y garantía de los derechos sociales básicos de los individuos bastaría para disminuir los índices de delito y violencia social (CELS, 2002). Es esta proliferación de temas y problemas que aparecen al momento de realizar una lectura de la producción académica sobre la cuestión la que impone la necesidad de construir una perspectiva de abordaje que rompa con las nociones que de manera evidente aparecen asociadas a la cuestión de la seguridad. En este sentido, se plantea la construcción de un abordaje que permita romper con el sentido común que atraviesa la producción académica asociado a la idea de seguridad y 339 Susana M. Morales su relación con los medios, tratando de dar cuenta de la historicidad de los conceptos y de los contextos en los que se producen (SODRÉ, 2004). Es decir, que pueda reconocer en la emergencia de esta problemática, transformaciones y procesos sociales más amplios y complejos, dentro de los cuales la mediatización de la sociedad constituye un elemento fundamental. Así, la articulación entre comunicación y ciudadanía, modi ica los términos del debate, ya que pone de relieve el modo de aparición de los individuos en el espacio público, relacionado a su vez con las transformaciones de las formas tradicionales de representación y acción colectiva, así como con la centralidad de los medios y tecnologías de información en la constitución de esa esfera pública4. Pero a su vez, una indagación respecto de la problemática de la ciudadanía, habilita a pensarla como una noción que articula diferentes dimensiones de la vida social que- tal como planteamos en la introducción- son constitutivas de nuestro debate, en tanto expresa la tensión entre lo jurídico institucional y la emergencia de los sujetos en el espacio de lo público. Por otra parte, una indagación respecto de la historicidad y las diferentes tradiciones a las que remite la noción de ciudadanía, permite a su vez incorporar la compleja relación entre medios masivos y espacio urbano, en tanto materialidades diferentes del espacio público. Diálogos y debates con los estudios de comunicación: cuando la tradición condiciona las preguntas. La relación de los medios con la violencia constituye una de las preocupaciones fundantes de nuestro campo de estudios en torno a la pregunta sobre los efectos de la propaganda. La aparición de dispositivos técnicos que hacen posible la transmisión en masa se vuelve objeto de preocupación al tiempo que sus primeros usos son asociados a contextos de guerra (MATTELART, 1998). Y es posible plantear que la mirada en 4 Programa Seminario de Comunicación, Ciudadanía y Movimientos Sociales 340 Seguridad, violencia y medios torno a los medios y la violencia viene arrastrando, en buena medida, la persistencia de una mirada sobre los efectos (REY, 2005). A medida que la temática de la seguridad fue ganando espacio en el debate social, en los medios y en las políticas públicas, los estudios de comunicación fueron construyendo diferentes abordajes. La pregunta en torno a si son los medios los que construyen la sensación de inseguridad o si la inseguridad es un fenómeno mediático está en el horizonte de buena parte de estos debates. Tal como se planteó en la introducción, muchos de estos trabajos, miran la temática desde perspectivas preexistentes. Si retomamos el estado de la cuestión realizado por Germán Rey en “El cuerpo del delito”5, se puede decir que los abordajes comunicacionales sobre el tema, pueden ser leídos en su mayoría desde dos grandes perspectivas en las que el tópico central tiene que ver con la producción de los medios: por un lado, aquellos que intentan dar cuenta de la in luencia de los medios en comportamientos violentos, en tanto generadores de violencia. Por el otro, los que tratan de dar cuenta de las formas en que los ciudadanos se representan y comprenden la seguridad, en los que adquieren centralidad las representaciones de la violencia y sus transformaciones. Según ese mismo trabajo, es posible reconocer una tercera perspectiva, más vinculada a la comunicación en torno a la construcción de proyectos de seguridad en los que la participación ciudadana y el debate público se consideran los pilares de una política más democrática, generalmente ancladas en las formas de difusión y otras perspectivas instrumentales sobre el uso de los medios masivos para incidir en los estados de inseguridad (REY, 2005). Si rastreamos la producción que toma como objeto la violencia y la seguridad en sus diferentes aristas en el campo de los estudios de comunicación en Argentina, los trabajos que han abierto la problemática 5 Rey, Germán. “El cuerpo del delito. Representaciones y narrativas mediáticas de la (in)segumedátridad ciudadana.” en www.c3fes.net Centro de Competencia para la Comunicación 341 Susana M. Morales se han concentrado – en su mayoría- en las representaciones sobre la violencia en los medios. Si bien las búsquedas teórico metodológicas en torno al tema continúan y se actualizan de manera permanente en el campo de estudios de la comunicación, creo que frente a la caracterización general de los trabajos que abrieron camino en la temática existen otros que sí pueden sustraerse de la cuestión de la representación mediática de la violencia, para plantear cuestiones más amplias vinculadas a las transformaciones sociales de las que esa representación da cuenta. Entre ellos, el de Mercedes Calzado, que en su Elementos para el análisis del tratamiento mediático del caso Axel Blumberg, abre cuestiones vinculadas a la relación entre víctima y ciudadano en esas manifestaciones, o en el libro Muertes Silenciadas, La eliminación de los delincuentes, coordinado por Alcira Daroqui, que intenta dar cuenta del entramado social e institucional, de la articulación entre discursos y prácticas de los medios de comunicación, la agencia judicial y la policial. En estos trabajos, aparece la necesidad de articular, con diferentes propuestas, el análisis de los medios con otras dimensiones de la vida social. Por otro lado, existen tres trabajos que consideramos centrales para abrir interrogantes desde una perspectiva como la que nos interesa formular en este trabajo, incluso en debate con ellos. En ellos, la pregunta en torno al lugar de los medios en este proceso, problematizando de manera más o menos explícita la cuestión, tiene que ver con una indagación que excede a la misma producción mediática, a la que se interroga desde diferentes problemas vinculados a las transformaciones de procesos sociales: las transformaciones de las representaciones de la seguridad en los medios en torno a una transformación en “las expectativas de la sociedad sobre el delito, la naturaleza de las fuentes, el procesamiento de la información que se divulga, las modalidades de los crímenes y el per il de los actores” (REY, 2005, p. 71), que darían cuenta de las modi icaciones en la sociedad en la que se cometen los delitos y de una variación radical de la vida urbana a la que se le asocian, así como las formas que toma su narración pública (REY, 2005, p. 71). Por otro lado, 342 Seguridad, violencia y medios la problemática de la ciudadanía y la violencia junto a las di icultades para construir un relato socialmente compartido sobre las violencias (ROTKER, 2000) y el miedo como organizador sociocultural en sus diferentes anclajes urbanos y mediáticos (REGUILLO, 2000). A partir de la lectura de estos materiales, aparecen algunos de tópicos que se abren para la discusión: - La discusión en torno al lugar de los medios en la vida social: aún cuando se analizan representaciones mediáticas, la idea de una centralidad de los medios o de una sociedad mediatizada, constituye un tópico permanente que por su generalidad no aporta elementos para entender a qué tipo de proceso social se hace referencia ni en qué marco de comprensión se ancla. Así, las di icultades y diferencias para plantear cuál sería el lugar de los medios en la vida social, su relación con otras lógicas sociales y cómo se entiende en particular su accionar en relación a la problemática de la seguridad, es un elemento que recorre buena parte de estos textos. - La cuestión de la ciudadanía también emerge como tema o como referencia general. Sin embargo, podemos decir que la introducción de esta temática arrastra una de las labilidades de la articulación entre comunicación y ciudadanía que se analizaron desde el Programa de Comunicación y Ciudadanía: diferentes usos, con escasa profundidad y “con una correlativa indeterminación de la noción de comunicación con que ella se articula en cada texto o propuesta”6. A su vez, los diferentes problemas que distintos autores de inen como constitutivos de la cuestión de la seguridad y la violencia, suponen poner en cuestión las características mismas de la ciudadanía, tal como está de inida tanto en las vertientes juridicistas como en aquellas más vinculadas a una idea de ciudadanía como forma de aparición en el público. En este sentido, es necesario reconocer las referencias a diferentes tradiciones y concepciones sobre la ciudadanía, así como aquellos elementos vinculados al debate sobre seguridad que interroga a estas nociones en sus fundamentos 6 Programa del Seminario: Comunicación, ciudadanía y movimientos sociales 343 Susana M. Morales mismos. Porque es en este tipo de indagación en la que se podrá plantear hasta qué punto es posible acudir a estas diferentes tradiciones y analizar si pueden o no ser consideradas como diferentes dimensiones de nuestro problema o hasta qué punto pueden ser relacionadas. - Por otra parte, aparece la cuestión de la ciudad de manera inescindiblemente vinculada a los procesos de comunicación y a las transformaciones que plantea la cuestión de la seguridad, los medios y la violencia; y a la de inición misma de la condición del ciudadano. En este sentido, es posible recuperar tanto aquellos estudios que de inen al ciudadano como habitante de la ciudad, como aquella dimensión que alude a las transformaciones de la socialidad en la vida urbana. Así, la necesaria precisión sobre la relación entre ciudad y ciudadanía, y especí icamente la que se de ine en los procesos vinculados a la cuestión de la seguridad y la violencia, constituye otro de los interrogantes desde los cuales pensar la construcción de este abordaje. - Otro de los elementos que nos trae esta discusión tiene que ver con la con iguración y las transformaciones del espacio público, así como con sus conceptualizaciones. Es posible a irmar que en aquellos trabajos sobre violencia y seguridad, la noción de espacio público arrastra las mismas indeterminaciones que la de ciudadanía: así, es posible reconocer la noción de espacio público tanto en referencia a la dicotomía visible / invisible, como a la distinción público / privado, usadas en muchos casos de manera indistinta, del mismo modo que una referencia a un espacio vinculado a lo común, a lo que es accesible a todos. De este modo, también es necesario considerar cómo la cuestión de la representación de las violencias y el debate sobre la seguridad enfrentan al problema de la relación entre ciudadano y víctima como dos formas casi opuestas de aparición y acción en el espacio público. - De la indeterminación anterior, surge también la referencia a la opinión pública como un concepto ambiguo. A veces, haciendo referencia a la opinión como aquella acumulación construida a través de encuestas, otras al modelo habermasiano, mientras que otras remiten a ese estado psicosocial planteado por las corrientes norteamericanas. 344 Seguridad, violencia y medios - Del mismo modo, se vuelve necesario profundizar el análisis del vínculo de este espacio público con la dimensión jurídica y estatal de la ciudadanía, que tal como planteamos antes, se vuelve central en este problema ya que están íntimamente ligadas con la forma de regulación del con licto social. Y porque nos ata directamente a la cuestión normativa. Incluso, si como se desprende de buena parte de estos estudios, estas formas de representación de la violencia pueden ser leídas en el marco de una demanda de aumento del castigo, nos conducen directamente a preguntarnos por el lugar de las normas, de las instituciones y su funcionamiento estatal en nuestras sociedades. - Los estudios de comunicación que recuperamos como apertura de otros problemas, plantean como eje las transformaciones en la socialidad, en las formas de estar juntos como uno de los elementos centrales de las transformaciones de procesos sociales a los que asistimos. Sin embargo, esa referencia a la socialidad como salida a una idea de determinación mediática respecto de la sensación de inseguridad, no necesariamente hace alusión a las mismas transformaciones, por lo cual, también es necesario indagarlas. Así, es posible reconocer que estos textos, así como abren nuevas dimensiones para el problema que nos interesa ya que intentan superar el análisis de las representaciones de los medios, que incluso ya contienen algunas de las discusiones que aquí se plantean, también marcan la apertura de debates pendientes y precisiones necesarias respecto no sólo de la articulación entre comunicación y ciudadanía sino también respecto del lugar de los medios en la vida social. Seguridad y ciudadanía: los debates centrales Un recorrido histórico por la noción de seguridad permite reconocer hasta qué punto está atravesada por los procesos de constitución de ciudadanía. En términos de Castel, “La inseguridad no es un dato inmediato de la conciencia, por el contrario, va de la mano de con iguraciones históricas diferentes, porque la seguridad y la 345 Susana M. Morales inseguridad son relaciones con los tipos de protecciones que asegura o no una sociedad: hoy, estar protegido también es estar amenazado” (CASTEL, 2004, p. 12). Históricamente, la seguridad estuvo asociada a dos elementos, según este autor. Por un lado, la construcción de aquello que denomina como seguridad social, la garantía por parte del estado de derechos sociales que amplían la noción de ciudadanía, mientras que disminuyen los riesgos asociados a la vida en común. Es decir, vinculada a la construcción del estado bienestar que a través del trabajo, como soporte básico de inclusión social, de inía la posibilidad de acceso a estos derechos. Y por otro, a la seguridad civil, que garantiza las libertades fundamentales y la seguridad de los bienes y las personas en el marco de un Estado de Derecho. La actual reducción de la noción de seguridad a la seguridad civil que recorre el sentido común y las políticas públicas, supone también la reducción de los límites del Estado en el uso de la violencia y su poner punitivo. Pero tal como planteamos al principio, aquello que nombra la cuestión de la seguridad, aún en su sentido restringido, tiene que ver con procesos sociales complejos que le dan sentido a la centralidad que adquiere la cuestión del delito urbano. Este conjunto amplio de problemáticas, son las que permiten plantear que lo que se rede ine son los marcos conceptuales y políticos de la ciudadanía, tanto para los debates teóricos como respecto de su estatuto efectivo para un conjunto amplio de ciudadanos. La cuestión de la seguridad y la violencia nos enfrentan a las diferentes nociones y tradiciones respecto de la noción de ciudadanía. Sobre todo, porque como expresión del con licto, pone en duda los fundamentos mismos de la modernidad, ya que plantea hasta qué punto el pacto social es una construcción y la racionalidad muestra sus límites. La necesidad de profundizar una indagación en torno a esta noción, tiene que ver con que puede constituir un punto de articulación entre diferentes dimensiones de la vida social, a partir de la cual comprender las transformaciones que nombra, de manera difusa, la cuestión de la seguridad, para poder situar una forma de comprensión del accionar de 346 Seguridad, violencia y medios los medios y sus implicancias en las formas de aparición de los sujetos en el espacio público. Es necesario, entonces, explicitar la centralidad de la noción de ciudadanía frente a las críticas de las que ha sido objeto: por un lado, podemos reconocer una serie de críticas vinculadas a la idea moderna de Estado que ella supone. Así, por ejemplo, Michel Maffesoli planteará que frente a la diversidad y reconocimiento de la diferencia en términos de derechos propios de la sociedad posmoderna, cuestiona la noción en tanto búsqueda cuyo fundamento es el universalismo, que plantearía una sola forma de socialidad, homogeneizando las formas de ejercicio de lo político. Para el autor, la posmodernidad pone el eje en el reconocimiento de la diferencia en términos de derecho (MAFFESOLI, 2000). Sin embargo, consideramos con Manuel Garretón que las posibilidades de ejercicio de la ciudadanía – incluso aquello que se entiende como ciudadanía cultural- está condicionada por las regulaciones en el acceso a los bienes que se ponen en juego en cada ámbito y que es el Estado el actor central en las posibilidades de regulaciones de ése acceso, con capacidad para incidir en relaciones de poder completamente asimétricas como las que hoy caracterizan todo el campo social, generando las condiciones mismas del ejercicio y la práctica ciudadana en sus aspectos formales y sustantivos (GARRETÓN, 1995). Desde otras perspectivas, se pondrá en cuestión la idea misma de Estado de Derecho, contraponiendo una idea de los estados como Estado de Excepción, en tanto situación jurídica de los estados occidentales: así, si el estatuto de ciudadano viene atado a la soberanía de un estado nación –al que la recon iguración global y los importantes procesos migratorios pondrían en duda- la noción de campo con la consiguiente suspensión total de derechos de iniría la situación actual, o habilitaría a pensar en espacios libres de derechos humanos. La di icultad de una lectura de este tipo tiene que ver con el reconocimiento de la productividad vinculada a los procesos de constitución de nuestros estados nación en términos de avances y constitución de derechos, es decir, con reconocer un costado productivo de ése poder. 347 Susana M. Morales Por otro lado, la referencia a un Estado de Derecho, permite una discusión al interior de ése proceso en los términos en que el derecho moderno habilita. Sin embargo, hay quienes asocian esta emergencia de la violencia a una suerte de escenario similar al de constitución de los estados modernos, dada la ruptura del monopolio de la violencia estatal y la recon iguración del poder a nivel global. Sin embargo, como decíamos antes, nunca como ahora el estado penal y su uso de la violencia han estado tan presentes de la mano de reformas legislativas que aparecen como respuestas espasmódicas a unas demandas sociales de castigo, cuando se visualiza el control social como una especie de exorcismo del temor. Por otro lado, existen cuestionamientos respecto de la concepción de ciudadanía sostenida sobre la igualdad formal de los individuos frente al Estado. Desde aquellas que plantean una concepción de ciudadanía vinculada a sujetos activos y no a individuos abstractos (KIMLICKA; WAINE, 1997), hasta aquellas que ponen el acento en la desigualdad económica como principal cuestionamiento de su pretensión de igualdad. Es en esta segunda línea de crítica que la criminología se asienta a la hora de cuestionar el uso de la fuerza punitiva estatal y el tipo de delito sobre el que se descarga, cuando hace referencia a la selectividad del sistema penal. Sin embargo, es esta tradición liberal la que sostiene todo el aparato jurídico institucional que con igura el principal ámbito de comprensión social respecto de las violencias y cuya legitimidad hoy está en juego. Y por eso es necesario traerlo, ya que estos supuestos pensados en relación a las transformaciones que la problemática de la seguridad plantea permiten repensar el lugar del Estado y su legitimidad y monopolio de la violencia, así como en la de inición de la ciudadanía que se pone en juego en esa relación que la tradición juridicista de ine como constitutiva del estatuto ciudadano. Los nuevos movimientos sociales y las nuevas formas de participación han sido uno de los lugares de reactivación del debate en torno a la ciudadanía. Sin embargo, creo que sería pertinente analizar cómo los procesos vinculados a una mayor emergencia de las violencias 348 Seguridad, violencia y medios en nuestras sociedad, así como aquello que de manera difusa se nombra como problema de la seguridad, supone también transformaciones que modi ican los marcos de comprensión de la ciudadanía, en sus dimensiones analíticas pero también en aquello que la rede ine en tanto condición de los individuos que pertenecen a la comunidad política. Comunicación y ciudadanía: las potencialidades de un abordaje complejo Si se toma como punto de partida la emergencia de la noción de ciudadanía junto con el nacimiento de la república en el siglo XVIII, se de inen ciertos rasgos que atraviesan la discusión sobre los temas y problemas que nombra, y sobre los alcances de la de inición en nuestros días. La noción de ciudadanía alude a diferentes concepciones y remite a tradiciones políticas diversas. Entre sus rasgos generales se reconoce la pertenencia a una comunidad política, que de ine su pretensión de igualdad ante la ley y de universalidad. Como un estatus legal establecido por el derecho positivo que de ine al titular de derechos y obligaciones o como condición política de quien está facultado a la creación de normas vinculada a la idea de participación. Entre estos rasgos que marcan una noción pero también una condición política, se plantean algunas de las características que inciden en la noción de igualdad que las sostiene, y por lo tanto lo que de ine sus alcances en términos de universalidad. La relación entre seguridad y ciudadanía es constitutiva del debate y del proceso de conformación de la sociedad moderna. Una importante tradición de la iloso ía política considera que la seguridad – la protección de los individuos frente a la posibilidad de una muerte violenta- es uno de los pilares sobre el que se constituyen los estados nacionales y que su garantía es lo que fundamentaría su monopolio de la violencia legítima. De allí, aparece la fuerza que sustenta la ley, la posibilidad del castigo. Una ley que es el resultado de la violencia que le dio origen. La tradición hobessiana, con diferentes actualizaciones en la iloso ía política, pone en el centro este origen violento frente a un estado de representación de 349 Susana M. Morales guerra entre individuos, una sociedad sin ley. La necesidad de protección será el elemento central para vivir en sociedad, una vez caídos los lazos de protección de las sociedades tradicionales. El Estado asumirá, a su vez, la protección de los más débiles y desprotegidos en términos de seguridad social, un estado de seguridad para proteger a las personas y los bienes. (CASTEL, 2004). Será Locke quien introduzca los fundamentos de un Estado de Derecho que se concentra en sus funciones esenciales de guardián del orden público y garante de los derechos y los bienes de los individuos, sin intervenir sobre la esfera privada. Así, se plantea una aparente contradicción por la cual el Estado de Derecho pone límites a la defensa estatal y al uso de la violencia, o por el contrario, su actuar represivo atentaría contra su con iguración de Estado de Derecho. Sin embargo la contradicción es aparente, ya que la tradición liberal de ine a la seguridad como seguridad de las personas y de los bienes, por la cual, la constitución de los individuos en tanto ciudadanos viene dada por la pertenencia a la comunidad política y su autonomía garantizada por la propiedad. En la tradición liberal, la ciudadanía aparece como la de inición de un individuo como sujeto y objeto de derecho. Así, el contractualismo asocia la noción al vínculo político a través del cual se establece una relación jurídico - institucional entre los habitantes de un territorio y el Estado, estableciendo derechos y obligaciones de la cual ése Estado resulta garante. En esta tradición, la libertad se de ine en dos sentidos: como libertad de la ciudadanía frente al Estado y como protección de los sujetos frente al mismo. El contrato social supone la transferencia de un derecho, su libertad y su poder, y la disminución de los derechos originarios o naturales. “Y el motivo de esa transferencia de derechos no es otro sino la seguridad de una persona humana, en su vida, y en los modos de conservar ésta que no sea gravoso” (HOBBES, 109). Así, el Estado es el depositario del monopolio de la violencia legítima, de donde deviene su capacidad de castigo. Reconocer que en el contractualismo, la renegación de la violencia constitutiva de lo político, tanto de la relación de fuerzas que instituye 350 Seguridad, violencia y medios el pacto, como de la violencia creadora del pueblo (GRUNER, 1997), permite discutir la noción misma de un pacto racionalmente fundado. La noción de ciudadanía estuvo sujeta a importantes revisiones en Latinoamérica, en particular, a la luz de las transformaciones sociales, políticas y económicas vinculadas a la consolidación y profundización del neoliberalismo en nuestros países. Así, fue una de las claves desde las cuales se analiza la crisis de los modos de representación y articulación política: desde las preguntas vinculadas a las nuevas características que asume la participación en un sistema democrático que se concentra en sus dinámicas más estrictamente procedimentales, hasta aquellas vinculadas a los alcances de la ciudadanía cuando se trata de elaborar políticas sociales en un marco de consolidación institucional democrática pero de enorme desigualdad. En este sentido, es una noción cuyo debate tiene profundas implicancias ya que como de inición de estatuto efectivo de los sujetos, de ine las pertenencias, el reconocimiento y ejercicio de los derechos. Porque en este nuevo paisaje atravesado por el uso extendido de la violencia, pero también por transformaciones de prácticas cotidianas, se ponen en juego tanto las formas de estar juntos –aquello referido a la dimensión de la socialidad.- como la relación con el Estado. De un lado, el repliegue en espacios privados de quien sólo puede reconocer su condición de víctima de la violencia como única expresión de vínculo con lo público, con el Estado y con los otros. Y desde otro extremo, quien tiene como única experiencia del Estado, su costado puramente represivo mientras se ausenta de todas las otras áreas de la vida social, que viven al derecho no desde una práctica de ser ciudadanos, titular de derechos y obligaciones, sino como una suerte de exterioridad que lo vuelve pura instrumentalidad, en una relación ambivalente con sus operadores e instituciones. Tal como planteamos respecto de la tradición liberal en la que se construye la noción de ciudadanía, así como en las ciencias sociales en general, la cuestión de la violencia tiene un marco de re lexión siempre vinculado a la legitimidad y, por lo tanto, a su relación con la ley. Y las re lexiones en torno al delito, tienen raíces en la cuestión 351 Susana M. Morales de la normalidad / anormalidad. Así, son el derecho y la criminología quienes han estado a lo largo de todo este siglo pensando en torno a los problemas que hoy nombra la seguridad. Y hoy, a la hora de pensar las implicancias de las transformaciones sociales vinculadas al lugar que se le otorgan a las violencias, estos marcos aparecen como insu icientes y se vuelve necesario revisar los fundamentos del debate de la relación entre ciudadanía y violencia, para poder pensarlo7. A su vez, estos 7 No deja de llamar la atención el hecho de que buena parte de la producción académica sobre seguridad y violencia, recurre a las pasiones – entendidas como aquello que en la iloso ía política de inicios de la modernidad, de inía a la naturaleza humana- En trabajos como los de Rossana Reguillo, o los de Mirta Antonelli en la UNC, uno no puede dejar de preguntarse si la recurrencia a este tipo de marcos conceptuales tiene que ver con el quiebre de racionalidad moderna o con la irrupción de aquello que esa racionalidad no puede contener, o si en todo caso, la construcción de un saber cómo las ciencias del espíritu que luego se constituirán como ciencias sociales, obturaría una comprensión de estos procesos, ya que se vincularía a una racionalidad escindida de la dimensión de lo sensible, de la emoción, del conjunto de experiencias, conocimiento y comprensión que son constitutivas de los sujetos. La referencia continua a este marco, sin plantear las razones, las faltas o las necesidades, nos habilita a interrogarnos sobre sus fundamentos. En un recorrido por diferentes desarrollos, hay quienes asocian esta emergencia a una suerte de escenario similar al de constitución de los estados modernos, dada la ruptura del monopolio de la violencia estatal y la recon iguración del poder a nivel global. Sin embargo, como decíamos antes, nunca como ahora el estado penal y su uso de la violencia han estado tan presentes de la mano de reformas legislativas que aparecen como respuestas espasmódicas a unas demandas sociales de castigo, cuando se visualiza el control social como una especie de exorcismo del temor. La vuelta a la iloso ía política que ata las pasiones a lo constitutivo de lo político, a lo fundante de un pacto cuya racionalidad se asienta en una forma de administración de las pasiones y que recién con Locke buscará ponerle límites a lo absoluto del estado sobre los individuos, por alguna razón pasa por encima de un planteo sobre las disciplinas modernas. Volviendo a la pregunta sobre las razones de no utilizar aquellos aparatos conceptuales que en la modernidad privilegiaron la emergencia de lo no racional, otra vez encontramos a Foucault: “En las ciencias modernas, las pasiones de la edad clásica no se ordenan según una representación primera sino que, al contrario, lo hacen según una dinámica especí ica, con respecto a la cual, las 352 Seguridad, violencia y medios marcos generales no constituyen espacios desde los cuales se interrogue a los estudios de comunicación, en tanto no se profundicen las relaciones entre las formas de representación de un proceso social, constitutivo también de la producción de un orden jurídico institucional legítimo. Si pensamos en los estudios de comunicación, el acercamiento a la problemática de la ciudadanía cuenta con una trayectoria que se abre desde la preocupación sobre la relación entre procesos comunicativos con el espacio urbano como materialidad constitutiva del espacio público. En estas referencias aparece la igura del ciudadano como habitante de la ciudad, donde se de inen también las relaciones de inclusión y exclusión. A mediados de los años 90, la noción de ciudadanía comienza a inscribirse en el contexto de transformaciones políticas latinoamericanas, donde cobran relevancia el problema de la ciudad como espacio público, ísico y simbólico, y las preguntas en torno al lugar de los medios en la vida social. Las transformaciones sociales por las cuales la experiencia de la ciudad se vuelve cada vez más fragmentaria, donde los medios van con igurando esas formas de experimentarla frente a unos vínculos sociales débiles, plantean un problema central en este campo: el de la mediatización de la sociedad. Los medios de comunicación comienzan a ser indagados en relación a las formas de aparición en la escena pública y de nuevos actores en ese escenario. La idea de la ciudadanía en un marco de colectivos integradores en crisis, permite retomar la ciudad como espacio público ísico y simbólico, y a los medios masivos inscriptos en la trama social: así, frente a la debilidad de las formas de socialidad y la amenaza que representa contra las representaciones las pasiones, los afectos, ocuparán una posición secundaria derivada o subordinada”. Foucault considerará al psicoanálisis como una de las dos grandes tecnologías que a ines del siglo XIX se erigieron como asidero de la psiquiatría frente al mundo de los instintos cotidianos, para la de inición de lo anomalía, que junto al aparato judicial tomaron la clasi icación de las acciones para sí, en particular, para explicar aquello que rompe con la ley, como norma codi icada. 353 Susana M. Morales certidumbres cotidianas, los medios masivos empezarán a ser pensados como un ámbito que sutura el sentimiento de desprotección frente a la disolución de lo colectivo. De este modo, la ciudad aparece en el debate vinculada de manera constitutiva a los procesos de comunicación y como espacio público (REY, 1997). Es en los trabajos de este autor donde con mayor claridad se plantea la relación entre ciudadano y portador de un discurso, una articulación que se va modi icando históricamente y que abre a una problematización en torno al lugar que los medios de comunicación empiezan a ocupar en la vida social, y de las mediaciones que van con igurando el espacio común, de las tecnologías en particular. En este sentido, se vincula con aquella perspectiva que plantea que la ciudad moderna, desde la perspectiva de H Arendt, supone que la actividad de los particulares deja de ceñirse al ámbito restringido de lo doméstico para ocupar el espacio abierto y, por tanto, el espacio general del dominio de las instituciones políticas, de donde –según Sergio Caletti – el solapamiento habitual entre lo político y lo público contiene la tensión entre un orden jurídico-normativo y lo que se de ine por el imperio de la irrupción de lo social, por el hecho de su condición de visibilidad ( CALETTI, 2000). En este sentido, la relación entre ciudad y ciudadanía permitiría dar cuenta de las transformaciones de las con iguraciones urbanas, para lo cual, la sociología urbana ya proporciona algunos elementos8. Pero por 8 Una noción que especialmente hace referencia a las con iguraciones urbanas en términos de producción social del espacio en función de la relación centralidad / segregación, es la de derecho a la ciudad. H. Lefebvre lo plantea como un derecho a igurar y participar de las redes y circuitos de comunicación, de los intercambios, de información, en torno a una centralidad como característica del espacio urbano. Así, contra los centros basados en la segregación, reconoce la producción social del espacio. De este modo, aparece como aquello vinculado a la forma de moverse e intervenir en la ciudad como un espacio común. Esa concepción se construye en un recorrido histórico, desde la ciudad griega, considerando las características de esa relación en distintos momentos. 354 Seguridad, violencia y medios otro lado, la idea del ciudadano como habitante de la ciudad, de tradición helénica, es quien tiene derecho a hablar entre iguales, el portador del discurso. Y esa tradición mantiene diferentes líneas de actualización. Etienne Balibar, en esta línea, complejiza esta noción ya que recupera la matriz por la cual la ciudadanía se constituye en la práctica colectiva, vinculada a las cuestiones vitales de la ciudadanía que quedan fuera de las de iniciones tradicionales, ya que se vincula con los fundamentos de la obediencia colectiva que él de ine como derecho a la ciudad. Así, en el debate respecto de hasta qué punto la ciudadanía social se instituyó históricamente por el Estado nación, plantea sin embargo que no es esa pertenencia la que hoy alcanzaría para de inirla. En este sentido, la ciudadanía se de iniría por el derecho a hacerse ver u oír en el espacio público, en la conquista del derecho a la palabra. Y esta conquista supone forzar las barreras comunicacionales y obligar a ver al conjunto social aquello que no quiere ver u oír. De este modo, la forma en que se expresa esa violencia se vuelve importante (BALIBAR, 2004). En este sentido, la recuperación de la irrupción y la idea del derecho a la palabra como conquista frente a una concepción de ciudadano de inida por una condición inherente a los individuos, constituye una idea central a la hora de analizar la relación entre violencia y espacio público frente a aquellas concepciones sostenidas en una suerte de consensualismo o de negación de la politicidad de la violencia sobre la que se erige buena parte del debate en torno a lo político. Comunicación, ciudadanía y violencia En este recorrido, la ciudadanía entendida como el derecho a hablar, nos remite a una tradición diferente a la liberal y juridicista. Lo que podemos denominar como tradición normativa busca un fundamento diferente para lo político y para el Estado, anclado en el discurso y la acción humanos, donde el poder deviene de la acción humana concertada. La ley, su fuerza, se fundamenta en ése 355 Susana M. Morales consentimiento colectivo que funda la república. Así, a diferencia de la tradición liberal, el poder no está vinculado al problema del mando, sino que tiene un fundamento dialógico. La ciudadanía aquí está de inida por la pertenencia a la comunidad política dada por el derecho a hablar. Y la participación será central en el reconocimiento y constitución del ciudadano. Ya no será sólo el Estado quien reconozca y de ina a través del derecho, sino que la ciudadanía se ejercerá en múltiples esferas9. Será el espacio de lo público, entonces, donde los sujetos aparecen y se constituyen como ciudadanos, como sujetos de palabra y acción. En este sentido, constituye una noción central a la hora de indagar la noción de ciudadanía desde los estudios de comunicación para pensar aquellas formas de lo político que exceden lo jurídico estatal, y que en su carácter de ámbito de visibilidad de los sujetos, permite dar cuenta de un espacio de autorepresentación y que, como espacio de interlocución se encuentra en una trama compleja con lo político institucional. En este debate en torno al espacio público, en el que existen diferentes posiciones sobre su conceptualización, estas diferencias aumentan cuando se trata de analizar sus transformaciones. Respecto del modelo habermasiano, es posible reconocer no sólo las críticas formuladas por Fraser10 respecto de la esfera pública habermasiana y las diferentes exclusiones y desigualdades sobre las que se constituye, 9 Así, la distinción y expulsión de la violencia respecto de lo político en la tradición de la iloso ía política que funda esta concepción en torno al espacio público constituye un elemento insoslayable de nuestra discusión, toda vez que se plantea que donde hay violencia no existiría la política. Sin embargo, también es posible reconocer que la violencia como toda práctica social contiene una dimensión signi icante en sí, del mismo modo – y esto es lo que en particular me interesa – supone diferentes formas representación, comprensión y racionalización. Entre ellas, el derecho constituye en las sociedades modernas el modo más importante respecto de sus formas de comprensión al de inir su clasi icación, legitimidad, alcances y límites tanto para los particulares como para el Estado. 10 FRASER, N: Repensar el ámbito público: una contribución a la crítica de la democracia realmente existente. En Debate Feminista, Nº 5, marzo de 1993 356 Seguridad, violencia y medios sino también las críticas a aquellos elementos históricos a partir de los cuales con igura su modelo. Desde otra perspectiva, Nora Rabotnikoff planteará desde este lugar la distancia con estos modelos iluministas sobre el espacio público: “Desde un punto de vista normativo, las democracias de masas y los medios de comunicación colectivos pusieron en duda tanto la viabilidad de la recuperación del un modelo clásico de espacio público como la vigencia de los ideales de la vida pública moderna. De ahí las críticas que nacen de una promesa irrealizada de transparencia, democracia y participación: se denuncia la manipulación, la burocratización de la política, el avasallamiento de una verdadera opinión pública informada por los medios, los partidos y los sindicatos, el reemplazo de un consenso racional públicamente argumentado por la negociación y la componenda” (RABOTNIKOFF, 1998, p. 39-40). En este sentido, el debate en torno a la mediatización de la vida social constituye un eje frente al cual pueden reconocerse en términos amplios al menos dos direcciones. Por un lado, un conjunto de perspectivas que reconocen una suerte de determinismo mediático sobre la esfera pública y aquella que la entiende como una transformación de la sociedad vinculada a la existencia de los medios y las nuevas tecnologías, como matriz cultural cuyas lógicas deben ser analizadas en cada práctica social. A modo de cierre Decíamos entonces que este trabajo era una búsqueda para construir un abordaje teórico metodológico de los estudios y políticas de comunicación vinculados a la seguridad y la violencia y los medios de comunicación desde la perspectiva que articula comunicación y ciudadanía. Si entendemos esta perspectiva como una articulación especí ica entre estas dos nociones, de modo tal que en los estudios de comunicación se pueda vincular la ciudadanía al modo de aparición de los individuos en el espacio público, relacionado a su vez con las transformaciones de las formas tradicionales de representación y acción colectiva, así como con la centralidad de los medios y tecnologías 357 Susana M. Morales de información en la constitución de esa esfera pública, creemos que durante este desarrollo hemos recorrido, indagado y puesto en cuestión hasta qué punto las problemáticas vinculadas a la seguridad y la violencia permiten tensionar de manera productiva esta articulación. Además de sistematizar y profundizar aquellos puntos con los que iniciábamos este trabajo cuando planteábamos que buena parte de los estudios de comunicación siguen vinculados a una mirada sobre los efectos, las conceptualizaciones en torno a cómo conciben la centralidad de los medios, cuáles son las nociones de ciudadanía, espacio público, opinión pública presentes y cómo se vinculan con las cuestiones relacionadas a la seguridad y la violencia, así como las forma de comprensión de la relación entre ciudad y ciudadanía. Así, entendemos que un abordaje que trate de realizar un estado del arte sobre la relación entre seguridad, violencia y medios desde una perspectiva vinculada a la articulación entre comunicación y ciudadanía, debería dar cuenta de: - Formas de aparición de la problemática de la violencia y la seguridad en el espacio público, atravesada por las lógicas vinculadas al proceso de mediatización de la sociedad. En este punto, las consideraciones respecto de la centralidad de los medios en la vida social, así como las transformaciones en la socialidad vinculadas a la seguridad y la violencia, son elementos que hay que reconocer y discutir en cada uno de los trabajos que abordaremos - Como ya planteamos desde un principio, tanto la dimensión jurídico institucional de la ciudadanía como aquella vinculada a la tradición republicana, son constitutivas del problema que nos importa. Así, se vuelve necesario indagar respecto de las concepciones y vinculaciones entre ambas, considerando aquello que alude a la con iguración de una opinión pública sobre las violencias y su relación con la dimensión jurídico institucional. Es decir, una relación entre sus lenguajes, formas de visibilización, se vinculan con la dimensión normativa. - Concepciones y vinculaciones entre espacio público urbano y mediático: reconocer las diferentes formas de comprender cómo se 358 Seguridad, violencia y medios articulan las con iguraciones urbanas y mediáticas en la construcción de un espacio público determinado. Así, reconocer en esta compleja articulación reconocer cómo las cuestiones vinculadas a la seguridad y la violencia constituye elementos que generan determinadas condiciones para el ejercicio ciudadano. Referencias BALIBAR, Etienne. Derecho de ciudad. Cultura y política en democracia. Buenos Aires: Nueva Visión, 2004. CALETTI, Sergio. Vídeopolítica, esa región tan oscura: notas para repensar la relación política/médios. Constelaciones de la Comunicación, Buenos Aires, n. 1, p. 40-87, sep. 2000. _____. ¿Quién dijo República? Notas para un análisis de la escena pública contemporánea. Revista Versión, UAM, México, n. 10, p. 15-58, 2000. _____. Comunicación, política y espacio público. Notas para repensar la democracia en la sociedad contemporánea. [Borradores de trabajo], Buenos Aires, 2001. _____. Decir, autorrepresentación, sujetos. Tres notas para un debate sobre política (y comunicación). Revista Versión. Estudios de Comunicación y Política, n. 17, UAM-Xochimilco, México, 2006. _____. Repensar el espacio de lo público. Un esbozo histórico para situar las relaciones entre medios, política y cultura. Boletín de la Biblioteca del Congreso de la Nación. Buenos Aires: Ed 123, 2007. CASTEL, R. La inseguridad social. ¿Qué es estar protegido? Buenos Aires: Ed. Manantial, 2004. CALZADO, M. Elementos para el análisis mediático del caso Blumberg. Publicaciones n.5. Argentina: Flacso, 2008. Disponible en: <http://www. 359 Susana M. Morales lacso.org.ar/uploaded_ iles/Publicaciones/Antropologia_Mercedes. Calzado.Doc.Nro5.pdf> Acceso en 23 mar 2010. CHERESKY, Isidoro (comp). Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Madrid-Buenos Aires: Miño y Dávila, 2006. DAROQUI, A. Muertes silenciadas: la eliminación de los “delincuentes”. Buenos Aires: Centro Cultural de la Cooperación, 2009. FRASER, N. Repensar el ámbito público: una contribución a la crítica de la democracia realmente existente. Debate Feminista, n. 5, marzo de 1993. GARRETÓN, Manuel. Democracia, ciudadanía y medios de comunicación, un marco general. In: AAVV. Los medios: nuevas plazas para la democracia. Lima: Calandria, 1995. GARRETÓN, Manuel (coord.) El espacio cultural latinoamericano. Bases para una política cultural de integración. Colombia: Fondo de Cultura Económica/Convenio Andrés Bello, 2003. GRUNER, E. Las formas de la espada. Miserias de la teoría política de la violencia. Buenos Aires: Ed. Colihue, 1997. HABERMAS, J. Historia y crítica de la opinión pública, quinta edición. Barcelona: Editorial Gustavo Gili S.A, 1997. HABERMAS, J. Perϔiles ϔilosóϔico políticos. Madrid: Ed. Taurus, 1998. HOBBES, Thomas. Leviatán. Buenos Aires: Ed. Sudamericana, 1989. KIMLICKA W. y WAYNE N. El retorno del ciudadano: Una revisión de la producción reciente en teoría de la ciudadanía. Revista La Política, n. 3, Buenos Aires, Paidós, 1997. MARTÍN BARBERO, Jesús. Los laberintos urbanos del miedo. In: PEREIRA, José Miguel y VILLADIEGO, Mirla (eds.) Entre miedos y goces. Comunicación, vida pública y ciudadanía. Bogotá: PUJ, 2006. 360 Seguridad, violencia y medios MATA, María Cristina. De la cultura Masiva a la cultura Mediática. Diálogos de La Comunicación, n. 56¸ Felafacs, Lima, 1999. MORAÑA, Mabel (ed). Nuevas perspectivas desde/sobre América Latina: El desaϔío de los estudios culturales. Chile: Ed. Cuarto Propio, Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, 2000. QUIROGA, H., VILLAVICENCIO, S. y VERMEREN, P. (comp.). Filosoϔías de la ciudadanía. Sujeto político y democracia. Rosario: Homo Sapiens, 2001. REGUILLO, Rossana. ¿Guerreros o ciudadanos? Violencia(s). Una cartogra ía de las interacciones urbanas, conferencia presentada en la Segunda Conferencia Internacional de Estudios Culturales Espacio urbano, comunicación y violencia en América Latina, Departament of Hispanic Languagues and Literatures, University of Pittsburg, 31 de marzo y 1 de abril de 2000. _____. Los laberintos del Miedo, un recorrido para in de siglo, en Revista de Estudios Sociales Nº 5, Facultad de Ciencias Sociales, UNIANDES/ Fundación Social, Bogotá, enero de 2002. _____. Identidades culturales y espacio público: un mapa de los silencios, en Dialogos de la Comunicación Nº 59-60, FELAFACS, Lima, 2003. _____. El otro antropológico. Poder y representación en una contemporaneidad sobresaltada, en Anàlisi. Quaderns de Comunicació i Cultura Nº 29, Departament de Periodisme i de Ciències de la Comunicació, Universitat Autònoma de Barcelona, 2005. _____. Políticas de la mirada. Hacia una antropología de las pasiones contemporáneas. En Inés Dussell y Daniel Gutierrez (Comps). Educar la mirada. Políticas y pedagogías de la imagen. Buenos Aires: Manantial/ FLACSO/OSDE, 2006. _____. La mara: contingencia y a iliación con el exceso (re-pensando los límites). En José Manuel Valenzuela Arce, Alfredo Nateras de Domínguez, 361 Susana M. Morales Rossana Reguillo Cruz (coords.) Las maras. Identidades juveniles al límite. México: UAN/ COLEF / Jaun Pablos Eds., 2007. REY, G., El cuerpo del delito: representación y narrativas mediáticas de la (in)seguridad Ciudadana. Bogotá: Centro de Competencia en Comunicación [C3] de la Fundación Friedrich Ebert, 2005. En línea: www.c3fes.net. ROTKER, Susana (ed). Ciudades escritas por la violencia. A modo de introducción. En “Ciudadanías del miedo”. Caracas: Nueva Sociedad, 2000. SEGATO, R: Las estructuras elementales de la violencia. Buenos Aires: Ed. Prometeo, UNQ., 2003. THOMPSON, J. Los media y la modernidad. Barcelona: Ed. Paidos, 1998. ZAFFARONI, E. En busca de las penas perdidas. Deslegitimación y dogmática Jurídico-Penal; Buenos Aires: Ediar S.A, 1989. 362 La Nueva Televisión del Sur: por uma reϐlexão teórica, metodológica e epistemológica do comunicacional Tabita Strassburger Aproximando-se da TeleSUR pelos modos de fazer científico O presente texto busca re letir metodológica e teoricamente acerca das processualidades desenvolvidas no decorrer da pesquisa de Mestrado1, articulando vertentes epistemológicas na tentativa de pensar a ciência e, de modo particular, o problema/objeto de pesquisa que se está construindo. Para tanto, parte de re lexões apreendidas através de experiências com a pesquisa da pesquisa e a pesquisa exploratória (BONIN, 2006), e de visadas de problemáticas de distintos campos dos saberes, em diálogo com autores de referência que foram convidados ao debate durante as disciplinas cursadas junto ao mestrado, e são retomados no decorrer das proposições que aqui se apresentam. Ao pensar as pesquisas cientí icas e acadêmicas em Ciências da Comunicação, compreende-se a necessidade de considerar as culturas de investigação e os processos pelos quais as sociedades passaram até 1 Orientada pelo professor Doutor Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre. 363 Tabita Strassburger chegar ao cenário hodierno. Dessa perspectiva atual, cabe destacar a coexistência de várias culturas cientí icas, tais como cultura da informação e experimentação, redes de informação e múltiplos saberes e dimensões em circulação. Também, convém re letir sobre as posturas e condutas dos pesquisadores junto à emergência de uma cultura cientí ica que assinalaria a ciência como instituição social e a constituição das áreas do conhecimento, buscando cada vez mais uma a irmação frente aos pares. Por im, importa ponderar sobre os objetos das pesquisas, e os métodos mais produtivos para apreender suas especi icidades, seus contextos e movimentos constantes. Tendo em vista essas questões, busca-se aprofundar o entendimento acerca do objeto de referência TeleSUR, por meio do tripé teoria-metodologia-epistemologia e, ainda, de aspectos advindos pelos movimentos exploratórios realizados – por exemplo, o contato com telespectadores e jornalistas envolvidos com a emissora, ocorrido entre os meses de março e julho de 20102. Acerca dessa experiência, podem ser destacados avanços no projeto de pesquisa, principalmente, a partir de dois eixos. Por um lado, no âmbito da produção, alargando o entendimento dos processos jornalísticos desse sistema midiático, ao mesmo tempo em que amplia interrogações e questionamentos relativos à con iguração e operacionalização da emissora. Nesse aspecto, estão inclusas dúvidas sobre elaboração das notícias, de inição de programas transmitidos em cada país que recebe o sinal, caráter multimídia contemplando recursos de comunicabilidade focados no digital, estrutura e organização dos correspondentes, produtores e colaboradores nos distintos lugares de atuação, concepções editoriais e manutenção de uma unidade apesar do descentramento espacial. 2 Na oportunidade, além de manter contato por e-mail com os colaboradores, foi possível realizar duas entrevistas presenciais, com uma telespectadora de Caxias do Sul (Rio Grande do Sul – Brasil), e com o jornalista membro da Junta Diretiva da TeleSUR no Brasil, Beto Almeida. 364 La nueva tele isión del sur Em outra perspectiva, a investigação foi tensionada devido aos diálogos com telespectadores quali icados e interessados em América Latina. Além de con irmar a existência de públicos da TeleSUR no estado do Rio Grande do Sul, pela atividade exploratória foi possível conhecer características de parte dessa audiência, como uma postura crítica e exigente diante dos conteúdos midiáticos que buscam e acessam em seus cotidianos. Também por meio da ocasião, transpareceu a constituição de uma nova mirada do pesquisador, trazendo outros interesses e motes, como a importância de incluir, nas re lexões, a noção de cidadania comunicativa (MATA, 2005; 2006) e de considerar distintos métodos de pesquisa na inalidade de apreender as várias dimensões que conformam o problema/objeto. Nesse sentido, o projeto inicial, focado nas representações e identidades latino-americanas elaboradas pela TeleSUR e na atuação da emissora enquanto mediação dessas concepções junto aos públicos brasileiros, passou por tensionamentos e alterações em virtude das vivências e experiências no decorrer da trajetória do Mestrado. Dessa maneira, percebendo a necessidade de trazer outros contornos ao que fora proposto, a con iguração atual da pesquisa considera re lexões acerca dos movimentos de integração dos países da região; das identidades culturais envolvidas e relacionadas no processo comunicacional em questão; das conformações da emissora no âmbito digital, apreendendo tanto aspectos audiovisuais televisionados quanto aqueles dispostos na internet, via redes sociais e site da emissora, em forma de textos, imagens, vídeos, produção dos públicos; e dos estudos sobre cidadania, com destaque para a noção de cidadania comunicativa, conforme mencionado anteriormente. Além disso, são tomados pela investigação os telespectadores quali icados e interessados em América Latina, de modo especial os que vivem no Rio Grande do Sul, em razão do acesso do pesquisador a esses públicos. Entrecruzando as indagações geradoras da pesquisa, coloca-se uma que norteia todas as processualidades que estão sendo desenvolvidas, quer seja, “como os processos comunicacionais 365 Tabita Strassburger desenvolvidos por TeleSUR são apresentados em sua programação e circulam entre telespectadores quali icados e interessados nos motes latino-americanos acerca de eixos temáticos como integração regional, América Latina, identidades culturais, cidadania comunicacional?”. Ainda, como se coloca na sequência, observa-se a imprescindibilidade de atentar a alguns pontos da história, geogra ia, política e ideologia do objeto de referência em questão, trazendo a importância do cenário no qual se insere para a constituição e o formato estabelecidos. A TeleSUR é resultado de um projeto mais amplo do atual governo da Venezuela que busca melhorar as relações entre os povos latino-americanos, por meio de uma comunicação diferenciada que enfatize as informações da região e valorize suas culturas. Organizando-se como um espaço comunicacional voltado à América Latina e com o slogan “Nuestro Norte es el Sur”, no dia 24 de julho de 2005, foram realizadas em Caracas as primeiras transmissões da emissora que se a irma multiestatal. Seguindo princípios da Revolução Bolivariana, Venezuela, Argentina, Cuba e Uruguai se uniram na criação de um sistema midiático direcionado a conteúdos majoritariamente informativos, e focada na integração econômica, política e social da América Latina – em 2007, também Equador, Bolívia e Nicarágua se inseriram no projeto. A abrangência do sinal vem sendo expandida desde o surgimento (chegando a regiões da África, Europa e Ásia), assim também o número de correspondentes tem sido alargado, aparecendo em países como México, Estados Unidos, Bolívia, Venezuela, Nicarágua, Argentina, Colômbia, Equador, Brasil, Cuba e Peru. Ponderando sobre as con igurações da emissora, importa ressaltar que os ideários que culminaram no desenvolvimento da TeleSUR, em boa medida, vêm da emergência dos governos de esquerda que assumiram os países latino-americanos na última década. São expressões dessa vertente os governos de Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia, Nicarágua, Equador, Uruguai, Chile e Venezuela. Ainda, os acontecimentos que envolveram o presidente venezuelano e a grande mídia daquele país foram decisivos para a 366 La nueva tele isión del sur aceleração dos processos de criação e investimento em meios de comunicação estatal. Nesse sentido, destaca-se como ponto dinamizador dessa nova organização comunicacional na Venezuela o golpe de Estado, apoiado pelos meios comerciais hegemônicos e que fracassou, em 2002, e a decisão de não renovar a concessão da RCTV (Rádio Caracas de Televisión), no ano de 2007. Além disso, cabe referir ao aspecto internacional desse sistema midiático, tanto por sua con iguração envolver distintos países, quanto pelo caráter de abrangência e penetração latino-americana. Em um contexto comunicacional, formado principalmente por emissoras comerciais hegemônicas, carente de informações sobre a América Latina, governos com posturas semelhantes, organizados por objetivos comuns, estruturam um espaço para transmissão das culturas, vivências e experiências dos povos da região. A amplitude do contexto no qual a TeleSUR está imbricada estabelece a necessidade de critérios de seleção para a pesquisa. Torna-se imperativo de inir rumos, enfatizar determinados aspectos em detrimento de outros. No desenvolvimento investigativo, é preciso elencar opções, de inir caminhos, segundo as peculiaridades de cada problema/objeto. Isso porque, conforme elucidado no decorrer do texto, pesquisa é processo, e como tal, coloca-se livre de fórmulas prontas e métodos estáticos. Processualidades da pesquisa Considerando o processo constante de elaboração da pesquisa empreendida e retomando alguns pontos mencionados, inicialmente, compete colocar que os problemas/objeto são categorias em movimento, integram uma cultura do luxo, pois estão em contínua mudança e atualização. Por sua vez, a situação do pesquisador é de correlação com o objeto. Ao mesmo tempo em que transforma, o sujeito é transformado por esse problema/objeto. Nesses processos, são fundamentais os momentos de re lexão e análise do pesquisador para consigo e para com a pesquisa empreendida. 367 Tabita Strassburger Bachelard (1981, p. 129), além de inferir que o fato de assumir um objeto não signi ica necessariamente uma postura de objetividade por parte do pesquisador, a irma ser mais o objeto que escolhe o pesquisador que o contrário. Seguindo o entendimento de seu postulado para a epistemologia, tem-se que “a objetividade cientí ica só é possível depois de termos rompido com o objeto imediato, de termos recusado a sedução da primeira escolha, de termos parado e contradito os pensamentos que nascem da primeira observação”. Não se pode elencar um objeto e aceitálo como pronto. A constituição do objeto é parte importante e intrínseca de qualquer pesquisa, e são nessas processualidades que a ciência se constrói. Partindo dessa questão, importa mencionar que o objeto de referência TeleSUR está nessa fase de constituição. Sendo enunciado, delimitado, tensionado, também “em função de uma problemática teórica”, segundo orientação de Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2003, p. 54). Nessa elaboração, que visa ao objetivo, atuam tanto decisões do pesquisador e de inições da própria pesquisa, quanto contextualizações, nas quais o objeto está imerso em sua dinamicidade, a realidade que não pode ser controlada, tampouco prevista. A contextualização é parte fundamental da pesquisa, “é um processo de re lexão, aprofundamento, sistematização e exposição que dá valor socioistórico e cientí ico aos projetos” (MALDONADO, 2006, p. 272). No âmbito da pesquisa em Ciências da Comunicação, é importante estabelecer nexos com o contexto midiático e com o comunicacional, que conformam a especi icidade dos problemas/objeto da área. Contudo, os demais aspectos não devem ser ignorados. Para assegurar a profundidade de qualquer investigação, é imperativo considerar os múltiplos contextos – histórico, social, cultural, político, econômico, geográ ico, acadêmico, tecnológico – que permeiam o problema/objeto e interferem em sua constituição. Também Norris (2007, p.33) aponta para o mote dos contextos e as mudanças de suas expressões, no transcurso histórico da ciência, a irmando haver “inúmeros exemplos de crenças que, em 368 La nueva tele isión del sur tempos passados, gozaram de amplo crédito entre aqueles que eram considerados os mais aptos a julgar, e que, no entanto, posteriormente se revelaram falsas” ou possuíram apenas um domínio limitado de aplicações. Um dos períodos que pode ser considerado remete a uma visão mais conservadora que pensa a ciência como uma arquitetura ixa em modelos consagrados. Outro momento se daria em termos mais dialéticos, pensando as certezas como momentâneas, com elementos de saturação. Obviamente, não há um marco divisório entre esses pontos de vista, eles se atravessam e coexistem. Mesmo hoje, com uma visão mais ampla da ciência, ainda existem pesquisas que apresentam caráter mais rígido e fechado. Outra contribuição do autor que importa ter em mente no decorrer do processo investigativo faz referência à preposição, segundo a qual “existem verdades que podem ou não ser descobertas no curso de uma investigação diligente e que, além disso, sua existência de modo algum é afetada pela extensão do nosso conhecimento, ignorância ou incerteza em relação a elas” (NORRIS, 2006, p. 51). Assim, na trajetória da pesquisa, haverá dúvidas que não se conseguirá solucionar, informações que não serão acessadas, fatos que independem da ciência do pesquisador para existir. De certa forma, quando se propõe uma investigação, a impossibilidade de apreender todas as verdades é um a priori. Apesar de pretender, muitas vezes, refutar o inevitável, o pesquisador tem noção de que nem todas as respostas estão ao alcance de seus conhecimentos, e concorda com essas limitações que lhes são impostas pela própria realidade. Somados a essa re lexão, advêm de Bachelard (1981) subsídios para pensar a fragmentação e relação dos racionalismos geral e regionais e, ainda, conceber uma perspectiva epistemológica voltada ao pesquisador e seu processo de transformação como resultado da investigação. Nesse sentido, tem-se que não apenas o conhecimento é cambiável, os sujeitos também se transformam nesses processos. O autor também assinala a necessidade de desenvolver epistemologias regionais (ou setoriais) que considerem as especi icidades e os problemas de cada área. A questão 369 Tabita Strassburger remete para a trajetória metodológica que também segue de inições segundo as características do problema/objeto que está sendo pesquisado. Ainda, Maldonado (2006) pondera sobre as processualidades de pesquisa. Com relação a isso, pode-se assinalar a união entre as dimensões teórica e metodológica como um dos pontos imprescindíveis à investigação. Somado a isso, entradas simultâneas na teoria e na empiria apresentam resultados de complementaridade. A relevância da dimensão empírica instaura-se no plano da experiência, da sensibilidade adquirida pela prática. Por seu turno, o âmbito teórico, possibilita ampliação e aprofundamento em ideias, argumentos, proposições, conceitos. Por essa razão, acredita-se no sentido de complementaridade que a concomitância de entradas no empírico e diálogos teóricos proporciona à pesquisa. Por im, no que tange à relação entre sujeito e investigação, chama a atenção um dos pontos da obra de Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2003), quando assinalam o obstáculo epistemológico da familiaridade social que se coloca diante do pesquisador (os autores falam no sociólogo, mas se pode alterar sem dano à a irmação). Há claramente uma di iculdade em distinguir entre percepção e ciência; em outras áreas, o simples fato de sair do domínio de pesquisa – um laboratório, por exemplo –, marca a oposição com a vida cotidiana. Mesmo que um pesquisador das Ciências Sociais e Humanas tente, não há como se despojar de sua investigação, pois ele está imerso nessa experiência, por vezes até integra o objeto ou contexto observado. Buscando elucidar a inferência por meio da pesquisa que está sendo traçada, pode-se dizer que não haveria como o pesquisador estar isento tendo em vista suas vivências pessoais como leitor, telespectador, sujeito interessado em questões latino-americanas e afetado por inúmeras mediações que lhe tomam das mais distintas maneiras. Possibilidades transmetodológicas As experiências decorridas da pesquisa exploratória, pesquisa da pesquisa e pesquisa metodológica apontaram a possibilidade de 370 La nueva tele isión del sur desenvolver a investigação pelo viés da perspectiva transmetodológica (MALDONADO, 2002, 2008). A opção seria relevante para o projeto que se está desenvolvendo, pois permitiria entradas diversas na pesquisa, a partir de dimensões e métodos mestiços, segundo a exigência, por exemplo, de cada instância acionada – produção, conteúdos, públicos. Somado a isso, os problemas/objeto de pesquisa, nas suas práticas concretas, solicitam atravessamentos em planos como o histórico e o ilosó ico; a importância dessa mestiçagem também se assinala no âmbito metódico. As indagações da pesquisa não devem se limitar a aspectos diretos e especí icos da problemática central, mas é preciso expandir formulações, estruturando múltiplas determinações, nexos, vínculos para compreender os processos de estruturação comunicacional, social e histórica de modo integral e satisfatório. Importa ter em mente que a época é de mudança, con igura-se um novo espaço público, os atravessamentos do mundo digital fazem surgir uma cultura colaborativa, com redes e manifestações conectadas, alterando radicalmente a produção e circulação informacionais. As possibilidades tecnológicas apontam a urgência em se pensar um novo mapa de temporalidades e mutações nessa instância. Todavia, não se pode atribuir um valor excessivo à tecnologia e suas mediações, como se somente esses aspectos fossem decisivos; também as tecnicidades precisam ter seu papel reconhecido, porém não assumem a centralidade que alguns denotam. O caráter mutacional rea irma que as pesquisas não podem ser concebidas como procedimentos estanques, há que considerar as agitações, a tensão nos objetos e em suas relações. A aquisição do conhecimento se dá progressivamente, mediante modos de interação com a experiência cotidiana, com a experiência cientí ica, com métodos e olhares diversi icados. Nesse sentido, denota-se a necessidade de descobrir técnicas variadas, a relevância de ampliar concepções e desenvolver métodos segundo as especi icidades da pesquisa, com uma visada mais plena, por vias transmetodológicas. 371 Tabita Strassburger A problemática dos métodos é nuclear na proposta da transmetodologia e, conforme elucida Maldonado (2008, p. 44), um primeiro aspecto que precisa ser considerado “é o caráter múltiplo das concepções, estratégias, desenhos, con igurações, propostas e modelos de método; tanto na sua pertinência ao campo cientí ico, no qual se con iguram, quanto na sua estruturação nos problemas/objetos que constroem”. Cada área do saber, em suas distintas particularidades, possui seus métodos próprios. Também cada pesquisa apresenta necessidades diferentes, e para suprir tais demandas é fundamental desenvolver processualidades especí icas, métodos capazes de auxiliar nos resultados e re lexões de determinada pesquisa de maneira singular. De acordo com Bachelard (1981, p. 136), o método seria, na realidade, “uma astúcia de aquisição, um novo e útil estratagema na fronteira do saber”. O autor assevera que “não pode ser uma rotina” e, citando Goethe, complementa dizendo que todo pesquisador que permanecer em sua investigação, cedo ou tarde, é levado a mudar de método. Essa alteração se deve às necessidades que também se modi icam no decorrer das pesquisas e da trajetória do pesquisador. Convém ressaltar que há distinção entre métodos e técnicas. O primeiro se refere à estratégia, percurso, vários movimentos, táticas, técnicas para se chegar ao objetivo. De modo simpli icado, pode-se dizer que as técnicas seriam escolhas dentro do método. Acerca desses procedimentos, Martín-Barbero (2006) adverte para a tentação de estabelecer uma verdade a partir de prontuários e receitas, para a atração que o “passo-a-passo” dissemina em seus formatos. Ainda, Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2003) colocam a necessidade de a epistemologia problematizar as técnicas, pensar, construir, recon igurar. Em suas obras, os autores referidos alertam para o perigo de isolar a comunicação dos outros (mundos) campos de saber existentes, questão que possibilita a retomada do termo transmetodologia. A inferência orienta que é preciso considerar todos os saberes construídos e aglutinados ao longo do tempo. Conhecimentos milenares, senso comum, culturas de distintos pontos do globo, sabedorias orais 372 La nueva tele isión del sur transmitidas de geração para geração, descobertas cientí icas. Fluxos que trazem contribuições no sentido das multiplicidades, rupturas e continuidades. Nessa direção, é preciso apontar que, conforme a irmam Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2003), em determinados momentos, mostra-se fundamental a necessidade de rupturas epistemológicas com o senso comum e com o senso acadêmico. Há vezes, em que a ruptura com o próprio campo cientí ico se coloca essencial. Com Santos (2006), tem-se a rea irmação de uma incompletude das culturas e, nessa perspectiva, a necessidade de estabelecer diálogos entre suas várias premissas para, através desse câmbio de experiências, entender as culturas em toda a sua riqueza. Esse exercício de reciprocidade entre as culturas seria uma proposta da hermenêutica diatópica e proporia, ainda, o reconhecimento das diferenças e o estabelecimento de relações interculturais. Ainda, Wallerstein (1996) assevera a importância da pesquisa indutiva, a necessidade da experiência vivencial humana. Todavia, destaca, também, que as caminhadas indutivas precisam dialogar com táticas dedutivas. No decorrer da história das ciências sociais, por uma visão positivista, convencionou-se que a pesquisa deve manter a rigidez cientí ica, ou seja, validar seus resultados pela empiria e demonstrar saberes de modo formal e com métodos fechados. De certa forma, herdeiras das ciências naturais, as exigências estabelecidas por esse logocentrismo, não raro, engessam as investigações, fazendo com que o pesquisador se sinta pressionado a comprovar determinadas verdades por uma obrigação dita cientí ica. Aprisionar-se em métodos prontos e acabados acaba desarticulando a construção dos saberes, pois reitera formulações prontas em vez de incentivar a conformação de novas re lexões, de processualidades que sejam especí icas e próprias de um determinado pesquisador e sua investigação, a partir do que o problema/objeto necessita, das teorias que são acionadas, compreendidas, reconstruídas, reformuladas, dos imprevistos que se colocam nas entradas em campo e no contato com a realidade. 373 Tabita Strassburger A transmetodologia também se preocupa com a formulação de projetos que busquem processos alternativos, que sejam transformadores. Nessa direção, uma das questões trazidas por Santos (2006), e que se compreendeu como possível de aproximação com a transmetodologia, faz referência à necessidade de desestabilizar, refutar conformismos intelectuais que colocam pesquisadores em “zonas de conforto” na investigação. O autor assinala a importância de se construir uma nova cultura de agitação, de inquietude e espanto diante das formulações. Nesse sentido, é pertinente a colocação de Wallerstein (1996) com relação aos cientistas sociais que pesquisavam para si mesmos. A solução dada pelo autor sugeria que, caso houvesse um alargamento da comunidade de pesquisadores e cientistas, haveria uma ampliação do âmbito dos objetos de pesquisa. Na sequência da obra, coloca-se que foi isso que ocorreu. Contudo, o que interessa, especi icamente, nessa passagem, é a importância social que as investigações deveriam contemplar. A pesquisa pela pesquisa, ou pela mera satisfação do pesquisador, não teria relevância, nem cumpriria seu papel. Uma das preocupações que deveria atravessar os projetos remete às contribuições que os pesquisadores prestam à sociedade em geral e à academia de modo especí ico, através de suas investigações. A partir dessa compreensão e buscando ampliar as re lexões, denota-se a importância de processos transmetodológicos para as pesquisas no âmbito das Ciências da Comunicação – como a que se está desenvolvendo no mestrado. Acredita-se que tal escolha teria muito a contribuir no entendimento das multiplicidades que envolvem a TeleSUR, em seus contextos de produção, veiculação e audiência informacionais. Bem como possibilitaria ampliar as questões que remetem ao macro contexto, como os aspectos históricos, culturais, sociais, políticos, econômicos, que caracterizam a América Latina e seus povos. Nessa direção, os próprios movimentos que levaram à elaboração do projeto de criação da emissora seriam um exemplo. Durante o processo de pesquisa exploratória, realizado no primeiro semestre do mestrado, entre março e julho de 2010, percebeu374 La nueva tele isión del sur se a necessidade de abordagens multidimensionais que contemplem o máximo de aspectos possíveis no transcurso da investigação referente à TeleSUR. Se, em vez de plani icar as dimensões da pesquisa em mapas estáticos, esses âmbitos forem considerados em seu movimento e em suas multiplicidades, pode-se aprofundar o processo investigativo e de re lexão, ampliando sua re lexão e contribuições. São essas processualidades que se está desenvolvendo, ainda em um sentido bastante experimental, mas já considerando e assumindo como imprescindíveis para a pesquisa as perspectivas teóricas e metodológicas. Cidadania comunicativa: a TeleSUR como experiência midiática Além das dimensões referidas, outro aspecto que apresenta sua relevância a partir da pesquisa exploratória é a noção de cidadania comunicativa. Durante as entrevistas realizadas, os informantes apontaram a TeleSUR como agente na constituição da cidadania dos povos latino-americanos. O fato destaca a relevância e urgência de aprofundar as re lexões referentes ao conceito junto à pesquisa que vem sendo desenvolvida. Partindo dessa perspectiva, tem-se a América Latina como importante espaço de teorizações acerca da noção de cidadania, de suas rede inições e desdobramentos junto à pesquisa em comunicação. Pela conjetura de lutas e elaborações no transcorrer de distintos momentos políticos, sociais, econômicos, culturais, convém assinalar a imprescindibilidade dos contextos para o desenvolvimento do conceito, que foi sendo cunhado segundo necessidades especí icas de cada época, demandas a que estava relacionado em determinadas circunstâncias3. 3 Um debate aprofundado das questões referentes à noção de cidadania, com destaque para a realidade latino-americana, pode ser encontrado em autores como Garretón (1995, 2002, 2006), Cheresky (2006), Dagnino (2006), Vermeren (2001) e Kymlicka (1997). 375 Tabita Strassburger No intuito de aproximar as referidas conceptualizações ao objeto de referência pesquisado, de imediato, em Mata (2005, 2006) são encontrados fundamentos da cidadania comunicativa. Importa elucidar essa noção complexa, relacionada à importância do conceito de público e advinda de uma necessidade de diferenciar o público do cidadão. Conforme a autora (2005), a cidadania comunicativa pode ser entendida como o reconhecimento da capacidade de ser sujeito de direito e demanda, no âmbito da comunicação pública, e no exercício desse direito. Refere-se também a direitos civis garantidos juridicamente, como liberdade de expressão e direito à informação, para exempli icar. Implica o desenvolvimento de práticas que contribuam na garantia dos direitos junto ao campo da comunicação. Um ponto do conceito que remeteu à TeleSUR diz respeito a aspectos mais subjetivos dos indivíduos, pois “a cidadania comunicativa se entrelaça com as referências identitárias e os reclames mais gerais de igualdade não somente em relação ao Estado, mas também em relação à ação do mercado e todo tipo de dispositivos que promovem a desigualdade”4 (MATA, 2006, p. 13). Dessa maneira, a percepção inicial que se tem da emissora é de participação na apresentação das identidades latino-americanas, de certa forma, suprindo certas necessidades de visibilidade dos povos não preenchidas por outros meios de comunicação. O exercício de uma cidadania comunicativa, segundo Mata (2005), precisa ser postulado na dupla condição de consciência e prática, sendo que não existe um único estado de consciência, nem um único tipo de prática. Assim, é necessária a existência de diferentes níveis, que a autora coloca como cidadania comunicativa formal (direitos jurídicos no âmbito comunicacional), reconhecida (conhecer tais direitos como 4 “la ciudadanía comunicativa se entrelaza con las referencias identitarias y los reclamos más generales de igualdad ya no sólo en relación al Estado sino en relación con la acción del mercado y todo tipo de dispositivos que promueven la desigualdad”. 376 La nueva tele isión del sur inerentes a sua condição), exercida (desenvolvimento de práticas sociais reivindicatórias desses direitos, por sua vigência e ampliação) e ideal (colocada como utópica ou meta alcançável vinculada com processos de democratização da sociedade). Pensa-se o uso e aplicação desses graus na continuidade a pesquisa, buscando indagar a situação particular da TeleSUR como meio de comunicação. Somado a isso, existem condições objetivas e subjetivas para que a cidadania comunicativa se con igure como tal (MATA, 2005). O primeiro ponto se refere às regulamentações políticas e comunicativas vigentes na sociedade, as lógicas informativas e comunicacionais hegemônicas, e as práticas e movimentos sociais, políticos e culturais direcionados ao fortalecimento dos direitos. A segunda, por sua vez, diz respeito às representações hegemônicas e contra-hegemônicas sobre o direito à comunicação, às motivações e fundamentos presentes nas experiências e práticas próprias de indivíduos e coletivos, e às expectativas expressadas por indivíduos e coletivos sociais em torno do direito à comunicação. Nesse sentido, instaura-se a imprescindibilidade de se pensar os elementos de contexto, tanto em um sentido amplo quanto nas especi icidades de cada investigação. Quando se desenvolve a problemática da cidadania comunicativa é fundamental pensar todos os processos que circundam e atravessam seus modos de exercício, nas condições objetivas e também nas subjetivas. Considerações pertinentes: a TeleSUR pelo viés da Ciência Por meio de re lexões sobre a TeleSUR em aproximação com a perspectiva transmetodológica e a noção de cidadania, alguns elementos podem ser assinalados. Além disso, pelas dimensões acionadas até esse período da trajetória investigativa, inúmeros questionamentos são colocados em confrontação. Para tanto, inicialmente, importa trazer características da TeleSUR em referência aos públicos do Brasil e, na sequência, cabe destacar pistas e dúvidas que se pretendem aprofundar e responder nos próximos passos da pesquisa. 377 Tabita Strassburger Um primeiro ponto remete à limitação de acesso dos brasileiros à emissora, em virtude de, no país, o sinal ainda apresentar profundas restrições e a internet não ser um recurso disponível em grande escala. Soma-se a isso, a questão do idioma, visto que a maioria dos programas da TeleSUR é em espanhol e, apesar de ser o principal idioma da região, no Brasil, ainda não faz parte do repertório da maioria, o que resulta em di iculdades de compreensão de mais telespectadores. Partindo dessa perspectiva, assinala-se que, mesmo um espaço que se coloca contra-hegemônico, pode resultar em exclusão. Sendo assim, quando se considera o acesso dos públicos brasileiros, a emissora perde seu caráter de conformação com uma cidadania comunicativa. Compreende-se que tais problemas de acesso não são de responsabilidade exclusiva do sistema comunicativo, no entanto, fazem parte de seu entorno e precisam, necessariamente, ser considerados pela investigação. Outro aspecto que merece atenção na pesquisa, pelas características da programação e pelos relatos dos entrevistados, seria a suposta contribuição da TeleSUR na formação de uma consciência crítica dos telespectadores, através das informações e conteúdos que divulga e da forma como elabora seus discursos. Ainda, pela pretensão de ser um lugar importante de estímulo e exercício da cidadania dos povos latinoamericanos, fazendo circular culturas locais e regionais, as demandas e reivindicações especí icas de cada país, bem como a do continente de um modo geral. Desse modo, cabe analisar se realmente a TeleSUR contribui, e com que intensidade, na constituição cidadã por meio do direito a uma comunicação diferente da apresentada pelos canais abertos de televisão, a uma cobertura voltada ao pluralismo cultural e à multiplicidade de vozes presentes na América Latina. Obviamente, conforme elucidado na entrevista com o jornalista Beto Almeida, a emissora possui seus interesses e lógicas de produção, voltados a inalidades especí icas. Apesar dessas escolhas, enquanto espaço de produção e veiculação de discursos, busca manter uma cobertura diversi icada dos assuntos e uma abordagem peculiar das 378 La nueva tele isión del sur informações, com foco na integração dos países do “Sul”. Assim, também interessaria veri icar se assume mesmo uma postura diferenciada de trabalhar a cidadania, priorizando os direitos dos povos dessa região em particular, a partir do viés que julga condizente com os ideários bolivarianos e com outros ideais libertários latino-americanos. Com a inalização desse momento re lexivo, tem-se em mente, para os passos seguintes da pesquisa, a construção de um pensamento próprio acerca da noção de cidadania. Um movimento que dê conta das especi icidades da TeleSUR e de seus telespectadores no Brasil, auxiliando na busca por respostas a inquietações já colocadas, e na con iguração de novos questionamentos que possam colaborar para a complexi icação que demanda tal problemática. Nessa perspectiva, sabendo da relevância da problemática da cidadania, considera-se um desa io fundamental, para a pesquisa iniciada, recuperar o que já foi pesquisado e pensar os novos contextos que se apresentam contemporaneamente, levando a diferentes orientações. Ainda, tem-se como imprescindível a conformação de um debate para além dos meios de comunicação, nas escolas, universidades, nos partidos políticos, inclusive dentro das instituições familiares. Não há como construir uma consciência de direitos e deveres sem um espaço de problematização. Importa re letir – e é o que se pretende nas próximas oportunidades – criticamente sobre a cidadania, e os atores envolvidos, fugindo de banalizações e estruturando perspectivas que colaborem com a projeção e o desenvolvimento de resoluções sociais. Referências BACHELARD, Gaston. O racionalismo aplicado. In: BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Lisboa: Edições 70, 1981, p. 113-141. BONIN, Jiani Adriana. Nos bastidores da pesquisa: a instância metodológica experienciada nos fazeres e nas processualidades de construção de um projeto. In: MALDONADO, Alberto Efendy et al. 379 Tabita Strassburger Metodologias de Pesquisa em Comunicação: olhares, trilhas e processos. PortoAlegre: Editora Sulina, 2006, p. 21-40. BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, JeanClaude. El oϔicio de sociólogo: presupuestos epistemológicos. Madri: Siglo XX, 2003, p. 11-81. CHERESKY, Isidoro. La ciudadanía y la democracia inmediata. In: CHERESKY, Isidoro (Comp.). Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Buenos Aires: Mino y Dávila, 2006, p. 61-108. DAGNINO, Evelina. Concepciones de la ciudadanía en Brasil: proyectos políticos en disputa. In: CHERESKY, Isidoro (Comp.). Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Buenos Aires: Mino y Dávila, 2006, p. 387410. GARRETÓN, Manuel Antonio. Democracia, ciudadanía y medios de comunicación: un marco general. In: ALFARO, María. Los medios: nuevas plazas para la democracia. Lima: Calandria, 1995. _____. La transformación de la acción colectiva en América Latina. Revista de la CEPAL, n. 76, p. 7-24, 2002. _____. Sociedad civil y ciudadanía en la problemática latinoamericana actual. In: CHERESKY, Isidoro (Comp.). Ciudadanía, sociedad civil y participación política. Buenos Aires: Mino y Dávila, 2006, p. 45-60. MALDONADO, A. Efendy. A perspectiva transmetodológica na conjuntura de mudança civilizadora em inícios do século XXI. In: MALDONADO, A. Efendy; BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins do. (org.). Perspectivas metodológicas em comunicação: desa ios na prática investigativa. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2008, p. 27-54. _____. Práxis teórico/metodológica na pesquisa em comunicação: fundamentos, trilhas e saberes. In: MALDONADO, A. Efendy; BONIN, Jiani Adriana; ROSÁRIO, Nísia Martins do. (org.). Metodologias de pesquisa em 380 La nueva tele isión del sur comunicação: olhares, trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 2006, p. 271-294. _____. Produtos midiáticos, estratégias, recepção. A perspectiva transmetodológica. Ciberlegenda, n. 9, 2002. Disponível em: <www.uff. br/mestcii/efendy2>. Acesso em 25 de novembro de 2010. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Tecnicidades, identidades, alteridades: mudanças e opacidades da comunicação no novo século. In: MORAES, Dênis de (org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p. 51-79. MATA, María Cristina. Interrogaciones sobre el público. In: LOPES, Maria Immacolata; FUENTES NAVARRO, Raúl (Comps.). Comunicación, campo y obyecto de estudio: perspectivas re lexivas latinoamericanas. México: Iteso, 2001. _____. Comunicación y ciudadanía: problemas teóricos-políticos de su articulación. In: Fronteiras – Estudos Midiáticos, São Leopoldo, v.8, n.1, p.5-15, jan-abr, 2006. MATA, María Cristina et al. Condiciones objetivas y subjetivas para el desarrollo de la ciudadanía comunicativa. Córdoba: Centro de Competencia en Comunicación para América Latina, 2005, 26 p. NORRIS, Christopher. A título de resposta: verdade, conhecimento e o credo de Rumsfeld. In: NORRIS, Christopher. Epistemologia: conceitoschave em iloso ia. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 31-58. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma epistemologia do Sul. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Porto: Edições Afrontamento, 2006, p. 75-153. VERMEREN, Patrice. El ciudadano como personaje ilosó ico. In: QUIROGA, Hugo; VILLAVICENCIO, Suzana; VERMEREN, Patrice (Comps.). 381 Tabita Strassburger Filosoϔías de la ciudadanía. Sujeto político y democracia. 2.ed. Rosario: Homo Sapiens, 2001. p.19-32. WALLERSTEIN, Immanuel; PRIGOGINE, Ilya; LECORT, Dominique, et al (1996). Para abrir as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1996, p. 13-101. 382 SOBRE OS AUTORES A. EFENDY MALDONADO G. Professor/Pesquisador do PPG em Ciências da Comunicação-UNISINOS 2000-2011. Coordenador Geral da Rede AMLAT (CNPq-PROSUL 20092011). Pesquisador CAPES-CNPq 2004-2011. Orientador de doutorado 2001-2011. Prêmio Cátedra UNESCO-UMESP pelas pesquisas sobre América Latina 1996-2006. Pesquisador do MIGRACOM- CatalunhaUAB 2004-2008. Consultor do CIESPAL 2009-2010. Consultor cientí ico da Universidad Complutense de Madrid; Universidad Andina Simón Bolívar (LP); Universidad Central de Ecuador; Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez, Cásper Líbero; USP, IELUSC. Professor visitante na Universidad Politécnica Salesiana-Q; Universidad Autónoma de Barcelona; Universidade Estadual do Tocantins; Universidade Federal do Piauí. Editor da revista Fronteiras/Estudos midiáticos (PPGCC-UNISINOS) 2006-2008. Autor dos livros: Transmetodología de la investigación teórica em comunicación; Teorias da comunicação na América Latina. Organizador e co-autor dos livros Internet na América Latina; Metodologías transformadoras; La investigación de la comunicación en América Latina; Perspectivas metodológicas em comunicação; Metodologias de pesquisa em comunicação. Autor de capítulos de livro e dezenas de artigos cientí icos em revistas do Brasil, América Latina, Europa e Estados Unidos. E-mail: [email protected] 383 Sobre os autores ALBERTO PEREIRA VALAREZO Vicedecano y profesor de Lenguaje, Semiótica y Análisis del Discurso en la Facultad de Comunicación Social, de la Universidad Central del Ecuador. Profesor de Posgrado en la Universidad Andina Simón Bolívar. Correo electrónico: [email protected] ALÍ LEÓN Magister en Educación Robinsoniana en la Universidad Experimental Simón Rodríguez (UNESR), Licenciado en Educación egresado del Centro de Experimentación Permanente para el Aprendizaje CEPAP de la UNESR, Profesor Instructor a medio tiempo en la Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez (UNESR) desde 2006. Centro de Experimentación para el Aprendizaje Permanente (CEPAP). Subdirector del Liceo Antonio Ortega Ordoñez desde 2001. Coordinador del Ensayo Educativo de Educadores Populares (ENFODEP), Miembro del equipo Pedagógico de la editorial Edición el Pueblo en la recopilación y rescate a la tradición oral a través de la edición de libros y en el seguimiento al proyecto un niño un libro trabajo desde el aula con la serie los Baqueanos. Miembro del equipo promotor de las jornadas Nacionales del Pensamiento Pablo Freire, Simón Rodríguez, desde 2006. ANA ALEJANDRINA REYES Sociologa por la Universidad Central de Venezuela. Magister en Educación por la Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez. Doctora en Mediación Pedagógica por la Universidad de la Salle (Costa Rica). Secretaria de la UNESR. Correo electrónico: [email protected] 384 Sobre os autores DANIELA INÉS MONJE Investigadora. Docente en grado y posgrado en el área de Políticas de Comunicación y Cultura de las Universidades Nacional de Córdoba y Nacional de Villa María. Magíster en Comunicación y Cultura. Doctora en Ciencias Sociales por FLACSO Argentina. Coordinadora Académica de la Maestría en Comunicación y Cultura Contemporánea. Centro de Estudios Avanzados, Universidad Nacional de Córdoba. Correo Electrónico: [email protected] FERNANDA GUIMARÃES CRUZ Mestre em Comunicação pela UNISINOS e doutoranda em Antropologia Social pela UFSC. Membro do GrupCiber (UFSC) e do Processocom (Unisinos). E-mail: [email protected] GLAUCIO PEREIRA DE SOUZA Glaucio Pereira de Souza é voluntário de Iniciação Cientí ica do Programa PIVIC/UFPB. HELENA VELCIC MAZIVIERO Estudante de Graduação. 3º semestre do Curso de Comunicação Social Jornalismo da UFRN, Bolsista Classe BNR do projeto Convergência Digital no cotidiano das práticas de Comunicação Comunitária e Alternativa em Rede na Região Metropolitana de Natal-RN, inanciado pela Propesq/ Proex/Prograd-UFRN. E-mail: [email protected] 385 Sobre os autores ITAMAR DE MORAIS NOBRE Jornalista. Fotojornalista. Especialista em Antropologia. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor do Departamento de Comunicação Social da UFRN. Pesquisador do Grupo de Pesquisa PRAGMA - Pragmática da Comunicação e da mídia: teorias, linguagens, indústria cultural e cidadania. Integrante do Grupo de Estudos BOA-VENTURA - CCHLA/UFRN, em convênio com a Universidade de Coimbra-Portugal. E-mail: [email protected]/ [email protected]. IVANOVA NIETO NASPUTH Diplomado en Historia del Arte Ecuatoriano siglos IXX y XX, 20092010, Universidad Central del Ecuador, Facultad de Artes. Licenciatura en Comunicación Social, Universidad Central del Ecuador, Facultad de Comunicación Social, 1995. Docente de la Universidad Central del Ecuador. Actualmente cursa en una maestría sobre Estudios de la Cultura en Artes Visuales, en la Universidad Andina Simón Bolívar, Sede Quito. A ejercido el periodismo en Radio Quito, Sonorama Noticiero La Clave. Corresponsal de Radio Regional de Loja. Secretaría Técnica de Gestión de Riesgos y Desastres. Consultoría en Comunicación (noviembre 2008 – abril 2009), Instituto Nacional de Patrimonio Natural y Cultural. Consultoría de Comunicación, noviembre 2008. Comisión de Control Cívico Contra la Corrupción. Consultoría en Comunicación, septiembre – noviembre 2008. Correo Electrónico: [email protected] JEAN SEGATA Mestre e Doutorando em Antropologia Social na UFSC. Membro do GrupCiber e professor na UNIDAVI, onde coordena o Curso de Sociologia e o Grupo de Pesquisa “Modos de Fazer Mundos”. 386 Sobre os autores JIANI ADRIANA BONIN Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da UNISINOS. Realizou pós-doutorado junto ao Programa de Estudios en Comunicación y ciudadanía, do Centro de Estudios Avanzados da Universidad Nacional de Córdoba (2009) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2001). É Co-coordenadora do Grupo de Pesquisa PROCESSOCOM e pesquisadora participante da Rede Temática AMLAT. E-mail: [email protected] JUCIANO DE SOUSA LACERDA Prof. Adjunto do Curso de Comunicação Social e do Mestrado em Estudos da Mídia da UFRN. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Pragma Pragmática da Comunicação e da Mídia (UFRN/CNPq). Vice-Coordenador do GP Comunicação para a Cidadania da INTERCOM. Coordenador do Projeto Convergência Digital no cotidiano das práticas de Comunicação Comunitária e Alternativa em Rede na Região Metropolitana de Natal-RN, inanciado pela Propesq/Proex/Prograd-UFRN. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Processocom (Unisinos) e integrante da Rede AmLat (PROSUL Edital MCT/CNPq Nº 11/2008), E-mail: [email protected] JULIO C. VALDEZ Licenciado en Educación por la Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez. Magister en Ciencias de la Educación por la Universidad Nacional Experimental Simón Rodríguez. Doctorado en Ciencias de la Educación por la U/niversidad Nacional Experimental Simón Rodríguez. Vice-rector Académico de la UNESR. Correo electrónico: [email protected] 387 Sobre os autores MARIA ANGELA PAVAN Doutora em Multimeios (Unicamp) e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integra o grupo de pesquisa Pragma: Pragmática da Comunicação e da Mídia: teorias, linguagens, indústrias culturais e cidadania, do Decom/ CCHLA/UFRN, cadastrado no CNPq. E-mail: [email protected] MARIA DO SOCORRO FURTADO VELOSO Doutora em Ciências da Comunicação (USP) e professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Integra o grupo de pesquisa Pragma: Pragmática da Comunicação e da Mídia: teorias, linguagens, indústrias culturais e cidadania, do Decom/CCHLA/UFRN, cadastrado no CNPq. E-mail: [email protected] MARIA ELISA MÁXIMO Doutora em Antropologia Social pela UFSC. Co-líder do GrupCiber e professora no IELUSC, onde coordena o Núcleo de Estudos em Comunicação (NECOM). E-mail: [email protected] NAYARA KLÉCIA OLIVEIRA LEITE Bolsista do PIBIC/CNPq/UFPB. Trabalhou na pesquisa com as con igurações de periferia nas telenovelas Duas Caras da Rede Globo de Televisão e Vidas Opostas da Rede Record. 388 Sobre os autores NÍSIA MARTINS DO ROSÁRIO Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutora em Comunicação Social pela PUC/RS, membro do grupo de pesquisa PROCESSOCOM. E-mail: [email protected] RAISSA LIMA ONOFRE Voluntária de Iniciação Cientí ica do Programa PIVIC/UFPB. SUSANA M. MORALES Especialista en Investigación de la Comunicación y Licenciada en Comunicación Social por la Universidad Nacional de Córdoba (UNC). Doctoranda en Ciencias Sociales de la Universidad Nacional de Buenos Aires. Becaria del CONICET. Actualmente, alumna de la Maestría en Comunicación y Cultura Contemporánea del CEA- UNC. Investigadora del Programa de Estudios sobre Comunicación y Ciudadanía. Integrante del Observatorio de Comunicación y Ciudadanía. Correo electrónico: [email protected] TABITA STRASSBURGER Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (2010). Mestranda do Programa de PósGraduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Integrante do Grupo de Pesquisa Processos Comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção – PROCESSOCOM. E-mail: [email protected] 389 Sobre os autores TATIANA DOS SANTOS PAIS Estudante de Graduação. 2º semestre do Curso de Comunicação Social Publicidade e Propaganda da UFRN, Bolsista Classe BNR do projeto Convergência Digital no cotidiano das práticas de Comunicação Comunitária e Alternativa em Rede na Região Metropolitana de Natal-RN inanciado pela Propesq/Proex/Prograd-UFRN. E-mail: [email protected] THEOPHILOS RIFIOTIS Professor do Departamento de Antropologia Social da UFSC. Coordenador do GrupCiber Grupo de Pesquisas em Ciberantropologia da UFSC e Vice-Presidente da ABCiber Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura. E-mail: ri [email protected] VÂNIA DE VASCONCELOS GICO Cientista Social. Doutora em Ciências Sociais. PhD em Antropologia da Saúde. Professora e Pesquisadora Associada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisadora da Base de Pesquisa Cultura, Política e Educação - Coordenadora da Linha de Pesquisa Sociedade, Dinâmicas Culturais, Memória. Coordenadora do Grupo de Estudos BOA-VENTURA - CCHLA/ UFRN, em convênio com a Universidade de Coimbra-Portugal. E-mail: [email protected]/ [email protected]. 390 Sobre os autores VIRGÍNIA SÁ BARRETO Virgínia Sá Barreto é professora do Departamento de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba ( UFPB). Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Forma parte do grupo de pesquisa Processos Comunicacionais: Epistemologia, Midiatização, Mediações e Recepção/ PROCESSOCOM/CNPq/ PPGCOM-UNISINOS. Coordena na UFPB a Rede AMLAT- Rede de Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina/PROSUL/CNPq/UNISINOS. E-mail: virginiasabarreto@ yahoo.com.br 391